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quarta-feira, dezembro 03, 2025

Azeite - Inovar é mudar de quadrante, não só de produto (parte II)

Parte I.

Antes de mais quero chamar a atenção para o impacte da subida do preço nas contas de uma empresa. Um impacte tremendo em que muitos empresários à primeira não acreditam. A maioria quer que lhes façam as contas, querem ver com os seus próprios olhos. Recomendo "Aumentar preços (Parte III)".

Também recomendo "Pregarás o Evangelho do Valor" para ver o impacte de mexer no preço, para cima ou para baixo, no lucro com perda ou ganho de clientes.

Quando uma PME considera a hipótese de dar um salto para o quadrante 3 ou 4 tem medo. Por isso, recomendo uma reflexão para o gráfico deste postal "Ousar olhar para o nicho - o poder dos números":

Ontem o The Times trazia este artigo "Booming sales suggest olive oil gifts are no flash in the pan". 

O artigo destaca a ascensão do azeite de alta qualidade como presente de Natal sofisticado, substituindo bebidas alcoólicas como opção popular entre os consumidores. A mudança de hábitos de consumo, associada à valorização da gastronomia, da autenticidade e da longevidade dos produtos, está a impulsionar fortemente as vendas de azeites premium, trufados ou infusionados. A tendência reflecte um maior interesse por alimentos duráveis, saudáveis e de identidade forte — e oferece oportunidades claras para os produtores que saibam posicionar-se nesse segmento.

Quando se pensa em aumentar o rendimento agrícola só se vê a hipótese clássica: aumentar a produção, ou seja, continuar no quadrante 1 (ver Parte I). Recordar "Subsídio para um ministro (parte II)"

E saltar para o quadrante 4? 

"Spotting a bottle-shaped present under the Christmas tree once meant a welcome addition to one's drinks cabinet. Now it is increasingly likely to mean a foodie treat, such as expensive olive oil.

Mazen Assaf, an olive oil sommelier and founder of The Olive Oil Guy, said that shoppers were finally becoming as interested in the quality of oils as they were about their choice of wine.

Sales of his limited-edition bottles (costing £21 for 250ml) rose 598 per cent last Christmas, he said, and this year are on track to surpass that.

...

Nourished Communities, which offers "superior category" cold-pressed oils made from koroneiki — the "king" of Greek olives — has also enjoyed a sales boom this year. 

...

Earnings at MasWorth, which produces oils at its family groves across Greece, have grown from £200,000 five years ago to nearly £3 million and it says that pre-Christmas gift shipments have increased fourfold.

Panos Manuelides, the founder of Odysea oils, which are produced in the Peloponnese region of southern Greece, said that sales of his shimmering gold tins are up 56 per cent on last year."

A mensagem é inequívoca: o azeite premium consolidou-se como presente gastronómico valorizado. Está a acontecer primeiro no Reino Unido, mas a dinâmica vai espalhar-se — e Portugal tem vantagens naturais para acompanhar esta tendência.

Assim, mais do que promover o aumento da produção massificada de azeite, muitas vezes recorrendo à produção intensiva que gera azeites de pior qualidade (teor inferior de polifenóis), decidir começar a fazer o caminho para o quadrante 4 (há bocado escrevi "saltar" e talvez não seja a melhor palavra).

O primeiro passo para entrar no quadrante 4 é definir claramente a identidade do azeite. Cada produtor precisa de saber — e de ser capaz de explicar — o que torna o seu azeite especial. A variedade usada, a altitude e o tipo de solo, o clima, o momento da colheita, o método de extracção e, sobretudo, o teor de polifenóis, que é decisivo nos mercados premium, formam a base dessa identidade. Sem esta clareza, é impossível construir valor.

A seguir vem a história. O mercado premium não compra apenas azeite; compra significado. A história da família, o olival de onde vem cada lote, o ano da colheita, a raridade de uma variedade ou a autenticidade de uma região são elementos que transformam um produto agrícola numa experiência cultural. É por isso que as edições limitadas, quando têm uma narrativa sólida por trás, funcionam tão bem: comunicam exclusividade e dão ao consumidor a sensação de estar a adquirir algo único. (Quando penso em história, recordo sempre uma pequena casa com as suas osgas, junto à N 221 depois de Barca D'Alva e a caminho de Freixo de Espada à Cinta, o calor, as vinhas, as amêndoeiras e o Douro).

Depois, é preciso pensar deliberadamente na embalagem. No quadrante 4, a embalagem deixa de ser um recipiente e passa a ser parte integrante do produto. Uma garrafa elegante, uma lata com design cuidado, elementos visuais inspirados no mundo do vinho ou dos perfumes, rótulos que explicam porque é que aquele azeite é realmente premium — tudo contribui para elevar a percepção de valor. Em última análise, o objectivo é simples: que o azeite pareça um presente e não um produto de mercearia.

A partir daqui torna-se natural desenvolver uma gama pensada para oferecer. Garrafas mais pequenas, caixas de presente, kits de degustação, edições numeradas ou azeites infusionados — trufado, picante, limão, alecrim — ajudam a tornar o azeite numa experiência. O consumidor moderno aprecia diversidade e novidade; quer experimentar, comparar e surpreender alguém com algo distinto.

Mas nada disto funciona sem educação. Tal como o vinho, o azeite premium precisa que o consumidor perceba o que está a comprar. Notas de prova, sugestões de harmonização, fichas técnicas simples, vídeos curtos sobre degustação, explicações acessíveis sobre polifenóis ou pequenas provas comentadas fazem uma diferença enorme. Quanto mais o consumidor entende, mais valor atribui — e mais está disposto a pagar. Volto à Parte I: Mudar de roupa no escuro, talvez seja importante, mas ninguém nota.

A estratégia também implica reposicionar a forma como se vende. Um azeite de quadrante 4 não tem lugar em canais indiferenciados. Ganha vida nas plataformas de retalho gourmet, nas lojas especializadas, nos mercados urbanos mais exigentes, em parcerias com chefs, em clubes de assinatura inspirados no modelo do vinho, no e-commerce directo ou nas propostas de hotéis boutique e cabazes corporativos. São estes canais que valorizam estética, história e exclusividade.

Por fim, o Natal deve ser encarado como uma “super-sazonalidade”. É a grande janela anual em que o azeite premium pode brilhar. Campanhas específicas, embalagens natalícias, fotografias inspiradas em luxo e tradição, storytelling associado à época, pré-vendas lançadas no início do Outono e parcerias com marcas de chocolate, vinho ou queijos artesanais criam um ecossistema que potencia vendas e visibilidade. No Reino Unido, esta época já é o principal motor de crescimento dos azeites premium — e não há razão para que os produtores portugueses não aproveitem o mesmo movimento.

Talvez seja uma forma de ultrapassar a Lei dos Rendimentos Decrescentes na Agricultura.

terça-feira, dezembro 02, 2025

Inovar é mudar de quadrante, não só de produto

A economia, ao contrário do que muitos pensam, não se move em revoluções constantes. Move-se em equilíbrios pontuados; longos períodos de estabilidade, interrompidos por mudanças rápidas e profundas. O termo é emprestado da biologia evolutiva: durante muito tempo, nada muda; depois, tudo muda de repente.

As empresas, embaladas por esse falso conforto, tendem a adormecer no quadrante onde sempre estiveram:

Quadrante 1

Produto actual, mercado actual. 

O que fazemos. Para quem o fazemos.

Mas quando o mundo muda - por novos concorrentes, novas exigências dos clientes, novas regulações ou rupturas tecnológicas - é preciso decidir para onde saltar:


Saltar para o Quadrante 3: novo mercado, mesmo produto
Em 2012, numa feira transmontana, uma artesã queixava-se de não vender colchas de linho. Talvez o problema não fosse o produto, mas sim onde o tentava vender. Na altura escrevi:
“Talvez precisasse de frequentar outras feiras, noutros países. Talvez precisasse de divulgar os seus produtos na internet. Talvez precisasse de os expor nas quintas de turismo rural que florescem no Verão entre a Beira-Alta e Trás-os-Montes.”
É o salto clássico para o quadrante 3: procurar nova procura sem mudar a essência da oferta.

