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quinta-feira, outubro 03, 2024

De liana em liana

A vida empresarial é este saltar de liana em liana sem pôr os pés no chão. Quem acredita que a liana actual (estratégia) é eterna ou morre, ou pede um apoio, ou uma protecçãozinha ao papá-estado.

Primeiro algo para contextualizar. Uma citação escrita aqui em 2007:

"What was the best strategy in the end? What Lindgren found was that this is a nonsensical question. In an evolutionary system such as Lindgren’s model, there is no single winner, no optimal, no best strategy. Rather, anyone who is alive at a particular point in time, is in effect a winner, because everyone else is dead. To be alive at all, an agent must have a strategy with something going for it, some way of making a living, defending against competitors, and dealing with the vagaries of its environment.

Likewise, we cannot say any single strategy in the Prisioner’s Dilemma ecology was a winner. Lindgren’s model showed that once in a while, a particular strategy would rise up, dominate the game for a while, have its day in the sun, and then inevitably be brought down by some innovative competitor. Sometimes, several strategies shared the limelight, battling for “market share” control of the game board, and then an outsider would come in and bring them all down. During other periods, two strategies working as a symbiotic pair would rise up together – but then if one got into trouble, both collapsed.

We discovered that there is no one best strategy; rather, the evolutionary process creates an ecosystem of strategies – an ecosystem that changes over time in Schumpeterian gales of creative destruction."

Agora, dois artigos que encontrei na imprensa recentemente.

Primeiro, no último Dinheiro Vivo, o artigo "8beaufort. Hamburg Lonas de velas velhas ganham nova vida em sapatilhas". O que retiro dele?

Clientes-alvo - um nicho de mercado:
  • A 8beaufort. Hamburg actua no nicho do calçado sustentável, com um foco em consumidores conscientes das questões ambientais. A marca diferencia-se ao utilizar velas de barcos recicladas para criar as suas sapatilhas, posicionando-se no segmento premium de calçado ecológico.
Vantagens competitivas:
  • A principal vantagem competitiva é o foco na sustentabilidade, usando velas descartadas e coletes salva-vidas para fabricar produtos únicos, o que ajuda a reduzir o desperdício e a poluição marinha.
  • A fabricação em Portugal reforça o compromisso da marca com a redução da pegada de carbono, já que evita o envio de materiais para a Ásia e cria uma cadeia de produção mais eficiente.
  • O uso de lonas de velas e outros materiais reciclados oferece aos clientes um produto exclusivo, com uma história de impacto ambiental positivo, o que pode atrair consumidores premium dispostos a pagar preços mais altos (159 a 249 euros).
  • A marca procura afirmar-se como uma escolha sofisticada para consumidores que buscam produtos sustentáveis e de alta qualidade.
Riscos:
  • A marca depende da aceitação dos consumidores no mercado de calçado sustentável, que, embora em crescimento, ainda pode ser limitado em comparação com mercados tradicionais de moda.
  • O posicionamento premium pode limitar a base de consumidores, especialmente em tempos de crise económica.
  • A recolha de materiais reciclados, como as velas, pode ser um desafio em termos de consistência no fornecimento. A dificuldade em obter matéria-prima suficiente ou de qualidade pode afectar a produção.
  • O mercado de moda sustentável tem atraído cada vez mais marcas, o que pode aumentar a competitividade e pressionar a 8beaufort.Hamburg a continuar a inovar para se diferenciar.
Acerca dos clientes-alvo recordo o que escrevi relativamente à APICCAPS. Eu aposto nisto:
"O sector do calçado vai encolher, e vai ter de subir ainda mais na escala de valor, ou seja, vai ter de anichar e trabalhar para segmentos de muito maior valor acrescentado, luxo mesmo talvez."

A APICCAPS aposta nisto:

"Para não concorrer pelo preço baixo, as fábricas portuguesas terão de assegurar encomendas de gama alta, moda e luxo, ou gamas específicas como o calçado técnico. Para isso, é fundamental ter capacidade de resposta a grandes encomendas. O que, por sua vez, obriga a repensar a forma como se trabalha." 

Isto faz-me lembrar o Mario Draghi e o seu "Whatever it takes", mas o anónimo da província sou eu. Ninguém quer falar do "encolhimento". 

O outro artigo encontrei no WSJ, "This Garment Maker Is Finding New York Manufacturing Is Back in Style". Pensei nas empresas de vestuário portuguesas que estão a ter um ano negativo a nível de exportações, e nos potenciais concorrentes que estão a conquistar o mercado de proximidade (nearshoring). Claro que quando não se olha para o contexto ... acredita-se que o que nos trouxe até aqui, continuará a levar-nos até ao fim do arco-íris. E não é só quota de mercado, mas também margens e preços.

A Ferrara Manufacturing sediada em New York é uma empresa de vestuário focada numa estratégia de nearshoring e fabricação local, concentrando-se na produção de roupas nos Estados Unidos, tanto para marcas quanto para contratos militares. A empresa busca capitalizar a crescente procura por produtos fabricados localmente, impulsionada por preocupações com cadeias de fornecimento globais, com sustentabilidade e com condições de trabalho.

Nicho de mercado - A empresa actua em dois nichos principais:

  • Produzir peças de luxo, como casacos de caxemira, para consumidores que valorizam a produção local e a qualidade premium.
  • Contratos militares e produtos "made in America": A Ferrara Manufacturing também serve o mercado de produtos militares dos EUA e de exportação para países como Japão e Coreia do Sul, onde há procura por itens únicos e feitos nos Estados Unidos.

Vantagens competitivas:

  • A produção doméstica torna a empresa uma escolha atraente para marcas que buscam diminuir riscos associados a longas cadeias de fornecimento internacionais e a reduzir tempos de entrega.
  • A empresa destaca-se ao oferecer uma cadeia de produção transparente, com benefícios para os trabalhadores, o que vai ao encontro das exigências das marcas que querem mostrar responsabilidade social.
  • Além do mercado interno, a Ferrara Manufacturing possui uma vantagem competitiva ao servir consumidores no exterior, especialmente no Japão e na Coreia do Sul, que valorizam e estão dispostos a pagar por produtos exclusivos feitos nos EUA.
  • O fornecimento para o sector militar oferece estabilidade e um fluxo constante de receita, diferenciando a Ferrara de empresas que dependem exclusivamente do mercado de consumo

Riscos:

  • Fabricar nos EUA tem custos mais altos em comparação com a produção em mercados com mão de obra mais barata. Isso pode impactar a competitividade de preços, especialmente no mercado de consumo em massa.
  • A empresa depende fortemente de dois nichos: produtos premium e contratos militares. Qualquer retracção na procura  por produtos de luxo ou mudanças nos contratos governamentais pode impactar as suas receitas.
  • A procura crescente por transparência e sustentabilidade, embora seja uma vantagem competitiva, também pode pressionar a empresa a manter altos padrões, o que pode aumentar os custos e reduzir a margem de lucro.
  • A produção premium pode ser afectada por flutuações económicas que impactem o poder de compra dos consumidores, tanto nos EUA quanto nos mercados internacionais.
Ontem, na minha leitura matinal de "Unreasonable Hospitality" de Will Guidara fixei esta frase de Jay-Z: 
“I believe you can speak things into existence.”
O futuro é construído sobre oportunidades, não sobre cortes nos custos. Reduzir custos pode comprar algum tempo, mas é a capacidade de identificar e agir sobre novas possibilidades que garante crescimento e sustentabilidade. O mundo empresarial está em constante transformação; o sucesso pertence àqueles que estão atentos ao contexto e preparados para inovar. Ficar preso à estratégia actual é o mesmo que ficar para trás. 

