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quinta-feira, novembro 13, 2025

Eu costumo avisar

A imagem mostra a produtividade laboral (output por hora trabalhada) nos Estados Unidos e na Alemanha, normalizada a 100 em 1991.

Em 2025, o índice atinge cerca de 200 nos EUA e 147 na Alemanha, ou seja, desde 1991 a produtividade por hora cresceu quase o dobro nos EUA em comparação com a Alemanha.

Como se explica esta divergência:

1. Estrutura económica e digitalização

Os EUA migraram mais depressa para sectores de alta produtividade, como tecnologia, finanças, software e serviços digitais, onde o valor acrescentado por trabalhador é elevadíssimo. A Alemanha mantém uma base industrial e manufactureira muito forte, com ritmos de crescimento da produtividade mais lentos e dependentes do investimento em capital físico.

2. Investimento em tecnologia e capital

As empresas americanas reinvestem mais em automação, IA e software. Nos EUA, o investimento em capital intangível (dados, algoritmos, I&D, software) representa hoje mais de 40% do total — na Alemanha, ainda predomina o capital tangível (máquinas, fábricas), com amortização mais lenta.

3. Flexibilidade do mercado de trabalho

O mercado de trabalho americano é mais flexível e adaptável: ajusta-se rapidamente a novas tecnologias e sectores. A Alemanha, com forte protecção laboral e negociação colectiva, tende a preservar estruturas industriais e empregos existentes, o que reduz o ganho médio da produtividade por hora.

4. Políticas económicas e demografia

Desde os anos 1990, os EUA beneficiaram de uma demografia mais jovem e de maior imigração qualificada, o que alimentou a inovação e o empreendedorismo. A Alemanha envelheceu mais depressa, com menor dinamismo no mercado interno e um sistema de incentivos fiscais e regulamentares mais rígido.

5. Efeito da globalização

As cadeias de valor globais permitiram que a indústria alemã externalizasse etapas intensivas de trabalho (Europa de Leste, China), o que congelou a produtividade doméstica medida no país. As empresas americanas internalizaram mais actividades de alto valor (design, software, marketing global), que contribuem directamente para a produtividade nacional.

Resumindo: Por que é que a produtividade alemã cresceu tão pouco em relação à americana? Eu costumo avisar: 




sábado, novembro 08, 2025

O cemitério em paz (e em festa)

"“Enquanto maior confederação empresarial do país, a CIP assume-se, não só como uma mobilizadora das empresas, mas também como um parceiro do Governo em políticas públicas que aumentem a produtividade e a competitividade da economia portuguesa”.

Para tal, o presidente da CIP considera decisivo simplificar os procedimentos que o Estado exige aos cidadãos e às empresas. “A desburocratização é um dos esteios do Pacto Social”, sublinha na nota."

Claro. A diferença de produtividade entre Portugal e a média europeia, resultado de décadas de investimento desigual, fraca especialização tecnológica, escala reduzida e tecido empresarial fragmentado,  vai certamente desaparecer assim que preenchermos menos formulários.

Basta eliminar uns carimbos e umas assinaturas redundantes, e voilà, a produtividade nacional dispara. O problema não era capital humano, nem inovação, nem estrutura produtiva — era o tempo perdido ao balcão.

Talvez o verdadeiro milagre português esteja, afinal, escondido no Simplex.

Com estes discursos, fala-se de um tema importante (a produtividade), avança-se com uma solução ao estilo do ambiente para políticos, haverá sempre desculpas para culpar outros pela sua não implementação, garantem-se uns programas financiados, talvez à boleia da magia da IA, e evita-se tocar no elefante no meio da sala: dizer aos empresários (aka DVD leadership team) que a sua festa de Natal foi uma porcaria.

Imaginem um jornalista a fazer perguntas e a pedir que lhe desenhassem um roteiro para ir da baixa produtividade para a média europeia como consequência da redução da burocracia... este país não é sério. 

Não sei o que é pior: viver a impostura de quem finge saber ou a inocência de quem ignora até a própria ignorância.

Imaginem um "terrorista" convidado para declamar um panegírico durante a cerimónia, começar a disparar verdades inconvenientes, como as que Alexandre Relvas não conhece, ou números que nos deviam mostrar que não é por causa da burocracia. Ainda acabava a fazer a apologia da destruição criativa, ganhava um Nobel, mas era preso por perturbar a paz dos cemitérios.

Hoje, Sábado, pesquiso no Google se há alguma notícia sobre o evento após a sua realização... sintomático que não apareça nada. Parece que as Relações Públicas só trabalharam para o "Até à cerimónia" e esqueceram-se do "Depois da cerimónia".

Trecho retirado de "CIP celebra 50 anos com novo logo e "novo ciclo" com mais "instrumentos" para a competividade das empresas"

quarta-feira, novembro 05, 2025

Trepar às árvores com muita rapidez

No FT da passada segunda-feira encontrei um artigo muito interessante, "Reforms turbocharge China's biotech boom".

Este gráfico deixou-me verdadeiramente impressionado:


O gráfico da esquerda mostra a proporção de acordos de licenciamento de medicamentos inovadores realizados por empresas chinesas, divididos em três categorias:
  • Licensed imports (importações licenciadas de medicamentos estrangeiros para a China);
  • Domestic deals (acordos internos entre empresas chinesas);
  • Overseas licensing (licenciamento de medicamentos chineses para empresas estrangeiras).
Até cerca de 2018, predominavam as importações licenciadas e os acordos domésticos. A partir de 2020, observa-se uma mudança estrutural: a percentagem de overseas licensing cresce de forma acentuada — isto é, as empresas chinesas passam a vender ou licenciar internacionalmente os direitos de comercialização dos seus próprios medicamentos inovadores.
Em 2025, a fatia de licenciamento externo é a maior da série, o que indica que a China deixou de ser apenas um mercado comprador e passou a ser um fornecedor global de inovação farmacêutica.

A rapidez com que esta evolução ocorreu é deveras impressionante. Os macacos não voam, mas podem subir às árvores com grande rapidez.
""Ten years ago, China didn't have a biotech sector to speak of. For the most part, the companies were developing generic drugs. Fast forward to today, and every big pharma is doing most of their shopping in China for novel therapies," said Brad Loncar, an expert on Chinese biotech.
Beijing introduced reforms in the mid-2010s that made it easier for biotech companies to raise capital and pursue innovation. These changes, coupled with the relative speed and low cost of doing drug development and clinical trials, have turbocharged the industry's growth."
O impacte disto na produtividade agregada de um país é tremendo.





terça-feira, novembro 04, 2025

A produtividade continua a evoluir a passo de caracol

A propósito desta "Economia numa imagem - Na última década, os bens e serviços intensivos em tecnologia e conhecimento foram os que mais contribuíram para o ganho de quota das exportações portuguesas na UE" por um lado temos:
"Os bens de alta tecnologia e os serviços de alta tecnologia ou intensivos em conhecimento representaram mais de 60% do ganho de quota na última década: o contributo dos bens de alta tecnologia foi de 5,2 pp e o dos serviços de alta tecnologia e/ou intensivos em conhecimento de 5,0 pp."

