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segunda-feira, janeiro 13, 2025

Nem nem

Ontem no JN li "Jovens desempregados e sem estudar aumentam no Norte e no Alentejo". Não acham interessante?

Por que é que é preciso imigração? Porque não há gente para trabalhar...

Muitos empregos disponíveis estão em sectores que exigem baixa qualificação (agricultura, construção civil, limpeza, trabalho sazonal no turismo), que podem não ser atraentes ou adequados para jovens portugueses, que frequentemente aspiram a trabalhos mais qualificados. Os imigrantes, muitas vezes, estão mais dispostos a aceitar empregos que os jovens locais evitam, seja por falta de interesse, más condições de trabalho ou baixos salários. 

Logo, não há qualquer estímulo para melhorar as condições de trabalho nesses sectores (salários, estabilidade, protecção) para torná-los mais atraentes aos jovens locais.

No artigo lê-se:

"O Norte e o Alentejo foram as regiões do país onde o número de jovens entre os 16 e os 34 anos que não estudam nem trabalham mais se agravou entre 2022 e 2023, com subidas de 12% e de 15%, respetivamente.

...

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o Norte tem 73 mil jovens sem qualquer vínculo laboral ou ao mundo escolar. Os especialistas apontam o aumento da imigração, o abrandamento das exportações e os custos do Ensino Superior como potenciais causas para a situação na região."

Vamos admitir que os jovens não estão disponíveis para trabalhar em certos sectores por causa dos salários que são pagos e tornam impossível uma vida independente dos pais. Qual a solução?

Focar em atrair investimentos para sectores de alto valor acrescentado, que podem criar empregos qualificados para jovens locais. BTW, a lição irlandesa, again.

sexta-feira, janeiro 10, 2025

Portugal, Netflix e produtividade

Ainda ontem, na "Curiosidade do dia", voltei a usar a metáfora:

"ninguém diz ao filho de 5 anos que a festa de Natal do seu jardim-escola foi uma valente porcaria."

Comecei a usar essa metáfora em Fevereiro de 2024 em "Outra coisa que me faz espécie". Lista completa do seu uso: aqui.

A metáfora "ninguém diz ao filho de 5 anos que a festa de Natal do seu jardim-escola foi uma valente porcaria" encapsula a dificuldade cultural e emocional de confrontar realidades desconfortáveis ou mediocridades com honestidade brutal. Ela descreve a tendência de evitar críticas directas, especialmente em contextos onde há a expectativa de proteger ou encorajar aqueles que ainda não atingiram a maturidade — seja emocional, profissional ou estrutural. É uma forma de ilustrar que a complacência e o elogio vazio podem perpetuar estagnação e inacção, em vez de fomentar crescimento e evolução.

No contexto de Portugal e da produtividade empresarial, a metáfora aponta para uma necessidade urgente: abandonar a retórica de conforto e assumir a verdade sobre o desempenho económico. O país não conseguirá alcançar a produtividade média europeia suportado em empresas que operam em sectores pouco produtivos, dependentes de baixos custos ou desprovidas de inovação ou marca/design. A ilusão de que as coisas podem melhorar com soluções simplistas — como formações isoladas, subsídios ou reduções pontuais de impostos — é semelhante ao sorriso amarelo dos pais na festa escolar: confortável, mas ineficaz.

Portugal precisa de uma política económica - que tenha coragem de encarar os desafios estruturais de frente. Isso significa:

  • Deixar empresas improdutivas morrerem: Recursos escassos devem ser alocados a projectos com potencial real de retorno e crescimento. Persistir em salvar empresas que não conseguem competir internacionalmente apenas perpetua a mediocridade e reduz a eficiência do tecido empresarial.
  • Atrair empresas com capital e know-how de alta produtividade: A experiência irlandesa mostra que o salto de produtividade não ocorre apenas melhorando o existente, mas atraindo novas empresas e sectores que transformam a economia estruturalmente. Numca esquecer os números deste postal "Em Portugal, a conversa de café é a norma (parte II)"
  • Aceitar a dor da transição: A transição será desconfortável, com perdas inevitáveis. Mas a longo prazo, um "metabolismo económico" saudável — onde empresas novas substituem as antigas e recursos são realocados de forma eficiente — é essencial.

Confrontar o "filho de 5 anos" com a verdade pode parecer cruel, mas é um acto de maturidade colectiva. É o único caminho para abandonar a postura complacente de "China da Europa" do passado e construir um futuro onde Portugal seja produtivo, capaz de alcançar o nível médio de desenvolvimento económico europeu.

Ontem, durante a caminhada matinal li mais uma série de textos do último livro de Seth Godin, "This is strategy", a certa altura apanho isto:

"93. When Did Netflix Become Netflix?

Netflix began as a DVD rental company. Ubiquitous red envelopes and a huge selection were the hallmarks of their early success.

After they defeated Blockbuster and had the market to themselves, Reed Hastings and Ted Sarandos made a strategic decision to shift the future of the company to streaming movies and original programming. And they communicated this commitment in a very simple way:

They stopped inviting the DVD leadership team to meetings. [Moi ici: Percebem o significado crítico desta decisão? Percebem a coragem que a suporta?]

Even though DVD rentals were all of their profit and most of their revenue, they knew that having these powerful voices in the room would ultimately lead to compromises designed to defend that line of business.

Our next move is often something that decreases the value of our previously hard-won assets."

Isto está a ficar longo 😬😬😬 ...  

A metáfora do "filho de 5 anos na festa de Natal do jardim-escola" e o exemplo da transição estratégica da Netflix estão intrinsecamente ligados por um princípio comum: a coragem de abandonar o conforto do status quo e confrontar a realidade para permitir a evolução e o crescimento.

No caso da produtividade empresarial em Portugal, como na história da Netflix, o apego a modelos existentes — empresas de baixo valor acrescentado, dependentes de custos baixos ou métodos ultrapassados — funciona como a "DVD leadership team" nas reuniões da Netflix. Essas estruturas, ainda que responsáveis por sustentar parte da economia actual, limitam a visão e o potencial de transformação necessária para competir em mercados globais.

A decisão estratégica de Reed Hastings e Ted Sarandos de excluir a "DVD leadership team" das reuniões não foi apenas prática, mas simbolicamente poderosa. Eles reconheceram que, para avançar, era essencial abrir espaço para ideias alinhadas com o futuro, mesmo que isso significasse sacrificar o presente. Da mesma forma, Portugal precisa deixar morrer (deixar morrer não é o mesmo que matar) empresas ou modelos que não têm futuro, para realocar recursos e criar espaço para negócios inovadores, especializados e de maior produtividade.

Essa transição não é fácil, seja para empresas, seja para economias. Envolve perdas, dor, mudanças e resistência, mas é a única forma de garantir um "metabolismo económico" saudável, em que novas empresas possam surgir e substituir as antigas. Como Seth Godin aponta, o próximo passo frequentemente reduz o valor dos activos conquistados no passado, mas essa é a essência da inovação e do progresso.