Não percamos as oportunidades que emergem – olhemos para o mercado e para os desafios como portas para o futuro, não como muros ameaçadores.

A frase de Jay-Z é importante porque o futuro não é intrinsicamente bom ou mau, é o que a nossa cabeça faz dele. Se ele mete medo, de certeza que vai ser mau.

quinta-feira, março 21, 2024

Por que é que continuamos tão dependentes de fundos europeus?

Este é mais um postal que me faz perder clientes, porque distingo o Carlos consultor do Carlos cidadão.

Ontem no seu programa matinal, "A Cor do Dinheiro", Camilo Lourenço disse que o sector têxtil é um sector de excelência. 


Sabem o que visualizei? 

Isto:
Poucos minutos depois, na rádio Observador, no programa "E o vencedor é...", ao minuto 08:07, José Manuel Fernandes disse:
"Por que é que continuamos tão dependentes de fundos europeus?
Neste caso, pelo que estamos a perceber, toda uma operação [Moi ici: Promoção internacional das empresas] que devia ser suportada por uma indústria, a indústria têxtil e de lanifícios do Norte, toda essa operação era paga em 50%, talvez mais, por fundos europeus."
Confesso que já pensei nisto várias vezes. Dão-se apoios para as empresas participarem em feiras, as organizações empresariais do sector informam-nos que essas feiras foram um sucesso, mas as empresas raramente se tornam independentes e continuam a precisar de doses futuras de apoios.

Porquê?

Por causa da figura acima? 



É-se competitivo sem se ser produtivo? Assim, ganham-se encomendas, mas não se acumula capital... o bom velho Schumpeter. Pagam-se os custos do passado, mas não se pagam os custos do futuro, a tal espécie de esquema Ponzi.

Outro exemplo sobre o qual já escrevi é o do tomate: uma produção tão competitiva, tão competitiva, tão competitiva, que sem apoios de fundos europeus, se afundará.

Remato esta reflexão com um postal que costumo citar aqui:

sexta-feira, janeiro 26, 2024

Análise do contexto, again

Trecho retirado do WSJ de ontem em "Retailers Shift Inventory Strategy".

"Retailers are reviving an old playbook to manage their inventory levels after four years of struggling to find the sweet spot of holding enough merchandise but not too much.

Merchants have worked through the excess inventory that piled up on store shelves and in warehouses over the past 18 months, and are now focusing on replenishing items rather than stocking up on goods to have on hand in case of supply-chain disruptions. The shift marks a return to the "just-in-time" inventory management strategy many companies had employed before pandemic-driven product shortages and volatile shifts in consumer demand prompted a switch to a "just-in-case" stockpiling approach.

Jamie Bragg, chief supply chain officer at Tailored Brands, said just-in-time inventory management is the goal. The Houston-based parent company of Men's Wearhouse and Jos. A. Bank worked over the past few years to get better visibility into orders that are still in production overseas, positioning it to adjust orders based on demand, he said.

...

Terry Esper, a logistics professor at Ohio State University, said companies are now better able to predict shopper demand and feel they can hold leaner inventories amid moderating spending growth and fewer supply-chain disruptions.

"Retailers have more confidence in the overall supply chain and the logistics network and the environment, and as a result, they're saying, 'Hey, I think we're at a point now where we're safe to go back to just-in-time," Esper said.

Companies typically prefer not to hold large inventories because the excess stock ties up capital, requires more space and people to manage it and runs the risk of becoming outdated as trends change, logistics experts say.

Retailers have been working to get inventories back in line with sales after bringing in too much merchandise that was no longer in demand in 2022 as consumers shifted spending from items such as home decor to office apparel and then toward travel."

Que implicações para fabricantes europeus que forneçam estes retalhistas?

  • Encomendas mais pequenas
  • Aumento da volatilidade da procura
  • Necessidade de mais flexibilidade e capacidade de resposta
  • Maiores requisitos de colaboração
  • Potencial para aumento da complexidade logística.

  • Riscos e oportunidades para os fabricantes europeus:

    Riscos:
    • Instabilidade financeira: tamanhos e frequência de encomendas flutuantes podem levar a fluxos de vendas menos previsíveis.
    • Aumento dos custos operacionais: Expedições mais pequenas e mais frequentes podem aumentar os custos de transporte e logística.
    • Desafios de produção: Adaptar os processos de produção para atender à maior variabilidade e ao imediatismo dos pedidos JIT pode ser um desafio.
    Oportunidades:
    • Parcerias mais fortes: Uma colaboração mais estreita com os retalhistas pode levar a relações mais fortes e de longo prazo.
    • Capacidade de resposta ao mercado: Os fabricantes que se adaptam de forma eficaz podem responder melhor às tendências e exigências do mercado, ganhando potencialmente uma vantagem competitiva.
    • Diversificação da base de clientes: A necessidade de mitigar o risco pode encorajar os fabricantes a diversificar a sua base de clientes e reduzir a dependência de um único retalhista.
    Riscos e oportunidades para este tipo de retalhistas

    Riscos:
    • Perturbações na cadeia de abastecimento: A dependência do JIT pode tornar os retalhistas mais vulneráveis a perturbações inesperadas na cadeia de abastecimento, o que pode levar a rupturas de stock.
    • Aumento da dependência dos fornecedores: A entrega pontual torna-se crucial, aumentando a dependência da capacidade dos fornecedores de cumprir prazos apertados.
    • Volatilidade do mercado: Mudanças rápidas na procura dos consumidores podem representar desafios na manutenção de níveis ideais de inventário.
    Oportunidades:
    • Custos de stock mais baixos: Níveis mais baixos de stock podem reduzir os custos de armazenamento e transporte.
    • Maior flexibilidade: o JIT permite que os retalhistas sejam mais ágeis na resposta às tendências do mercado e às preferências dos consumidores.
    • Melhor cash flow: Ao reduzir o excesso de stock, os retalhistas podem melhorar seu cash flow e alocar recursos de forma mais eficiente.
    Prepare-se, atenção à liquidez ou linhas de crédito para lidar com períodos de procura incerta ou mudanças rápidas no mercado, diversifique a base de clientes para não depender excessivamente de um pequeno número de grandes retalhistas, melhore a integração com os sistemas TI dos clientes.

    O resto já sabe daqui do blogue: Aumentar a flexibilidade e agilidade na produção, foco na qualidade e inovação.

    terça-feira, maio 02, 2023

    Como é que ninguém fala disto?

    Recordo o postal recente O que será utilizar bem os fundos comunitários?