Saltar para o Quadrante 4: novo produto, novo mercado
Em 2013, contei a história da transformação do burel de Manteigas. Um tecido rústico, tradicional, reinventado por uma designer belga e apresentado ao mundo com uma nova linguagem, um novo design e novas funções.
O tecido não mudou. Mas o que se fazia com ele, sim.
Passou-se de cobertores a design. De Manteigas ao Japão.
Foi um salto de quadrante — e de ambição — sem perder autenticidade.

E o Quadrante 2? Novo produto, mesmo cliente?
Aqui o caminho é menos claro. Algumas hipóteses:
  • Um produtor de fruta que muda para práticas biológicas, sem o cliente se aperceber.
  • Um fabricante que melhora a fórmula do seu produto, mantendo a marca e a embalagem.
Mas, sem educar o cliente, provar a vantagem e reconfigurar a percepção, esse salto tende a ser invisível. É mudar de roupa no escuro: talvez seja importante, mas ninguém nota.

E quando se tenta, por exemplo, vender um vinho mais caro ao mesmo cliente, sem convencê-lo da diferença, arrisca-se o insucesso.

Não basta mudar o produto. É preciso mudar a percepção.

Por isso, sair do quadrante 1, em qualquer direcção, quase sempre implica:
  • mudar de canais,
  • mudar a comunicação,
  • mudar a equipa comercial, e
  • mudar a forma como o cliente vê o produto.
Especialmente se falarmos de PMEs, que não podem competir em preço, é essencial que a mudança traga valor percebido e margens maiores.

O problema do equilíbrio pontuado é este: quando o abalo chega, já é tarde para começar a pensar.
Mais vale preparar o salto enquanto ainda se tem margem para o fazer em segurança.

Amanhã, um exemplo com azeite.

segunda-feira, dezembro 01, 2025

Ainda mais especulação (parte II)

Na Parte I, a propósito da decisão da H&M de subir na escala de valor, a conclusão era clara: quando o mercado aperta por baixo, permanecer no meio deixa de ser uma opção. A única saída é subir — mais qualidade, mais margem, menos dependência do volume.

Mas há uma diferença importante entre empresas e sectores.

Uma empresa pode tomar essa decisão. Um sector dificilmente a consegue comunicar. Porque subir na escala de valor não é apenas fazer melhor — é fazer menos.

Menos unidades, mais valor por unidade. Menos capacidade industrial necessária. Menos horas-máquina. Menos infraestruturas.

É uma escolha estratégica que tem implicações estruturais: parte da capacidade existente deixa de ser útil. E, para algumas empresas, isso não é um caminho — é uma ameaça.

Quando olhamos para qualquer sector, encontramos sempre perfis muito diferentes: empresas que vivem de valor acrescentado e outras que vivem da intensidade produtiva; algumas orientadas para séries curtas, outras para volume; umas querem complexidade, outras querem escala. Falar de “subida de valor” é fácil em abstracto, mas difícil quando se considera o impacto real sobre cada uma destas realidades.

Quando uma empresa sobe na escala de valor, decide o seu próprio destino. Quando um sector sobe na escala de valor, altera o destino de muitos. E entre esses muitos haverá sempre quem não consiga acompanhar.

É por isso que, a nível sectorial, a subida de valor é sempre falada em tom abstracto:

  • “reposicionamento”,
  • “modernização”,
  • “competitividade”,
  • “futuro sustentável”.

Mas raramente se assume a consequência estrutural: subir significa que algumas empresas terão de sair.

É por isso que, no plano sectorial, este tema é sempre tratado com cautela. Uma associação empresarial representa todos — inclusive aqueles que não conseguirão acompanhar uma subida de valor. Como dizer publicamente que o futuro exigirá fábricas mais especializadas, mas inevitavelmente menos fábricas? Como afirmar que a estrutura industrial se irá concentrar, quando isso ameaça directamente alguns dos associados?

Nenhuma associação quer abrir esta frente. É compreensível.

Mas isso não elimina o dilema: quando um sector sobe, não sobe inteiro.

Sobe a parte capaz de competir por cima.

A outra parte, mais cedo ou mais tarde, fica para trás.

E isto coloca-nos perante a pergunta que raramente é formulada de forma explícita:

- Queremos um sector maior, mas mais pobre? Ou um sector mais pequeno, mas mais rico e sustentável?

A H&M tomou a sua decisão. Para uma empresa, é uma escolha estratégica. Para um sector, é um campo minado. Portugal, em vários sectores, vive este dilema em silêncio.

Mas a pergunta é inevitável, e chega sempre mais cedo do que parece:

- Estamos dispostos a aceitar as consequências reais de subir na escala de valor?

Ou apenas gostamos da ideia — desde que nada mude onde dói?


sábado, novembro 29, 2025

Outro momento de especulação

Ontem no FT um artigo interessante sobre estratégia, "H&M moves upmarket to avoid being fast-fashion victim".

A H&M está a mover-se para um posicionamento mais "upmarket" - produtos de maior qualidade, margens mais altas e menos dependência do modelo clássico de fast-fashion — para evitar ser ultrapassada pela concorrência chinesa ultrarrápida como a Shein e a Temu.

""an industry that is changing at a furious pace".

...

H&M has been increasingly squeezed from above by the likes Zara and from below by cheaper rivals including Shein, Temu and Primark." [Moi ici: A H&M está a subir na escala de valor para evitar ser vítima do fast-fashion ultrarrápido (Shein, Temu)]
...

Daniel Ervér told the Financial Times that the Swedish fast-fashion retailer was on "a very long journey" towards increased profitability

... 

Operating margins fell from more than 20 per cent in 2010 to 3 per cent in 2022. They reached 8.6 per cent in the third quarter this year, up from 5.9 per cent a year earlier. [Moi ici: A empresa está numa trajectória de longo prazo para melhorar margens e rentabilidade]

...

With the right product, we sell more with less. It becomes a more effective way of running the business," said Johanna Klingspor, H&M's head of creative development.

...

"We need to stop doing what doesn't make a difference for the customer and really shift resources and money to what makes the difference." [Moi ici: A estratégia passa por simplificar a gama, reduzir complexidade e vender mais com menos]

...

One top-ten shareholder said: "H&M were caught in between - not in Zara's price point, and definitely not in Shein's. They let the margins slide for too long." A fashion analyst added: "Ervér's elevation strategy is taking the company in the right direction as it helps to reduce the H&M brand's exposure to value fashion - the most competitive segment of the market and the most exposed to competition from not only the likes of Shein, but also second-hand platforms."

...

given how the competitive landscape has changed, we need to step up our game,""

Diagnóstico? O baixo custo deixou de ser um lugar seguro.

A H&M foi, durante anos, sinónimo de fast-fashion. Mas o modelo que lhe deu escala e margem já não funciona porque:

  • Shein, Temu e Primark ocupam o extremo ultra low-cost com velocidade e custos impossíveis de igualar.
  • Zara ocupa o espaço imediatamente acima, com moda mais rápida, mais sensorial e com preços mais altos.

A H&M está espremida entre:

  • uma pressão descendente (concorrentes mais baratos e mais rápidos)
  • uma pressão ascendente (concorrentes mais caros e mais desejados)

O meio é o pior lugar para estar.

O CEO da H&M reconhece isto explicitamente:

“We sell more with less – it becomes a more effective way of running the business.”

Ou seja, só há uma saída — subir na escala de valor

sexta-feira, novembro 28, 2025

Um momento de especulação



O que tem mudado no contexto externo de uma empresa como a Sicasal? Quando se pensa a sério, vê-se um oceano de mudança profunda e desfavorável. 