Vamos ao lado positivo: As exportações portuguesas aumentaram em valor e ganharam quota de mercado internacional, sobretudo em bens e serviços de média-alta e alta tecnologia (por exemplo, maquinaria eléctrica, produtos farmacêuticos e TIC). Observa-se uma mudança gradual na estrutura exportadora, menos dependente de sectores tradicionais, como o têxtil e o calçado.

Portugal conseguiu crescer mais rapidamente do que o comércio mundial em alguns segmentos, demonstrando capacidade de adaptação e de melhoria da competitividade externa. 

Agora o lado negativo: Apesar da melhoria nas exportações de sectores mais sofisticados, a produtividade total da economia continua a crescer lentamente. 

O avanço das exportações não se traduz automaticamente em aumentos de produtividade, pois muitas empresas exportadoras operam com baixo valor acrescentado e integração limitada em cadeias de valor globais. A competitividade continua, em muitos casos, baseada em custos e não em diferenciação.

Recordo o que temos quando temos competitividade sem produtividade:


O crescimento do turismo não contribui significativamente para o aumento da produtividade agregada, pois é um sector intensivo em trabalho, com baixo valor acrescentado por hora e com fraca incorporação tecnológica.

Assim, a evolução referida pelo BdP evidencia sucesso comercial, mas não progresso estrutural. Em termos económicos, significa que Portugal ganha quota de mercado em setores de baixa intensidade tecnológica, o que limita o potencial de convergência da produtividade com a média europeia.

Daqui:

"Annual labour productivity growth in Portugal over the past ten years is at 0.4%, below the OECD regional average of 0.9%. The strongest labour productivity growth is observed in Centro at 1.3% annual growth, and the weakest in Algarve where labour productivity fell by 0.5% annually."[Moi ici: Será que está relacionado com a massificação associada aos imigrantes como trabalhadores baratos?]

Temos de ter marcas no B2B para suportar preços mais elevados nas nossas exportações.

terça-feira, outubro 28, 2025

TSMC Plans to Start Construction of 1.4nm Fab on November 5

Mão amiga mandou-me "TSMC to Begin Construction of 1.4nm Fab on November 5".

A TSMC vai iniciar a construção da sua fábrica de 1,4 nm em Taichung, Taiwan, no dia 5 de novembro de 2025. Este projeto envolve um investimento de cerca de 49 mil milhões de dólares e será um dos maiores da empresa até hoje. A fábrica deverá iniciar a produção em 2028, marcando a liderança da TSMC na corrida global pelos nós mais avançados da indústria de semicondutores, essenciais para aplicações como inteligência artificial, computação de alto desempenho e dispositivos móveis de última geração.

"The expansion takes place against the backdrop of intensified competitive pressure. Intel is advancing its 18A processes in Arizona, while Samsung is investing in High -NA EUV for its 2 nm line in South Korea. Additionally, NVIDIA and SoftBank have invested in Intel to accelerate its process development - a signal to the market that TSMC does not leave unanswered

With this move, TSMC pursues a clear strategy: to maintain its technological leadership in high-performance processors. Concentrating 1.4 nm production in Taiwan underscores its aim to combine production security and innovation dynamics at its home base. However, the international competition forces continuous adaptation-both technologically and geographically."

Imagino o impacte na produtividade agregada de Taiwan e nos salários. Recordo, "A dolorosa transição ao vivo e a cores".




domingo, outubro 26, 2025

Directo do PCF para a FN, ou da CDU para o Chega

Aqui:

Entretanto fui consultar as estatísticas do IEFP para o desemprego no sector da construção e ... o desemprego subiu de Agosto para Setembro.

Há anos que ouvimos que faltam trabalhadores. Por exemplo: 
Já escrevi sobre isto por causa das paletes:
Em economias capitalistas, a mão-de-obra deve ser entendida como um mercado em que se encontram a oferta — os trabalhadores — e a procura — as empresas. Dizer que “nunca falta mão-de-obra” significa reconhecer que há sempre pessoas capazes de trabalhar; o que sucede é que podem não estar dispostas a fazê-lo nas condições oferecidas, seja no salário, no horário, nos benefícios ou na dignidade do trabalho. 

O que, na realidade, “falta” é a capacidade das empresas oferecerem um preço ou condições que tornem o trabalho atractivo para essas pessoas.

Nos modelos clássicos do mercado de trabalho, o desemprego involuntário não existe: sempre que há procura, seria o ajustamento salarial a resolver a escassez. (Por isso escrevi, ingenuamente, que todos viriamos a ser Figos). Todavia, os salários não são infinitamente flexíveis por razões sociais, legais e políticas. Surge aqui o conceito de salário de reserva: cada trabalhador tem um nível mínimo abaixo do qual prefere não trabalhar. Quando o salário oferecido se situa abaixo desse patamar, a empresa interpreta o fenómeno como “falta de mão-de-obra”. 

A teoria marxista fala, neste contexto, em “exército industrial de reserva”, isto é, trabalhadores disponíveis que não aceitam — ou a quem não é oferecido — trabalho a qualquer preço. Por sua vez, a economia institucional e a comportamental acrescentam que não é apenas o preço que conta: pesam igualmente as condições de trabalho, a segurança, o estatuto social e as possibilidades de progressão. Por isso escrevi a série sobre a Matsukawa Rapyarn.

A evidência empírica confirma esta perspectiva. Nos sectores de baixos salários, como a agricultura, a hotelaria ou a restauração, é frequente ouvir-se que “falta mão-de-obra”. Porém, os estudos demonstram que a escassez é relativa: sempre que os salários e as condições melhoram, surgem candidatos. Também a migração laboral é reveladora: quando um país afirma “precisar de mão-de-obra”, o que frequentemente faz é importar trabalhadores estrangeiros dispostos a aceitar salários ou condições que os locais rejeitam. Isto reforça a ideia de que não se trata de uma falta absoluta, mas antes de uma questão relativa quanto ao preço oferecido. Um exemplo recente encontra-se nos Estados Unidos, no período pós-pandemia, em que muitos restaurantes e hotéis se queixavam da falta de trabalhadores. Pesquisas publicadas, por exemplo, na Harvard Business Review e no Brookings Institution mostraram que, ao aumentarem salários e oferecerem benefícios, essas empresas conseguiram contratar.

Em economias capitalistas, as “escassezes” de mão-de-obra são muitas vezes relativas e não absolutas. O que é percecionado como falta de trabalhadores resulta, em grande número de casos, da incapacidade ou da falta de vontade das empresas em oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores.

E quando as empresas não conseguem oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores isso é um sinal de que deviam morrer de morte natural, para que os recursos nelas enterrados fossem melhor aplicados para a sociedade em outros projectos. Os governos optam por mantê-las em coma, as zombies.