    O que será preciso para aumentar a produtividade num sector tradicional como o têxtil?

    Não é preciso inventar, basta olhar para o sector têxtil alemão, sim alemão.

    Recuo a 2015 e ao artigo citado em Diferenciação permite coabitação:

    "Estive há tempos num congresso da indústria em Dresden [Alemanha] e quase não se falou de roupa. Falou-se sim da indústria automóvel, da aeroespacial ou da construção", nota Braz Costa, administrador do Citeve e do Centi, um centro de investigação nas áreas da nanotecnologia e dos materiais inteligentes com sede em Famalicão. Não admira por isso que o maior produtor e exportador têxtil da Europa seja a Alemanha. Não de peúgas ou de t-shirts, mas de materiais com que se fazem os painéis dos automóveis, próteses médicas, peças de motores ou asas de aviões."

    Qual o salário médio de um trabalhador têxtil alemão? Em 2020 foi de 2971 euros de acordo com dados do Statista. Qual o salário médio de um trabalhador têxtil português? Em 2020 foi de 939 euros de acordo com dados do INE.

    Como é que ninguém fala disto?

    Cada vez mais vou-me convencendo que os fundos comunitários funcionam como algo que torna esta evolução mais, muito mais lenta.

    Mais uma vez, não se chega lá trabalhando no denominador da equação da produtividade, mas no numerador.

    quarta-feira, dezembro 14, 2022

    Cuidado com os americanos

    "Esta semana, um empresário alemão andou no Vale do Ave a fazer contactos para deixar encomendas têxteis que costumava colocar na China e Turquia. "Está disposto a pagar 20% mais para reduzir a exposição numa zona que considera de risco" conta um industrial do sector, animado com a perspetiva do negócio

    ...

    Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP, a associação do sector metalúrgico, admite que 2022 vai fechar com exportações superiores a €20 mil milhões, 10% acima do recorde de 2021 e pelo menos quarto dos melhores registos mensais de sempre. Para isso, diz, pesam subidas nos principais mercados do sector Espanha, França e Alemanha além dos Estados Unidos, que deu um salto homólogo de 70% em oito meses

    ...

    Na fileira têxtil, as previsões apontam mais uma vez para um recorde nas exportações, depois de o terceiro trimestre fechar 19,2% acima de 2019 (€4,7 mil milhões). Em quantidade, o ganho é de apenas 6%, o que leva Mário Jorge Machado, presidente da associação setorial ATP, a sublinhar que "há valorização de produto, mas também há mão da inflação". Aliás, recorda, o ano obrigou muitas empresas a recorrerem a lay-off pela subida dos custos e por cortes nas encomendas de marcas preocupadas com a redução do consumo.

    ...

    muitas marcas americanas querem alternativas à Ásia,

    ...

    No calçado ainda ninguém assume que o recorde de €1,96 mil milhões de 2017 será batido na frente externa, [Moi ici: Mentira o presidente da APICCAPS assumiu-o no último número do Dinheiro Vivo] mas "este é seguramente um dos três melhores anos de sempre", admite Paulo Gonçalves, porta-voz da associação setorial APICCAPS,

    ...

    No caso da indústria do mobiliário, 2022 puxou os EUA do 5° para o 3º lugar no ranking dos maiores mercados, com um crescimento de 30% nas vendas, e Angola, "a beneficiar da alta do petróleo" para crescer 50%, regressou ao top 10."

    Qual o perigo do mercado norte-americano? A sua baixa sofisticação, afinal estamos a falar de clientes que estão a sair da Ásia. Recordo o que escrevi em 2018 aqui no blogue, Tanta coisa que me passa pela cabeça...:

    "Quem segue este blogue sabe que há muitos anos escrevemos e defendemos aqui que o mercado americano não pode competir com o europeu em preço unitário."

    Por exemplo, na última Monografia Estatística publicada pela APICCAPS podemos encontrar:

    • Preço médio de um par de sapatos importado pelos Estados Unidos - 11,37 USD
    • Preço médio de um par de sapatos importado por Portugal - 13,28 USD
    • Preço médio de um par de sapatos importado pela Alemanha - 17,94 USD
    • Preço médio de um par de sapatos importado por França - 18,26 USD

    Trechos retirados de "O sonho americano das exportações portuguesas" publicado no caderno de Economia do semanário Expresso do passado Sábado.

    segunda-feira, novembro 14, 2022

    Acredita no jornalismo da SIC?

    No passado Sábado na SIC assisti a um "artigo televisivo" sobre a antiga Fábrica de Mindelo. A certa altura ouvi:

    "Sucessivos erros de gestão originaram um passivo de 55 milhões de euros"

    Ou seja, para a SIC a falência da antiga Fábrica de Mindelo deveu-se a erros de gestão, deveu-se a factores internos e não a factores externos.

    Depois, a certa altura apanho esta imagem:

    Hummm! Isto cheira-me a design gráfico da treta ... vamos fazer um teste:

    Bem me parecia, a SIC apresenta um gráfico de barras que não começa a partir de zero. Ou seja, comete um erro básico! Usam um gráfico enganador. O que é que isto diz sobre a qualidade do jornalismo da SIC?

    Acham mesmo que a Fábrica de Mindelo faliu por sucessivos erros de gestão?

    O que diriam sindicatos, trabalhadores, governos, paineleiros e políticos da oposição se em 1992 a direcção da Fábrica de Mindelo decidisse encolher a empresa e despedir várias centenas de trabalhadores?

    O que diriam se a direcção da Fábrica de Mindelo apresentasse o argumento dos dinossauros azuis, pretos e vermelhos? Recordar As mudanças em curso na China - parte II. E para os que querem empresas maiores para aumentar a produtividade, mas não querem deixar morrer empresas nos sectores tradicionais recomendo de 2012 - 198 trabalhadores, e de 2017 recomendo O século XX continua por cá (parte II). Neste último postal salienta-se a evolução das empresas têxteis grandes em Portugal a partir da entrada da China no mercado global.



    BTW, no jornal de Domingo na RTP1 alguém, só ouvi, não vi a imagem, defendia com grande enfase que a Inditex comprava em Portugal por causa das práticas de sustentabilidade da indústria têxtil ... como é possível acreditar nestas tretas? Recordo Coerência e ambiente (parte III)

    sábado, outubro 15, 2022

    Pode ser que cole à parede

    Ontem, 13.10.2022 - "Cada falência é uma vitória de Putin", diz o líder da indústria têxtil portuguesa

    "O presidente da ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, Mário Jorge Machado, deixou esta quinta-feira mais um alerta sobre como o disparo do preço do gás natural está a pressionar a indústria têxtil: “Cada falência é uma vitória de Putin, que está a usar o gás como arma económica”."

    Parece que o Putin tem as costas largas, e eu sou a última pessoa a querer defende-lo.