O retalho alimentar transformou-se no actor dominante, com o hiperdomínio das marcas próprias do Continente, Pingo Doce e Lidl. Estas marcas ocupam hoje quase todas as categorias de charcutaria e carnes transformadas, impondo preços muito baixos e margens reduzidas aos fornecedores. Apenas empresas de grande escala conseguem acompanhar esta pressão, deixando empresas médias como a Sicasal numa posição estruturalmente frágil.

Ao mesmo tempo, os custos operacionais subiram de forma significativa: matérias-primas voláteis, energia extremamente cara num sector dependente do frio e da refrigeração, mão de obra mais escassa e dispendiosa e requisitos sanitários cada vez mais exigentes. Quando os preços de venda estão comprimidos e os custos sobem simultaneamente, a margem desaparece rapidamente.

Por exemplo, a nível da matéria-prima:
"O grau de orientação exportadora de Portugal para a carne de suíno em 2020 situou-se nos 20,1%, longe dos 8,1% do ano 2010."
A concorrência internacional agravou ainda mais a situação. Espanha consolidou um sector de carnes transformadas com empresas muitíssimo maiores, custos unitários mais baixos e logística integrada, invadindo com facilidade o mercado português. O consumo também mudou: menos carne de porco, maior preocupação com a saúde, procura por produtos clean label e substituição por alternativas mais baratas. As empresas dependentes de produtos tradicionais ficaram especialmente expostas.

O resultado é um ambiente externo muito mais hostil, em que a escala, a eficiência e a capacidade de adaptação deixaram de ser vantagens competitivas — tornaram-se pré-requisitos mínimos para sobreviver.

O último parágrafo, para quem conhece este blogue, abre a porta para a alternativa: fugir desta pressão, fugir da comoditização. 

Enquanto escrevo isto, o olhar foge-me para um segundo ecran onde leio o último parágrafo do artigo "Britain must remove the pension triple lock", publicado no FT de 26 de Novembro:
"The longer we delay taking action, the more we bake in future cost pressures that will be harder to unwind."

É a estória do campo de possibilidades que encolhe, e dos graus de liberdade que se perdem, 

O contexto externo muda e, muitas vezes, como neste caso, de forma muito desfavorável, mas as empresas podem mudar e adaptar-se ao novo mundo. O problema é que mudar implica sair da zona de conforto. Ainda esta semana, numa reunião, falávamos sobre reconhecer a dor, os sintomas que nos dizem que a empresa tem um problema, quando um dos participantes nos alertou para algo mais subtil, para a facilidade com que mascaramos os sintomas com "medicamentos" com expedientes legais, mas estrategicamente mortais. Sair da zona de conforto é, por exemplo, perceber que há um potencial que parece estar a ser perdido, mas explorá-lo implica mudar algo na identidade da organização. 

A Sicasal chegou a um ponto em que continuar a jogar o jogo do “barato e massificado” deixou de ser uma opção viável. O mercado mudou mais depressa do que a empresa, e a combinação de pressão das marcas próprias, da concorrência espanhola, de custos elevados e de alterações nos hábitos de consumo empurrou o negócio para margens cada vez mais frágeis. Mas isso não significa que não haja um caminho possível — apenas que esse caminho já não passa pela lógica tradicional de volume. Passa, sim, por foco, diferenciação e valor acrescentado.

O primeiro passo teria sido — e ainda pode ser — olhar de frente para os números. Uma análise rigorosa, categoria a categoria, cliente a cliente, para perceber onde se ganha realmente dinheiro e onde se perde. Muitas empresas industriais carregam consigo um “cemitério de produtos”: referências que ocupam capacidade, geram complexidade e não trazem margem. Eliminar 20 ou 30% desses produtos liberta caixa, simplifica as operações e devolve controlo ao planeamento. Sem esta limpeza inicial, qualquer transformação assenta em areia. Recordo sempre o regresso de Jobs à Apple.

Depois, a Sicasal teria beneficiado de reduzir drasticamente a dispersão do portefólio. Em vez de tentar agradar a todos os canais, deveria ter construído três pilares claros: 
  • uma linha B2B e food service, onde conta a consistência, o corte, o porcionamento e a fiabilidade;
  • uma gama premium ancorada na tradição portuguesa, no porco preto e em produtos curados com identidade; e 
  • uma linha moderna, clean label, menos sal e rótulos curtos, capaz de competir em nichos do retalho onde se valoriza saúde e qualidade. Este tipo de foco não só cria valor, como devolve sentido à marca.
Finalmente, a Sicasal teria de desenvolver os mercados onde pode ser escolhida pelo que é, e não pelo preço por grama: exportação selectiva para comunidades portuguesas e nichos mediterrânicos; parcerias com chefs, hotéis e cantinas; presença em retalho especializado; e um relacionamento mais forte com o canal Horeca, onde o serviço e a adaptação contam mais do que o preço.

Eventualmente, será necessário algum tipo de investimento para aumentar a eficiência e reduzir custos operacionais.

A tese estratégica é simples: a Sicasal não tem futuro como fornecedora de produtos baratos num mercado dominado pelas marcas brancas. O futuro, se existir, está naquilo que ainda só ela pode ser: portuguesa, fiável, adaptável, com identidade e com valor. Menos volume, mais margem. Menos dispersão, mais foco. Menos sobrevivência diária, mais construção deliberada de uma empresa que sabe exactamente para quem quer produzir — e porquê. Claro, a Raporal e a Purdue ilustram que é preciso ter paciência estratégica e o que acontece quando não se a tem.

Mas isto é reflexão de um outsider que vê as coisas de longe e filtradas por aquilo que chega aos jornais.

BTW, isto fez-me recuar ao dia 10 de Setembro de 2001, seguia no meu carro vindo do Norte para realizar uma auditoria de certificação na cidade de Montijo. Ao chegar à cidade, ficou-me gravada na memória uma série de ruínas industriais associadas ao sector do porco. Certamente, já resultado da adesão à CEE e de algumas alterações na distribuição grande em Portugal.

Esta semana ouvi mais um episódio de Fall of Civilizations, desta feita sobre a queda do império persa. Já nos últimos 30 minutos, acompanhamos a entrada do exército macedónio comandado por Alexandre na Ásia Menor, território pertencente ao império persa. Os persas perguntaram aos mercenários gregos que tinham ao seu serviço como combater os macedónios. Estes disseram-lhes, não tentem um confronto directo. Eles estão tarimbados por anos e anos de guerras ao serviço de Filipe para unificar a Grécia, e vocês não têm uma guerra a sério há muito tempo. E depois deram a solução: queimem-lhes a logística, incendeiem as cidades e campos que eles vão pilhar para se alimentar. 

E os persas horrorizados responderam:
- Queimar as nossas cidades?! Destruir as nossas cidades?! Não, isso não. 

A maravilha do império persa, que era a sua rede de estradas, fez com que os macedónios limpassem o império em pouco tempo.

sábado, novembro 22, 2025

Uma redefinição da identidade ao vivo e a cores

A Unilever está a considerar vender várias marcas britânicas históricas — Marmite, Colman’s e Bovril — como parte de um esforço para cortar custos e recentrar o negócio nas áreas de beleza e cuidados pessoais, consideradas core. A decisão insere-se numa estratégia mais ampla, liderada pelo novo CEO Fernando Fernández, para alienar marcas de baixo desempenho e simplificar o portefólio global.
"Unilever, the consumer goods giant, is said to be considering selling off the heritage British brands Marmite, Colman's and Bovril as part of a cost-cutting drive.
The move is part of a shift led by Unilever's chief executive, Fernando Fernández, to shed underperforming areas and refocus on its core beauty and personal care divisions."

Não sei se escrever "as part of a cost-cutting drive" é uma descrição correcta do que se passa. Talvez seja pobre e enganadora. A Unilever não está simplesmente a reduzir gordura. Está a remover peso morto para criar tracção. Está a libertar capital, talento e atenção para os motores de crescimento do futuro.