"a substantial part of shortage occupations are not particularly highly skilled, but rather consist of strenuous and low-paid work
...
within the group of industries where high levels of shortage were reported in 2023, there is a clear pattern that shortages are higher where wages are relatively lower
...
wages tend to increase as shortages rise
...
shortages are aggravated by bad quality jobs and that raising job quality is a way to compete for labour"
"We find that individual wages increase faster in tight labour markets, confirming that firms have to pay more if they want to attract or retain workers.
...
The effect of labour market tightness on wage growth is stronger at the bottom of the wage distribution, suggesting that low-wage workers gain relatively more from tight labour markets.
...
Occupations in science, technology, engineering and mathematics (STEM) show particularly pronounced wage effects from tightness, whereas in regulated occupations such as health care, effects are much weaker.
...
Labour market tightness translates into wage growth, indicating that shortages are not absolute but relative to the wage and working conditions firms are willing to offer."
"Labour shortages occur when demand for labour exceeds supply at prevailing wages and working conditions. They are not absolute scarcities of workers.
...
Standard economic theory predicts that in such situations wages should rise, reducing shortages as more people are willing to work at the higher wage.
...
Shortages often reflect poor job quality - low pay, limited career prospects, difficult working conditions - rather than a lack of available workers."

Em "When upskilling is good but not enough: Understanding labour shortages through a job-quality lens" (interessante aqui a ponte para o nosso SNS) pode ler-se:

"workers may be unwilling to enter or stay in due to poor job quality in terms of pay and non-pay aspects, including job insecurity, inflexible hours arrangements, strenuous working conditions, and physical and mental health risks.

...

The sectors with the strongest shortages show stagnating or even declining real wages, discouraging potential applicants.

...

These jobs are disproportionately filled by women and migrants, groups with less bargaining power and more often employed under precarious contracts."

Deste último artigo deixo para reflexão este parágrafo:

"Another driver, which is often overlooked, is the relatively low attractiveness of many of the jobs affected by high shortages (Causa et al. 2025). This pertains to poor job quality, in terms of pay and non-pay conditions, reducing individuals’ incentives to enter or stay in these jobs – especially contact-intensive jobs in areas such as health and personal care, hospitality, and transportation. Some of the occupations and sectors that exhibit shortages are characterised by stagnating real wages and poor job quality, high incidence of shift work and temporary contracts, and higher-than-average exposure to mental and physical risks. Such characteristics can deter workers from entering or remaining employed, especially in healthcare, transportation and storage, accommodation and food, and construction."

De "Labour shortages and labour market inequalities: evidence and policy implications" retiro só uma citação, para evitar continuar a repetir-me:

"What is often described as a lack of workers is, in reality, a lack of jobs that workers are willing to take at the wages and conditions offered."

Percebo cada vez melhor porque os operários e trabalhadores rurais saltaram directamente dos partidos de esquerda para o Chega ... quem os defende? 

E volto ao último texto que li na A4 antes do primeiro lockdown.

segunda-feira, outubro 06, 2025

Tratados como Figos (parte II e meio)



Parte I e parte II.

No caderno de Economia do semanário Expresso deste fim de semana li o artigo ""A bola de neve ainda só está a começar a rolar.""

O artigo começa com uma extensa lista de encerramentos e falências no sector têxtil:

"A par da falência de pequenas texteis, como a Leansofi, Protagonist Cotton, Quimera, Linolito, Cleverfil, Summer Gather, Rosa Maria Batista Confeções e RS Bobinagem de Fios Têxteis (muitas delas com menos de 50 trabalhadores), grandes grupos, como a Polopiqué e a J. F. Almeida, enfrentam reestruturações. A Confiberica fechou na semana passada, a Têxtil André Amaral e a Storia di Moda K acabam de apresentar pedidos de PER, a Bedex foi alvo de um pedido de despejo. Na StampDyeing, na Pamtext e na Passos os trabalhadores encontraram as portas fechadas no regresso de férias. No Parlamento, o PCP denunciou pagamentos feitos com atraso na Tearfil e na Somelos e, no retalho, a Classe e Distinção (Mike Davis) entrou em PER com créditos de €17,5 milhões. Em 2025, segundo um levantamento feito pelo Expresso, já foram publicadas no portal Citius oito listas de credores da fileira têxtil, com montantes por pagar que ascendem a €190 milhões (dois desses processos são PER iniciados já em dezembro de 2024)."

Depois há três trechos que gostava de comentar aqui. Primeiro:

"As exportações têxteis ainda estão equilibradas, com uma queda de apenas 0,1% nos primeiros sete meses do ano, para €3,58 mil milhões, mas este "é um movimento em crescendo no Norte do país"."

Este trecho faz-me recuar a um gráfico que fiz em 2013 e que voltei a comentar em 2021:


 Então, comparava as exportações de 2012 com as de 2006. O valor era o mesmo, mas enquanto que em 2006 existiam 8000 empresas, em 2012 já só existiam 5000 empresas. E a evolução continua, o que é bom, significa mais produtividade: menos empresas e menos trabalhadores exportam o mesmo. Não porque cada empresa ou trabalhador produza mais unidades, mas porque produz unidades com maior valor acrescentado. Entretanto, aqui temos dados da evolução recente, não dos exportadores, mas do sector do ITV como um todo. Confesso que não estava a par do aumento do número de trabalhadores no sector entre 2013 e 2028. 

Segundo:

"Apesar de o número de desempregados estar a engordar, "as dificuldades em contratar continuam e há muitos empresários a queixar-se disso mesmo", comenta César Araújo, presidente da ANIVEC"

Estima-se que desde o Verão já se tenham perdido mais de mil postos de trabalho. E, no entanto, os empresários continuam a dizer que não conseguem contratar mão de obra. Como explicar esta contradição?

A resposta não é moral — não é porque os patrões sejam “sovinas”. A raiz é estrutural: o negócio não gera margens suficientes para pagar salários que garantam uma vida digna. O sector compete no espaço da comoditização, onde os preços são ditados por cadeias globais de fast fashion, e onde países como Marrocos, Turquia ou Bangladesh conseguem sempre oferecer custos mais baixos. Na documentação oficial das associações do sector não é isso que aparece. Por exemplo, no documento que linko acima pode ler-se "estratégia assente na inovação, qualidade e internacionalização, competindo através do seu valor e diferenciação." No entanto, vejam o dicurso do presidente da ANIVEC no terceiro trecho que cito mais abaixo

O dilema é antigo e está bem descrito na metáfora dos Flying Geese: os países mais avançados abandonam gradualmente os sectores de baixo valor acrescentado, que são ocupados por outros países em fase de desenvolvimento. O Japão já passou por isso: nos anos 1950 era campeão mundial do têxtil; hoje, restam apenas nichos altamente especializados e inovadores.

Em Portugal, repetimos o padrão:

As empresas que não conseguem subir na escala de valor fecham.

