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quarta-feira, janeiro 01, 2025

Percepções de valor



Segunda-feira dia 30 fui, com a minha mulher, ver saldos.

É claro que pertenço a uma minoria, mas entrar numa loja e ver os produtos em exposição para venda a monte, traduz-se logo numa desqualificação da mercadoria. Recordo de 2011 aquela sensação de desprezo que os lojistas têm pelo que expõem, não, amontoam nas suas prateleiras. E não esqueço o Carnaval de 2005 em Vila Real.

Na véspera de Natal Seth Godin escreveu este postal, "The challenge of excess capacity" do qual sublinho a parte final:
"The challenge of infinity is contagious. While some freelancers are fully booked, most have hours each day unspoken for. An unspoken hour of capacity can feel like a burden.
The quest for more is seductive.
But what happens when we accept that capacity might not be excess? It might simply be capacity.
How do we start to see our way toward better, not simply more?"

Oh! Claire's!!!

O excesso contraria a percepção de valor. Seth Godin chama a atenção para o problema que surge com a produção em massa e a capacidade infinita (máquinas, YouTube). Isso transforma o que antes era especial em algo comum, porque o excesso de oferta reduz o valor percebido. A maneira como os produtos são expostos - "a monte" - reflecte uma atitude de indiferenciação, que comunica ao consumidor que aqueles itens são substituíveis, sem valor único. Peidos.

Quando a produção em massa ou a exposição descuidada trata os produtos como commodities, eles perdem a conexão emocional ou simbólica com o consumidor. O preço passa a ser o principal diferencial, empurrando os produtos para uma competição do custo mais baixo.

Produtos que são tratados como commodities têm dificuldade em justificar preços mais altos, porque o consumidor vê-os como intercambiáveis. Para subir na escala de valor, é necessário comunicar exclusividade, qualidade ou significado - um afastamento da ideia de que "é apenas mais um produto".

É preciso:
  • Posicionar o produto como algo que resolve um problema maior ou satisfaz um desejo profundo;
  • Limitar a disponibilidade ou a produção para criar desejo; 
  • Valorizar o design, a narrativa e a forma de exibição; e 
  • Ensinar o cliente sobre as diferenças que justificam o preço, como materiais, sustentabilidade ou valores éticos.
BTW, entrar numa loja Lefties e tentar conciliar o que se vê com a sustentabilidade ... é difícil não ver a hipocrisia.

BTW, entrar numa loja supostamente de produtos para o segmento médio-alto e ouvir funcionária ao telefone, atrás do balcão, a ameaçar o empregador de que tem de ser aumentada ou desaparece...

BTW, terça-feira li no WSJ um artigo sobre o reshoring que está a acontecer em força nos Estados Unidos e a falta de trabalhadores para as fábricas porque os jovens não querem trabalhar nas fábricas, isto está tudo ligado (voltarei ao tema).

segunda-feira, dezembro 30, 2024

PMEs e Peter Pan

 
"Often, we go from yesterday to today as a bystander, floating on the currents of change. But when we are at our best, we actually create our future with intent. The future counts on us to make it better.

Strategy is the hard work of choosing what to do today to improve our tomorrow."

"floating on the currents of change" ... por isso usei a metáfora Folhas na corrente (parte l) 

"As Michael Porter has pointed out, a strategy isn't a goal. And a strategy isn't a list of tasks. A strategy is the set of choices we make (and stick with) as we seek to compete. Hard choices are easy to hide from, since choices feel risky. And competition is challenging. It's easier to have a meeting about our mission statement than it is to get serious about choosing and persisting with a strategy."

O medo de fazer "hard choices" está frequentemente enraizado na percepção de que cada decisão fecha portas e limita possibilidades (outra vez o espaço de Minkowski). Este é um tema profundo e humano, explorado de forma brilhante por Jordan Peterson ao interpretar a história do Peter Pan. Peter Pan é o arquétipo do jovem que, receando o compromisso e a responsabilidade, recusa-se a crescer e permanece na Terra do Nunca, um lugar de potencial infinito, mas sem substância real. Ele evita as "hard choices" porque fazer escolhas significa abandonar outras possibilidades — significa comprometer-se, aceitar perdas e correr riscos.

Michael Porter observa que a estratégia exige "hard choices", e isso desafia-nos porque decisões concretas eliminam a confortável ilusão de infinitas oportunidades. Do mesmo modo, Peter Pan teme deixar para trás o seu potencial ilimitado para abraçar a realidade do crescimento e da transformação. Crescer, no entanto, é o que permite criar valor real, construir relações significativas e alcançar algo de concreto no mundo.

Este medo das "hard choices" é uma forma de resistência contra a responsabilidade e o compromisso, mas também um bloqueio contra a realização. Persistir com uma estratégia, como Porter propõe, ou decidir crescer, como Peter Pan se recusa a fazer, exige coragem para aceitar que perder algumas possibilidades é o preço de realizar algo genuíno e significativo na vida.

"These strategic choices ended up determining the winner.

The tactics occurred after the race was on. Given a limited amount of time and few choices, what's the best option to support the strategy?

Tactics require skill in the moment and can consume us. Strategy is easy to skip, because we've trained our whole life for tactics.

Strategy is a philosophy, based on awareness of our goals and our perception of the systems around us. Tactics are the hard work we do to support our strategy. But great tactics don't help if the strategy is working against us."

Enquanto a estratégia é pensada antes do jogo começar, as tácticas são ajustadas no calor do momento, com base nas circunstâncias que surgem.

A grande diferença é que a estratégia define a direcção, enquanto a táctica ocupa-se dos detalhes do percurso. Sem uma estratégia clara, mesmo as melhores tácticas podem ser inúteis ou, pior, contrárias ao nosso propósito. Por outro lado, uma estratégia forte, mas sem boas tácticas, pode nunca sair do papel. Juntas, elas formam a combinação essencial para alcançar o êxito. 