Enquanto continuarmos a bater palmas para a festa do jardim-escola, ou a insistir em proteger o que é pouco produtivo, não conseguiremos criar um futuro economicamente vibrante. Portugal precisa da coragem de encarar as suas limitações, tal como a Netflix o fez, abandonando estratégias de curto prazo para abraçar uma visão ousada e transformadora.

quinta-feira, janeiro 09, 2025

Outra vez a destruição criativa, ou a sua ausência


Li no FT de 8 de Janeiro passado, "The forces of preservation are limiting growth" algo em linha com o que escrevemos aqui no blogue há anos e anos:
"Creative destruction is central to long-term economic growth as it enables people, capital and other resources to be continuously better deployed. [Moi ici: A "destruição criativa" é essencial para o crescimento económico de longo prazo]
...
But pan out and it is not so obvious. 't is hard to measure directly, said Michael Peters, an associate professor of economics at Yale University. 'But, in America, if you look at entry rates, exit rates or the frequency of job-to-job transitions — which are proxies for business dynamism — they have been falling in the last decade.' [Moi ici: A concentração de mercado e o apoio estatal excessivo a empresas incumbentes podem limitar a dinâmica dos negócios e a inovação]
...
Protectionism is another growth-suppressive force. Tariffs and non-tariff barriers prop up domestic producers, stymying the innovative pressure of competitive forces. [Moi ici: Tarifas e barreiras regulamentares dificultam a entrada de novas empresas e limitam a disseminação de novas ideias]
...
A greater policy focus on economic agility would help. Trade and competition regimes should lower barriers to market entry. National retraining schemes need to support industrial transformation. [Moi ici: Reformas fiscais e regulamentares são necessárias para impedir a manutenção de "empresas zombi" e estimular um mercado mais competitivo]
...
Nimbysm, industrial lobbies and regulatory burdens are all examples. Red tape is a reason why California has the highest outflow of companies of any US state."  [Moi ici: O impacte do poder corporativo no atraso da inovação e no bloqueio da alocação eficiente de recursos através do conluio com os poderes instituídos]

No livro de Phill Mullan, "Creative Destruction", ele escreve sobre isto (no DN de ontem) "BCE estima que impacto económico dos PRR vai ser mais fraco do que o previsto":

"Williams calculated that the increase in US real GDP for every incremental dollar of debt was $4.61 between 1947 and 1952, falling to $0.63 between 1953 and 1984. This period ended with the takeoff of debt-fuelled activity. Between 1985 and 2000 the additional value per dollar fell further to $0.24, declining by another two-thirds to $0.08 between 2001 and 2012.

...

"Zombification is more serious than the proliferation of zombie businesses. It promotes a broader economy that obstructs economic restructuring. State measures to artificially boost economic output and maintain higher employment levels obscure the urgency of restructuring and block the potential allocation of resources to more productive purposes.

...

Over time even the surface-level benefits from coping measures fade. This is not immediately apparent because the exhaustion of uplifting effects rarely leads to the particular support mechanism being openly abandoned. On the contrary, it usually prompts more of the same treatment. Efforts are redoubled on the presumption that there has not been enough of it."

O epitáfio:

"Accepting more dependency on state intervention to cope with sluggish economic conditions becomes the default position for individual business. This takes over from engaging in the risk and disruption involved in carrying out their own technological revolutions. Better to prosper in an environment of silent corporate dependency on the state, than risk all on a new entrepreneurial venture.

Individual businesses and their workforces may enjoy the immediate benefit of stability and continuity, but over the longer term the economy and all the people who rely on that economy for their livelihood and incomes will suffer. A zombie economy becomes a black hole that sucks in and dampens all activity, and frustrates creative impulses. It represents a 'trap'"

domingo, dezembro 29, 2024

Se jogasse bilhar como uma profissional ...

Como é que se cria a economia do futuro?

Primeiro, deixar as empresas do passado morrer! 

Mas como se sabe quais são as empresas do passado? Os gestores não sabem, os governos não sabem, é deixar que o mercado faça a triagem sem beneficiar amigos. Por isso, o meu grito de há muito: 

- DEIXEM AS EMPRESAS MORRER!

Quando as empresas morrem, no curto prazo geram desemprego. 

Este gráfico publicado há dias pelo IEFP mostra o panorama:

Entretanto, os jogadores amadores de bilhar empertigam-se, ""Até agora não ouvimos nada do Governo sobre transição ou despedimentos"":
"Pensar quais são os setores estratégicos e ambientais e ambientalmente sustentáveis que Portugal pode desenvolver."
Mariana Mortágua acha que os governos de turno sabem ler o futuro e definir quais são os sectores estratégicos que o país pode desenvolver!!!! Extraordinário.

Agora, Mariana Mortágua está preocupada com os despedimentos no sector têxtil!!! Aumentos do salário minímo acima do aumento da produtividade vários anos a fio geram ... falta de competitividade. A velha estória de 2009 sobre a incongruência estratégica em Acham isto normal? Ou a inconsistência estratégica! Ou jogar bilhador como um amador! Se Mariana Mortágua jogasse bilhar como uma profissional não se ficaria pela peça de dominó imediata, veria as peças seguintes e talvez percebesse a teoria dos flying geese.

O desemprego para alguns é uma benesse, para muitos é uma tragédia pessoal. Por isso, as pessoas nessa situação devem ser apoiadas. Por isso, falo de dor na transição, tema que deu origem a uma série de postais: Falta a parte dolorosa da transição (Parte VI). Como é que se minimiza a dor e se cria a economia do futuro? Há pouco mais de um ano escrevi: Menos dor na transição.

Isto está tudo encadeado. Precisamos de empresas da economia do futuro, com produtividades elevadas. Por isso:


sábado, dezembro 28, 2024

É assim que se consegue ser competitivo sem ser produtivo


Em "O que existe é falta mão-de-obra barata" de Novembro passado citei um artigo de Eric Weinstein, "How and Why Government, Universities, and Industry Create Domestic Labor Shortages of Scientists and High-Tech Workers".

Entretanto na capa do DN do passado dia 24:

O artigo é mais um monumento à ... externalização dos custos para os contribuintes:
"A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) defende que seja garantido um tempo de permanência mínima dos trabalhadores estrangeiros no país, de forma a evitar que estes profissionais migrem para outras geografias na Europa. "Este visto não será apenas válido para Portugal, é válido para o Espaço Schengen, do qual fazemos parte. Não faz sentido que sejam as empresas portuguesas a custear a formação, a deslocação para Portugal e os custos de estadia e que, depois, Portugal seja uma porta aberta para a Europa à custa do investimento das empresas portuguesas. Precisamos de encontrar soluções que não violem as regras comunitárias de circulação de pessoas e que acomodem essa circunstância para que as empresas não estejam a investir correndo depois o risco de perderem os trabalhadores", explica ao DN o presidente da CIP.
...
O líder da CIP sugere que os contratos laborais celebrados definam um período mínimo de permanência ou, em alternativa, que o Governo garanta um mecanismo de reembolso dos custos contraídos com os trabalhadores. ... As empresas não podem ter as responsabilidades todas, é preciso que exista uma garantia caso as coisas corram mal", aponta."
Pode a proposta de um "período de lealdade" ou vinculação obrigatória dos trabalhadores imigrantes aos seus empregadores ser equiparada a uma forma de exploração moderna, suscitando comparações com a escravatura sob o disfarce de política?