As que sobrevivem são mais pequenas, mais tecnológicas, mais diferenciadas, mas empregam muito menos gente. Estatisticamente, a produtividade média sobe, mas à custa de milhares de empregos perdidos.

Por isso, quando os empresários dizem que não conseguem contratar, o que querem dizer é que não conseguem pagar o suficiente para atrair trabalhadores num mercado onde existem alternativas. Tal como escrevi: “Por que é que um motorista de autocarro em Oslo ganha muito mais do que no Porto a fazer exactamente o mesmo? Porque, se não ganhasse mais, ninguém quereria ser motorista”

Não podemos ter ao mesmo tempo preços de Marrocos e salários de Alemanha. A única saída possível é anichar, diferenciar, subir na escala de valor. Sem isso, o sector continuará a definhar, como um fóssil vivo — resistente, mas cada vez mais deslocado numa sociedade que exige produtividade e rendibilidade.

Terceiro:

"comenta César Araújo, presidente da ANIVEC, certo de que, mais do que as tarifas de Donald Trump sobre a importação de bens, o quadro atual reflete a abertura da Europa à concorrência desleal de produtos asiáticos."

Recordo o que escrevi aqui em 2010 relativamente ao director-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal: "Arrepiante"

Na parte III vamos ver o que faz a Matsukawa Rapyarn em concreto.

Na parte IV vamos fazer a comparação entre Portugal e o Japão.

sábado, outubro 04, 2025

Um fóssil vivo?

Na passada sexta-feira fui interpelado por um artigo, "Taiwan's Screws Helped America Build. Then Came Trump's Tariffs.", publicado no NYT. 

Sei que o Trump tem as costas largas, mas especulo que haja mais do que isso. É fácil arranjar um inimigo externo para desculpar o resultado das nossas acções ou omissões.

O artigo começa assim:

"Taiwan is world famous for making semiconductors and electronics. Its factories have mastered the intricate work of etching circuits onto silicon, churning out most of the world's supply of advanced computer chips.

The island is also a major source of another essential and often invisible component of everyday objects: screws. And most go to the United States, where they are used to build airports, backyard decks and bathroom cabinets.

Now, President Trump's 50 percent tariffs on steel and aluminum, which took effect in June, have left Taiwanese screw makers wondering how their businesses will survive the next few months. For the United States, Taiwan has been the No. 1 source of screws and metal fasteners like nuts and bolts for more than three decades, with China gaining ground as the second largest."

 Mais à frente leio:

"But since the steel tariffs took effect, Sheh Fung's orders have been down nearly 20 percent compared with the same time last year.

"Everything is in pause mode," Mr. Chen said. "A lot of our customers said, 'We'll see, but then we didn't receive many orders."

In August, Taiwan's exports of tech products like chips and artificial intelligence servers jumped more than 50 percent from last year as companies front-loaded shipments ahead of possible price increases. But nontech exports like screws slumped nearly 6 percent.

In addition to Mr. Trump's tariffs, a problem for exporters like Sheh Fung is the surge in Taiwan's currency. It has appreciated sharply against the U.S. dollar this year, a disadvantage for an export-driven economy.

...

Taiwanese manufacturers are also facing intense competition from screw makers in China. Lu Chu Shin Yee, one of Taiwan's largest screw companies, has been making steel products since 1965. Today, the company makes screws used in specialized applications like subway cars, high-speed trains and exhaust fans in data centers.[Moi ici: Cá está a tal subida na escala de valor]

Chinese companies often quote prices that are 30 to 50 percent lower than Taiwanese screw makers', [Moi ici: Cá está, não é tudo o Trump] said Karl Tsai, 61, the general manager of Lu Chu Shin Yee and son of the company's founder.

Taiwan's screw makers have faced mounting pressure from Chinese competitors for more than a decade. But the combination of Mr. Trump's tariffs and the currency appreciation has forced the industry to a tipping point. Profit margins are thinner for screw makers than computer chip makers. And factory owners said they also compete with Taiwan's chip sector for government support and workers."[Moi ici: A propósito da competição por trabalhadores recordo este artigo de Setembro de 2023 sobre o impacte de uma fábrica nova da TSMC numa região do Japão.]

Na minha ignorância pensava que este sector já não existia em Taiwan. Depois de uma primeira leitura veio-me à mente de estar perante um fóssil vivo. 

A indústria de parafusos e fixadores em Taiwan é, de certa forma, um fóssil vivo. Foi crítica durante décadas, um símbolo da capacidade industrial de base, mas hoje é um sector que enfrenta três pressões enormes:

  • Valor acrescentado limitado - ao contrário dos semicondutores, onde Taiwan lidera com inovação e margens elevadas, os parafusos são um produto comoditizado, com pouca diferenciação. As margens são finíssimas e vulneráveis a qualquer variação de custos (energia, matérias-primas, salários).
  • Concorrência feroz - a China e outros países conseguem oferecer preços 30 a 50 % mais baixos, com a mesma qualidade suficiente para a maioria dos clientes. Isto corrói a posição competitiva de Taiwan.
  • Mudança estrutural da economia - Taiwan já se projecta globalmente como hub de alta tecnologia (chips, IA, biotecnologia). Nesse contexto, uma indústria de baixo valor acrescentado parece deslocada, tanto pela percepção social como pela capacidade de atrair talento (trabalhar o aço inoxidável é mais duro e menos atractivo do que trabalhar numa "chip plant").

Ainda assim, chamar-lhe apenas um fóssil pode ser injusto. Esta indústria ainda emprega cerca de 1 em cada 8 pessoas em certas regiões, é parte de uma cadeia de fornecimento global e tem empresas que inovaram em nichos especializados (aplicações para comboios de alta velocidade, data centers, construção). O desafio é que não gera o tipo de produtividade e rendibilidade que uma sociedade avançada procura.

Em suma, é uma indústria que sustentou o milagre económico de Taiwan, mas que hoje enfrenta a questão existencial que muitas economias maduras enfrentam: manter sectores tradicionais como âncora social e de emprego, ou aceitar o seu declínio em nome da subida na escala de valor. OK, declínio pode não ser a melhor palavra. Talvez, ou aceitar o seu encolhimento em nome da subida na escala de valor.

Por que é que um motorista de autocarro em Oslo ganha muito mais do que no Porto a fazer exactamente o mesmo? Porque se não ganhasse mais, ninguém quereria ser motorista, escolheria outra profissão. 

sexta-feira, outubro 03, 2025

Tratados como Figos (parte II)

Parte I.

Como é que uma empresa têxtil consegue operar no Japão? Olhemos para a imagem do Flying Geese:


O Japão é o país A. Em 1950 era o maior exportador mundial de têxteis.

Nas décadas de 1950 e 1960, o Japão tornou-se o maior exportador mundial de têxteis, empregando mais de 1,3 milhão de trabalhadores em dezenas de milhares de fábricas. A proposta de valor era simples e directa: produção em massa a baixo custo, assente no algodão, na seda e, cada vez mais, em fibras sintéticas como o nylon e o poliéster. O grande objectivo era exportar para os Estados Unidos e para a Europa, ao mesmo tempo que o consumo interno aumentava com a prosperidade do pós-guerra.