Trechos retirados do último livro de Seth Godin, "This Is Strategy". 

sexta-feira, dezembro 27, 2024

A fusão de duas empresas com debilidades importantes raramente resulta numa entidade forte


A propósito de "A tie-up between Honda and Nissan will not fix their problems" na revista The Economist do passado dia 21.12, um artigo útil para as PMEs reflectirem sobre a superficialidade da análise de quem acredita que a fusão de PMEs é a chave para a subida da produtividade:

"Honda and Nissan are considering merging to create the world's third-largest carmaker by sales, behind only Toyota and Volkswagen
...
Keeping pace with Chinese rivals requires rolling out electric vehicles (EVs) and investing heavily in software while continuing to sell the petrol cars that will finance the shift
...
The biggest advantage Chinese firms have is not scale but speed. [Moi ici: Lembro-me de em 1990 os japoneses da Nissan com quem eu trabalhava gozarem com a lentidão da Ford a desenvolver novos modelos. Eclesiastes 3, sempre actual!!!] New models are developed in three years or fewer, half the time it takes foreign firms
...
Yet joining together will not fix the problems of a duo stuck in the past [Moi ici: Muito forte!]
...
Bringing together two ponderous Japanese giants, whose best years may be behind them, is unlikely to be the answer" [Moi ici: Vê-se disto demasiadas vezes, fusões sem alicerces em pontos fortes para aproveitar oportunidades concretas]

O tamanho por si só não garante o sucesso; agilidade e velocidade são mais críticas, especialmente em indústrias em transformação rápida.

A colaboração pode funcionar, mas apenas se abordar desafios estratégicos fundamentais. As PME devem concentrar-se em parcerias que aproveitem a sinergia de pontos fortes para tirar partido de oportunidades.

As PME devem esforçar-se por manter/desenvolver a flexibilidade e capacidade de resposta às exigências do mercado, evitando as armadilhas da lentidão na tomada de decisões que observamos em tantas organizações de maior dimensão. 

A fusão de duas empresas com debilidades importantes raramente resulta numa entidade forte. 

quinta-feira, dezembro 26, 2024

Um equilíbrio difícil

Em Outubro passado escrevi aqui "Again: O contrário de uma estratégia é outra estratégia." sobre a situação da Nike.

Agora no WSJ de 20.12 em "Nike Takes Big Risk With Holiday Discounts" leio:

"During one of the busiest shopping weekends of the year, Nike was the only brand to have a 30% discount on most of its footwear at Macy's famous Herald Square location in New York City.

Nike is in a race for cash. Chief Executive Officer Elliott Hill said after he took over in October that his priority was clearing out the company's inventory. The company is slashing prices on its website so aggressively that it is not only risking its own holiday sales but also weighing on its retail partners.

The sneaker giant Thursday reported its third consecutive quarterly sales decline—a 9% drop in currency-neutral revenue from a year earlier. Its profit fell 10% in the quarter ended Nov. 30 from the year earlier period.

...

"It impacts perception of the product by the consumer, it impacts negatively the brand," JD Sports CEO Régis Schultz said in November about Nike's discounts."

Um equilíbrio difícil, conciliar o aumento do cash flow com o evitar da deterioração da percepção da marca, e com o restabelecimento de relações com os donos das prateleiras.

terça-feira, dezembro 24, 2024

A importância da inovação e adaptabilidade

Na revista The Economist do passado dia 21.12 li o artigo "Can Lego remain the world's coolest toymaker?" 

"Over the past 20 years the company’s revenue has grown ten-fold, reaching DKr 66bn ($9.7bn) in 2023. A decade ago it became the world’s largest toymaker by revenue. Today its sales are greater than those of its two biggest rivals—Mattel, creator of Barbie, and Hasbro, maker of Nerf guns—combined

...

We need to stay relevant for kids and adults,” says Mr Christiansen. New sets keep coming; nearly half the products in its range in 2023 were released that year. The firm also makes more than 140 elaborate sets, some with thousands of pieces, for adult fans of Lego (AFOLs), who now account for one-fifth of sales [Moi ici: A inovação e a adaptabilidade são cruciais. As PME podem inspirar-se na capacidade da Lego para actualizar a sua linha de produtos e entrar em novos mercados]

...

Competing with the online world for time is hard. [Moi ici: Interessante. Algo que falta em muitas empresas, estar atento aos não-concorrentes que são concorrentes e por vezes são os mais importantes] On average, American children aged 8-12 spend 4-6 hours a day watching screens of various types... That is why in 2022 Lego invested in a partnership with Epic Games, maker of 'Fortnite', to build 'engaging digital experiences for kids of all ages'

...

Family ownership allows Lego to take the long view, Mr Christiansen says. (A foundation owns a quarter of the firm; the Kristiansen family owns the rest.)" [Moi ici: O planeamento a longo prazo e a manutenção de uma identidade de marca clara podem ser vitais para o sucesso duradouro]

segunda-feira, dezembro 23, 2024

Máquinas italianas e indústria alemã

Mão amiga fez-me chegar este artigo, "Significant decline for the Italian machine tool industry in 2024". Primeiro alguns factos que se retiram do texto e depois uma reflexão-especulação.

A indústria italiana de fabricantes de máquinas teve um desempenho misto em 2024:

  • A produção global caiu 11,4%; 
  • O mercado interno encolheu drasticamente (as entregas caíram 33,5%, o consumo caiu 34,8%); 
  • As exportações atingiram níveis recorde (aumento de 6,3% para 4490 milhões de euros); 
  • Prevê-se uma recuperação modesta para 2025 - A produção deverá crescer 2,9%. As exportações deverão manter-se estáveis (+0,3%). O mercado interno deverá apresentar alguma melhoria (+8%).

Os principais mercados de exportação apresentam um desempenho variado:

  • Forte crescimento nos EUA (+17,8%) e Índia (+100%) 
  • Crescimento modesto na Alemanha (+12,3%) 
  • Descidas na China (-15,3%) e França (-9,3% ) 

É interessante que dois países com a economia em terreno negativo, Alemanha e França, tenham desempenhos tão diferentes. Por que é que os alemães estaráo a comprar máquinas italianas e não máquinas alemãs?

Especulemos!

Máquinas italianas:

  • Os fabricantes italianos destacam-se na criação de máquinas que podem ser customizadas às necessidades específicas dos clientes;
  • Forte foco no design e na ergonomia, tornando as máquinas mais fáceis de utilizar e esteticamente agradáveis;
  • Mais económicas, mantendo a boa qualidade;
  • Podem sacrificar alguma robustez pela versatilidade;
  • Geralmente mais fáceis de modificar após a compra.

Máquinas Alemãs:

  • Reconhecidas pela engenharia de precisão e fiabilidade;
  • Construídas com foco na longevidade e construção robusta;
  • Normalmente mais caras, mas com custos de manutenção mais baixos ao longo do tempo;
  • Geralmente mais rígidas na sua configuração, mas mais estáveis ​​no desempenho

Um ditado comum na indústria é que as máquinas italianas são como carros desportivos (inovadoras, elegantes, que exigem mais atenção, mas altamente capazes), enquanto as máquinas alemãs são como tanques (robustas, fiáveis, construídas para durar, mas menos flexíveis).

No entanto, estas são generalizações e os fabricantes individuais de ambos os países podem desviar-se significativamente destes padrões. 