Considero este caso um bom exemplo para ilustrar por que tantos países estaganam. Porque as suas empresas estagnam. E as empresas estagnam quando, levadas por questões sentimentais, não fazem o que deveriam: cortar e canalizar os recursos para o futuro (aka limpeza estratégica). Não encerram projectos, não vendem negócios maduros, não desinvestem em áreas sentimentais. Resultado? Estagnação — organizacional e macroeconómica.

O drama da estagnação não nasce da falta de ideias, mas da incapacidade de libertar recursos de actividades cuja rendibilidade futura é baixa.
Empresas que conseguem fazer isto, como a Unilever agora tenta, criam um ciclo virtuoso: mais foco, melhor produtividade, maior retorno.

A venda destas marcas históricas confirma uma mudança estratégica: a Unilever quer libertar capital, talento e foco para as áreas de maior crescimento — beleza, cuidados pessoais e dermatologia. Estas categorias têm margens mais elevadas, ciclos de inovação mais rápidos e maior alinhamento com as tendências globais de "premiumrização" e de bem-estar. Receita para aumentar a produtividade.

Implicação: a empresa está a abandonar negócios de baixo crescimento, com margens comprimidas e menor potencial de escala global. Ou seja, estas marcas podem não ser uma boa aposta para a Unilever do futuro, mas podem ser uma boa aposta para outras empresas com outra escala, outra estratégia e outro ADN; para elas podem ser ouro puro.

Cada euro investido numa categoria madura, como “food spreads”, tem um retorno menor do que o mesmo euro investido em beauty & personal care. Implicação: realocação de capital para segmentos com maior crescimento estrutural e retornos mais previsíveis.

A venda destas marcas, somada ao spin-off da divisão de gelados, representa uma mudança estrutural: a Unilever está a tornar-se menos "food conglomerate" e mais "beauty & wellness powerhouse". Uma redefinição da identidade corporativa ao vivo e a cores diante dos nossos olhos e possível desinvestimento adicional em categorias alimentares não estratégicas.

Trecho retirado de "Unilever could sell off vintage brands" publicado no The Times do passado dia 21 de Novembro.



terça-feira, novembro 18, 2025

No bom caminho, tudo indica.

Há cerca de um ano escrevi "A incapacidade de calçar os sapatos do outro". 

Nesse postal critiquei a postura de parte da indústria portuguesa — particularmente no sector das conservas de peixe — que buscava restringir as importações, em vez de se concentrar em diferenciar produto, valor e posicionamento internacional. Muitas empresas e associações continuam a agir como vítimas, exigindo protecções ou limitação do mercado externo, em vez de “calçar os sapatos dos outros” — entender a perspectiva do cliente e do mercado global.

Desviam a atenção, precioso bem escasso, do verdadeiro caminho para o crescimento sustentável, que é apostar em valor acrescentado, inovação, qualidade, sustentabilidade e expansão para mercados exigentes, em vez de se fixar em volume ou em batalhas proteccionistas. Em suma: sairmos da mentalidade de “somos melhores porque somos nacionais” e entrarmos na mentalidade de "temos de ser melhores porque competimos globalmente".

Agora no JdN encontro um artigo que conta uma realidade muito mais positiva, "Conservas com recorde de exportações à vista tem EUA em expansão e Japão na mira". O que me merece especial destaque? Isto:
"Por produto, o atum continua a ser o produto-âncora, representando mais de 45% do total das exportações. Já as conservas de sardinha “destacaram-se em 2025, com um aumento de 73% em volume, [Moi ici: Pode até ser algo negativo, em função da evolução do preço médio] impulsionado pela certificação MSC” [Moi ici: Marine Stewardship Council] (rastreabilidade e sustentabilidade das pescarias ibéricas). 
...
Depois de ter realizado, nos primeiros seis meses deste ano, "exportações-piloto", associadas ao lançamento na Expo Osaka, e "com acordos em fase de negociação com distribuidores japoneses", o presidente da ANICP estima um "potencial" de vendas para este país da ordem dos cinco milhões de euros anuais, "sobretudo em gamas 'premium' e certificadas MSC, direcionadas a consumo 'gourmet' e hotelaria"
O impacto da certificação MSC é significativo, porquanto a obtenção do selo azul para a pescaria da sardinha permite, segundo estimativas da ANICP, "acrescentar entre 10% e 15% de valor médio por tonelada exportada, elevando a receita média por volume e forçando um reposicionamento para nichos de maior valor acrescentado", nota Freitas."

Ou seja, tudo indica subida na escala de valor.




quinta-feira, novembro 13, 2025

Eu costumo avisar

A imagem mostra a produtividade laboral (output por hora trabalhada) nos Estados Unidos e na Alemanha, normalizada a 100 em 1991.

Em 2025, o índice atinge cerca de 200 nos EUA e 147 na Alemanha, ou seja, desde 1991 a produtividade por hora cresceu quase o dobro nos EUA em comparação com a Alemanha.

Como se explica esta divergência:

1. Estrutura económica e digitalização

Os EUA migraram mais depressa para sectores de alta produtividade, como tecnologia, finanças, software e serviços digitais, onde o valor acrescentado por trabalhador é elevadíssimo. A Alemanha mantém uma base industrial e manufactureira muito forte, com ritmos de crescimento da produtividade mais lentos e dependentes do investimento em capital físico.

2. Investimento em tecnologia e capital

As empresas americanas reinvestem mais em automação, IA e software. Nos EUA, o investimento em capital intangível (dados, algoritmos, I&D, software) representa hoje mais de 40% do total — na Alemanha, ainda predomina o capital tangível (máquinas, fábricas), com amortização mais lenta.

3. Flexibilidade do mercado de trabalho

O mercado de trabalho americano é mais flexível e adaptável: ajusta-se rapidamente a novas tecnologias e sectores. A Alemanha, com forte protecção laboral e negociação colectiva, tende a preservar estruturas industriais e empregos existentes, o que reduz o ganho médio da produtividade por hora.

4. Políticas económicas e demografia

Desde os anos 1990, os EUA beneficiaram de uma demografia mais jovem e de maior imigração qualificada, o que alimentou a inovação e o empreendedorismo. A Alemanha envelheceu mais depressa, com menor dinamismo no mercado interno e um sistema de incentivos fiscais e regulamentares mais rígido.

5. Efeito da globalização

As cadeias de valor globais permitiram que a indústria alemã externalizasse etapas intensivas de trabalho (Europa de Leste, China), o que congelou a produtividade doméstica medida no país. As empresas americanas internalizaram mais actividades de alto valor (design, software, marketing global), que contribuem directamente para a produtividade nacional.

Resumindo: Por que é que a produtividade alemã cresceu tão pouco em relação à americana? Eu costumo avisar: 




quinta-feira, novembro 06, 2025

Não se faz com mais betão

Ontem, com "Trepar às árvores com muita rapidez", deu para ver o resultado de investir na subida na escala de valor.

Entretanto, é tempo de ir buscar um texto publicado no The Times do passado dia 21 de Outubro, sobre Inglaterra, mas muito aplicável a um certo Portugal político, à esquerda e à direita. 

O texto é de William Hague, ainda me lembro dele como ministro, e intitula-se "Less build, build, build: more think, think, think":

"Just as Labour MPs know that their entire fate will probably rest on whether Rachel Reeves can get her budget right next month, so almost everything in politics rests on good economics.

This year the prize  [Moi ici: Nobel prize for economics] has gone to three economists who have demonstrated how sustained economic growth is driven by innovation.

...

 Sustained growth, he has shown, depends on science and technology evolving together, a high level of mechanical competence to make the most of them, and a society open to disruptive change.

The other two winners, Philippe Aghion and Peter Howitt, also showed how innovation is the key driver of growth, through a process of "creative destruction" of established companies by new products and processes [Moi ici: A grande lição que aprendi em 2007 com Maliranta sobre a evolução da produtividade na Finlândia]. While the work of all three economists is about how innovation unfolds, it is clear from their conclusions that such innovation is the main and overwhelmingly important determinant of whether we live in a growing or a stagnating economy.

...

In Britain and the rest of Europe, while governments have many initiatives that support innovation, much of their activity fails to give it sufficient priority and most of their policies actively stifle it. That is why they are stuck in stagnation and running out of money.