Nos anos 1970 e 1980, o sector entrou em fase de maturidade, com cerca de 60 mil empresas e 1,1 milhão de trabalhadores. Perante a concorrência crescente da Coreia do Sul e de Taiwan, o Japão reposicionou-se: deixou de apostar apenas no volume e procurou competir pela qualidade e pela diferenciação. Investiu em fibras químicas e tecidos técnicos, manteve a liderança em inovação, mas começou a sentir o peso das restrições comerciais impostas pelo Ocidente. Uma Nota: O "ataque" às empresas do sector têxtil é feito em duas frentes: a externa com a concorrência de países mais baratos; e a interna com a concorrência de outros sectores para "roubar" trabalhadores. E esse é o significado da evolução horizontal para cada país no esquema dos Flying Geese. A concorrência internacional não permite a um sector acompanhar os outros nos salários porque não consegue aumentos de produtividade que os sustentem. O sector encolhe porque perde mercado com a concorrência internacional e porque perde trabalhadores.

A partir da década de 1990, com o colapso da bolha económica e a aceleração da globalização, o sector entrou em crise profunda. O número de trabalhadores caiu para 600 mil em 1999 e para menos de 250 mil em 2015. A maior parte da produção em massa foi deslocalizada para outros países da Ásia, e o Japão passou a ser importador líquido de vestuário. Para sobreviver, as empresas que resistiram tiveram de apostar em produtos de alto valor acrescentado: fibras especiais, tecidos antirugas, têxteis técnicos para o automóvel e para a medicina, bem como nichos da moda de luxo.

Hoje, o sector representa cerca de 3,5 mil milhões de ienes (dados de 2015), com cerca de 15 mil empresas e aproximadamente 250 mil trabalhadores, (segundo o Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão existem cerca de 9,4 mil empresas fabricantes de vestuário e cerca de 5,2 mil fabricantes de tecidos e fibras). A proposta de valor assenta na inovação tecnológica, mas também na tradição e na sustentabilidade. O Japão é uma referência em fibras de alta performance — poliéster avançado, fibra de carbono, nanofibras, têxteis inteligentes — e, ao mesmo tempo, valoriza a sua herança cultural, com o renascimento de tecidos artesanais e a reinvenção do quimono como peça de design.

Em poucas décadas, o Japão passou de campeão da produção em massa nos anos 1950 para especialista em inovação e tradição no século XXI. Perdeu escala, mas manteve relevância mundial graças à tecnologia, à qualidade e à diferenciação.

Em linha com o que escrevo aqui há anos: anichar, anichar, anichar.

Se recordarmos o que escrevi recentemente sobre a evolução do têxtil em Portugal, Se unirmos os pontos que imagem aparece?

Na parte III vamos ver o que faz a Matsukawa Rapyarn em concreto.

Na parte IV vamos fazer a comparação entre Portugal e o Japão.

 

quinta-feira, setembro 25, 2025

O contexto é fundamental

Mão amiga mandou-me estas fotos de uma loja em Berlim.

Queijos:

Azeite:

Uma das coisas que se aprende no pricing é que o preço é contextual. Recordo o que sugeri aos meus vizinhos de então na Murtosa:
"O meu conselho inicial era para situar o preço das trutas fumadas em lata junto do salmão fumado a 3,5€ as 100 ou 150g em vez das latas de sardinhas a 0,60€. Esse conselho motivado pela percepção de que o preço é contextual, aqui é reforçado por uma outra percepção, o JTBD da truta fumada se calhar está mais próximo do JTBD do salmão fumado do que o JTBD das conservas de sardinha ou cavala."
Um dos exemplos negativos que recordo é de um certo Carnaval, outro é a Claire's, tudo aqui: Percepções de valor.

Subir na escala de valor exige mais do que melhorar o produto; exige transformar a forma como ele chega ao mercado. Os canais de distribuição clássicos, que tratam o nosso produto como plancton, na metáfora de Seth Godin, não são compatíveis com um posicionamento de diferenciação e premium. 

A distribuição não pode ser um afterthought. Se quisermos jogar no campeonato de Berlim, não basta pensar no output da nossa produção; temos de focar-nos no input na vida do cliente — ou melhor, no outcome que o produto gera na sua experiência, no seu imaginário, no seu dia a dia. Só assim o preço deixa de ser comparado ao das sardinhas e passa a ser situado ao lado do salmão fumado.

P.S. - Aquela apresentação é qualquer coisa. Aquilo não é uma loja, é um templo.

quinta-feira, setembro 18, 2025

Não são elas que precisam de Portugal, é Portugal que precisa delas (Parte VII)



No FT da passada terça-feira, este artigo "N Ireland tech boosted by hard-drive investment."

O artigo descreve o investimento da Seagate em Londonderry, Irlanda do Norte, num projecto de I&D de 5 anos avaliado em £150 milhões, destinado a desenvolver discos rígidos com capacidade até 100 terabytes. Este investimento coloca a região no mapa global da inovação tecnológica, ao mesmo tempo que beneficia da posição única da Irlanda do Norte no pós-Brexit, com acesso tanto ao mercado britânico como ao europeu. O texto destaca ainda o papel do investimento directo estrangeiro (IDE), em particular de empresas norte-americanas, como motor de inovação e crescimento, e a oportunidade de reforçar sectores de alto valor acrescentado.

Não encontrei uma única referência no artigo à palavra "produtividade". No entanto, o texto, todo ele, é sobre o aumento da produtividade. E ainda por cima, da forma mais impactante, através da subida na escala de valor, ou seja, através do numerador da equação da produtividade. 

O investimento em tecnologia de ponta, como discos de 100 terabytes, não se traduz apenas em mais produção, mas em produção com maior intensidade tecnológica e maior valor acrescentado por unidade de trabalho.

A Irlanda do Norte deixa de ser apenas fornecedora de componentes básicos para posicionar-se na fronteira tecnológica mundial (storage de última geração, cibersegurança, defesa, aeroespacial). Isto é precisamente o salto de escala de valor que costumo sublinhar — sair da competição pelo preço para competir pela sofisticação e pela inovação.

O artigo mostra como o IDE é decisivo para criar massa crítica tecnológica, atrair talento e integrar a região em cadeias globais de valor.


quarta-feira, setembro 17, 2025

Portugal e Panasonic - as semelhanças


Ontem no FT um exemplo ao vivo e a cores do que escrevíamos sobre o Red Queen Effect na economia em "Panasonic nears a turning point in its reinvention race"

Por um lado, os rivais transformaram-se mas a Panasonic ficou para trás:
"Rivals Hitachi, Sony and NEC have been rewarded for executing painful transformations, each surging six times in value over a decade, while Toshiba was sold in 2023 for $15bn to Japan Industrial Partners. In contrast, the market value of Panasonic has languished for the past 10 years at about ¥3.75tn ($25bn)."