Por que raio há-de o ónus financeiro ser transferido para os contribuintes para pagar a empresas que não sabem ou não conseguem manter trabalhadores ao seu serviço?

Ao impor contratos de lealdade, os empregadores e o Estado criam um desequilíbrio de poder onde os migrantes têm pouco ou nenhum poder negocial. Isto compromete a sua autonomia, tornando-os dependentes dos seus empregadores para o seu estatuto legal e necessidades básicas. Isto assemelha-se aos sistemas de servidão por contrato historicamente utilizados, onde os trabalhadores eram obrigados a servir por um período fixo, frequentemente sob condições adversas, em troca de transporte ou outros benefícios. O enquadramento moderno disto como política incentiva a exploração sistémica.

No artigo, Weinstein defende que o conluio entre governo e empresas manipula o mercado de trabalho criando escassez artificial ou controlando a mobilidade dos trabalhadores para manter os custos baixos. Tais políticas não visam o bem-estar dos trabalhadores, mas sim optimizar os lucros dos empregadores através do aproveitamento de mão-de-obra barata e controlável.

Não esquecer:

"In such a market economy, employers signal a need for domestic talent through improving wages, benefits, and terms of employment. They signal a desire to avoid the high prices for domestic talent by turning to government in search of visas."

"A tight labor market, when unemployment is low, may be awkward for some employers, but it does wonders for workers, particularly disadvantaged ones. In a tight labor market, as in World War II, women got good blue collar jobs in factories; in tight labor markets the old and the young are courted, racial prejudices forgotten, and employers make efforts to improve wages and working conditions. 

We should be extremely hesitant about using immigrant visas to loosen labor markets. As we all learned in college economics, when a supply increases, its value decreases."

-David North, Director of the Center for Labor and Migration Studies in testimony concerning the Immigration Act of 1990.

...a tight labor market is the best friend of the underclass. I guess that's the way that I feel, that we should worship a tight labor market for the underclass because it really requires employers to reach down and train and retrain people and give them the jobs that they have."

-Governor Richard Lamm in testimony concerning the Immigration Act of 1990.

"I believe strongly that labor shortages are wonderful, and we should never do anything to eliminate that pressure, because it is forcing us to ask all the right questions about education and health, antidiscrimination policy, all the right policies are in place. In many ways, the whole idea of trying to get our nation to full employment was exactly to get itself in a state of perpetual concern about the readiness of our labor force. That is what tight labor markets mean."

-Vernon Briggs in testimony concerning the Immigration Act of 1990. (pg. 289) 

Não percebo como a esquerda se aliou ao patronato.

Depois não se venham queixar que a produtividade não sobe. É assim que se consegue ser competitivo sem ser produtivo. A mobilidade laboral permite que os trabalhadores se desloquem para regiões ou indústrias onde as suas competências são mais necessárias, aumentando a produtividade económica, reduzindo as ineficiências e deixando morrer as empresas que não evoluem.

sábado, dezembro 21, 2024

Epifanias e avestruzes

"Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal, assume também preocupação, antecipando que o cenário possa agravar-se "não só em Portugal, como na Europa". E reforça: "Portugal especializou-se durante muito tempo em baixo custo, e isso deixou de ser competitivo. Precisamos de começar a competir em nichos de mercado de valor acrescentado, com inovação, produtividade e competitividade, e muitas empresas não estão a conseguir fazer esse caminho."

Ah, uma brilhante epifania! 

Após décadas a surfar a onda dos baixos custos, descobrimos agora que... surpresa! - já não somos competitivos. E a solução proposta? "Vamos para os nichos de valor acrescentado!" Como se fosse tão simples quanto mudar o menu de um restaurante.

Senhor presidente, produzir para nichos não é como trocar de gravata. Não basta dizer às fábricas customizadas para o volume: "A partir de segunda-feira, somos premium!" 

Uma fábrica, uma empresa desenhada para custos baixos e grandes volumes é como um petroleiro - não é fácil fazê-la comportar-se como, transformar-se, num iate de luxo.

Os nichos premium exigem:

- Fábricas que respirem flexibilidade, não linhas rígidas de produção em massa.

- Trabalhadores formados para pensar, não para repetir.

- Redes de fornecedores de alta precisão, não os mais baratos.

- Canais de distribuição especializados que conhecem o cliente final.

- Marketing que vende valor, não preço.

- I&D que inova, não que copia.

É como tentar transformar um McDonalds num restaurante estrela Michelin. Não basta mudar o menu e subir os preços - é preciso mudar tudo, desde os fornecedores até à formação dos colaboradores.

Tenho a certeza que uma declaração assertiva de uma confederação empresarial vai magicamente transformar décadas de cultura industrial e práticas empresariais. Afinal, o que é que poderia dar errado?

Este é o equivalente industrial a descobrir que devíamos ter começado a poupar para a reforma... aos 64 anos. Um pouco tarde, não? 

Por isso é que em 2007 roubei esta citação a Maliranta:

"It is widely believed that restructuring has boosted productivity by displacing low-skilled workers and creating jobs for the high-skilled."Mas, e como isto é profundo: "In essence, creative destruction means that low productivity plants are displaced by high productivity plants." Por favor voltar a trás e reler esta última afirmação.

"Do lado sindical, o discurso é contido. A palavra de ordem é "evitar o dramatismo, porque trabalhadores com medo estão menos dispostos a lutar", vinca um dirigente sindical, pedindo para não ser identificado."
Ah, que magnífica demonstração de "liderança sindical"! Temos aqui a versão sindical da avestruz - enterremos a cabeça na areia e fingimos que o predador não está lá.


"Evitar o dramatismo" - porque aparentemente a realidade não é dramática o suficiente por si só. As fábricas fecham, os postos de trabalho desaparecem, mas shhh... não vamos falar disso. Afinal, para quê informar os trabalhadores da realidade completa? Pobrezinhos, podem ficar assustados...

É uma posição paternalista absolutamente brilhante: vamos proteger os trabalhadores da verdade para que possam "lutar" melhor. Porque toda a gente sabe que as melhores decisões são tomadas com base em informação incompleta, não é?

E a cereja no topo do bolo? O dirigente sindical que não quer ser identificado. Nada diz "estamos prontos para lutar" como um líder que prefere o anonimato ao discutir a sua própria estratégia de comunicação.