Ministers continue to believe that building infrastructure and spending more money creates growth. [Moi ici: Por momentos viajei no tempo e ouvi Sócrates a dizer que era preciso mais betão, mais betão e mais betão. A cena de assar sardinhas com fósforos.] But if innovation is the key driver of growth, they are wrong.

...

Ministers like to "build, build, build", because new towns and infrastructure are things you can touch, point at and for which they can claim credit. The trouble with putting effort into new ideas is that they are uncertain, you can't see them, they are risky and the National Audit Office finds it hard to measure them. Yet the only hope of growth is to encourage people to "think, think, think".

...

Listen to many economists and political leaders and you might think growth comes from government spending, or entirely depends on interest rates, small tax changes, stability or consumer confidence. These things do matter, day to day. But to grow sustainably we need the freedom to have new ideas and implement them. Literally everything will depend on it."

Subir na escala de valor é o nosso “think, think, think”.

Não se faz com mais betão — faz-se com mais ideias, mais liberdade e mais coragem para arriscar.

BTW, vejo pessoas que apoiam o actual governo muito contentes com a taxa de desemprego e o crescimento do PIB, mas ao mesmo tempo a produtividade arrasta-se.



quarta-feira, novembro 05, 2025

Trepar às árvores com muita rapidez

No FT da passada segunda-feira encontrei um artigo muito interessante, "Reforms turbocharge China's biotech boom".

Este gráfico deixou-me verdadeiramente impressionado:


O gráfico da esquerda mostra a proporção de acordos de licenciamento de medicamentos inovadores realizados por empresas chinesas, divididos em três categorias:
  • Licensed imports (importações licenciadas de medicamentos estrangeiros para a China);
  • Domestic deals (acordos internos entre empresas chinesas);
  • Overseas licensing (licenciamento de medicamentos chineses para empresas estrangeiras).
Até cerca de 2018, predominavam as importações licenciadas e os acordos domésticos. A partir de 2020, observa-se uma mudança estrutural: a percentagem de overseas licensing cresce de forma acentuada — isto é, as empresas chinesas passam a vender ou licenciar internacionalmente os direitos de comercialização dos seus próprios medicamentos inovadores.
Em 2025, a fatia de licenciamento externo é a maior da série, o que indica que a China deixou de ser apenas um mercado comprador e passou a ser um fornecedor global de inovação farmacêutica.

A rapidez com que esta evolução ocorreu é deveras impressionante. Os macacos não voam, mas podem subir às árvores com grande rapidez.
""Ten years ago, China didn't have a biotech sector to speak of. For the most part, the companies were developing generic drugs. Fast forward to today, and every big pharma is doing most of their shopping in China for novel therapies," said Brad Loncar, an expert on Chinese biotech.
Beijing introduced reforms in the mid-2010s that made it easier for biotech companies to raise capital and pursue innovation. These changes, coupled with the relative speed and low cost of doing drug development and clinical trials, have turbocharged the industry's growth."
O impacte disto na produtividade agregada de um país é tremendo.





terça-feira, outubro 28, 2025

TSMC Plans to Start Construction of 1.4nm Fab on November 5

Mão amiga mandou-me "TSMC to Begin Construction of 1.4nm Fab on November 5".

A TSMC vai iniciar a construção da sua fábrica de 1,4 nm em Taichung, Taiwan, no dia 5 de novembro de 2025. Este projeto envolve um investimento de cerca de 49 mil milhões de dólares e será um dos maiores da empresa até hoje. A fábrica deverá iniciar a produção em 2028, marcando a liderança da TSMC na corrida global pelos nós mais avançados da indústria de semicondutores, essenciais para aplicações como inteligência artificial, computação de alto desempenho e dispositivos móveis de última geração.

"The expansion takes place against the backdrop of intensified competitive pressure. Intel is advancing its 18A processes in Arizona, while Samsung is investing in High -NA EUV for its 2 nm line in South Korea. Additionally, NVIDIA and SoftBank have invested in Intel to accelerate its process development - a signal to the market that TSMC does not leave unanswered

With this move, TSMC pursues a clear strategy: to maintain its technological leadership in high-performance processors. Concentrating 1.4 nm production in Taiwan underscores its aim to combine production security and innovation dynamics at its home base. However, the international competition forces continuous adaptation-both technologically and geographically."

Imagino o impacte na produtividade agregada de Taiwan e nos salários. Recordo, "A dolorosa transição ao vivo e a cores".




segunda-feira, outubro 27, 2025

Jornais, quotidiano, estratégia e empresas

Outra notícia quotidiana de um jornal que vem recordar temas super-importantes para as empresas. No WSJ do passado Sábado 25 de Outubro, "P&G to Focus on Innovation, Not Discounts, to Fuel Growth."

O texto aborda a estratégia da Procter & Gamble (P&G) para impulsionar o crescimento. Em vez de recorrer a descontos agressivos, a empresa aposta em inovação de produto em várias categorias (detergentes, fraldas, produtos de cuidado pessoal). 

"Procter & Gamble reported higher first-quarter sales and said it was investing in product innovation instead of lowering prices to draw cautious consumers.

...

P&G has released Tide's new Evo line of laundry detergent, which is designed to lead to category growth with renewed demand, and made improvements in Pampers diapers and Olay body washes."

A P&G registou um crescimento de vendas orgânicas de cerca de 2% no último trimestre, atribuído a preços mais elevados e a uma mistura de produtos mais favorável. 

"The company's product innovation has driven a 2% to 2.5% price increase across the company's entire portfolio.

...

Schulten said organic sales grew 5% in Greater China, where the company has earlier used product innovation to combat a challenging consumer environment."

Apesar da concorrência recorrer a fortes promoções, a P&G prefere diferenciar-se através da inovação e da oferta de produtos premium, acreditando que isso assegura crescimento sustentável e fidelidade do consumidor. 

"Competitors that are offering aggressive promotions, particularly in the fabric and baby care markets.

...

Some of the competitive response is increased promotion [Moi ici: Reduzir preços]. This plan takes longer. It's not as easy as throwing promotion funding out there.

...

Overall, organic sales edged up 2% in the quarter due to higher pricing and a more favorable mix, with growth in the company's beauty, grooming and healthcare segments.

...

Schulten said many consumers are trading up and its premium products have yielded much of the company's growth in some markets." [Moi ici: Interessante, as empresas que não inovam queixam-se que os clientes estão a optar por marcas brancas, pelo low-cost. Uma self-fulfilling prophecy]

Isto relaciona-se com 2 temas que costumamos abordar aqui:

  • A polarização dos mercados; e
  • O Evangelho do Valor.

O caso da P&G encaixa-se na tendência de polarização dos mercados. De um lado, marcas que apostam em preços baixos (low-cost) e fortes descontos. Do outro lado, empresas que investem em inovação, diferenciação e premium conseguem praticar preços mais altos porque oferecem algo que os consumidores valorizam. Recordar "Polarização do mercado ou como David e Golias podem co-existir"

A P&G segue precisamente a lógica de Marn e Rosiello, a lógica do Evangelho do Valor que descrevemos aqui "Aumentar preços (parte III)": não tenta competir apenas no preço, mas cria valor percebido superior (novos detergentes, fraldas, cosméticos premium) para poder aumentar preços sem perder clientes. A diferenciação é a chave para escapar da competição perfeita e sustentar margens. 

As PME portuguesas precisam tanto, mas tanto disto...

No Sábado no Twitter:


Muitas PME portuguesas não estão predispostas a investir em inovação e diferenciação. A razão não é apenas falta de visão ou falta de estratégia, mas sim a conjugação de factores estruturais: a autonomia financeira é reduzida, o acesso a capital de risco é escasso e o retorno dos investimentos em inovação é quase sempre de médio ou longo prazo (8 a 10 anos, 5 no mínimo). Numa realidade em que a tesouraria dita o dia a dia, a prioridade é a sobrevivência imediata, não a aposta em projectos cujo resultado só se verá anos mais tarde.