Continuemos a especular:

Com a economia alemã em terreno negativo, as empresas alemãs estão provavelmente à procura de soluções mais económicas sem comprometer drasticamente a qualidade. As máquinas italianas oferecem esta combinação de custo-benefício.

A indústria alemã está a passar por um período de adaptação e modernização. As máquinas italianas, sendo mais personalizáveis e flexíveis, permitem às empresas alemãs:

  • Adaptarem-se mais rapidamente às mudanças do mercado;
  • Experimentarem novos processos de produção;
  • Implementarem modificações com menor investimento inicial.

domingo, dezembro 22, 2024

Estratégia e Jogos

"There are Games in Every Strategy 
A game has the following elements: players, rules, scarcity, choices, [Moi ici: ] feedback loops, and outcomes.
...
  • You don't have to enjoy the game for it to be a game.
  • You're playing a game whether you realize it or not, and seeing the game helps you play it better. [Moi ici: Reconhecer que estamos num jogo dá-nos uma vantagem estratégica, pois conseguimos compreender os padrões, optimizar as nossas acções e antecipar os movimentos dos outros. Para isso, é extremamente importante ter autoconsciência e fazer uma análise crítica. Só ao percebermos o "tabuleiro" é que podemos evitar agir às cegas ou tornarmo-nos peões controlados por terceiros
  • The outcome of a game often has little to do with how much you want to win.
  • Everyone playing the game sees it differently. Some games are easy to quit, other games are forever.
  • Not all players follow the same rules or have the same goals, even when playing the same game.
  • No game stays the same for long, because playing the game changes the game. [Moi ici: Num jogo, cada jogada altera as condições do tabuleiro, mudando as possibilidades para todos os participantes. Recordar o espaço de Minkowsky. No mundo real, as nossas acções influenciam as circunstâncias e criam novas dinâmicas. Por exemplo, no mercado de trabalho, uma estratégia de sucesso pode tornar-se obsoleta se muitos a adoptarem. Esta reflexão lembra-nos que devemos estar sempre atentos às mudanças e não nos acomodarmos a estratégias antigas, porque o próprio acto de jogar transforma o jogo
  • Short-term gains can lead to long-term losses, and vice versa.
  • Sometimes the best way to win is to help others succeed. [Moi ici: É um ponto poderoso que desafia a visão tradicional de competição pura. Em muitos "jogos" da vida, a colaboração e o apoio mútuo criam cenários vantajosos para todos. Em sistemas interdependentes (como organizações, equipas ou redes sociais), ajudar os outros pode construir alianças, confiança e reciprocidade, que acabam por beneficiar o próprio jogador. Esta ideia reflecte estratégias de longo prazo baseadas na cooperação e na empatia, em vez de um foco limitado em ganhos imediatos
  • Large games are made of smaller games, all the way down.
  • Most games are not fair, and some games cannot be won.
  • The most valuable skills in one game may be useless in another.
  • Some games become easier as you win, others more difficult.
  • You don't always have to play the game you're offered.[Moi ici: Esta reflexão sugere a possibilidade de recusar ou redefinir as condições impostas por um sistema ou contexto. Frequentemente, somos convidados a participar em "jogos" que não são vantajosos, éticos ou alinhados com os nossos objectivos e valores. A metáfora encoraja-nos a avaliar as opções e, se necessário, a criar as nossas próprias regras, mudar de cenário ou adoptar uma abordagem completamente nova. É um lembrete da nossa autonomia e da necessidade de questionar pressupostos
  • Multiplayer games sometimes conceal themselves as two-player games.
  • We often spend more time figuring out how to win the game we're in instead of choosing which game to play in the first place." [Moi ici: Concentramo-nos em vencer dentro de um sistema sem avaliarmos se é o sistema certo para nós. A metáfora sugere que podemos gastar energia em "jogos" que não maximizam o nosso potencial ou não estão alinhados com os nossos objectivos de longo prazo. Escolher o jogo certo pode ser mais importante do que vencer qualquer jogo específico, porque isto alinha as nossas acções com os nossos valores e ambições mais profundas

Trechos retirados do último livro de Seth Godin, "This Is Strategy". 


sábado, dezembro 21, 2024

Epifanias e avestruzes

"Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal, assume também preocupação, antecipando que o cenário possa agravar-se "não só em Portugal, como na Europa". E reforça: "Portugal especializou-se durante muito tempo em baixo custo, e isso deixou de ser competitivo. Precisamos de começar a competir em nichos de mercado de valor acrescentado, com inovação, produtividade e competitividade, e muitas empresas não estão a conseguir fazer esse caminho."

Ah, uma brilhante epifania! 

Após décadas a surfar a onda dos baixos custos, descobrimos agora que... surpresa! - já não somos competitivos. E a solução proposta? "Vamos para os nichos de valor acrescentado!" Como se fosse tão simples quanto mudar o menu de um restaurante.

Senhor presidente, produzir para nichos não é como trocar de gravata. Não basta dizer às fábricas customizadas para o volume: "A partir de segunda-feira, somos premium!" 

Uma fábrica, uma empresa desenhada para custos baixos e grandes volumes é como um petroleiro - não é fácil fazê-la comportar-se como, transformar-se, num iate de luxo.

Os nichos premium exigem:

- Fábricas que respirem flexibilidade, não linhas rígidas de produção em massa.

- Trabalhadores formados para pensar, não para repetir.

- Redes de fornecedores de alta precisão, não os mais baratos.

- Canais de distribuição especializados que conhecem o cliente final.

- Marketing que vende valor, não preço.

- I&D que inova, não que copia.

É como tentar transformar um McDonalds num restaurante estrela Michelin. Não basta mudar o menu e subir os preços - é preciso mudar tudo, desde os fornecedores até à formação dos colaboradores.

Tenho a certeza que uma declaração assertiva de uma confederação empresarial vai magicamente transformar décadas de cultura industrial e práticas empresariais. Afinal, o que é que poderia dar errado?

Este é o equivalente industrial a descobrir que devíamos ter começado a poupar para a reforma... aos 64 anos. Um pouco tarde, não? 

Por isso é que em 2007 roubei esta citação a Maliranta:

"It is widely believed that restructuring has boosted productivity by displacing low-skilled workers and creating jobs for the high-skilled."Mas, e como isto é profundo: "In essence, creative destruction means that low productivity plants are displaced by high productivity plants." Por favor voltar a trás e reler esta última afirmação.

"Do lado sindical, o discurso é contido. A palavra de ordem é "evitar o dramatismo, porque trabalhadores com medo estão menos dispostos a lutar", vinca um dirigente sindical, pedindo para não ser identificado."
Ah, que magnífica demonstração de "liderança sindical"! Temos aqui a versão sindical da avestruz - enterremos a cabeça na areia e fingimos que o predador não está lá.