Trechos retirados do artigo "Automóvel e têxtil cortam postos de trabalho" publicado no Caderno de Economia do semanário Expresso do passado dia 20.12.

sexta-feira, dezembro 20, 2024

Produtividades: europeia versus americana

No WSJ do passado dia 17.12 este texto "Why the U.S. Is Trouncing Europe" com um tema interessante e de esfregar na cara aos adeptos da caridadezinha:

O velho tema da "caridadezinha" aqui no blogue. Recordo:

Primeiro os ingredientes:
 
"Economists never cite one of the most significant statistics about the U.S. economy. According to data released last week by the Organization for Economic Cooperation and Development, only about 12% of Americans score at the highest levels on internationally administered academic tests, while 34% score at the lowest levels - nearly three low scorers for every high scorer. Germany's figures are nearly even: 18% score at the highest levels and 20% at the lowest. Put another way, Germany's ratio of high to low scorers is almost three times America's. Scandinavia's is five times; Japan's, seven.
These enormous differences have profound economic implications.
...
Yet America excels relative to Europe despite these enormous differences. While Europe has created 14 companies worth more than $10 billion in the past 50 years, with about $400 billion of market value in total, Americans have created nearly 250 such companies, worth $30 trillion. That success has driven up America's middle-class incomes. The median disposable U.S. household income, according to the OECD, is now 25% greater than the median German household and 60% greater than the median household in Italy.
...
The belief that taxing success more heavily will scarcely slow inevitable progress ignores the importance of being first to market and founding successful companies in America rather than the rest of the world, the enormous difference in the training and expected payoffs for successful risk-taking that it creates for America's talented workers, and the motivational effect higher expected payoffs for successful risk-taking have on our talented workers."
Se os economistas europeus realmente acreditam que o "Relatório Draghi" será a varinha mágica que tornará a Europa mais rica que os Estados Unidos, talvez estejam a subestimar a essência do sucesso americano: uma mistura de inovação à solta, tolerância face ao fracasso e uma boa dose de audácia que transforma ideias malucas em empresas bilionárias. Enquanto a Europa redige relatórios de 300 páginas, os americanos já lançaram três startups e uma criptomoeda. Portanto, se o plano europeu é ultrapassar os EUA apenas com novas regulamentações e ajustes fiscais, talvez seja melhor preparar um "Relatório Draghi 2.0" - desta vez com capítulos sobre como adoptar uma mentalidade mais empreendedora, com um anexo explicando como transformar burocratas em visionários e professores de economia em investidores de capital de risco. Afinal, quem sabe? Se o próximo relatório tiver menos fórmulas e mais fé no imprevisível, talvez a Europa tenha sua chance.

quarta-feira, dezembro 18, 2024

Não alimentem zombies...


 Ontem no JdN, "Um quarto das empresas está em falência técnica":

"Das mais de 500 mil sociedades em Portugal, mais de 25% têm capital próprio negativo. PME são as que mais pesam no valor negativo global. Baixo nível de autonomia financeira agrava riscos associados à descapitalização das empresas."

Deixem as empresas morrer! Não alimentem zombies porque eles acabam por infectar quem os alimenta. 

segunda-feira, dezembro 16, 2024

Flying Geese ao vivo e a cores - outro exemplo

Depois de Flying Geese ao vivo e a cores segue mais um exemplo da transição: Avincis quer "helis" de Itália e Suécia a fazer manutenção em Portugal

A Avincis está a expandir suas operações em Portugal, especialmente no campo de manutenção de aeronaves e serviços aéreos de emergência. Este movimento reflecte a mesma lógica estratégica que foi mencionada no texto inicial sobre a Lufthansa e a Coloplast:

  1. Transição para sectores de alto valor acrescentado: Assim como os investimentos da Lufthansa em motores de aviação e da Coloplast em tecnologia médica trazem indústrias de alta tecnologia para regiões tradicionalmente focadas em sectores maduros, a Avincis também está a promover um avanço ao transformar Portugal num centro relevante para manutenção aeronáutica de grande escala.

  2. Valorização da mão de obra local: A reportagem destaca que a Avincis treina e emprega técnicos locais, criando novas oportunidades em áreas de maior produtividade e remuneração. Este alinhamento com a formação especializada e transferência de know-how segue a mesma lógica das multinacionais mencionadas no texto inicial.

  3. Reforço da competitividade/produtividade e resiliência económica: Ao trazer operações de manutenção avançada de outros países para Portugal, a Avincis aumenta a atractividade económica do país, tal como ocorre nos exemplos da Lufthansa e Coloplast.

Portanto, a expansão da Avincis em Portugal ilustra mais um caso de "migração de valor" para novos sectores, minimizando os impactes de declínios em áreas tradicionais e contribuindo para um desenvolvimento económico mais sustentado.

quinta-feira, dezembro 12, 2024

Flying Geese ao vivo e a cores

O meu modelo mental sobre a economia foi estilhaçado sem salvação quando li "How Rich Countries Got Rich and Why Poor Countries Stay Poor" de Erik S. Reinert com trechos como os citados em Para reflexão e em The "flying geese" model, ou deixem as empresas morrer!!!

O meu grito "Deixem as empresas morrer!" é anterior a conhecer a Reinert.

Há quem acredite que o progresso de uma economia como a portuguesa depende de "melhorar" o que já existe. A mesma cantilena de sempre: fundir PMEs, formar empresários, investir em tecnologia e simplificar processos. Mas e se o verdadeiro problema for a própria natureza dos sectores em que tantas dessas empresas operam? 

Hoje acredito que o aumento da produtividade que o país precisa não pode ser pedido ao tecido produtivo existente (Think again! e Vamos repetir outra vez: Um oxímoro!), mas tem de vir seguindo o modelo "flying geese", ou seja, fazendo que empresas de sectores com maior valor acrescentado ganhem preponderância e peso na economia. A teoria dos "Flying Geese" ensina-nos que a solução não está em insistir em sectores maduros de baixa margem, como o calçado e o têxtil, mas em migrar para indústrias de maior valor acrescentado. Portugal não pode pedir aos seus sectores mais tradicionais que liderem o aumento de produtividade de que tanto precisa. Eles já deram o que tinham a dar. Insistir neles é como tentar tirar água de um poço seco. Sim, empresas individuais nesses sectores vão sobreviver, vão subir na escala de valor e ter sucesso, mas o peso deses sectores em termos de emprego vai cair.

Deixar as empresas morrer, significa assumir um período de transição dolorosa que gera desemprego e que só pode ser reduzido pela entrada das empresas da nova economia. Por isso, escrevi Menos dor na transição como um exemplo do que se pretende.

Entretanto, por estes dias li no JN "Insolvências em fábricas fustigam o Norte do país" e "Lufthansa cria 700 postos de trabalho com nova fábrica de reparação de peças de aviões na Feira".

O investimento da Lufthansa em Santa Maria da Feira e o da Coloplast em Felgueiras exemplificam perfeitamente a lógica da teoria dos "flying geese" para minimizar a dor da transição económica. Ambos representam movimentos estratégicos para trazer indústrias de maior valor acrescentado a regiões tradicionalmente dependentes de sectores mais maduros, como o calçado e o têxtil.