    A 18.10.2021 - "Já há empresas têxteis a ponderar encerrar portas devido à escalada dos preços da energia"

    "Já há empresas têxteis a ponderar encerrar portas devido à escalada dos preços da energia. Com os preços do gás natural cinco vezes mais caros e da eletricidade duas vezes mais elevados do que há três meses, muitas empresas deste setor já fazem contas e admitem não conseguir fazer face ao aumento dos encargos energéticos, a que acresce ainda a subida ou escassez de matérias-primas. Uma situação que poderá comprometer a retoma económica antecipada pelo Executivo, alerta Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP)."

    Em 2013 apresentei este gráfico:


    Entre 2005 e 2012 o sector têxtil perdeu 3000 empresas e manteve o volume de exportações. Nesse tempo o impacte da China era visto, justamente, como "É a vida!"

    Em 2022 as exportações têxteis estão em alta. Por que devemos salvar empresas? Desconfio que muita gente quer que empresas condenadas pelo mercado sejam salvas pelos contribuintes.

    BTW, a propósito disto ""TÊXTEIS PORTUGUESES PASSARAM O TESTE DE STRESS HA 20 ANOS"" onde se pode ler:

    "os desafios ao sector são enormes mas “os têxteis portugueses passaram o teste de stress há 20 anos”, disse Pedro Siza Vieira, ex-ministro da Economia,

    ...

    E os que passaram esse teste de stress de há 20 anos não vão agora ser derrotados por mais uma crise."

    Este advogado de gabinete lisboeta tem de aprender o que é o índice de turbulência - Debaixo da superfície calma e pacata. Fez-me lembrar a parolice nortenha O provincianismo nortenho!

    Qualquer reunião empresarial para que convidem estas personalidades é um sinal para não perder tempo com essas reuniões. O que é que eles sabem da economia transaccionável? Come on!

    Portanto:


    "Para este responsável, no curto prazo a "prioridade deve ser salvaguardar a indústria têxtil", ao mesmo tempo que esta se prepara para um "futuro competitivo a longo prazo". Futuro esse que terá de ser assente em "fundações fortes", ou seja, em inovação, criatividade, qualidade e sustentabilidade. "Eu sei que estas podem parecer só palavras bonitas, mas acredito que precisamos de continuar a investir em inovação, de continuar a atrair criatividade para as nossas empresas, de produzir artigos de alta qualidade e de nos tornarmos mais sustentáveis porque essa é a receita para o nosso sucesso num mercado globalizado e altamente competitivo", frisa.
    Mas tudo isso exige diz Alberto Paccanelli, um "novo quadro regulatório no qual a qualidade e a durabilidade se tornem o norte, [Moi ici: Durabilidade? Come on Are you prepared to walk the talk? Qualidade? O que quer dizer qualidade? Um Fiat tem menos qualidade que um Mercedes? Tudo conversa para levantar barreiras alfandegárias] em que a transparência e a sustentabilidade são premiadas e em que os free riders, que não cumprem com as regras e os standards [europeus], são mantidos fora do mercado". Ou seja, há que garantir que o novo quadro será "justo e equilibrado, o que exige um diálogo constante e próximo entre o regulador e a indústria", defende."

    sábado, setembro 03, 2022

    Como eu gostava de saber

    Há cerca de um mês perguntava Qual o resultado final?

    Agora, refino a equação desta maneira:

    A guerra e a inflação baixam a procura agregada (mercados tradicionais das exportações portuguesas e restantes mercados).

    A saúde da economia chinesa e da sua política Covid zero, a disrupção das cadeias de fornecimento, levam a que potenciais clientes de novos mercados possam estar disponíveis para comprar a empresas portuguesas. A menos que as barreiras à entrada sejam baixas e as empresas chinesas possam ser substituídas facilmente noutros países asiáticos.

    Assim, as exportações portuguesas embora sejam prejudicadas pela guerra e pela inflação nos mercados tradicionais, podem ser beneficiadas na substituição das empresas chinesas quando as barreiras à entrada de terceiros for mais alta.

    Alguns números:
    Como eu gostava de saber ... lembrei-me disto:

    "Conhecem a história da empresa de calçado que, nos anos 60 do século passado, enviou dois vendedores para África, um para Angola e outro para Moçambique, para desenvolver negócio? Ao fim de uma semana, o que estava em Angola ligou para a sede desanimado porque ninguém usava sapatos, por isso, ia regressar para não gastar mais dinheiro. No final dessa mesma semana, o que estava em Moçambique também ligou. Estava entusiasmado! Ninguém usava sapatos, havia um mercado potencial tremendo por desenvolver, teria que prolongar a estadia."

    E volto a Março de 2013... "Por que é que calçado e têxtil têm tido desempenhos tão diferentes?"  

    Pois é: Os modelos mentais agarram-se a nós como lapas... nós somos os modelos mentais que carregamos, e mudar um modelo mental é muito difícil... há que partir o molde que nos enformou... tão difícil que às vezes parece impossível.

    quinta-feira, janeiro 06, 2022

    Suspeito de demasiado optimismo

    No Jornal de Notícias de segunda-feira encontrei o artigo, "Têxtil-lar no Vale do Ave sem mãos para as encomendas".

    Achei interessante os sublinhados que se seguem. Suspeito de demasiado optimismo:
    "Na altura em que as empresas asiáticas encerraram, em virtude da covid-19, o comércio de produtos têxteis não parou. As pessoas deixaram de comprar vestuário, com os confinamentos e o teletrabalho, mas passaram a dar mais importância ao conforto e à decoração do lar. As marcas que antes mandavam fazer na Ásia foram obrigadas a procurar soluções em outras geografias.
    ...
    Segundo Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, os custos de contexto, a energia e os impostos determinaram o fim da competição pelo preço. [Moi ici: Gostava de acreditar nesta conclusão, acho demasiado cedo para chegar a ela. Sim, o artigo é sobre o têxtil-lar]
    ...
    Para este investigador, o têxtil português sobreviveu porque se reinventou, passou de uma indústria que vendia pelo preço baixo para uma que vende valor acrescentado e que tem marca própria. [Moi ici: Gostava de acreditar nesta conclusão, acho demasiado cedo para chegar a ela. Sim, o artigo é sobre o têxtil-lar]
    ...
    A China continua na competição pelo preço, mas, segundo o investigador, "este já não é o campeonato das nossas empresas. "Depois dos transportes e da refinação, a indústria a têxtil é o maior poluente do planeta", aponta João Gomes. Isto apresenta-se como uma oportunidade para a indústria portuguesa, "porque já está a traçar o caminho de uma produção mais sustentável e com maior valor acrescentado e isso é reconhecido pelos clientes". [Moi ici: Se é um factor relevante, porque é que foi preciso a covid-19? Ainda não percebeu que o factor crítico não é a produção menos poluente, mas também a redução da produção. Recordar a Inditex]

    Numa coluna encontro o título: "Quando a China fechou, o têxtil aproveitou a oportunidade" onde se pode ler:

    "Clientes que fogem da Ásia atraídos por processos eficientes e pela inovação" [Moi ici: Fogem da Ásia por causa da covid-19 ou por causa da inovação?]