A esta limitação financeira soma-se uma barreira cultural: a desconfiança em relação aos académicos e às instituições de ensino superior. Muitos empresários não reconhecem valor no discurso científico, que lhes parece distante da realidade prática da empresa. Esta distância alimenta a ideia de que a colaboração é mais risco do que oportunidade, reforçando a preferência por estratégias defensivas assentes no preço mais baixo ou em redes de confiança já existentes.

Assim, compreende-se por que razão, apesar de concordarmos com a necessidade de maior proximidade entre universidades e empresas, uma percentagem razoável das PME "não está para aí virada". A aposta na diferenciação exige capital, paciência, abertura à colaboração e uma estratégia que passe por aí.

Também recordo casos de empresas com capital, com acesso a universidades e centros de investigação, que até fazem projectos em conjunto, por causa dos apoios comunitários. No entanto, nunca fazem nada com o resultado desses projectos porque a sua estratégia, de facto, é outra.

domingo, outubro 26, 2025

Directo do PCF para a FN, ou da CDU para o Chega

Aqui:

Entretanto fui consultar as estatísticas do IEFP para o desemprego no sector da construção e ... o desemprego subiu de Agosto para Setembro.

Há anos que ouvimos que faltam trabalhadores. Por exemplo: 
Já escrevi sobre isto por causa das paletes:
Em economias capitalistas, a mão-de-obra deve ser entendida como um mercado em que se encontram a oferta — os trabalhadores — e a procura — as empresas. Dizer que “nunca falta mão-de-obra” significa reconhecer que há sempre pessoas capazes de trabalhar; o que sucede é que podem não estar dispostas a fazê-lo nas condições oferecidas, seja no salário, no horário, nos benefícios ou na dignidade do trabalho. 

O que, na realidade, “falta” é a capacidade das empresas oferecerem um preço ou condições que tornem o trabalho atractivo para essas pessoas.

Nos modelos clássicos do mercado de trabalho, o desemprego involuntário não existe: sempre que há procura, seria o ajustamento salarial a resolver a escassez. (Por isso escrevi, ingenuamente, que todos viriamos a ser Figos). Todavia, os salários não são infinitamente flexíveis por razões sociais, legais e políticas. Surge aqui o conceito de salário de reserva: cada trabalhador tem um nível mínimo abaixo do qual prefere não trabalhar. Quando o salário oferecido se situa abaixo desse patamar, a empresa interpreta o fenómeno como “falta de mão-de-obra”. 

A teoria marxista fala, neste contexto, em “exército industrial de reserva”, isto é, trabalhadores disponíveis que não aceitam — ou a quem não é oferecido — trabalho a qualquer preço. Por sua vez, a economia institucional e a comportamental acrescentam que não é apenas o preço que conta: pesam igualmente as condições de trabalho, a segurança, o estatuto social e as possibilidades de progressão. Por isso escrevi a série sobre a Matsukawa Rapyarn.

A evidência empírica confirma esta perspectiva. Nos sectores de baixos salários, como a agricultura, a hotelaria ou a restauração, é frequente ouvir-se que “falta mão-de-obra”. Porém, os estudos demonstram que a escassez é relativa: sempre que os salários e as condições melhoram, surgem candidatos. Também a migração laboral é reveladora: quando um país afirma “precisar de mão-de-obra”, o que frequentemente faz é importar trabalhadores estrangeiros dispostos a aceitar salários ou condições que os locais rejeitam. Isto reforça a ideia de que não se trata de uma falta absoluta, mas antes de uma questão relativa quanto ao preço oferecido. Um exemplo recente encontra-se nos Estados Unidos, no período pós-pandemia, em que muitos restaurantes e hotéis se queixavam da falta de trabalhadores. Pesquisas publicadas, por exemplo, na Harvard Business Review e no Brookings Institution mostraram que, ao aumentarem salários e oferecerem benefícios, essas empresas conseguiram contratar.

Em economias capitalistas, as “escassezes” de mão-de-obra são muitas vezes relativas e não absolutas. O que é percecionado como falta de trabalhadores resulta, em grande número de casos, da incapacidade ou da falta de vontade das empresas em oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores.

E quando as empresas não conseguem oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores isso é um sinal de que deviam morrer de morte natural, para que os recursos nelas enterrados fossem melhor aplicados para a sociedade em outros projectos. Os governos optam por mantê-las em coma, as zombies.


"a substantial part of shortage occupations are not particularly highly skilled, but rather consist of strenuous and low-paid work
...
within the group of industries where high levels of shortage were reported in 2023, there is a clear pattern that shortages are higher where wages are relatively lower
...
wages tend to increase as shortages rise
...
shortages are aggravated by bad quality jobs and that raising job quality is a way to compete for labour"
"We find that individual wages increase faster in tight labour markets, confirming that firms have to pay more if they want to attract or retain workers.
...
The effect of labour market tightness on wage growth is stronger at the bottom of the wage distribution, suggesting that low-wage workers gain relatively more from tight labour markets.
...
Occupations in science, technology, engineering and mathematics (STEM) show particularly pronounced wage effects from tightness, whereas in regulated occupations such as health care, effects are much weaker.
...
Labour market tightness translates into wage growth, indicating that shortages are not absolute but relative to the wage and working conditions firms are willing to offer."
"Labour shortages occur when demand for labour exceeds supply at prevailing wages and working conditions. They are not absolute scarcities of workers.
...
Standard economic theory predicts that in such situations wages should rise, reducing shortages as more people are willing to work at the higher wage.
...
Shortages often reflect poor job quality - low pay, limited career prospects, difficult working conditions - rather than a lack of available workers."

Em "When upskilling is good but not enough: Understanding labour shortages through a job-quality lens" (interessante aqui a ponte para o nosso SNS) pode ler-se:

"workers may be unwilling to enter or stay in due to poor job quality in terms of pay and non-pay aspects, including job insecurity, inflexible hours arrangements, strenuous working conditions, and physical and mental health risks.

...

The sectors with the strongest shortages show stagnating or even declining real wages, discouraging potential applicants.

...

These jobs are disproportionately filled by women and migrants, groups with less bargaining power and more often employed under precarious contracts."

Deste último artigo deixo para reflexão este parágrafo:

"Another driver, which is often overlooked, is the relatively low attractiveness of many of the jobs affected by high shortages (Causa et al. 2025). This pertains to poor job quality, in terms of pay and non-pay conditions, reducing individuals’ incentives to enter or stay in these jobs – especially contact-intensive jobs in areas such as health and personal care, hospitality, and transportation. Some of the occupations and sectors that exhibit shortages are characterised by stagnating real wages and poor job quality, high incidence of shift work and temporary contracts, and higher-than-average exposure to mental and physical risks. Such characteristics can deter workers from entering or remaining employed, especially in healthcare, transportation and storage, accommodation and food, and construction."

De "Labour shortages and labour market inequalities: evidence and policy implications" retiro só uma citação, para evitar continuar a repetir-me:

"What is often described as a lack of workers is, in reality, a lack of jobs that workers are willing to take at the wages and conditions offered."

Percebo cada vez melhor porque os operários e trabalhadores rurais saltaram directamente dos partidos de esquerda para o Chega ... quem os defende? 