"Evitar o dramatismo" - porque aparentemente a realidade não é dramática o suficiente por si só. As fábricas fecham, os postos de trabalho desaparecem, mas shhh... não vamos falar disso. Afinal, para quê informar os trabalhadores da realidade completa? Pobrezinhos, podem ficar assustados...

É uma posição paternalista absolutamente brilhante: vamos proteger os trabalhadores da verdade para que possam "lutar" melhor. Porque toda a gente sabe que as melhores decisões são tomadas com base em informação incompleta, não é?

E a cereja no topo do bolo? O dirigente sindical que não quer ser identificado. Nada diz "estamos prontos para lutar" como um líder que prefere o anonimato ao discutir a sua própria estratégia de comunicação.

Trechos retirados do artigo "Automóvel e têxtil cortam postos de trabalho" publicado no Caderno de Economia do semanário Expresso do passado dia 20.12.

quinta-feira, dezembro 19, 2024

"This is strategy"

O último livro de Seth Godin, "This Is Strategy" começa da seguinte forma:

Who will we become, [Moi ici: "Who ... we" É acerca de nós, da nossa organização. "Will ... become" é acerca de transição, de mudança, de transformação, de aspiração para o futuro]

who will we be of service to, [Moi ici: "of service to" As organizações existem para servir outros. Quem são esses outros? E esses outros não podem, não devem ser um substantivo colectivo genérico, indefenido, devemos ser claros sobre quem são e quem não são]

and who will they help others to become [Moi ici: A ideia de ecossistema, de constelação de partes interessadas. Ir para além da simples relação diádica. Criar relações ganhar-ganhar-ganhar]

This is strategy.

A strategy isn’t a map—it’s a compass. [Moi ici: Uma estratégia não é um mapa com um caminho fixo, é uma bússola que aponta a direcção. O mapa limita; a bússola guia. O mundo muda, os obstáculos aparecem, e os planos rígidos ficam obsoletos. Com uma bússola, ajustamos a rota sem perder o norte. Estratégia é flexibilidade com propósito] Strategy is a better plan.

It’s the hard work of choosing what to do today to make tomorrow better. [Moi ici: "choosing" Escolher implica renunciar; ao decidir por um caminho, fechamos portas para outras possibilidades. E isso custa muito, e isso para muitos é impossível. "to make tomorrow betterInvestir hoje é arriscar; mesmo com esforço, o futuro permanece incerto devido a factores fora do nosso controlo. A escolha consciente requer coragem porque é uma aposta no potencial do amanhã, mesmo diante das dúvidas do presente, e das incertezas do caminho.]

This is the point. This is at the heart of our work and the challenge of our days.

Toward better.”

terça-feira, dezembro 17, 2024

A vida económica é assim

Há dias deparei com este artigo no FT, "Dyson is right to fight for British strawberries." Entretanto também encontrei uma referência ao tema em "Dyson's vision after vacuum cleaners: the great British strawberry."

Considero o tema super interessante porque tem tudo a ver com pensamento estratégico. Além disso, porque ainda está em curso, é impossível saber à priori se a coisa vai resultar ou não. Tem um risco semelhante ao da Raporal algo que é referido logo na parte inicial do texto do FT:

"Fruits are mostly sold by weight or under supermarket brands in the UK, with the growers appearing on packaging in small print at best. If they look good and taste sweet, that is enough for most shoppers.

...

This investment will only pay off if consumers accept that it is worth paying more for a punnet of Dyson strawberries than for the imported berries from Spain or Morocco that typically fill supermarkets in winter. They need to taste good and have their British provenance recognised and valued.

Dyson is making some progress with branding. His strawberries were at first sold by J Sainsbury and Marks and Spencer under their own premium labels but the Dyson name is becoming more prominent. The latest M&S packaging features a Union Flag and the Dyson Farming brand.

...

If the UK's largest farmer cannot make his fruit fetch a premium, it bodes ill for others."

É claro que é preciso algum volume para suportar os custos, mas creio que a proposta de valor da Dyson não pode considerar o que se segue o problema Recordar os casos da Rapidus e da Marvell:

"Perhaps Dyson should be intimidated by the scale of the challenge. His Lincolnshire farm grows 1,200 tonnes of strawberries a year; a tiny figure compared with the 150,000 tonnes of berries produced by Agroberries in 30 countries, let alone Driscoll's mighty network."

Os desafios são antes:

  • Será que um número suficiente de consumidores estará disponível para pagar um preço premium por morangos criados no Reino Unido? Até onde vai a sensibilidade ao preço face ao tema do ambiente e da origem?
  • Será que a vertente ambiental da produção será um factor reconhecido poelos consumidores-alvo?
  • Será que a Dyson conseguirá desenhar um modelo de negócio sustentável?
  • Será que a Dyson conseguirá sobreviver ao poder das cadeias de distribuição? Sem marca forte, no way! Será que vai ser possível criar um cenário win-win-win? (Dyson - donos das prateleiras - consumidores-alvo)
  • Como vão reagir os concorrentes do low-cost?

Toda uma série de variáveis que a Dyson ou não controla ou apenas pode tentar influenciar. A vida económica é assim.

segunda-feira, dezembro 16, 2024

Flying Geese ao vivo e a cores - outro exemplo

Depois de Flying Geese ao vivo e a cores segue mais um exemplo da transição: Avincis quer "helis" de Itália e Suécia a fazer manutenção em Portugal

A Avincis está a expandir suas operações em Portugal, especialmente no campo de manutenção de aeronaves e serviços aéreos de emergência. Este movimento reflecte a mesma lógica estratégica que foi mencionada no texto inicial sobre a Lufthansa e a Coloplast:

  1. Transição para sectores de alto valor acrescentado: Assim como os investimentos da Lufthansa em motores de aviação e da Coloplast em tecnologia médica trazem indústrias de alta tecnologia para regiões tradicionalmente focadas em sectores maduros, a Avincis também está a promover um avanço ao transformar Portugal num centro relevante para manutenção aeronáutica de grande escala.

  2. Valorização da mão de obra local: A reportagem destaca que a Avincis treina e emprega técnicos locais, criando novas oportunidades em áreas de maior produtividade e remuneração. Este alinhamento com a formação especializada e transferência de know-how segue a mesma lógica das multinacionais mencionadas no texto inicial.

  3. Reforço da competitividade/produtividade e resiliência económica: Ao trazer operações de manutenção avançada de outros países para Portugal, a Avincis aumenta a atractividade económica do país, tal como ocorre nos exemplos da Lufthansa e Coloplast.

