"É preciso recentrar o debate em Portugal na economia e na criação de riqueza. O presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal, Armindo Monteiro, defende isto mesmo e, por isso, escolheu este tema como título do próximo congresso, que se realiza em Lisboa a 22 e 23 de abril, imediatamente antes de ter início a campanha eleitoral para as legislativas antecipadas de 18 de maio."Economia, de Novo". É este o título do congresso da CIP,...Os empresários e gestores vão aproveitar a oportunidade para elencar o que necessitam para as suas empresas crescerem e se tornarem mais competitivas. que desafios enfrentam e que caminhos devem ser seguidos."
O congresso promovido pela CIP, com o tema "Economia, de Novo!", é apresentado como uma tentativa de recentrar o debate político nas questões económicas, num momento de pré-campanha eleitoral. Os empresários são chamados a apresentar as suas propostas, partilhar preocupações e "sensibilizar" os candidatos a primeiro-ministro. É uma iniciativa legítima — e necessária, até certo ponto.
Mas há aqui uma tensão fundamental que importa não ignorar: os empresários que hoje lideram o tecido económico português são, regra geral, os mesmos que estruturaram (ou herdaram) o modelo que temos hoje — com os seus méritos, mas também com os seus limites. São, no fundo, o equivalente económico da "DVD leadership team" da Netflix.
Tal como essa equipa tinha sido decisiva para o sucesso inicial da Netflix, também muitos dos empresários portugueses deram o melhor que sabiam e podiam para resistir à crise financeira, adaptar-se à globalização ou manter empresas a funcionar num ambiente difícil. Mas esse "melhor que podem e sabem" é precisamente o que ajuda a manter Portugal com os actuais níveis de produtividade. E é aqui que está o verdadeiro dilema.
Se queremos um salto de produtividade, não basta pedir aos mesmos protagonistas para liderarem a transformação. Precisamos de criar condições para que surjam outros tipos de empresas, com outro tipo de ambição, estrutura de capital, orientação para inovação e capacidade de competir em mercados exigentes. Empresas cuja lógica de funcionamento já nasce enraizada no futuro — e não no esforço de adaptação do passado.
A metafora da Netflix é esclarecedora: quando a empresa decidiu mudar de paradigma, não convidou a equipa dos DVDs para as reuniões sobre o futuro, não por desrespeito, mas por lucidez estratégica. Sabia que, por mais competência ou lealdade que existisse, os incentivos, os reflexos e os modos de pensar daquela equipa estavam presos ao modelo antigo.
No caso da CIP, o que vemos são membros da "equipa de DVDs" a organizar reuniões sobre o futuro - para garantir que não se esquecem deles. É natural, é humano. Mas não deixa de ser um sinal de que a transformação estrutural não virá de dentro, nem será liderada por quem construiu (e depende de) um modelo que agora precisa de ser superado.
O futuro económico de Portugal exige mais do que pequenos ajustamentos. Exige coragem para reorientar recursos, atrair investimento transformador, aceitar a dor da transição e, sobretudo, dar espaço para que novas lideranças económicas emerjam. Isso só será possível se, tal como na Netflix, tivermos a coragem de reconfigurar as salas onde se discute o futuro.
Já agora, imaginem, por um instante, um político com verdadeira coragem a entrar nesse congresso da CIP, a ouvir com atenção todas as propostas — e depois, em vez de prometer apoios, linhas de crédito ou cortes fiscais, dizer calmamente:
"Sabem, isto tudo faz-me lembrar aquela metáfora da festa de Natal no jardim-escola. Ninguém tem coragem de dizer ao filho de 5 anos que a festa foi uma valente porcaria. Mas é isso que muitas vezes acontece com a economia portuguesa: aplaudimos com um sorriso tenso enquanto ignoramos o elefante na sala. E vocês, caros empresários, são os organizadores dessas festas."
Seria provavelmente vaiado. Mas também seria o primeiro a tratar os empresários como adultos com responsabilidade estrutural - não como crianças a quem se oferece um diploma de participação por tentarem muito.
BTW, a CIP, como no resto da Europa parece que já não usa a palavra produtividade, só a palavra competitividade. Algo weird, verdadeiramente. A economia portuguesa tem relevelado excelente competitividade traduzida em ganhos de quota de mercado das exportações, mas como a produtividade não cresce a sério, os salários estagnam.