No caso da Lufthansa, o foco em reparação de motores e componentes de aviação coloca a região no mapa de uma indústria de alta tecnologia, exigindo competências especializadas e oferecendo melhores condições laborais. Já o investimento da Coloplast em Felgueiras, na área da tecnologia médica, promove um salto semelhante, tirando partido de uma força de trabalho local que pode transitar para funções de maior produtividade e remuneração.

Ambos os casos alinham-se com a ideia de "migrar valor" para novos sectores, aliviando o impacte do declínio dos tradicionais. Em vez de tentar melhorar o que já existe nesses sectores maduros (sapatos e têxteis), estas empresas estão a criar novas "profissões", aumentando a competitividade local e a atractividade económica de Portugal. 

A estratégia reduz a dor da transição porque oferece aos trabalhadores locais oportunidades concretas para sair de sectores de baixa margem para indústrias com elevado valor acrescentado – tudo sem depender apenas de formação genérica, mas sim de modelos de negócio que incluem formação específica e know-how transferido directamente pelas multinacionais. Este ponto é crucial porque quebra o ciclo vicioso identificado por Reinert, no qual o investimento em educação ou tecnologia não resulta em grandes ganhos em sectores de baixa margem. Em vez disso, o investimento em sectores de alto valor cria oportunidades reais para os trabalhadores deslocados (recordar a caridadezinha e o lerolero).




sábado, novembro 23, 2024

Teoria versus estatística (realidade)

Quem lê os jornais e vai a conferências sobre o que é preciso fazer para aumentar a produtividade das empresas portuguesas inexoravelmente acaba por ouvir que as empresas precisam de ser maiores, que as empresas portuguesas são demasiado pequenas.

Por exemplo, recordo de Maio de 2013, "Mas claro, eu só sou um anónimo engenheiro da província", e de Outubro de 2020, "Tamanho e produtividade".

Penso que esta receita é demasiado simplista. Considerem um sector económico onde actuam as nossas PMEs. O mercado servido por uma empresa de 40 trabalhadores é muito diferente do mercado servido por uma empresa com 200 trabalhadores. O modelo de negócio, os clientes-alvo e a proposta de valor são diferentes. Recordo o que tenho escrito sobre o papel da experiência anterior para limitar o campo de possibilidades do futuro, por exemplo de "Não é impunemente ...".

Entretanto, encontrei uma revista incluída no jornal Labor do passado dia 14 de Novembro. Muitos artigos sobre o calçado. Destaco este, "45 Novas empresas de calçado desde o início do ano", e esta citação:

"A nota divulgada pela APICCAPS refere ainda que, segundo o Eurostat, até ao final de 2022 (altura em que foram disponibilizados os últimos dados), Portugal tinha 2.428 empresas de calçado, responsáveis por 41.170 postos de trabalho, menos 380 (2.808) do que as registadas em Espanha (26.622 trabalhadores) e 3.953 a menos do que em Itália (73.218 trabalhadores).

"Feitas as contas, uma das particularidades da indústria portuguesa de calçado prende-se com a dimensão média das suas empresas, consideravelmente maior do que a dos concorrentes externos. Cada empresa portuguesa emprega, em média, 30 trabalhadores, enquanto as italianas apenas nove e as espanholas seis", conclui a nota da APICCAPS."

O que tenho escrito aqui ao longo dos anos sobre o futuro do calçado?

"O sector do calçado vai encolher, e vai ter de subir ainda mais na escala de valor, ou seja, vai ter de anichar e trabalhar para segmentos de muito maior valor acrescentado, luxo mesmo talvez." 

Retirado de "De liana em liana" de Outubro de 2024 e de "e sinto que algo não bate certo" de Fevereiro de 2024.

Ei, mas eu só sou um anónimo da província.

quinta-feira, novembro 21, 2024

Criar zombies e estagnar a economia


Esta semana umas viagens de comboio permitiram avançar na leitura dos capítulos sete "Contained Depression" e oito "The Zombie Economy" do livro de Phil Mullan, "Creative Destruction".

Nada de verdadeiramente novo nas conclusões face ao que se defende aqui no blogue há anos e anos. O que é verdadeiramente interessante são os gráficos a suportar as afirmações. Por exemplo, só relativamente aos Estados Unidos. O gráfico 7.1 ilustra a redução progressiva, recessão após recessão, da quebra do PIB (A volatilidade dos ciclos económicos tem-se vindo a reduzir desde os anos 1980, devido ao crescente controlo estatal e às políticas de estabilização. Isso diminuiu os efeitos disruptivos das crises, mas também retarda as transformações económicas necessárias para o crescimento), e o gráfico 7.5 que ilustra como, em cada ciclo económico, cada vez se perdem menos empregos mas também se criam menos novos empregos. 

A "estabilização" resulta num status quo de estagnação, no qual a capacidade produtiva e os empregos bem remunerados se deterioram lentamente. Esse modelo troca a possibilidade de disrupção económica por uma estagnação prolongada. Esta depressão contida, daí o título do capítulo, facilita a aceitação política e social de um "novo normal", onde crises contínuas são toleradas em troca de estabilidade imediata. Isso torna mais difícil superar o estado actual de estagnação económica

Estabilidade é obtida à custa de dinamismo económico. Uma das secções do capítulo é "The atrophy of economic dynamism": Taxas mais baixas de rotatividade de empresas, menos startups e um foco na estabilização em vez do crescimento levaram a uma estrutura económica ossificada que carece de vitalidade e inovação.

No capítulo 8 descreve-se a economia zombie. Uma economia onde empresas improdutivas continuam a operar devido a apoio estatal, como taxas de juros extremamente baixas e políticas que evitam falências. Isso impede o processo de destruição criativa necessário para revitalizar a economia. Como consequência as empresas mais produtivas enfrentam dificuldades para crescer, enquanto os novos negócios encontram barreiras à entrada devido à concorrência artificialmente mantida por empresas zombies.

A estagnação na criação de empregos e na adopção de tecnologias avançadas é exacerbada por esta dinâmica.

As políticas estatais contemporâneas dão prioridade à estabilização económica ao invés do crescimento, perpetuando uma economia estagnada. Essas intervenções, muitas vezes bem-intencionadas, inadvertidamente bloqueiam a renovação económica. E novidades aqui neste blogue? Esta abordagem sacrifica o crescimento e o progresso económico futuros por uma estabilidade superficial no presente. A zombificação económica, além de reduzir a produtividade, dificulta a criação de empregos de alta qualidade e bem remunerados.

A excessiva intervenção estatal, destinada a estabilizar as economias, levou à proliferação de “empresas zombie” – empresas improdutivas sustentadas por taxas de juro artificialmente baixas e políticas de tolerância. Estas empresas afastam concorrentes mais eficientes, retardando a inovação e a renovação económica. Embora estas políticas possam proteger os empregos a curto prazo, trocam o crescimento e a produtividade a longo prazo pela estagnação. Uma "economia zombie" suprime a reestruturação dinâmica, levando a um investimento mais fraco e à não criação de emprego.