Portanto, a expansão da Avincis em Portugal ilustra mais um caso de "migração de valor" para novos sectores, minimizando os impactes de declínios em áreas tradicionais e contribuindo para um desenvolvimento económico mais sustentado.

domingo, dezembro 15, 2024

Comunicar proposta de valor


Esta semana fiz uma auditoria a uma empresa que conheço já há alguns anos.

Ao auditar o tema da avaliação da satisfação dos clientes percebi que a empresa estava incomodada com a resposta da maioria dos clientes à pergunta sobre como avaliavam os preços praticados. A maioria dos clientes classificava os preços como altos.

O incómodo da empresa assentava sobretudo na dificuldade dos clientes perceberem que eles cobram preços mais altos, mas em contrapartida conseguem responder em tempo recorde. Argumentei algo que penso há muitos anos: Perguntar num inquérito de satisfação de clientes se eles estão satisfeitos com os preços só tem uma justificação, perceber se quem respondeu ao inquérito o fez em consciência ou simplesmente colocou cruzes aleatoriamente. A resposta de um cliente-tipo à pergunta sobre se os preços são OK é um inevitável NOK. 

Já a caminho do almoço pesquisei na net e encontrei uma imagem que serve para comunicar propostas de valor aos clientes:

 

sábado, dezembro 14, 2024

Estratégia ao vivo e a cores

Na sequência dos postais recentes: Fugir do confronto directo com o gigante e E cheirou-me logo a estratégia.


No universo empresarial, especialmente para PMEs, há uma tentação comum: copiar a estratégia dos players grandes. Porém, como mostram exemplos recentes, o sucesso não reside em replicar modelos estabelecidos, mas em criar abordagens que funcionem para o seu contexto único. Assim como a Rapidus e a Marvell ajustaram as suas estratégias para competir em mercados dominados por gigantes como a TSMC, as PMEs devem focar-se nas suas forças e em nichos específicos. A verdadeira vantagem competitiva está na personalização estratégica, não na imitação. Vejamos como isso se traduz na prática.

Diferentes estratégias, diferentes escolhas.

Rapidus: concentra-se em chips customizados em lotes pequenos lotes para servir nichos de mercado como a IA e indústrias especializadas, evitando a concorrência directa com o modelo de produção em grande escala da TSMC.

Marvell: Dá prioridade a segmentos de alto valor acrescentado, como os data centers, aproveita a sua experiência para garantir parcerias estratégicas (por exemplo, Amazon) para um crescimento impulsionado pela IA.

Lição: A diversificação para mercados especializados pode criar uma vantagem competitiva, especialmente ao evitar a concorrência directa com gigantes estabelecidos como a TSMC ou a Intel.

Rapidus: Visa a procura emergente por chips personalizáveis ​​e de última geração nos setores da IA ​​e da alta tecnologia.

Marvell: Mudou o seu foco para os data centers e as tecnologias de IA para se alinhar com as tendências do mercado em evolução.
Lição: Adaptar a estratégia às exigências emergentes da indústria (por exemplo, IA e soluções personalizadas) é fundamental para ganhar relevância e captar quota de mercado.


Rapidus: Colabora com a IBM e a academia japonesa para desenvolver capacidade para chips de 2 nm e formar talentos.


Marvell: tem parcerias com empresas líderes como a Amazon para integrar as suas tecnologias baseadas em IA em ecossistemas mais amplos.


TSMC: Mantém laços estreitos com clientes de primeira linha, como a Apple e a Nvidia, garantindo um elevado volume e uma procura constante.


Lição: Parcerias fortes melhoram as capacidades técnicas, o acesso ao mercado e a sustentabilidade operacional.

quinta-feira, dezembro 12, 2024

Flying Geese ao vivo e a cores

O meu modelo mental sobre a economia foi estilhaçado sem salvação quando li "How Rich Countries Got Rich and Why Poor Countries Stay Poor" de Erik S. Reinert com trechos como os citados em Para reflexão e em The "flying geese" model, ou deixem as empresas morrer!!!

O meu grito "Deixem as empresas morrer!" é anterior a conhecer a Reinert.

Há quem acredite que o progresso de uma economia como a portuguesa depende de "melhorar" o que já existe. A mesma cantilena de sempre: fundir PMEs, formar empresários, investir em tecnologia e simplificar processos. Mas e se o verdadeiro problema for a própria natureza dos sectores em que tantas dessas empresas operam? 

Hoje acredito que o aumento da produtividade que o país precisa não pode ser pedido ao tecido produtivo existente (Think again! e Vamos repetir outra vez: Um oxímoro!), mas tem de vir seguindo o modelo "flying geese", ou seja, fazendo que empresas de sectores com maior valor acrescentado ganhem preponderância e peso na economia. A teoria dos "Flying Geese" ensina-nos que a solução não está em insistir em sectores maduros de baixa margem, como o calçado e o têxtil, mas em migrar para indústrias de maior valor acrescentado. Portugal não pode pedir aos seus sectores mais tradicionais que liderem o aumento de produtividade de que tanto precisa. Eles já deram o que tinham a dar. Insistir neles é como tentar tirar água de um poço seco. Sim, empresas individuais nesses sectores vão sobreviver, vão subir na escala de valor e ter sucesso, mas o peso deses sectores em termos de emprego vai cair.

Deixar as empresas morrer, significa assumir um período de transição dolorosa que gera desemprego e que só pode ser reduzido pela entrada das empresas da nova economia. Por isso, escrevi Menos dor na transição como um exemplo do que se pretende.

Entretanto, por estes dias li no JN "Insolvências em fábricas fustigam o Norte do país" e "Lufthansa cria 700 postos de trabalho com nova fábrica de reparação de peças de aviões na Feira".

O investimento da Lufthansa em Santa Maria da Feira e o da Coloplast em Felgueiras exemplificam perfeitamente a lógica da teoria dos "flying geese" para minimizar a dor da transição económica. Ambos representam movimentos estratégicos para trazer indústrias de maior valor acrescentado a regiões tradicionalmente dependentes de sectores mais maduros, como o calçado e o têxtil.

No caso da Lufthansa, o foco em reparação de motores e componentes de aviação coloca a região no mapa de uma indústria de alta tecnologia, exigindo competências especializadas e oferecendo melhores condições laborais. Já o investimento da Coloplast em Felgueiras, na área da tecnologia médica, promove um salto semelhante, tirando partido de uma força de trabalho local que pode transitar para funções de maior produtividade e remuneração.