Falta visão e estratégia clara:

"We’ve talked with them but they don’t make any decisions. They’re siloed,” said a private equity executive in Japan. “We don’t have a clear picture of how that company will transform itself. It’s drifting."

Ontem à hora do almoço fui buscar uns livros entregues num ponto de recolha, enquanto regressava a pé ao escritório, folheei um deles e li um subcapítulo "Your best thinking five years ago is your baggage today." Encaixa bem com:

"Yet the legacy of successes in the 1980s and founder Konosuke Matsushita’s ingrained ‘water tap’ philosophy — to make products as abundant as water to capture a large share of the market — has made it hard for the company to evolve. Ogawa added: ‘Making that mindset shift is extremely difficult.’

...

Atul Goyal, analyst at Jefferies, said Panasonic's "real transformation begins when they decide what businesses they're good at" and prioritise allocating capital to areas of high-tech manufacturing competence.

One big decision shaping Panasonic's future will be the extent to which it offloads or halts the low-margin consumer electronics that made it a household name. Panasonic was attempting a "China cost, China speed and Japanese quality" revival, said Ogawa. [Moi ici: Como cá se faz com a importação de paletes de mão de obra barata e se adia a subida na escala de valor]

Neil Newman, head of strategy at Astris Advisory, has no doubt that Panasonic can push into new areas such as AI but he said the issue was "they always bring their baggage with them". [Moi ici: Vêem a ligação ao subcapítulo do livro. Weird!!! Não há coincidências, todos os acasos são significativos]

"Either they risk everything on a real restructuring and get rid of the consumer electronics," said Newman. "Or they just don't... and never set the world alight but risk gradual decline towards vulnerability and obscurity." [Moi ici: Conseguem a ver a ligação à "DVD leadership team", tão clara que até dói fisicamente]

terça-feira, setembro 16, 2025

Um OVNI

No livro "Through the Looking-Glass, and What Alice Found There" Lewis Carroll, no Capítulo 2 - "The Garden of Live Flowers",  Alice encontra a Rainha Vermelha (Red Queen).

  • A Rainha pega na mão de Alice e começam a correr lado a lado.
  • Depois de correrem intensamente, Alice percebe que continuam no mesmo lugar.
  • É aí que a Rainha explica a famosa ideia: "Now, here, you see, it takes all the running you can do, to keep in the same place. If you want to get somewhere else, you must run at least twice as fast as that!"

Na biologia, o biólogo Leigh Van Valen (1973) usou a metáfora para formular a Red Queen Hypothesis:

  • As espécies precisam de evoluir continuamente, não para ganhar vantagem, mas simplesmente para sobreviver num ambiente em que todas as outras também evoluem.
  • Exemplo clássico: a corrida evolutiva entre predadores e presas (a gazela corre mais depressa para escapar, o leão precisa correr mais depressa para caçar).

Na economia a "corrida da Red Queen" tornou-se uma metáfora para situações em que o esforço é constante, mas o ganho líquido é nulo — porque todos estão a mover-se ao mesmo tempo.

  • Concorrência internacional: países investem continuamente em inovação só para não perderem quota de mercado.
  • Empresas em mercados maduros: precisam de melhorar produtividade, reduzir custos e lançar novos produtos só para manter a posição.
  • Trabalhadores: têm de se qualificar continuamente apenas para não ficarem para trás.

É uma descrição viva daquilo a que chamamos "correr para ficar no mesmo sítio".

Estão a ver onde isto nos leva ... podia escrever sobre os produtores de uva no Douro, mas vou fixar-me no sector automóvel e no têxtil e calçado.

Primeiro o sector automóvel, em Março passado citei aqui num postal:

"São diferenças "impossíveis de cobrir por via do aumento da produtividade" [Moi ici: Aqui produtividade como aumento de eficiência, como redução de custos, como redução do denominador da produtividade. O que se segue é um exemplo ao vivo e a cores daquilo a que chamo há muito tempo o jogo do gato e do rato.], assume a administração, depois de comparar o salário bruto médio mensal nas suas fábricas nestes países e a respetiva evolução desde 2019. Em Ovar, o valor passou de €808 para €1303, enquanto a Roménia apresenta valores de €464 em 2019 e de €821 em 2025. Na Bulgária, o salário subiu de €361 para €583, em Marrocos saltou dos €284 para os €362, e na Tunísia aumentou dos €163 para os €284. No Egito, onde só há dados do atual exercício, o valor é de €136.""

No Domingo à noite no LinkedIn mão amiga tinha-me enviado isto:


O que é isto senão outro exemplo ao vivo e a cores da teoria dos Flying Geese:

O país A deixa de ser competitivo (e aqui uso a palavra competitividade com toda propriedade) e o grosso da produção [escrever aqui ou têxtil, ou calçado, ou automóvel, ou ...] passa para o país B porque é mais barato. Mas o país A, ao evoluir na horizontal, da esquerda para a direita, ganha produtividade. E produtividade à custa do numerador e não do denominador, ou seja, ganhos muito superiores que ultrapassam as migalhas da melhoria da eficiência, como aprendi com Marn e Rosiello.

Começou na Alemanha (A), passou para Portugal (B) e está a passar para Marrocos et al (C). Recordar os relatos em primeira mão de Abril passado. Só não acontece mais depressa por causa do, peço desculpa pela palavra que vou usar, mas é para impressionar com a caricatura, suborno que os governos, com benesses fiscais e fundos comunitários, fazem para que a Autoeuropa atrase a decisão de sair. 

Passemos ao calçado e têxtil.

Ontem na capa do JN, "Calçado e têxtil despedem mil trabalhadores numa semana"

BTW, o calçado tem tudo a ganhar em afastar-se da colagem que lhe querem fazer ao têxtil. O têxtil é muito Caím, o problema nunca é dele, é sempre dos outros, dos chineses, dos paquistaneses, dos trabalhadores, dos políticos, em suma dos maus.

BTW, com um título destes "Calçado e têxtil despedem mil trabalhadores numa semana" como conseguem seduzir jovens atentos para o sector? Lembram-se do que escrevi aqui a propósito de:

"A industria é forte, mas precisamos de começar pela educação e formação. E fundamental tornar este setor atrativo para as camadas mais jovens...

"Portugal tem um problema crónico de recursos humanos. A pirâmide etária está invertida e sem jovens a renovação torna-se difícil."

"O grande problema é não conseguir que os funcionários atuais, cada vez mais próximos da reforma, tenham seguidores na empresa, porque os admitidos não estão disponíveis para aprender o ofício."

Também podemos recuar a Novembro de 2016 e a "É verdade, não é impunemente que se diz mal".