Zombies

dolorosa

morrer empresas

apoios comunitários

segunda-feira, novembro 18, 2024

"O que existe é falta mão-de-obra barata"

Primeiro: 

Segundo:

Terceiro:

Sublinho "They don’t want wages to rise."

Ou seja: Não existe falta de mão-de-obra. O que existe é falta mão-de-obra barata. Não percebo como a esquerda não percebe isto.

"To get an idea of expert opinion on this topic, consider the 1990 testimony of Dr. Michael S. Teitelbaum, later to become Vice-Chairman of the U.S. Commission on Immigration Reform and considered by many, the foremost expert on the migration of the highly skilled:

"...the very phrase itself, "labor shortage" provokes puzzlement or amazement among most informed analysts of U.S. labor markets. "

"[To attract] workers, the employer may have to increase his wage offer. ... So when you hear an employer saying he needs immigrants to fill a "labor shortage", remember what you are hearing: a cry for a labor subsidy to allow the employer to avoid the normal functioning of the labor market." (fonte)

-1990 Congressional Testimony of Dr. Michael S. Teitelbaum"

Recordo:

sexta-feira, novembro 15, 2024

"The End of Growth"

Esta semana o trabalho não tem deixado muito tempo para caminhadas e, por isso, a leitura do capítulo seis, "The End of Growth," do livro de Phil Mullan, "Creative Destruction" tem-se arrastado.

Do que li até agora destaco duas secções super-interessantes, "How the crisis of profitability curtails business investment" e "Investment languishes despite rising individual company profits".

Na primeira secção descreve-se como a economia atinge por vezes um estado em que as empresas têm mais dificuldade em obter bons lucros em comparação com a quantidade de dinheiro já investida na economia. Esta situação é como ter muitos investimentos antigos ou desactualizados que já não trazem retorno suficiente. Por causa disto, as empresas hesitam em investir em grandes novos projectos porque temem que não recebam o retorno suficiente dos mesmos. O autor dá o exemplo de uma empresa que possui máquinas que ainda funcionam, mas não são tão eficientes como as novas. Para comprar máquinas novas, a empresa pode ter de se livrar das antigas ou reduzir o seu valor, o que parece uma perda. Isto pode desencorajá-los de actualizar. Além disso, toda a economia pode ficar presa neste padrão: com menos investimento, há um crescimento mais lento e, com um crescimento mais lento, as empresas sentem-se ainda menos confiantes em investir em novos projectos. É como um ciclo que mantém a economia a andar a um ritmo mais lento.

Na segunda secção o autor refere que, embora algumas empresas ainda obtenham bons lucros, não estão a investir esse dinheiro de volta na economia. As empresas podem ter muito dinheiro, mas em vez de construírem novas fábricas, mantêm-no, compram activos financeiros ou devolvem-no aos accionistas. Isto é surpreendente para algumas pessoas porque lucros fortes significariam normalmente que as empresas deveriam estar mais dispostas a investir.

Por exemplo, uma empresa como a Apple pode ganhar muito dinheiro, mas em vez de usar tudo para fabricar mais produtos, pode recomprar ações ou pagar aos accionistas. Esta abordagem cautelosa é um sinal de que as empresas estão a agir de forma segura devido às incertezas económicas mais amplas. Assim, embora exista dinheiro disponível, as empresas hesitam em utilizá-lo para crescimento ou novos projectos, o que abranda ainda mais o desenvolvimento económico.

Uma empresa continua a comprar máquinas novas e caras para fabricar mais produtos mais rapidamente. Mas de cada vez que isso acontece, o aumento do lucro obtido com estas máquinas torna-se menor do que anteriormente. Com o tempo, esta empresa e outras semelhantes chegam a um ponto em que não conseguem obter lucro suficiente para justificar a compra de ainda mais máquinas ou tecnologias novas. Este processo abranda toda a economia porque menos empresas estão dispostas a assumir os custos e os riscos de grandes investimentos, com um impacte muito grande na evolução da produtividade. Para uma mudança significativa, é necessária uma reestruturação extensa, como durante o pós-Segunda Guerra Mundial, quando a destruição e a reconstrução levaram à recuperação económica. Sem alterações comparáveis ​​em grande escala, a baixa rentabilidade persiste.



sábado, novembro 09, 2024

Lucro, investimento e produtividade

Acabei a leitura do capítulo 5, "The problem of profitability" do livro "Creative Destruction", de Phil Mullan, mais uma boa leitura.

O autor discute o declínio persistente da taxa de rentabilidade como uma questão crítica que afecta as economias modernas. Este problema é visto como intrínseco ao processo capitalista, ligado à necessidade de aumentar o investimento de capital para aumentar a produtividade. A taxa de rentabilidade diminui geralmente à medida que se aplica mais capital, o que coloca desafios ao crescimento sustentado e ao investimento. Interessante como o autor cita Marx longamente.

A diminuição da rentabilidade prejudica o investimento empresarial, que é um motor fundamental da expansão económica. Quando os lucros descem em relação ao capital investido, as empresas estão menos inclinadas a investir noutras actividades produtivas. Esta situação leva à estagnação económica ou a uma depressão prolongada, como se verifica nas análises históricas.

O capítulo identifica um declínio secular e de longo prazo da rentabilidade desde o boom pós-Segunda Guerra Mundial. As taxas de lucro atingiram o pico na década de 1950, mas diminuíram nas décadas seguintes, com algumas estabilizações e pequenas recuperações após recessões. A tendência tem sido uma trajetória descendente da taxa de lucro ao longo do tempo nas principais economias industriais.

O paradoxo destacado neste capítulo é que os períodos de expansão económica podem acelerar o declínio da rentabilidade. Este declínio ocorre porque a rápida expansão económica requer um investimento de capital substancial, o que aumenta a produtividade mas reduz a taxa de lucro global à medida que se investe mais capital em comparação com os retornos. Esta relação leva à redução da rentabilidade durante períodos de crescimento.

Estão a ver para onde isto nos leva?



A diminuição da rentabilidade desencoraja o investimento empresarial. Esta relutância em investir perpetua a estagnação económica, uma vez que o investimento é crucial para o crescimento e o avanço tecnológico. Por sua vez, o investimento é o motor essencial da produtividade. Contudo, à medida que a rentabilidade cai, o incentivo para investir diminui, o que prejudica o crescimento da produtividade. Isto cria um ciclo de feedback em que a baixa rentabilidade limita o investimento, resultando num crescimento estagnado ou baixo da produtividade. 