Ambos os casos alinham-se com a ideia de "migrar valor" para novos sectores, aliviando o impacte do declínio dos tradicionais. Em vez de tentar melhorar o que já existe nesses sectores maduros (sapatos e têxteis), estas empresas estão a criar novas "profissões", aumentando a competitividade local e a atractividade económica de Portugal. 

A estratégia reduz a dor da transição porque oferece aos trabalhadores locais oportunidades concretas para sair de sectores de baixa margem para indústrias com elevado valor acrescentado – tudo sem depender apenas de formação genérica, mas sim de modelos de negócio que incluem formação específica e know-how transferido directamente pelas multinacionais. Este ponto é crucial porque quebra o ciclo vicioso identificado por Reinert, no qual o investimento em educação ou tecnologia não resulta em grandes ganhos em sectores de baixa margem. Em vez disso, o investimento em sectores de alto valor cria oportunidades reais para os trabalhadores deslocados (recordar a caridadezinha e o lerolero).




quarta-feira, dezembro 11, 2024

E cheirou-me logo a estratégia

Na última página do WSJ do passado dia 09.12 vi o artigo, "Small Al-Chip Maker Is Now More Valuable Than Intel", e cheirou-me logo a estratégia.

O artigo compara a performance de uma empresa produtora de chips que eu não conhecia, a Marvell, com a performance da Intel.

A valorização em bolsa da Marvell supera a da Intel. A Marvell Technology registou um crescimento significativo na sua capitalização bolsista, ultrapassando os 100 mil milhões de dólares, tornando-a mais valiosa que a Intel.

Este crescimento é impulsionado principalmente pela sua forte presença no mercado de chips para data centers e pelo seu papel no apoio aos avanços da IA (escolhas estratégicas sobre onde estar). O negócio de data centers da Marvell representa agora 72% da sua receita total, acima dos 40% do ano anterior, com as vendas a duplicarem ano após ano para 1,1 mil milhões de dólares.

A empresa beneficiou de uma importante parceria com a Amazon, ajudando a conceber chips de IA como o Trainium, o que reforça ainda mais a sua posição competitiva. Os analistas prevêem que as receitas relacionadas com a IA dupliquem até 2026, ultrapassando potencialmente os 8 mil milhões de dólares anuais.

O CEO Matt Murphy concentrou-se num crescimento constante e nas parcerias estratégicas, em vez de expandir significativamente a dimensão da empresa. 

Relevância da actuação da Marvell para o pensamento estratégico das PMEs:

  • A Marvell mudou o foco para data centers e chips personalizados ligados à IA, mostrando como é importante priorizar mercados em crescimento em vez de insistir em sectores tradicionais ou saturados. Apostar em nichos promissores.
  • Trabalhar com gigantes como a Amazon pode ajudar empresas menores a crescerem mais rápido e ganharem credibilidade no mercado. Também tem riscos, basta procurar aqui no blogue o que escrevo sobre pedofilia empresarial. Procurar verdadeiros parceiros, cuidado com o destino da Raporal.
  • A agilidade da Marvell em ajustar seu modelo de negócio para aproveitar tendências como a IA é um óptimo exemplo do valor de estar sempre à frente no mercado. Rapidez e flexibilidade são as armas secretas das PMEs.
  • O investimento da Marvell em soluções feitas sob medida para os seus clientes destaca como inovar e focar nos clientes pode diferenciar uma empresa no mercado. A velha prática da customização.
  • O CEO da Marvell mostra como ter uma visão clara e focada — opção pelo crescimento sustentável em vez de crescer por crescer — pode ser a chave para o sucesso a longo prazo, algo que pode inspirar os líderes das PMEs.

sábado, dezembro 07, 2024

Objectivos e planos de acção da treta

 

"When we talk about strategy, it is about actions to achieve an ambitious objective. Strategists, i.e., those who define strategy, are company top executives most of the time.

Before defining actions, we must determine the objective and understand where we come from (called initial or current state). Actions will make it possible to bridge the gap."

Trecho retirado de "Business Strategy with Hoshin Kanri" de Carine Vinardi.

Uma das coisas que vejo ao fazer auditorias e que me deixa desanimado é a frequência com que encontro objectivos de melhoria definidos sem um plano de acção acoplado. É a velha definição de insanidade: fazer as mesmas coisas e esperar um resultado diferente.

Por exemplo:

Objectivo: Não ter mais de X reclamações em 202Y.

O que fazer? Ter sempre em conta as regras criadas.

Com que recursos? Procedimentos criados.

Definir objectivos de melhoria sem um plano de acção concreto é uma prática que frequentemente resulta em estagnação, ou pior. A simples manutenção das práticas actuais dificilmente conduzirá a resultados diferentes. Para ilustrar as consequências desta abordagem, consideremos o caso da Northvolt. Apesar de angariar cerca de $15 mil milhões em financiamento e contar com o apoio de investidores de peso, como a Volkswagen, a empresa enfrentou problemas significativos de produção e gestão. Esses desafios culminaram na sua falência há dias, ilustrando a importância de alinhar objectivos ambiciosos com planos de acção detalhados e recursos adequados. 

Seguem-se trechos retirados do WSJ do passado dia 25.11 do artigo "This Battery Startup Raised $15 Billion. Then It Went Bust.":

""I should have probably pulled the brake earlier on some of the expansion paths," Carlsson said on Friday. [Moi ici: Decisões tomadas sem considerar adequadamente os recursos e capacidades disponíveis?]

...

In March, truck maker Scania said it was behind on its electrification plans, telling a Swedish newspaper that the battery maker hadn't kept up with deliveries. In June, BMW pulled a roughly $2 billion contract with Northvolt. [Moi ici: A incapacidade de servir a procura indica a ausência de um plano eficaz para satisfazer contratos críticos?]

...

"The founders had no experience of building a process industry and they didn't want to start with a small scale," said Magnus Henrekson, a senior research fellow with Sweden's Research Institute of Industrial Economics. [Moi ici: A falta de experiência e o desejo de começar em grande escala sem a infraestrutura adequada resultaram em falhas significativas. Quantos exemplos conseguimos encontrar com este mesmo erro? Muitos, demasiados]

...

Making battery cells is complex and expensive. New factories can take years to increase production and often have high scrap rates because of problems during the production process." [Moi ici: Esses problemas revelam que não houve um planeamento detalhado para gerir os riscos inerentes à produção em grande escala]

Este exemplo sublinha que resultados diferentes exigem mudanças substanciais nas acções e estratégias implementadas. Sem um plano de acção robusto, os objectivos permanecem inalcançáveis, perpetuando o ciclo de insucesso. Portanto, é imperativo que as empresas desenvolvam planos de acção claros e específicos para cada objectivo de melhoria, assegurando que as metas estabelecidas sejam efectivamente alcançadas.