    As encomendas no sentido da subida na escala de valor têm de ter preço unitário mais elevado e serem de menores quantidades.

    quarta-feira, setembro 08, 2021

    "han catapultado un 45,1% en el primer semestre"


    Esta previsão era fácil. Afinal, o coronavirus apenas veio acelerar as mudanças que já estavam em curso:

    "El Covid-19 revierte más de dos décadas de dominio chino en el aprovisionamiento. Por primera vez desde que hay datos disponibles, el gigante asiático ha perdido la segunda posición entre los mayores proveedores de ropa de España, cediendo la plata a Turquía, según datos de Icex España Exportación e Inversiones.

    En el primer semestre de 2020, en pleno estallido de la pandemia del Covid-19, China perdió el primer puesto por primera vez desde 2000 (el primer año del que hay datos disponibles en el Icex) en favor de Bangladesh."

    Porquê esta tendência?

    "Turquía se sitúa como el gran ganador de la reorganización del aprovisionamiento gracias a su proximidad a los principales mercados de consumo europeos. Las compras al país se han catapultado un 45,1% en el primer semestre, hasta 983 millones de euros, ligeramente por debajo de los 1.067 millones del año previo al Covid-19.

    ...

    La búsqueda de la flexibilidad y la escalada de costes del transporte dejan a China fuera del ‘top 2’ de proveedores

    ...

    A la preferencia por los mercados próximos por su flexibilidad y agilidad se suman otros factores que han motivado esta sacudida en el mapa del sourcing: las continuas saturaciones en los puertos de China por las restricciones para frenar el Covid-19 y, sobre todo, la escalada de costes del transporte en la primera mitad de 2021."

    Acerca da Turquia, recordar "Come on! Esta gente não analisa os números?" E:

    Trechos retirados de "Sacudida histórica en el ‘sourcing’: Turquía arrebata a China la plata de proveedores de España"

    quinta-feira, julho 01, 2021

    Não se pode querer sol na eira e chuva no nabal!

    Recordo este gráfico de 2013:


    Então, comparava as exportações de 2012 com as de 2006. O valor era o mesmo, mas enquanto que em 2006 existiam 8000 empresas, em 2012 já só existiam 5000 empresas.

    Entre 2006 e 2012 a produtividade das empresas portuguesas da indústria têxtil e do vestuário cresceu.

    Vivemos num país em que os salários e os custos aumentam mais do que a produtividade física. Por isso, os preços unitários têm de aumentar, mas nem todas as empresas o conseguem fazer. Assim, as empresas com produtos mais básicos desaparecem, são obrigadas a fechar, porque não podem competir com a Ásia, Turquia ou Marrocos. Por outro lado, as empresas que conseguem aumentar preços, fazem-no porque sobem na escala de valor. São mais pequenas e precisam de menos trabalhadores. 

    Com o encerramento das empresas menos produtivas a produtividade estatisticamente sobe muito mais. Recordar o exemplo:
    Ontem, li "Têxtil e vestuário admite perder de 11 mil a 56 mil postos de trabalho até 2030":
    "O estudo é da responsabilidade da ATP e contempla três cenários distintos, desde a visão mais pessimista, que admite o desaparecimento de 3500 empresas e de mais de 56 mil empregos, à mais otimista, que prevê o encerramento de cerca de mil empresas e de mais de 11 mil postos de trabalho. A grande diferença está na riqueza gerada. No caso do cenário 'chumbo', o mais negativo, cairá para menos de cinco mil milhões de euros de faturação, enquanto as exportações se ficarão por pouco mais de quatro mil milhões de euros. Em contrapartida, no cenário 'ouro', o mais positivo, o volume de negócios do setor subirá para mais de 10 mil milhões de euros, com as exportações a serem responsáveis por oito mil milhões de euros, um aumento de 30% e de 53%, respetivamente, face aos valores pré-pandemia."
    "Na melhor das hipóteses, a indústria têxtil e do vestuário vai aumentar a facturação e as vendas ao exterior. Mas voltarão os encerramentos de fábricas e os despedimentos.

    O plano estratégico anterior apontava três cenários possíveis para 2020, agora fala-se num para 2025. E é este último que prevê que uma forte quebra no número de empresas em laboração e um grande número de despedimentos. O sector da indústria têxtil e vestuário (ITV) tinha, em 2018, 6700 empresas, de acordo com o Banco de Portugal, e quase 139 mil trabalhadores. O projectado para 2025 reduz para “mais de 4000 empresas” e 110 mil trabalhadores. O que, a confirmar-se, significaria que cerca de um terço das empresas de ITV vão fechar e haveria à volta de 28 mil despedimentos."

    Lamento este uso de linguagem negativa sobre os encerramentos e os despedimentos... isto parece forte, mas é como dizer que o leão é mau quando mata a gazela.

    Se queremos que os trabalhadores têxteis sejam mais produtivos, e possam ter melhores salários, as empresas incapazes de subir na escala de valor têm de fechar e libertar os seus trabalhadores para outras áreas da economia onde possam ser melhor remunerados.

    O erro é acreditar acriticamente que as empresas em Portugal podem continuar a crescer como antes de haver china.

    Com base neste documento, atentem na evolução da facturação por trabalhador na indústria têxtil e de vestuário portuguesa:


    Não se pode querer sol na eira e chuva no nabal! Recordar a evolução dos custos da mão-de-obra no têxtil e vestuário:

    Eu, que sou consultor contra mim falo. É muito difícil fazer o corte epistemológico, mudar de agulha, mudar de paradigma comercial, produtivo, competitivo. Quantas vezes empresas recebem apoios e subsídios para inovação e acabam por usar esse dinheiro, sem dolo, como uma forma de reduzir os custos e poder prolongar o modelo de negócio actual por mais um ou dois anos, continuando a competir pelo preço. Não é impossível, mas é muito difícil. É abandonar a navegação por cabotagem e avançar, com medo claro porque se trata de gente com skin in the game, não são políticos a torrar impostos futuros, e avançar para mar incógnito onde os mapas antigos diziam "aqui há dragões"!

    Por isso, o deixem as empresas morrer continua a ser a minha orientação principal.

    terça-feira, setembro 29, 2020

    Imaginem o impacte disto nas PMEs portuguesas na área da moda

     Imaginem o impacte disto nas PMEs portuguesas na área da moda:

    "But what does hibernation mean for fashion on the shop floor? These will be items that never made it as far as stores in the first place, so you will probably not be able to tell whether something that you’re looking at in a shop in 2021 was originally intended to be sold in 2020

    ...

    A possible negative impact of stock hibernation (aside from the costs associated with storing a large quantity of product) may be that jobs are lost throughout the manufacturing process as a result. From designers who are no longer needed to create a new spring 2021 collection, to factories which will no longer receive the orders, implications would arise from ‘skipping’ a season - problems which are simply a delayed result of the initial store closures."

    Trechos retirados de "Retailers are 'hibernating' their unsold stock for next summer

    domingo, agosto 09, 2020

    Quando se agarra uma oportunidade...

