Um amigo de longa data da minha veia ambientalista, o Serafim Riem, teve a gentileza de me oferecer o livro "Portugal em Chamas - Como Resgatar as Florestas" de João Camargo e Paulo Pimenta de Castro.
O segundo capítulo é simplesmente delicioso para um cínico como eu, a aprender a ser libertário. A certa altura lê-se:
"Há mais de vinte anos, foi aprovada uma "grande lei da floresta", a Lei de Bases da Política Florestal. Esta lei, nº 33/96, de 17 de Agosto, foi aprovada por unanimidade no Parlamento e mereceu forte consenso entre os agentes económicos e dos principais grupos sociais."
Como não pensar no último postal publicado neste blogue, "
"foi mais importante fazer, caso a caso, pessoa a pessoa, a experiência no terreno"". À humildade da experimentação contrapõe-se o poder de um Parlamento unânime e o forte consenso das forças vivas(?).
Depois, o capítulo continua com um festival de comparações entre as intenções da
"grande lei da floresta" e os resultados concretos. Nos princípios orientadores encontramos:
"a) Da produção: as políticas tendentes ao aumento da produção, para além da expansão da área florestal, devem contemplar o aumento da produtividade dos espaços florestais, na óptica do uso múltiplo dos recursos e da sua sustentabilidade;"
- Nas duas décadas que se seguiram o país foi invadido por eucaliptos sem que a produtividade média unitária nacional tenha tido qualquer aumento. O valor registado actualmente não difere dos 6 metros cúbicos por hectare e ano que já se obtinham em 1930. Como não recordar estas tretas (Capoulas e Cristas, a mesma luta)
"b) Da conservação: as intervenções silvícolas devem respeitar a manutenção da floresta enquanto recurso indissociável de outros recursos naturais como a água, o solo, o ar, a fauna e a flora, tendo em vista a sua contribuição para a estabilização da fixação do dióxido de carbono e como repositório de diversidade biológica e genética;"
- "De 1996 a Outubro de 2013, bem como entre Outubro de 2013 e o final de 2017, o histórico de arborizações e rearborizações no território nacional revela que se plantou, em cerca de 80% dos casos, uma espécie exótica e com carácter invasor." Depois, os autores mostram como a introdução do eucalipto contribui para a libertação de mais dióxido de carbono, contribui para a entrada crescente de insectos exóticos, acidentalmente e deliberadamente, sem qualquer estudo para avaliar impactes futuros. Sim, estamos cheios de jogadores amadores de bilhar que só vêem a próxima jogada.
"c) Assegurar a melhoria do rendimento global dos agricultores, produtores e utilizadores dos sistemas florestais, como contributo para o equilíbrio sócio-económico do mundo rural;"
- Segundo os autores: "o rendimento da silvicultura regista, desde a aprovação da lei, uma contracção muito significativa, com especial destaque para o período de 2000 a 2009. ... A mais recente aposta política pela produção de madeira para trituração associa-se ao acentuado declínio do valor da silvicultura." Como não recordar as poucas vergonhas que se apanham e já não escandalizam ninguém: "Este país é um país da treta."
"h) Assegurar a protecção da floresta contra agentes bióticos e abióticos, nomeadamente contra os incêndios;"
- Segundo os autores: "Se quanto aos agentes biológicos, embora com menor visibilidade social, as situações ocorridas são reveladoras do descalabro sanitário das florestas nas últimas duas décadas" basta recordar o nemátodo-da-madeira-do-pinheiro, o gorgulho do eucalipto, o percevejo asiático, a vespa asiática, doenças no castanheiro, nas oliveiras, nos ulmeiros ... "no que respeita aos incêndios o panorama é muito mais visível para toda a população do país." Apesar da desflorestação em curso nos últimos 20 anos, as áreas florestais aredem cada vez mais.
"Ordenamento das matas e planos de gestão florestal
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1 - O plano de gestão florestal (PGF) é o instrumento básico de ordenamento florestal das explorações, que regula as intervenções de natureza cultural e ou de exploração e visa a produção sustentada dos bens ou serviços originados em espaços florestais, determinada por condições de natureza económica, social e ecológica."
- Os PGF são, 20 anos depois insignificantes
- Este ano avançaram com:
"1 - É instituído um sistema de seguros florestais, de custo acessível, nomeadamente um seguro obrigatório de arborização para todas as áreas florestais que sejam objecto de financiamento público.
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2 - Este seguro obrigatório deve ser gradualmente estendido a todas as arborizações."
- Não existe nenhum seguro obrigatório de arborização
"São de carácter prioritário as seguintes acções de emergência, ... d) Reforço, valorização profissional e dignificação do corpo de guardas e mestres florestais;"
- Ooops! Já não existe nenhum corpo de guardas e mestres florestais
"São de carácter prioritário as seguintes acções de emergência, ... f) Adopção de todas as medidas tendentes à realização do cadastro da propriedade florestal"
Isto já vai longo é melhor não continuar com este festival.
Como não recordar Nassim Taleb e a
Via Negativa? (Ver
aqui também)
Como não recordar os
intervencionistas ingénuos?