Aquele sinal mais quer dizer que o feedback loop é positivo, ou seja, é auto-catalítico, auto-reforça-se a cada volta que dá. Por isso, amplifica os seus próprios efeitos, transformando pequenos problemas em grandes crises. Sem intervenção, cada ciclo piora o resultado, criando uma espiral descendente da qual é difícil escapar.

sexta-feira, novembro 08, 2024

Sem investimento a produtividade não cresce

Acabei a leitura do capítulo 4, "Why investment matters" do livro "Creative Destruction", de Phil Mullan. 

O capítulo começa com:

"The prolonged weakness of capital investment is the main explanation for the perpetuation of the Long Depression. Without the transforming investments that embody technological advances, innovation will remain deficient, sustained productivity growth will not occur and stagnation will continue. The research and science that come up with new ideas are insufficient to bring about progress on their own. They only acquire social value through the investment that realises them in innovating ways that add to human pleasure or prosperity."

Tal como no capítulo 3 o autor dedica parte importante do capítulo a ilustrar como um mundo de fantasia é criado com a manipulação dos indicadores, alargando o âmbito daquilo a que se chama de investimento.

No entanto, gostava de focar a atenção em dois tópicos:

"The more relevant economic proportionality for assessing investment needs is not between manufacturing and services, but between low value adding and high value adding sectors. Generally it is the low value activities, whether making goods or providing services, that are of low capital intensity. This applies to simple manufacturing assembly operations, as it does to serving food and drink, cleaning, personal care, or shelf stacking.

High value industries, in contrast, whether manufacturing, extractive or services, are more likely to require capital investment to increase their capacity to produce at high levels of productivity. This applies as much to a modern transport system or a communications network as it does to advanced manufacturing. Even agricultural activities like dairy production - traditionally regarded as low-tech and labour intensive - are becoming much more automated and capital intensive: robots now milk cows. A return to durable economic growth will require continuing levels of investment in higher value sectors - services or goods based - to expand, maintain and upgrade capital assets."

Algo que permeia este blogue frequentemente: a importância de subir na escala de valor para aumentar a produtividade à custa da eficácia e não da eficiência. Recordar o que significam as imagens e a sua sequência na figura que ilustra os Fliyng Geese.

"Calling spending on workers' skills 'intangible investment' while downplaying the role of capital investment again mystifies the production process. Production brings workers and tangible capital together; neither is effective on their own. A machine is just an inert piece of kit until humans activate it. A person can work just with their hands without any tangible capital but their activities will remain primitive: crop picking by hand, or a home-visiting masseur. Not much else is possible for humans without some tools, or premises, or raw materials to work with.

Prioritising the role of human capital can divert from the requirement for much more tangible, innovation-carrying, capital investment. Too little of the latter has been undermining effective production, thereby holding back the productivity of the workers who make up the human capital. People who do not have the opportunity of working with modern technology are not that productive, and most do not have fulfilling work experiences either.

...

Increasing workforce skills are of no value economically in the absence of the capital investment, technology and jobs to use them. Devoting extra resources to training will not produce economic benefits if there are insufficient high-skill, high productivity jobs for the workforce. A supply of skilled people does not create a demand for them, and skills that are not used are rapidly lost. To be effective, skills need to combine with other factors in production, especially those deriving from adequate amounts of capital investment in innovation."

O velho tema da "caridadezinha" aqui no blogue. Recordo:

Mas há muito mais.

quinta-feira, novembro 07, 2024

Inovação versus produtividade

Um mundo de fantasia criado pela manipulação de indicadores ao estilo de "wag the dog".

Acabei a leitura do capítulo 3, "Innovation Puzzles" do livro "Creative Destruction", de Phil Mullan, que explora as complexidades e os desafios que rodeiam o conceito de inovação, particularmente nas economias ocidentais, e avalia criticamente pressupostos e medições comuns a ele associados. Algumas das ideias:

Mullan defende que a inovação foi elevada a um estatuto quase sagrado, muitas vezes aplicada de forma ampla a conceitos muito distantes dos avanços tecnológicos reais na produção. Isto levou ao que ele chama de “exagero da inovação”, onde até mesmo pequenas atualizações, como atualizações de software, são celebradas como inovações significativas​.

O capítulo diferencia entre inovação de processo (melhorar os métodos de produção para aumentar a produtividade física) e inovação de produto (criação de novos produtos). Mullan sublinha que, embora ambas sejam essenciais, a inovação de processos desempenha um papel fundamental na condução do crescimento económico, aumentando a produtividade e reduzindo custos. A inovação ocidental recente inclinou-se fortemente para os produtos de consumo em vez dos avanços produtivos​. Talvez este possa ser o ponto de vista de quem está a comentar a partir de uma economia avançada. Eu, a comentar a partir de Portugal, penso que precisamos de mais inovação concentrada na subida na escala de valor (eficácia), que permite preços mais altos, do que focada na melhoria de processos (eficiência), que permite ou melhoria ou manutenção de margens. Recordar Marn e Rosiello e o que significa aumentar preços versus reduzir custos.

Métricas como as despesas em I&D, a contagem de patentes e a frequência das citações são frequentemente utilizadas para avaliar a inovação, mas são indicadores defeituosos. Por exemplo, as despesas em I&D não garantem resultados bem-sucedidos e a contagem de patentes pode refletir estratégias jurídicas ou financeiras, em vez de inovação genuína. Estas métricas centram-se mais nos inputs da inovação do que nos seus impactes qualitativos na produtividade e no crescimento económico​.

Existem evidências de que a inovação não tem tido os efeitos transformadores esperados na produtividade, especialmente desde a década de 1970. Apesar dos avanços nas tecnologias de informação e comunicação, o crescimento da produtividade nas economias ocidentais abrandou. Esta estagnação é atribuída a investimentos insuficientes em capital transformador e a inovações de processos que melhorem genuinamente as capacidades de produção​.

Mullan sublinha que a difusão da inovação – através da qual os avanços tecnológicos se espalham pela economia – é crucial para o crescimento global da produtividade. No entanto, muitas economias ocidentais sofrem de baixo dinamismo económico, com recursos retidos em áreas de baixa produtividade, limitando os benefícios generalizados da inovação. Esta quebra da “máquina de difusão” exacerbou a estagnação da produtividade​.

domingo, novembro 03, 2024

Acerca da importância da destruição criativa (parte III)


Parte I e parte II.