    A primeira vez que escrevi aqui no blogue sobre a Inarbel foi em Março de 2008. Apreciei o exemplo de alguém que não se limitou a ser conduzido pelos acontecimentos. Levantou a cabeça, avaliou o contexto, percebeu os riscos e resolveu agir seguindo uma estratégia que passou pela criação de marca própria e subida na escala de valor. Depois, voltei a referi-la em Outubro de 2011.

    Ontem descobri este artigo de Janeiro passado:
    Há tendências que devemos ser capazes de prever, mas há eventos que não temos possibilidade de adivinhar.

    Voltei a encontrar uma referência à Inarbel, agora aqui, "Indústria têxtil em força na principal feira de saúde na Alemanha":
    [Moi ici: Primeiro, o choque. Reacção, estancar a hemorragia. Preparar a empresa para sobreviver] "O adiamento e cancelamento de encomendas, a partir do início de fevereiro, obrigou o CEO do grupo a procurar alternativas. “Passei por momentos muito complicados, tenho obrigações para com os meus colaboradores e as suas famílias, mas não tinha trabalho para toda a gente”, admite José Armindo Ferraz. Deu uma semana de férias aos trabalhadores no início de abril, mas não foi suficiente. Tive de avançar com o lay-off de alguns trabalhadores.
    ...
    [Moi ici: Depois, o agarrar duma oportunidade] Um parceiro espanhol, com que trabalha há muitos anos, alertou-o para as necessidades urgentes de batas hospitalares e o empresário tratou de encontrar a solução ao nível dos tecidos, que são 100% algodão, permitindo a sua reutilização. São certificados pelo Citeve. Esse mesmo parceiro intermediou o negócio com o Estado espanhol e, em três dias, estava a receber uma encomenda inicial de 200 mil peças. Pediu 50% do valor à cabeça, no dia a seguir tinha o dinheiro na conta. “Estamos já inscritos na Direção Geral de Saúde espanhola como fornecedores certificados. Vendemos 600 mil batas para Espanha, enquanto em Portugal vendemos cinco mil”, diz, lamentando que seja “muito difícil” vender em Portugal porque a burocracia “é muita”.
    ...
    [Moi ici: Predisposição para a acção. Fez-me lembrar um fabricante de solas que conheci há uns anos e que me fez criar estes gráficos] Num ápice montou uma fábrica específica, com estrutura própria de confeção, para produtos hospitalares, a que afetou 30 pessoas. “Maio e junho foram os meses em que faturamos mais desde que a Inarbel existe, desde 1984”, garante José Armindo Ferraz. Os trabalhadores que estavam em casa foram sendo reintegrados e agora até admite ter de contratar mais. “Vou começar a formar costureiras e controladores de qualidade. Leva tempo, mas eu quero crescer e quero manter este contacto com as comunidades autónomas espanholas”, diz. Alargou já o portefólio da área de saúde e está a tentar entrar nos mercados francês e britânico, enquanto o negócio da moda vai retomando, devagarinho. “Não é sorte, a sorte dá muito trabalho e eu tive que reinventar a empresa por completo e criar novos negócios em que nunca tinha pensado."
    Interessante é pensar como é que a Inarbel vai integrar este negócio na sua estrutura?
    É o mesmo desafio da Impetus em 2011. Moda e saúde são duas realidades distintas, requerem modelos de negócio distintos, requerem prioridades distintas.

    BTW, tenho de escrever sobre marcas próprias, modelos de negócio, life-style.

    segunda-feira, junho 29, 2020

    Ingenuidade

    Há cerca de um mês, no postal "Time compression" escrevi:
    "A atenção deve ser concentrada no médio longo prazo. Sempre!
    Não é a fazer máscaras e viseiras que as empresas vão ter futuro."
    Agora descubro que efectivamente, o sector têxtil nacional andou a perder tempo e a desviar-se do fundamental ao dedicar-se à produção de máscaras. As empresas, como os agricultores, têm de perceber que não existe interesse nacional. São usadas como chiclete quando são precisas e depois são deitadas fora. Não culpo quem o faz, quem as deita fora depois de usadas. É a vida! Culpo quem ingenuamente não percebe que é assim.

    No JN de hoje "Quebra nas máscaras atrasa recuperação do setor têxtil" 
    "O fabrico de máscaras e outros equipamentos de proteção contra a covid-19 foi um balão de oxigénio para o setor têxtil, mas está a acabar. Com o mercado nacional saturado e as exportações impregnadas de burocracias para a certificação, as encomendas caíram a pique e Portugal já está longe do milhão de máscaras diárias que estava a produzir no início de maio."
    Enquanto canalizaram energias, tempo, atenção, para esta brincadeira, não as canalizaram para o essencial do negócio, procurar clientes no negócio fundamental. 

    sábado, maio 23, 2020

    Para reflexão (parte II)

    Parte I.
    "Covid-19 could spur the biggest economic contraction since World War II, hitting every sector from finance to hospitality. Yet fashion, due to its discretionary nature, is particularly vulnerable. The average market capitalisation of apparel, fashion and luxury players dropped almost 40 percent between the start of January and March 24, 2020 — a much steeper decline than that of the overall stock market.
    ...
    We estimate that revenues for the global fashion industry (apparel and footwear sectors) will contract by 27 to 30 percent in 2020 year-on-year, although the industry could regain positive growth of 2 to 4 percent in 2021. For the personal luxury goods industry (luxury fashion, luxury accessories, luxury watches, fine jewellery and high-end beauty), we estimate a global revenue contraction of 35 to 39 percent in 2020 year-on-year, but positive growth of 1 to 4 percent in 2021. If stores remain closed for two months, McKinsey analysis approximates that 80 percent of publicly listed fashion companies in Europe and North America will be in financial distress. Combined with the McKinsey Global Fashion Index (MGFI) analysis, which found that 56 percent of global fashion companies were not earning their cost of capital in 2018, we expect a large number of global fashion companies to go bankrupt in the next 12 to 18 months.
    ...
    The crisis is affecting our daily lives, instilling anxiety and uncertainty in the minds of almost everyone. Indeed, consumer pessimism about the economy is widespread, with 75 percent of shoppers in the US and Europe believing that their financial situation will be impacted negatively for more than two months.
    ...
    Even online sales have declined 5 to 20 percent across Europe, 30 to 40 percent in the US and 15 to 25 percent in China."
    Vamos ficar todos bem! 

    Trechos retirados de "The State of Fashion 2020 - Coronavirus Update"

    domingo, maio 03, 2020

    "Seasonless 'continuity' collections are growing in importance"

    "El coronavirus actúa como acelerador de cambios que ya estaban en marcha...”