Não tenho analisado aqui os números mensais das exportações, mas tive curiosidade em ver como vão as exportações do têxtil e do calçado (primeiros sete meses de 2025 versus primeiros sete meses de 2024) e fiquei admirado. As exportações em 2025 são cerca de 99,8% das de 2024. Ou seja, não foi o mercado externo que colapsou. O problema estará nas margens: os custos sobem (energia, matérias-primas, salários), mas as empresas não conseguem aumentar preços. Resultado: o sistema implode por dentro.

Recordar de Fevereiro passado:

"Portugal exportou 68 milhões de pares de calçado para 170 países em 2024, um crescimento de 3,9% em volume, mas uma quebra de 5,4% em valor face a 2023, para 1.724 milhões de euros, segundo o INE."

Recordar de Abril passado, "Competitivos, mas frágeis: o custo invisível de competir sem diferenciação"

Um OVNI, foi o que chamei a um candidato autárquico que conheço pessoalmente e que vi na RTP com um discurso diferente de todos os outros candidatos.

Conhece mais alguém que fale de produtividade como aqui neste blogue? Pois, outro OVNI... só ganho inimigos.

sexta-feira, setembro 12, 2025

Não são elas que precisam de Portugal, é Portugal que precisa delas (Parte VI)



O Financial Times de ontem trazia o artigo "Fresh blow to Labour growth drive as Merck pulls plug on Elbn research site":
"US drugmaker Merck has scrapped a £1bn London research centre and will lay off more than 100 scientific staff, as the industry accuses ministers of making the UK uncompetitive and paying too little for medicines.
Merck, known as MSD in Europe, told the Financial Times that it would move the research activity to existing sites, mainly in the US, where the Trump administration is pressuring pharmaceutical companies to invest more.
"Simply put, the UK is not internationally competitive," the group said. The move to scrap the research centre in King's Cross - which was already under construction and set to open in 2027 - and lay off 125 scientists and support staff is a blow to Sir Keir Starmer's government."

Em postais anteriores, por exemplo, na série "Não são elas que precisam de Portugal, Portugal é que precisa delas" tenho insistido: Portugal não sobe na escala de valor com as empresas que já cá estão (produzimos 22€/hora). Sobe se conseguir atrair aquelas que ainda não estão, as que operam com níveis de produtividade próximos dos 400 €/hora, como aconteceu na Irlanda.

Para que essas empresas escolham Portugal, é preciso criar condições claras: talento, infra-estruturas, estabilidade institucional… e também um enquadramento fiscal atractivo. O IRC não pode ser visto como uma prenda às empresas locais, como discuti em "A descida do IRC é injusta". O IRC é uma alavanca estratégica para que multinacionais com alta produtividade decidam instalar aqui os seus centros de decisão, fábricas, laboratórios ou hubs de desenvolvimento.


 

quinta-feira, setembro 11, 2025

e coragem para dizer a verdade?


Li no JN da passada terça-feira, "Indústria do calçado aposta na formação de jovens e reforça presença nos EUA."

O artigo sobre a indústria do calçado centra-se no défice de mão de obra jovem, na formação e na atracção de talento, mas quando refere “competitividade” não fala em produtividade. O discurso gira em torno de tornar o sector atractivo e de preservar o saber artesanal, mas não em como produzir mais valor com os mesmos recursos. E sem mais valor ... não há jovens, ponto.

Em Falta a parte dolorosa da transição mostro que, sem aumentos de produtividade, apoiar empresas e sectores para "serem competitivos" apenas prolonga o problema: salários baixos, dependência de mão de obra barata e ausência de investimento em tecnologia.

Em Competitividade, absurdo, lerolero e contranatura denuncio como o termo competitividade foi/é deturpado: 
  • pode significar enriquecer via produtividade, 
  • mas também pode servir para justificar cortes salariais, como no Uganda, onde "competitividade" se tornou sinónimo de empobrecimento
Em Competitiveness compass. Be careful what you wish for explico que países como a Alemanha e o Japão caíram no mesmo erro: usar "competitividade" como dogma, confundindo-a com cortes de custos, em vez de investir no numerador da equação da produtividade

Quando um artigo, ou pior um sector económico, fala de competitividade e ignora a produtividade, está na prática a referir-se apenas ao denominador da equação da produtividade - isto é, reduzir custos, salários ou expectativas. Isto conduz a um ciclo de empobrecimento:
  • salários baixos passam a ser vistos como condição de sobrevivência;
  • como não há ganhos de produtividade, bons salários parecem incompatíveis com a competitividade;
  • o sector deixa de atrair talento jovem, reforçando o círculo vicioso.
O discurso da competitividade no calçado, se fosse só no calçado ..., sem referência explícita à produtividade, repete o erro que não me canso de denunciar no blog:
  • Competitividade sem produtividade = empobrecimento.
  • Para pagar bons salários é preciso atacar o numerador (inovação, tecnologia, novos modelos de negócio, produtos de maior valor acrescentado).
  • Se se insiste no denominador, Portugal arrisca transformar a "força" do calçado (artesanato + tradição) numa armadilha de baixos salários e envelhecimento da força de trabalho.
E volto aos números de Priestley, e volto ao anichar e volto à festa de Natal do filho de 5 anos, aka DVD leadership team. Qual é o governo ou associação com coragem para dizer a verdade?


Enterrar a cabeça na areia não resolve ...

Quando escrevo aqui sobre os Flying Geese:
explico por que é que o Japão deixou de ser uma potência no têxtil... ainda é, mas para nichos, ou porque St. Louis já não tem calçado. Acham mesmo que o calçado ou têxtil português consegue fazer melhor do que o Japão ou os Estados Unidos? Só vão sobreviver as empresas que anicharem. Isso só não acontece mais rapidamente porque os governos, estribados nos fundos da UE, vão atrasando o inevitável.
"A indústria é forte, mas precisamos de começar pela educação e formação. É fundamental tornar este setor atrativo para as camadas mais jovens..."
"Portugal tem um problema crónico de recursos humanos. A pirâmide etária está invertida e sem jovens a renovação torna-se difícil."
"O grande problema é não conseguir que os funcionários atuais, cada vez mais próximos da reforma, tenham seguidores na empresa, porque os admitidos não estão disponíveis para aprender o ofício."
"Alguém convencionou que era duro e mal pago... O ofício é nobre."

Aquele "Alguém convencionou que era duro e mal pago" tira-me do sério... e como é que as pessoas pagam a renda ou o empréstimo da casa? 

sábado, setembro 06, 2025

O único caminho

"The simplest way to increase the gap between price to value is by lowering the price. It's also, most of the time, the wrong decision for the business.

Getting people to buy is NOT the objective of a business. Making money is. And lowering price is a one-way road to destruction for most — you can only go down to $0, but you can go infinitely high in the other direction. So, unless you have a revolutionary way of decreasing your costs to 1/10th compared to your competition, don't compete on price

As Dan Kennedy said, "There is no strategic benefit to being the second cheapest in the marketplace, but there is for being the most expensive."

