Ontem de manhã, em conversa com leitora do blogue, perguntou-me se nunca tinha tido problemas com os produtores de leite.
Mal eu sabia que de tarde iria encontrar "
Produtores de leite reivindicam aumento do preço".
A verdade é que me passo mais com os jornalistas do que com os produtores de leite. Acho estranho um anónimo engenheiro da província, que nunca trabalhou no sector de lacticínios, saber mais sobre as estatísticas do sector e perceber as incongruências do que um jornalista, alguém que devia descobrir com um mínimo de preparação.
Reparem no lead do referido artigo:
"Os produtores saíram à rua diversas vezes este ano reclamando o regresso das quotas e contestando as importações e o que consideram ser "práticas comerciais abusivas"."
Como o artigo seria diferente se o jornalista da Lusa que redigiu o texto, perante o comunicado da Associação dos Produtores de Leite de Portugal (Aprolep), resolvesse abandonar a mera posição de megafone e fizesse o papel de mediador perguntando, por exemplo:
- Contestar as importações? Então quer dizer que os produtores portugueses devem deixar de exportar? (se calhar os produtores não perceberiam a ironia da pergunta, dado que fazem parte deste
universo, querem para si o que não querem para os outros)
Sim, um jornalista que escreve sobre o leite deveria conhecer os dados publicados pelo Gabinete de Planeamento, Políticas e Adm
inistração Geral acerca do "Leite e
Lacticínios". No índice, procurando "Comércio Internacional" é fácil ver como em 2015
Portugal importou 121 354 toneladas de leite. E exportou 216 091 toneladas de
leite.
Portanto a Aprolep quer acabar com estas exportações?
Podem estar a pensar: Ah! Estas importações devem ser a preços muito competitivos, se calhar estamos perante vendas abaixo do preço de custo para tramar os portugueses.
A realidade ainda é mais interessante. Em "
Leite e Lacticínios" é possível verificar que as exportações em 2015 foram feitas a um preço médio de 41 cêntimos e as importações a um preço médio de ... 60 cêntimos!!!
O referido Gabinete em Fevereiro de 2013 publicou uma Ficha de Internacionalização para o Leite e Lacticínios onde se podia ler:
"Análise Interna - Pontos Fracos
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1.Custos de produção elevados, em especial no Continente, relativamente aos existentes nos outros países produtores, nomeadamente, dos alimentos compostos (80-90%), o que retira capacidade de concorrência às nossas empresas;
...
2.Cultura empresarial que impede novas especificações e diferenciações para os produtos a exportar, em função da apetência e capacidade de valorização pelos consumidores nos mercados de destino;
.
3.Pressão crescente ao nível da distribuição no sentido da margem negocial, a par do crescimento das quotas de mercado das marcas de distribuidor;
.
4.Exportações centradas em produto de baixo valor acrescentado, especialmente de leite a granel, o que explica os termos de troca desfavoráveis (com excepção de 2007), com preços médios de exportação do leite em natureza inferiores aos de importação (leite embalado)"
Esta radiografia deveria pôr qualquer estratega de cabelos em pé!!!
Como é possível querer prosperar ou até sobreviver com 1 + 4?
Com 1, qualquer opção estratégica teria de passar pelo inverso de 4 o que pressupõe como base de trabalho o inverso de 2.
Com 2 + 4 é claro que 3 é a consequência natural. E, por favor, não diabolizem a distribuição por causa de 3. O 3 só existe por causa da fraqueza gerada por 2 e por 4.
Claro que os governos e os activistas, Cristas e Capoulas, tratam os produtores como crianças e evitam dizer-lhes as verdades na cara e, por isso, irão definhando ano após ano até que um Trump qualquer, de esquerda ou de direita, venha impor um proteccionismo que proteja os que não querem evoluir.