    Em 2011 escrevi:
    "Há anos ouvi no CITEVE, numa conferência que não consigo recordar, alguém dizer que o sector têxtil devia aspirar a 52 épocas por ano em vez das tradicionais duas. Com 52 épocas por ano não haveria hipótese de recurso à Ásia."
    Agora em "Why Fashion 'Seasons' Are Obsolete":
    "Some say there are too many seasons, while others note that the timing of these seasons, disfigured by the demands of major department stores, no longer aligns with real-world seasons, meaning spring clothes arrive in the middle of winter and winter coats hit stores in summer. But it’s worth taking a step back.
    ...
    As the fashion industry debates the merits of the traditional fashion calendar, surely a sensible starting point is dropping the fiction of universal fashion seasons in the first place.
    .
    Seasonless 'continuity' collections are growing in importance to limit exposure to end-of-season discounting and reflect the reality that a large slice of luxury sales growth is still driven by first-time customers in emerging markets, who are eager for the classics. But as virgin markets dry up, fashion will also need to move faster to create and deliver fresh products to lure established luxury consumers from Shanghai to Lagos who now expect newness at the speed of Instagram.
    ...
    And as the movement to rethink the fashion calendar gathers momentum, there is an unmissable opportunity to rip up and replace the industry’s archaic, Eurocentric seasons with a more sophisticated system of small-batch drops that can be better targeted to address the growing diversity of fashion’s global customer base. Let's not waste it."

    sexta-feira, maio 01, 2020

    Não vai ser fácil

    Comecei a leitura de "Where Should Fashion Brands Manufacture Now?" com a ideia de que ia chegar a uma conclusão. O artigo condensa uma série de entrevistas com players com skin-in-the-game baseado na Ásia e todos chegam à mesma conclusão, bem diferente do que eu pensava. Por exemplo, esta foi a resposta de um "freelance consultant in sourcing and supply chain management" baseado na Ásia:
    "“Most retailers and brands are unsure about the market situation ✅ [but] obviously, the order size is going to be much lower compared to last year. ✅ [The best strategy is] to try some small orders and put the products on the market and see the reaction and make a quick decision on a re-order. ✅ That means they need quicker speed in their supply chain management. ✅ [Moi ici: Até aqui o racional é básico e julgo que pouco há para discordar o meu ✅ é sinal de concordância. Agora daqui chegar à conclusão de que a resposta certa é a China... por essa não esperava] Southeast Asia, Bangladesh or Myanmar are focused on huge quantities and long delivery times. If we focus on quick delivery in 45 days, even 25 days, that makes China the big player, [so] international brands will have to look to China because they lead the way in that.”
    Tentando calçar os sapatos do outro e perceber o porquê do seu racional, para lá do básico, "defender o seu negócio" vem-me isto à cabeça lido numa entrevista a uma consultora italiana(?) no mesmo artigo:
    "approximately 60 percent of the world’s fashion is still produced in China, if you take into consideration raw materials, fibres, textiles, trims, and accessories, such as elastic, zippers and hang tags."
    A verdade é que uma PME portuguesa que se dedica a produzir pequenas séries de calçado, por exemplo, tem de vencer uma dificuldade tremenda, toda a cadeia de fornecimento está montada para fornecer grandes séries. OK, até podem vender uma pequena quantidade de pele com uma dada cor e espessura. Se o cliente voltar a pedir outra encomenda da mesma pele ... o mais provável é não conseguirem replicar a cor, o acabamento, a regularidade da espessura. E enquanto as amostras andam para baixo e para cima o tempo está a contar e a marca internacional não vê a entrega ser realizada na data prevista. O que é que os decisores da marca pensam? Agora é tão difícil vender. Encontramos um produto com mercado e os fornecedores não nos entregam como prometido... não podemos contar com eles.

    Usando a linguagem da indústria automóvel, uma empresa até pode querer estar neste negócio das entregas rápidas de pequenas quantidades, mas falhar porque o Tier 1 e Tier 2 de fornecedores não está para aí virado, continua cioso dos seus custos afundados, continuará agarrado o mais possível ao seu modelo mental, ao seu modelo de negócio. Sei o que isto é, sei as dores de parto que uma empresa de calçado tem passado ao tentar entrar num nicho técnico, quando os seus fornecedores ainda estão noutra.

    domingo, março 08, 2020

    Parlamento tuga vs vida real

    O parlamento tuga dos direitos adquiridos, da impostagem crescente, da redistribuição sem criação de riqueza, do arrepio que provoca a menção de "reformas estruturais".



    A vida real das empresas e das pessoas do sector privado, uma montanha russa de emoções, uma montanha de esperanças que não chegam a concretizar-se, de esperanças que deixam de concretizar, de sonhos que viram pesadelos.

    Como explicar ao primeiro mundo o carrocel de emoções de viver no segundo mundo?

    Como explicar ao primeiro mundo os custos do amanhã?

    Foi disto que me lembrei ao ler "Coronavirus: Turquía sube precios y amenaza los márgenes de la moda en 2020":
    "Ya no sólo el ecommerce amenaza los márgenes de la industria de la moda. Un nuevo elemento sobrevenido presiona a la baja los márgenes del sector. El traslado de forma repentina de producciones a Turquía está llevando a una subida de precios y los gigantes se preparan ya para un recorte de sus márgenes en 2020. “Hay colapso de capacidad: los que ya estaban allí han conseguido espacio, pero los que hemos llegado tarde o no tenemos opción o pagamos más”, afirma un ejecutivo del sector.
    ...
    La situación se repite en Marruecos, Túnez, Rumanía y Portugal, pero Turquía es el mercado por el que más están apostando los grupos de moda para hacer frente a la ruptura de la cadena de suministro por la paralización de las fábricas en China y la afectación de puertos y aeropuertos.
    ...
    Son varios los ejecutivos del sector que alertan ya de una subida de precios, principalmente en Turquía. El impacto de este movimiento de los proveedores turcos se notará, sobre todo, en la temporada otoño-invierno 2020, aunque los márgenes de todo el ejercicio están ya comprometidos."

    quinta-feira, dezembro 05, 2019

    Variedade no têxtil

    Ontem o Jornal de Negócios publicou o artigo "Têxtil perde 2 mil empresas e 28 mil empregos até 2025".
    Segundo o novo plano estratégico do sector teremos menos empresas, menos postos de trabalho, mas mais vendas e exportações. Sabem o que isto quer dizer? Mais produtividade.

    O sector já nos habituou a alguma dificuldade em acertar nas previsões (recordo "Pôr em perspectiva (Parte I)" - o sector perdeu mais trabalhadores e empresas do que inicialmente previsto, e recordo "Acerca de uma previsão" de Dezembro de 2014 - comparar com "O anterior plano [até 2020] era, de tal forma [Moi ici: conservador] que ultrapassámos as metas quatro anos antes.[Moi ici: Por isso escrevo aqui tanto sobre os Zapateros, quando o mundo muda]

    O plano prevê uma redução no peso actual (80%) dos destinos europeus, compensado pelas compras novas ou reforçadas de clientes americanos, canadianos e asiáticos. (1) No entanto, isto não bate muito certo com:
    "Alinhando com "os valores em mudança da sociedade de consumo" e os princípios da rastreabilidade e da economia circular, este último vetor é mesmo apontado como "a pedra de toque" no futuro próximo. E a indústria nacional acredita que "nenhum outro pais produtor está tão bem posicionado" devido à proximidade aos clientes
    Outro vector de actuação (2):
    "Apontando à liderança mundial em "produtos dc nicho e de alta gama", ameaçando assim a concorrência alemã nos artigos técnicos e a italiana na moda dc luxo"
    Consideremos esta matriz, para nos ajudar a pensar:
     Quando acima falamos em (1) de certa forma estamos a falar da já famosa artesã de Bragança, ou das madeiras para a cozinha do Jamie Oliver. Estamos a falar do foco nas aptidões.