BTW, sem plano de acção apenas se usa um indicador lagging para avaliar o sucesso do projecto. Com acções num plano e com um calendário ao menos temos alguns indicadores leading que podem ser seguidos e utilizados para tomar decisões de calibração do esforço da transição do presente para o futuro desejado.

quinta-feira, dezembro 05, 2024

Fugir do confronto directo com o gigante

O FT de ontem trazia um artigo intitulado "An audacious gamble in semiconductors" sobre o projecto Rapidus no Japão.

O projecto Rapidus é uma ambiciosa iniciativa do Japão para revitalizar a sua indústria de semicondutores e posicionar-se como um líder global na produção de chips de topo. Lançada em 2020, a Rapidus é uma empresa de fabricação de semicondutores que conta com o apoio do governo japonês e de grandes empresas, como a Toyota, a Sony e a NTT.

Não sei nada de semicondutores, por norma torço o nariz a intervenções dos governos na criação de "campeões nacionais", mas resolvi escrever sobre ele e sobre a sua mensagem acerca de estratégia empresarial.

A certa altura lê-se:

"Ever since TSMC was founded by Morris Chang in 1987, it has been all about scale and Rapidus is really something nobody has ever attempted before."

E pelo que pesquisei a estratégia da TSMC assenta numa abordagem clássica:

  • Fabrico de alto volume: O modelo de negócio da TSMC assenta a produção em grande escala para servir gigantes tecnológicos globais como a Apple, Nvidia e AMD.
  • Chips padronizados de última geração: A TSMC é especializada na produção em massa de chips padronizados, como os nós avançados de 3nm e 5nm, atendendo à procura em grande escala.
  • Economias de Escala: A escala da TSMC permite reduzir custos e manter rendimentos elevados, o que é fundamental para o seu domínio na indústria. 
O que é que o projecto Rapidus pretende? Fugir de um confronto directo e ir para o lado oposto:
  • Chips personalizados e de pequenos lotes: A Rapidus pretende servir nichos de mercado que exigem chips especializados e personalizados, em vez dos chips padronizados de alto volume que a TSMC produz.
  • Flexibilidade e Especialização: Esta estratégia permite à Rapidus alcançar indústrias ou aplicações que necessitem de designs personalizados, como IA, veículos autónomos ou robótica avançada.
  • Inovação localizada: Ao trabalhar com mercados ou sectores específicos, a Rapidus pode potencialmente preencher uma lacuna no ecossistema de semicondutores que a abordagem de alto volume da TSMC pode não resolver. Lembro-me disto na última empresa que trabalhei como funcionário, a produzir circuitos impressos (postal de 2015 e postal de 2012).
Esta abordagem de nicho pode permitir à Rapidus construir uma reputação em tecnologias de ponta e de alto valor acrescentado, sem competir frontalmente com a TSMC. O grande desafio, e daí talvez o título do artigo, a produção de pequenos lotes tem, geralmente, custos por unidade mais elevados, dificultando a obtenção de rentabilidade, a não ser que a Rapidus consiga estabelecer uma posição sólida em mercados com margens elevadas. Claro que outros desafios, mencionados no artigo incluem o recrutamento de pessoal qualificado, a gestão de elevados custos de produção e a obtenção de taxas de rendimento/eficiência competitivas.

Este exemplo do Projecto Rapidus é uma lição valiosa para as PMEs que enfrentam gigantes em mercados dominados por economias de escala. Em vez de tentarem um confronto directo, que muitas vezes resulta numa batalha perdida à partida, as PMEs podem adoptar uma abordagem estratégica semelhante a esta: encontrar um "bypass", uma obliquidade que as permita prosperar em nichos que os players grandes dificilmente conseguem servir.

Ao focarem-se em necessidades específicas e subatendidas, como produtos personalizados, serviços flexíveis ou soluções inovadoras e adaptadas a mercados específicos, as PMEs podem criar valor onde os modelos tradicionais das empresas grandes não conseguem chegar. Esta estratégia não só evita uma competição desleal, como também posiciona as PMEs como parceiros indispensáveis em cadeias de valor que precisam de agilidade e especialização. Ou seja bolas azuis versus bolas pretas.

O exemplo do Rapidus é um bom lembrete de que nem sempre é necessário jogar o mesmo jogo para ser bem-sucedido. Por isso, cuidado com os artigos das revistas com entrevistas a CEOs das empresas grandes e que são promovidos como tendo lições para aplicação directa nas PMEs. Muitas vezes, redefinir as regras ou criar um caminho alternativo é a chave para abrir novas oportunidades e prosperar mesmo em mercados altamente competitivos. Afinal, ser pequeno também pode significar ser ágil, inovador e mais próximo das reais necessidades dos clientes. Que mais PMEs se inspirem neste tipo de visão estratégica!

quarta-feira, dezembro 04, 2024

Ginásios e lições para PMEs

A propósito de "Treino personalizado soma adeptos e motiva aumento de ginásios":

"Os estúdios de treino personalizado, onde o exercício físico é acompanhado por personal trainers (PT), estão a crescer em Portugal, com os praticantes a salientarem a eficácia nos resultados e o benefício para a saúde. As mensalidades podem atingir centenas de euros, "um preço justo" para clientes e profissionais."

Durante e após a pandemia, houve um aumento na sensibilidade para o tema da saúde e bem-estar. O treino personalizado é visto como uma abordagem eficaz e adaptada às necessidades específicas de cada cliente, o que o torna atraente para consumidores dispostos a investir na sua qualidade de vida. Não estamos a falar do maralhal, estamos a falar de um tipo específico de cliente-alvo

Apesar de ser um serviço mais caro, os consumidores percebem o custo como justificado devido à personalização, acompanhamento próximo e resultados mais rápidos e eficientes. Embora sectores muitos tradicionais enfrentem retracção nesta altura, áreas que oferecem experiências diferenciadas ou que se alinham com as novas prioridades das pessoas (como saúde e fitness) têm crescido. 

O crescimento dos espaços de treino personalizado também está associado à diversificação do sector fitness, que agora oferece opções para diferentes gostos e necessidades, como estúdios mais pequenos, serviços a pedido e tecnologias de apoio. Isso serve um cliente-alvo disposto a pagar por essa flexibilidade.

A tendência dos treinos personalizados no sector do fitness oferece uma poderosa lição para PMEs em qualquer sector: valor percebido justifica preço premium. Se consumidores estão dispostos a pagar mais por acompanhamento personalizado, resultados rápidos e experiências diferenciadas, por que não aplicar essa lógica ao seu negócio?