E volto ao último texto que li na A4 antes do primeiro lockdown.

quinta-feira, outubro 23, 2025

Para além do crescimento


Na revista HBR de Novembro-Dezembro de 2025 li "Growth Isn't the Only Way for Companies to Create Value":
"It's a basic goal of most companies: to grow revenue each year. But as globalization recedes, populations in many nations grow older (and buy less), and sustainability concerns lead more people to scrutinize the necessity of every purchase, companies are facing headwinds to growth. And while growth can be a particularly powerful differentiator in such a challenging context, it is also particularly risky. Pushing for growth at all costs can end up destroying value rather than creating it, through wasteful investments and the diversion of resources from the core strengths of the firm.
The question thus arises: How can companies build lasting value without growth?
...
[Moi ici: Os autores identificaram 172 empresas num total de 10000 que ao longo de 20 anos mantiveram o volume de vendas estável. Depois, nestas identificaram um subconjunto de 57 com um desempenho superior ao mercado] Instead, these businesses used four distinct strategies to achieve outperformance in the absence of growth:
1. At your service: The asset-light play. Many businesses facing low-growth prospects react by seeking to acquire new customers-often at high cost-but stable outperformers are more likely to maximize value from existing customer relationships. They do this by shifting from physical products with declining demand to asset-light services and software.
...
2. Take the high-end road: The gross margin play. Mature businesses are often tempted to rely on a strong brand image while cutting costs. However, enhancing quality can be a more sustainable path to value creation, helping firms establish a difficult-to-erode position and improve their gross margins. The stable outperformers who "took the high-end road" increased their gross margin by, on average, 12 percentage points over the 20-year sample period.
...
While we generally observed this strategy among consumer businesses, it may be relevant to many companies operating within a niche-whether because of product uniqueness or specialized expertise. By becoming irreplaceable, these businesses can strengthen their pricing power and move upmarket, whether they produce luxury goods or industrial components.
...
3. No place like in-house: The balance sheet play.
...
Stable outperformers often grow their asset base through vertical integration to control a larger share of the profit pool and increase their value added. This approach also helps them build a unique asset portfolio that strengthens their differentiated value propositions and competitive moats."
O artigo também lista uma série de riscos associados a estas estratégias. Por exemplo, para progressão na carreira, desenvolvimento de novas competências e outros meios de evolução pessoal, se uma empresa não estiver a crescer activamente, essas oportunidades podem ser mais limitadas, o que pode tornar difícil atrair e reter os melhores talentos.

Para muitas PME, a pressão para crescer todos os anos pode ser um fardo pesado e até contraproducente. O artigo da HBR lembra-nos que criar valor não tem de depender sempre do crescimento do volume de vendas. Há empresas que conseguiram manter-se estáveis durante décadas e, ainda assim, superar o mercado.

As PME portuguesas, pela sua dimensão e proximidade com os clientes, têm uma vantagem natural para explorar estas abordagens:
  • Valorizar relações existentes em vez de gastar recursos excessivos a procurar novos clientes;
  • Subir na cadeia de valor, apostando na qualidade e na diferenciação, mesmo em nichos aparentemente pequenos;
  • Controlar mais fases do processo, reforçando activos únicos e barreiras à concorrência.
No fundo, para as PME, a mensagem é clara: estabilidade não significa estagnação. Significa escolher operar onde têm mais força — com os clientes certos, com a qualidade certa, com o valor certo.

quinta-feira, outubro 16, 2025

O único caminho é a diferenciação.



Gosto de ler um artigo de jornal e fazer uma exegese: a partir do caso particular, destacar a tendência e os vectores que estão por detrás do que se observa.

Há dias no The Times (11 de Outubro), um pequeno artigo, "The corner shop owners who defied slump with local flavour":
"British high streets have been in slow decline for years. From department stores to hollowed-out retail parades, boarded shopfronts have become a familiar sight. Yet while chains falter and online giants devour market share, one corner of retail is thriving.
Corner shops and convenience stores, once seen as relics of a bygone era, are enjoying a renaissance
...
between 2018 and 2025, the number of local shops increased nearly 10 per cent to more than 50,000. In the past year, the sector has added almost 100 stores. One of the reasons for the revival is Generation Z, who are spending nearly £1,000 a year at their local stores, more than any other age group, according to research by Coca-Cola.
Innovation has been at the heart of this success story. More than half of convenience store owners surveyed said they have invested in improving the in-store experience, while others have introduced services such as parcel collection, fresh coffee, cash machines and home delivery. Some have spaces for social contact and support in areas where services have vanished.
...
For many consumers, especially younger urbanites, corner shops offer something that the algorithms cannot: human connection."

O artigo ilustra uma regra fundamental da estratégia: os pequenos não sobrevivem copiando os grandes, mas sim diferenciando-se.

Durante anos, as lojas de bairro pareciam condenadas. As grandes cadeias de supermercados e as plataformas online, com o seu poder de escala, dominaram o jogo dos preços baixos e da eficiência logística. Concorrer com eles no mesmo campo seria suicídio. E, no entanto, contra todas as previsões, o número de lojas de conveniência no Reino Unido não só não diminuiu, como cresceu.

A explicação está nas escolhas estratégicas. Estas lojas reinventaram-se: ofereceram experiências humanas que os gigantes digitais não conseguem replicar; apostaram em produtos autênticos e locais em vez da uniformidade global; criaram novos serviços como entregas, café fresco, recolha de encomendas; e souberam usar as redes sociais para dar voz e proximidade à sua comunidade.

É exactamente o que Michael Porter ou Seth Godin sempre afirmaram: competir pelo preço é a race-to-the-bottom; o único caminho é a diferenciação. 

O caso das corner shops mostra que as limitações de escala podem transformar-se numa força. A fragilidade diante dos grandes torna-se irrelevante quando se muda o jogo — quando a competição deixa de ser pelo preço e passa a ser pelo significado.

Num tempo em que tantas PME enfrentam gigantes globais, a lição é clara: não é na imitação que está a sobrevivência, mas na coragem de assumir uma direcção estratégica própria, diferente e inegável.

E os académicos que acreditam que se duas, ou três, ou quatro PMEs se fundirem ficam mais competitivas... go figure!!!

quarta-feira, outubro 15, 2025

Tratados como Figos (parte III)

Parte I, parte II e parte (II e 1/2) e parte (II e 3/4).

O Japão deixou há muito de competir em têxteis de baixo custo. A produção massificada emigrou para a China, para o Sudeste Asiático e para o Bangladesh. Ainda assim, a Matsukawa Rapyran — fundada há mais de um século — não apenas sobreviveu: modernizou-se, especializou-se e hoje paga salários dignos porque vende exactamente onde o preço deixa de ser o único critério. Fê-lo através de uma combinação de nicho, integração e reputação. Em vez de disputar a t-shirt de dois euros, orientou-se para tecidos e artigos de maior valor acrescentado, com qualidade de tecelagem elevada, desenho cuidado e identidade cultural “made in Japan”. 

Hoje, o coração do negócio é B2B e técnico: a empresa tece labels/etiquetas de marca em gamas que vão da alta à ultra-alta densidade, capazes de reproduzir logótipos e padrões finos com precisão. Acrescenta “inteligência” ao tecido com soluções funcionais como QR codes tecidos (patente JP-5038915), numeração/serialização e códigos de barras, bem como fios com propriedades desodorizantes (M-Clear) e 100% reciclados (PET) para aplicações em gestão de activos, uniformes e indústrias que exigem rastreabilidade e sustentabilidade.

Para sustentar a reputação e ampliar a marca junto do consumidor, a empresa desenvolveu uma linha B2C sob a insígnia Rapyarn Ribbon: ribbons de várias larguras e padrões e pequenos artigos feitos com ribbon — carteiras/bolsas, camera straps, fukusa e outros acessórios — vendidos a preços que reflectem um posicionamento artesanal-premium. Outras lojas próprias e parcerias (ORI-EN, Fu-Wappen, Minne) oferecem máscaras, omamori, emblemas e chaveiros, reforçando a ligação entre a tradição local de Fukui/Echizen e um design contemporâneo que o público reconhece.

É assim que a Matsukawa Rapyran permanece competitiva: não porque concorra com o Bangladesh, mas porque ocupa um espaço próprio onde qualidade, design, funcionalidade e tradição permitem praticar preços compatíveis com salários competitivos. A integração vertical reduz desperdícios e falhas; a automação sustenta produtividade; a diferenciação técnica — densidades elevadas, QR tecido, fios funcionais e reciclados — resolve problemas concretos de clientes empresariais; e a narrativa “Echizen-ori / feito em Fukui” dá coesão à marca. Resultado: uma empresa centenária que soube evoluir do volume para o valor, do barato para o criterioso — e que prova, com factos, que herança cultural e inovação podem caminhar lado a lado com lucro.