Ainda no segundo capítulo de "Creative destruction" de Phil Mullan, intitulado "Productivity in Decline", o autor aborda o tema da divergência entre os Estados Unidos e a Europa relativamente à evolução da produtividade, encontrando uma explicação diferente da avançada por Drahgi:

Em Creative Destruction, o autor atribui a falta de aumento da produtividade na Europa, em comparação com os Estados Unidos, a vários factores-chave:
  • Apesar da adopção generalizada das tecnologias de informação e comunicação (TIC) em ambos os lados do Atlântico, o crescimento da produtividade europeia continuou a abrandar. Robert Gordon defendeu que o aumento da produtividade nos EUA resultou de mais do que apenas as TIC, uma vez que as empresas europeias também utilizavam tecnologias semelhantes, como os PCs e os telefones móveis. De facto, a Europa estava à frente dos EUA em algumas áreas de adopção das TIC, como as redes de telefones móveis
  • Os EUA tinham uma maior dependência do consumo, particularmente impulsionada pelos gastos das famílias suportados em dívida. Esta economia centrada no consumo, especialmente no sector do retalho, contribuiu para uma parte substancial do diferencial de produtividade entre os EUA e a Europa.
  • O crescimento da produtividade nos EUA esteve fortemente concentrado em sectores específicos como o comércio grossista, retalhista e financeiro, onde as TIC foram amplamente utilizadas. No entanto, estes sectores tiveram um alcance limitado na economia em geral, indicando que o aumento da produtividade não foi tão generalizado ou transformador em todas as indústrias. 
Estas observações sugerem que as diferenças de produtividade têm menos a ver com as disparidades tecnológicas e mais com as diferenças estruturais e económicas entre os EUA e a Europa.

sexta-feira, novembro 01, 2024

Acerca da importância da destruição criativa (parte II)


O segundo capítulo de "Creative destruction" de Phil Mullan, intitulado "Productivity in Decline" discute o papel crítico da produtividade como motor central do progresso económico e a sua recente estagnação nas economias avançadas. 

O capítulo sublinha que o crescimento da produtividade impulsionou historicamente o progresso social através da criação de riqueza e da elevação dos níveis de vida. Esta tendência ascendente definiu em grande parte as fases de expansão capitalista, mas desde a década de 1970, o crescimento da produtividade abrandou, sinalizando uma contínua estagnação económica, ou o que o autor designa por “Longa Depressão”.
"Productivity tells us two main things about what an economy can provide. Its absolute level tells us how wealthy we are today. Its pace of change tells us how much wealthier we could be tomorrow.
Increasing productivity means an increasing amount of goods or services produced in a given time. A doubling of productivity should mean a doubling of wealth as expressed in double the volume of units produced.
...
The power of productivity is enhanced because its growth is cumulative: productivity growth begets more productivity growth. It generates the extra resources that can be devoted to the next round of productivity-enhancing investments. Also more productively created, lower-cost goods or services feed back into production by stimulating productivity improvements to bring costs down in other areas.
...
Unfortunately this virtuous cycle turns into the opposite when productivity slows: weak productivity also becomes self-reinforcing. Productivity sclerosis also diffuses."
O capítulo examina vários padrões e causas por detrás deste declínio da produtividade. Em primeiro lugar, os países que sofreram destruição de infra-estruturas durante a guerra, como a Alemanha e o Japão, conseguiram reestruturar eficazmente as suas economias e, assim, registaram ganhos robustos de produtividade no pós-guerra. Contudo, esta dinâmica vacilou na década de 1970 e o crescimento da produtividade tem registado uma trajetória descendente, especialmente depois de booms temporários, como a revolução das tecnologias de informação e comunicação no final da década de 1990, não terem conseguido sustentar o crescimento a longo prazo. Os esforços para aumentar temporariamente a produtividade, tais como medidas de redução de custos, expansão do crédito e financeirização, muitas vezes inflacionavam os ganhos de curto prazo, mas careciam de impacto sustentável, deixando as economias vulneráveis ​​uma vez dissipados estes efeitos temporários. Assim, o declínio da produtividade tornou-se auto-perpetuante, influenciando a estagnação dos salários, a melhoria limitada do nível de vida e o aumento da insegurança económica. Sem um foco renovado na inovação e no investimento sustentado em tecnologia e investigação, é pouco provável que o crescimento da produtividade recupere de forma significativa, afectando a saúde económica a longo prazo dos países desenvolvidos.

Um ponto importante, em linha com o que este blogue refere sob o lema "Deixem as empresas morrer!":
"Complementing the technological upgrading of existing businesses, sustained productivity growth therefore requires having a sufficient degree of turnover of businesses. Healthy business dynamism, in the sense of businesses closing and opening, is necessary to facilitate a continuing shift of resources from low productivity to higher productivity areas. Unless resources of people and capital can move out of less productive areas to allow more productive ones to establish and expand then economy-wide productivity languishes."

E mais à frente:

"the major economic problem of the Long Depression is not an absolute disappearance of investment and innovation but the wider economic atrophy that hinders their spread. When too many resources are stuck in low productivity areas and in zombie businesses - businesses that are too weak to invest in their underlying operations but have enough income from somewhere to survive - then the potential for the wider positive impact of particular innovative business investments will be frustrated."

 

quinta-feira, outubro 31, 2024

Acerca da importância da destruição criativa

 
"As Martin Wolf put it: 'the financially-driven capitalism that emerged after the market-orientated counter-revolution has proved too much of a good thing'. From this perspective, unrestrained market forces, expressed in diverse forms of speculation, lavish executive bonuses and increasing social inequalities, led inexorably to the crash.
...
we question this consensus, which is often proclaimed mistakenly as the triumph of 'neoliberalism'. Rather, markets are even less free than they used to be. The state did not retreat from economic life in the 1980s. Under the banner of deregulation', the form of state intervention changed significantly. While retreating from the traditions of economic policy aiming to encourage growth, the state offered subsidies to sustain industry and encouragements to the financial sector. Nor was there much evidence of an unleashed entrepreneurial spirit among capitalists. They preferred to avoid the risk of investment in new technologies or new areas of production, in pursuit of quick returns through financialised activities.
Policymakers have generally stumbled into solutions for immediate problems when they could no longer evade them.
...
Government policies have attempted to restore economic stability at the expense of establishing a solid dynamic for growth. Yet such state-led measures are ultimately counterproductive. Trying to stabilise the economy in its current state has the perverse effect of preserving its moribund features and stunting its development. While state intervention has moderated the worst features of decay, the economy has become increasingly sclerotic.
Short-term expedients have brought temporary respite while allowing deeper problems to fester. These policies have ultimately made the slump worse. By sustaining a stagnant productive base, the state has forestalled the process that Joseph Schumpeter named 'creative destruction'. Instead of encouraging the replacement of ailing companies by more dynamic enterprises, the government has opted to maintain a 'zombie' economy. Various forms of state support prop up firms that are incapable of boosting productivity through investing in new technologies. A dead economy is thus given the semblance of life and the appearance of resilience disguises a continuing process of decay. It will not be easy to escape the grip of the Long Depression. Though a comprehensive restructuring of production is needed to restore capitalism's value-creating capacity, the default option is always to avoid disruption. But 'creative destruction' on a significant scale is essential to restore growth. Older, less productive capital assets will have to be written off and replaced by a wave of transformative outlays on the latest technologies in newly emerging sectors of production."
Total alinhamento com o que aprendi com Maliranta em 2007:
"It is widely believed that restructuring has boosted productivity by displacing low-skilled workers and creating jobs for the high skilled."
Mas, e como isto é profundo:
"In essence, creative destruction means that low productivity plants are displaced by high productivity plants."
Trechos retirados de "Creative destruction" de Phil Mullan.