  • Encontre aquele grupo de clientes que não está a ser bem atendido. Recordar aquela citação ali ao lado "When something is commoditized, an adjacent market becomes valuable". Pergunte-se: o que é que eles desejam, mas não estão a encontrar no mercado? Invista em criar algo exclusivo que se destaque. Por exemplo, maionese com azeite em vez de com óleo de girassol, ou com óleo de colza.
  • Assim como no caso do treino personalizado, projecte os seus produtos ou serviços para resolver necessidades específicas, oferecendo atenção aos detalhes, proximidade e soluções sob medida. Não se vende treino, vende-se o cumprimento de um ou mais objectivos muito concretos, palpáveis, na vida dos clientes-alvo.
  • Cobrar um preço mais elevado exige como contrapartida que se entregue mais: serviços personalizados, qualidade superior, conveniência ou tecnologia inovadora que cativam o cliente e transformem o custo num investimento, não numa despesa.
  • Eduque os seus clientes-alvo sobre o porquê do preço premium. Mostre histórias de sucesso, resultados mensuráveis e depoimentos que reforcem o impacte do que a sua empresa entrega.

O futuro das PMEs está em "fazer coisas que os outros não fazem" e entregar valor que inspire confiança, fidelidade e, sim, disponibilidade para pagar mais. Diferencie-se, especialize-se e conecte-se com os clientes certos — porque quem escolhe qualidade está disposto a investir. 

Recordar de 2012:

"Há tempos, tive acesso ao "Barómetro AGAP" (Associação de Ginásios de Portugal) do 1° trimestre de 2012 e descobri lá esta pérola:

"Os ginásios com mais de um clube (cadeias) registam maiores perdas de clientes que os independentes (um único clube); de forma surpreendente, os clubes independentes que não possuem vantagens de escala, têm recursos mais escassos e menor facilidade de crédito que as cadeias, são mais resistentes e conseguem obter melhores resultados também na variação da facturação""

segunda-feira, dezembro 02, 2024

A economia não é um jogo de "nós contra eles" (parte II)

Parte I.

Já escrevi aqui que o desporto não é uma boa metáfora para explicar a economia. Na economia, o objectivo não é derrotar os concorrentes, mas conquistar clientes. Ainda assim, vou recorrer a essa analogia porque, no desporto, quando um adversário vence, ninguém pode legitimamente argumentar que a vitória lhe foi "roubada" ou que foi injusta. No desporto, perder faz parte do funcionamento natural das coisas.

Vamos então ao exemplo:

Momento 1
Imaginem uma corrida em que apenas um corredor, o alemão, está na pista. Ele é o único participante.

Momento 2
O corredor alemão continua a correr, mas agora aparece um segundo competidor: um corredor português.

Momento 3
Enquanto o corredor alemão mantém o ritmo, o corredor português começa a sentir pressão quando surge um terceiro concorrente: um corredor marroquino.

Momento 4
O corredor alemão segue firme na corrida, enquanto o corredor português abandona a competição. Resta apenas o corredor marroquino a disputar a pista.

A Coindu da Parte I está no "Momento 3".

Com a ajuda de um drone observamos o que se passa em cada momento:

O corredor alemão tem-se mantido em prova porque corre numa pista à parte, embora corra como os outros está a competir numa prova diferente. Já o português e o marroquino estão a competir na mesma pista.

Na parte III vamos ligar isto à estratégia, aos Flying Geese e à evolução de uma espécie ou dos indivíduos de uma espécie. Para já fechamos com uma ligação a um outro artigo, "Marisa está entre os 350 desempregados da Coindu e sabe porquê: "Não há mais projetos para nós, não podemos concorrer com o norte de África"":
""Dizem-nos que Portugal começa a ter dificuldades em atrair encomendas de clientes estrangeiros pelos ordenados, mas se formos ver os nossos salários nem são altos, rondam os 900 euros", diz ao Expresso Marisa Sousa, trabalhadora e dirigente sindical da Coindu, em Arcos de Valdevez, onde só tem trabalho até ao final do ano."
Lembram-se da produção de meias que saíu da Lituânia em direcção a Portugal? É a versão oposta do que acontece agora na Coindu.

Li algures na semana passada que a montagem de veículos eléctricos na Alemanha era 10 vezes mais do que em Portugal. Quais os veículos mais caros? Pois.

Recordo a superior produtividade física da fábrica polaca da Fiat a fazer … os carros mais simples e mais baratos. BTW, cuidado com a produtividade física.

domingo, dezembro 01, 2024

A economia não é um jogo de "nós contra eles" (parte I)

A economia não é um jogo de "nós contra eles" (sendo eles os concorrentes).

Leiam se puderem o artigo "Sindicato acusa Coindu de mudar produção "para outros países"" publicado no DN de ontem:

"O Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins (SIMA) acusou, ontem, o grupo Coindu de encerrar a fábrica de Arcos de Valdevez para deslocalizar a produção para outros países, nomeadamente para a Tunísia.

...

os operários vão ser despedidos porque "não há trabalho. E não há trabalho porque lhes foi roubado. Foi para outros países. Roubaram aqui em Portugal para porem noutros países", acrescentou que já pertencia a este grupo, vai captar o trabalho daqui [da unidade de Arcos de Valdevez]."

Este texto permite iniciar aqui uma série sobre o que é a economia a sério.  A economia não é um jogo de "nós contra eles" (sendo eles os concorrentes). Eles não nos roubam trabalho. Por que se pensarmos assim: Curioso como a economia funciona de forma "normal" quando somos os beneficiados, mas torna-se um "roubo" quando somos os prejudicados. Não me lembro de ouvir os sindicatos portugueses clamarem pelos direitos dos trabalhadores alemães quando as fábricas se deslocaram para cá. Parece que, nessa época, as oportunidades vinham ‘naturalmente’ para Portugal, sem que ninguém questionasse as regras do jogo. Agora que o Norte de África está a ganhar competitividade, o discurso muda. 

Quem sabe um dia consigamos entender que a economia global não é um jogo de "nós contra eles", mas sim uma dança constante onde o ritmo nem sempre nos favorece.

Imaginem um jogo de cadeiras musicais global, onde todos dançam ao som da mesma música. Quando a música pára, os países que conseguem sentar-se primeiro ficam com o "trabalho", enquanto os outros reclamam que a cadeira foi "roubada". Curiosamente, esquecem-se de que, na rodada anterior, também tinham conseguido sentar-se antes de alguém. A questão não é o "roubo" da cadeira, mas sim quem consegue adaptar-se à música em constante mudança.

Continua.