Trecho retirado de Alex Hormozi em "$100M Offers: How To Make Offers So Good People Feel Stupid Saying No."

Baixar preços não é estratégia.

É a forma mais rápida de destruir valor.

Em Portugal aprendemos isto da pior maneira: décadas a competir pelo baixo custo, embalados em subsídios e comparações com a "média europeia". O resultado? Sobrevivência, não estratégia.

Competir pelo preço é um beco sem saída. Competir pelo valor é o único caminho.


ADENDA: Recordo deste postal "Para aumentar salários ... (parte IV)" de 2018:

"Trabalhar na zona A é trabalhar o denominador e trabalhar o denominador tem um limite.

Trabalhar na zona B é trabalhar o numerador e trabalhar o numerador não tem limite."

sexta-feira, setembro 05, 2025

As muletas apenas adiam o inevitável

Em Outubro de 2022 aqui no blogue escrevi "A brutal realidade de uma foto". Entretanto, no passado dia 2 de Setembro, no WSJ, encontrei o artigo, "American Businesses Find One Tariff List To Embrace."

A Sherrill (no artigo do WSJ) e a Herdmar (no blogue): dois lados da mesma moeda.

No meu texto sobre a Herdmar, sublinhei uma realidade dura: quando os custos disparam mais depressa do que a capacidade de gerar valor, as empresas ficam sem chão. A foto que acompanhava o artigo no Expresso mostrava bem a armadilha, demasiados minutos humanos incorporados em cada colher, demasiado pouco valor criado para sustentar salários, matérias-primas e, ainda, o futuro. O diagnóstico é estrutural: produtividade baixa e uma crença quase ingénua de que cabe ao governo resolver o problema.

Do outro lado do Atlântico, encontramos a Sherrill Manufacturing, último fabricante americano de talheres em aço inoxidável. Também ela foi varrida pela concorrência chinesa e acabou em bancarrota. Não conseguia sequer praticar preços que o retalho considerasse “aceitáveis”. Até que surgiu uma tábua de salvação: tarifas sobre produtos importados. Graças a essa barreira, a Sherrill ganhou uma “fighting chance” e pôde voltar a respirar.

Aqui está a semelhança e a diferença. Herdmar e Sherrill partilham o mesmo dilema: custos demasiado elevados num sector globalizado, margens esmagadas, fragilidade estrutural. Mas enquanto a Herdmar espera por medidas de política energética que lhe aliviem a factura, a Sherrill depende de tarifas governamentais que distorcem o mercado. Em ambos os casos, a lógica é a mesma: sobrevivência à custa de muletas externas.

O problema é que essas muletas não resolvem nada. Podem adiar a morte, podem até criar ilusões de renascimento, mas não alteram o essencial: a incapacidade de competir de igual para igual, pela via da produtividade, da inovação e da criação de valor diferenciado. A Herdmar sonha com electricidade barata; a Sherrill rejubila com tarifas sobre o aço importado. No fundo, ambas continuam no mesmo campeonato, o campeonato dos que não conseguem jogar sem protecção.

E é aqui que volto ao ponto que defendi: não cabe aos governos escolher vencedores, nem salvar empresas estruturalmente frágeis. Cabe às empresas encontrarem o seu caminho, reinventarem-se, ou então desaparecerem. As muletas apenas adiam o inevitável.

quarta-feira, setembro 03, 2025

As distorções do costume


O texto do JdN "Alentejo "estupefacto" e "em choque" com apoio do Governo a viticultores do Douro" é, ou devia ser, andragógico. Devia pôr o governo de turno a pensar em definitivamente deixar as empresas morrerem.

Mais uma vez um governo vem em socorro de quem não consegue adaptar-se. Agora são os viticultores do Douro, amanhã será outro sector qualquer. E o Alentejo, estupefacto, pergunta-se por que razão a mão visível do Estado decide premiar uns e ignorar outros. A verdade é simples: quando não se deixa o mercado funcionar, introduzem-se distorções que acabam por fragilizar toda a economia.

Como já escrevi, o stress é informação (aprendi com Nassim Taleb). Empresas que não resistem a esse stress dão-nos sinais claros de que o modelo não é sustentável. Prolongar artificialmente a sua vida com subsídios é tapar o sol com a peneira: adia-se o inevitável, desperdiçam-se recursos, e bloqueia-se a entrada de novos actores mais ágeis, mais produtivos, mais alinhados com o futuro.

Deixem as empresas morrer. Não é um drama. É o funcionamento natural de qualquer ecossistema saudável, económico ou biológico. O que é dramático é insistir em mantê-las vivas à custa dos contribuintes e do futuro de quem poderia fazer melhor.

terça-feira, setembro 02, 2025

O que antes era vanguarda acaba por se tornar ultrapassado

No Público do passado dia 28 li "Produtividade: assim não vai dar". Torci o nariz a:

"Portugal não pode contentar-se com a mediocridade nem com desculpas baseadas em comparações pouco exigentes. O país precisa de uma estratégia clara para aumentar a produtividade, assente em três pilares fundamentais: educação e qualificação; inovação e tecnologia; e reformas estruturais que melhorem a eficiência do Estado e da economia."

Nunca irá resultar para colmatar esta lacuna:

"Finalmente, é importante sublinhar que outros países têm conseguido ganhos de produtividade bastante superiores. Em Portugal tende-se a comparar apenas com a média da União Europeia (e mesmo assim Portugal tem cerca de 30% abaixo da média)"

No passado Sábado em casa da minha mãe vi a capa do caderno de Economia so semanário Expresso e fixei esta notícia "Novo modelo garante mais oito anos à fábrica da Autoeuropa."

Lembram-se da primeira metade dos anos 90 do século passado? Lembram-se do impacte da Autoeuropa na economia do país? Lembram-se do impacte da Autoeupropa na produtividade?

Entretanto, o que aconteceu? Dois subsídios:

A Autoeuropa, já era. 

Recordo a formação dos gansos a voar:


O que antes era vanguarda acaba por se tornar ultrapassado.

Basta olhar para os nomes das empresas que eram a jóia da coroa da bolsa de Nova lorque há 30 anos e compará-los com os que o são hoje.

BTW, isto também está relacionado com "Estrangeiros: nove em cada dez empregos só pagam até mil euros." Para colmatar aqueles 30% mencionados no segundo trecho lá em cima, devíamos estar a trabalhar para atrair as empresas das gerações seguintes de produtividade. Entretanto, festejamos a chegada de fabricantes de peúgas.  



sexta-feira, agosto 29, 2025

Por que se pedem paletes de mão de obra estrangeira barata? (parte IV)

 


"[To attract] workers, the employer may have to increase his wage offer. ... So when you hear an employer saying he needs immigrants to fill a "labor shortage", remember what you are hearing: a cry for a labor subsidy to allow the employer to avoid the normal functioning of the labor market." (fonte)
Este clipe ajuda a perceber a necessidade de paletes, num país onde a produtividade não cresce.
E porque é que os melhores emigram.