Tradução de trechos a partir da página da Matsukawa Rapyran na internet.



segunda-feira, outubro 06, 2025

Tratados como Figos (parte II e meio)



Parte I e parte II.

No caderno de Economia do semanário Expresso deste fim de semana li o artigo ""A bola de neve ainda só está a começar a rolar.""

O artigo começa com uma extensa lista de encerramentos e falências no sector têxtil:

"A par da falência de pequenas texteis, como a Leansofi, Protagonist Cotton, Quimera, Linolito, Cleverfil, Summer Gather, Rosa Maria Batista Confeções e RS Bobinagem de Fios Têxteis (muitas delas com menos de 50 trabalhadores), grandes grupos, como a Polopiqué e a J. F. Almeida, enfrentam reestruturações. A Confiberica fechou na semana passada, a Têxtil André Amaral e a Storia di Moda K acabam de apresentar pedidos de PER, a Bedex foi alvo de um pedido de despejo. Na StampDyeing, na Pamtext e na Passos os trabalhadores encontraram as portas fechadas no regresso de férias. No Parlamento, o PCP denunciou pagamentos feitos com atraso na Tearfil e na Somelos e, no retalho, a Classe e Distinção (Mike Davis) entrou em PER com créditos de €17,5 milhões. Em 2025, segundo um levantamento feito pelo Expresso, já foram publicadas no portal Citius oito listas de credores da fileira têxtil, com montantes por pagar que ascendem a €190 milhões (dois desses processos são PER iniciados já em dezembro de 2024)."

Depois há três trechos que gostava de comentar aqui. Primeiro:

"As exportações têxteis ainda estão equilibradas, com uma queda de apenas 0,1% nos primeiros sete meses do ano, para €3,58 mil milhões, mas este "é um movimento em crescendo no Norte do país"."

Este trecho faz-me recuar a um gráfico que fiz em 2013 e que voltei a comentar em 2021:


 Então, comparava as exportações de 2012 com as de 2006. O valor era o mesmo, mas enquanto que em 2006 existiam 8000 empresas, em 2012 já só existiam 5000 empresas. E a evolução continua, o que é bom, significa mais produtividade: menos empresas e menos trabalhadores exportam o mesmo. Não porque cada empresa ou trabalhador produza mais unidades, mas porque produz unidades com maior valor acrescentado. Entretanto, aqui temos dados da evolução recente, não dos exportadores, mas do sector do ITV como um todo. Confesso que não estava a par do aumento do número de trabalhadores no sector entre 2013 e 2028. 

Segundo:

"Apesar de o número de desempregados estar a engordar, "as dificuldades em contratar continuam e há muitos empresários a queixar-se disso mesmo", comenta César Araújo, presidente da ANIVEC"

Estima-se que desde o Verão já se tenham perdido mais de mil postos de trabalho. E, no entanto, os empresários continuam a dizer que não conseguem contratar mão de obra. Como explicar esta contradição?

A resposta não é moral — não é porque os patrões sejam “sovinas”. A raiz é estrutural: o negócio não gera margens suficientes para pagar salários que garantam uma vida digna. O sector compete no espaço da comoditização, onde os preços são ditados por cadeias globais de fast fashion, e onde países como Marrocos, Turquia ou Bangladesh conseguem sempre oferecer custos mais baixos. Na documentação oficial das associações do sector não é isso que aparece. Por exemplo, no documento que linko acima pode ler-se "estratégia assente na inovação, qualidade e internacionalização, competindo através do seu valor e diferenciação." No entanto, vejam o dicurso do presidente da ANIVEC no terceiro trecho que cito mais abaixo

O dilema é antigo e está bem descrito na metáfora dos Flying Geese: os países mais avançados abandonam gradualmente os sectores de baixo valor acrescentado, que são ocupados por outros países em fase de desenvolvimento. O Japão já passou por isso: nos anos 1950 era campeão mundial do têxtil; hoje, restam apenas nichos altamente especializados e inovadores.

Em Portugal, repetimos o padrão:

As empresas que não conseguem subir na escala de valor fecham.

As que sobrevivem são mais pequenas, mais tecnológicas, mais diferenciadas, mas empregam muito menos gente. Estatisticamente, a produtividade média sobe, mas à custa de milhares de empregos perdidos.

Por isso, quando os empresários dizem que não conseguem contratar, o que querem dizer é que não conseguem pagar o suficiente para atrair trabalhadores num mercado onde existem alternativas. Tal como escrevi: “Por que é que um motorista de autocarro em Oslo ganha muito mais do que no Porto a fazer exactamente o mesmo? Porque, se não ganhasse mais, ninguém quereria ser motorista”

Não podemos ter ao mesmo tempo preços de Marrocos e salários de Alemanha. A única saída possível é anichar, diferenciar, subir na escala de valor. Sem isso, o sector continuará a definhar, como um fóssil vivo — resistente, mas cada vez mais deslocado numa sociedade que exige produtividade e rendibilidade.

Terceiro:

"comenta César Araújo, presidente da ANIVEC, certo de que, mais do que as tarifas de Donald Trump sobre a importação de bens, o quadro atual reflete a abertura da Europa à concorrência desleal de produtos asiáticos."

Recordo o que escrevi aqui em 2010 relativamente ao director-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal: "Arrepiante"

Na parte III vamos ver o que faz a Matsukawa Rapyarn em concreto.

Na parte IV vamos fazer a comparação entre Portugal e o Japão.

domingo, outubro 05, 2025

Ousar reinventar-se

Quando olhamos para o contexto actual que molda o desempenho das PME exportadoras portuguesas, deparamo-nos com um conjunto de factores internos e externos que não pode ser ignorado.

Internamente, destacam-se a dificuldade crescente em contratar trabalhadores e a pressão permanente de margens estreitas. Externamente, a lista é mais extensa e, diria, mais pesada:

  • Aumenta a dificuldade em exportar para os Estados Unidos;
  • Intensifica-se a pressão das empresas chinesas que procuram escoar noutros mercados o que deixaram de vender nos Estados Unidos;
  • Reforça-se a concorrência vinda de Marrocos e da Turquia; 
  • Agravam-se os custos das matérias-primas e da energia.

Tudo isto, e muito mais, cria um caldo propício ao desequilíbrio. O que funcionava até há pouco tempo em termos de modelo de negócio provavelmente já deixou de funcionar.

Perante este cenário, muitas lideranças decidem apostar na melhoria da eficiência, procurando preservar quota de mercado, rentabilizar e resistir a choques externos. 

A figura clássica que ilustra a evolução previsível de vendas e margens mostra exactamente isso: apostar apenas na eficiência é prolongar uma vida empresarial cada vez mais limitada, com cada vez menos graus de liberdade.

Qual o meu conselho? Subir na escala de valor!

Recentemente, li um artigo dedicado a empresas tecnológicas, mas que considero plenamente aplicável às PME: "Winning through the turns: How smart companies can thrive amid uncertainty":

""Where to play"— that is, the choice of which markets to compete in-—may be the most important decision a company can make. This is not a one-time decision; instead, it requires constant review and proactive action in response to changing circumstances. For example, in response to growing geopolitical risks and uncertainty, companies in industrials and electronics manufacturing industries are poised to reposition their portfolios to drive resilience and growth.

Our research shows that companies that "switch lanes," seeking opportunities in industry segments with higher momentum, delivered more than double the returns of companies that remained in their existing niches over the past decade. However, making such a switch is a bold move, which perhaps explains why fewer than 10 percent of companies opt to do so."

A lição é clara: permanecer apenas no "nicho conhecido" pode ser cómodo, mas é arriscado. O futuro pertence a quem ousa reposicionar-se, reinventar portfólios e explorar sectores com maior dinamismo.

E na sua empresa? Já pensou em como subir na escala de valor e reposicionar o seu negócio para não apenas resistir, mas prosperar?