    Quando acima falamos em (2) de certa forma estamos a falar em subir na escala de valor à custa de novas aptidões e novos clientes. Daí os alguns dos "cinco drives" mencionados no jornal:
    "o desenvolvimento do conhecimento e produtividade; a evolução do design e criatividade; o investimento na inovação tecnológica; a aposta na internacionalização e o aumento das exportações e a promoção da sustentabilidade."
    Esta linha (2) tem o risco da incerteza que Hausmann tão bem resume em "os macacos não voam". Não basta comprar máquinas novas. É todo um novo modelo de negócio repleto de novidades.

    Os Forum para a Competitividade deste país só conhecem o foco na eficiência, estratégia sempre arriscada para um país de PMEs, pouco habituadas a planeamento e organigrama.

    Também há espaço para algumas empresas destas em Portugal, mas poucas. Há tempos tinha marcada uma auditoria para o início da tarde com a área comercial de uma empresa, e a meio da manhã pedem-me para adiar a auditoria para o fim do dia porque um cliente deles queria apresentar a fábrica a um representante de uma marca de moda internacional muito conhecida e que compra grandes quantidades.

    O que resta? O foco no cliente - "Relações, sofisticação e co-criação", procurar subir na escala de valor apostando nos clientes mais sofisticados para desenvolver a co-criação.

    Até porque algures no tempo, os que vão receber a Greta de manhã, para depois acabar o dia na Primark, vão perceber que algo não bate certo. Sim, "Are you prepared to walk the talk?"

    Esta última é a minha preferida, porque foge do crescimento canceroso, mas estratégia não é ciência, estratégia é coração (um sacrilégio para os membros da tríade): estratégia é sobre aquilo em que se acredita. Por isso, reconheço aos empresários a autoridade para decidirem em cada caso qual o quadrante em que acham que a sua empresa pode ter futuro. Desde que a seguir não venham pedir apoios se as coisas correrem mal.

    E acabo como nunca pensei ao começar este texto. Acabo com Valikangas:
    "Life is the most resilient thing on the planet. I has survived meteor showers, seismic upheavals, and radical climate shifts. And yet it does not plan, it does not forecast, and, except when manifested in human beings, it possesses no foresight. So what is the essential thing that life teaches us about resilience?
    Just this: Variety matters. Genetic variety, within and across species, is nature's insurance policy against the unexpected. A high degree of biological diversity ensures that no matter what particular future unfolds, there will be at least some organisms that are well-suited to the new circumstances."

    terça-feira, novembro 19, 2019

    Há algo aqui que me escapa

    Em qualquer sector da economia transaccionável podemos considerar 3 tipos de empresas:

    Com a entrada da China no comércio mundial é natural que esta tenha expulso a concorrência europeia com alguma facilidade, sempre que a proposta de valor em jogo fosse o preço.

    Já no ano passado tinha apanhado este artigo "Portugal perdeu 162 mil empregos com negócios da China". Original vence sempre a imitação.

    Ainda no ano passado neste estudo "Sinopse da Indústria Têxtil" era possível ver este gráfico (um pouco estranha a evolução das abcissas, o que pode enviesar a sua leitura):

    Ontem, apanhei este artigo "China "esmagou" Portugal lá fora e não cá dentro". E deu-me que pensar. Porque em muitos sectores observo esta realidade: as empresas portuguesas produzem para fora e os portugueses importam produtos baratos, mas segundo o artigo de ontem, as importações de bens fabricados na China pouco afectaram o mercado interno.

    Estranho, porque a título de exemplo, no calçado, na moda, no mobiliário, comprávamos e compramos barato na Ásia, para uso interno, e produzimos para fora para a gama média/alta.

    O artigo de ontem, tem um remate final que não deixo de interpretar:
    "Empresas usaram precários para se adaptarem
    .
    Para os autores, os resultados deste estudo mostram como a regulação do mercado de trabalho tem um papel de mediação dos efeitos da concorrência externa.
    .
    "O contexto português permite-nos documentar o custoso efeito secundário das políticas restritivas do mercado de trabalho quanto à margem de ajustamento à concorrência comercial", argumentam os autores do texto.
    .
    As conclusões divergem para dois períodos diferentes. Num primeiro momento, entre 1995 e 2000, [Moi ici: Mas entre 1995 e 2000 o sector ainda estava a crescer?! O pico dessa altura foi atingido em 2001, como se pode ver no gráfico acima] em resposta ao choque concorrencial, as empresas decidem fechar portas dado que não podem despedir para adaptar a produção à menor procura externa.
    .
    Num segundo momento, entre 2000 e 2007, são os trabalhadores precários com "reduzidas proteções laborais" a arcar com as consequências da adaptação à nova realidade das empresas.[Moi ici: Dois pontos. Primeiro - a adaptação à nova realidade não surgiu de uma proclamação governamental ou académica, não surgiu de uma legislação ou regra escrita. A adaptação à nova realidade foi o resultado de tentativa e erro. O gráfico acima mostra como entre 2001 e 2009 se desceu aos Infernos. Recordo o que o mainstream dizia acerca do futuro desses sectores através de académicos e jornalistas (slides 8 e 9). Segundo - o que é que levou o sector a recuperar, numa primeira fase? A rapidez e a flexibilidade conjugadas com maior proximidade aos mercados. Rapidez e flexibilidade, quando ainda se tinham estruturas, mentalidades e equipamentos formatados num outro tempo, foi salva pelo recurso ao trabalho flexível]
    .
    Nesta altura, "as reduções do emprego foram inteiramente através de mudanças no emprego temporário, com nenhum efeito nos postos de trabalho permanentes", revela o estudo."
    Aquele "as empresas decidem fechar portas" é uma linguagem tão estranha... Decidem? A grande maioria não teve voto na matéria, foi arrastada pelas circunstâncias, falências e insolvências. Não se lembram?

    Depois, parece que foram os mesmos que fecharam as empresas do primeiro momento os mesmos que abriram as do segundo momento. Não tenho dados, mas defendo que não foi assim. A maioria que abriu no segundo momento pertencia a outra geração.

    Por fim, este gráfico também retirado da sinopse referida acima:
    Mostra que a mortandade iniciada em 2001 continuou até 2013, o que acontece a partir de 2013 é que o número de empresas criadas começou a ser superior ao de empresas encerradas.

    E nesta análise, no que diz respeito ao mercado interno, não inclui um factor muito importante: a revolução no retalho, com o retalho tradicional de loja de rua com cadeia de fornecimento radicada no país, a ser substituído pela invasão dos centros comerciais com cadeias de fornecimento internacionais e baseadas na Ásia.

    Há algo aqui que não me cheira bem nesta conclusão. Será que o mercado interno não foi afectado pela invasão chinesa porque já estava a ser fornecido por paises de baixo-custo, e a China veio substituir esses países (Taiwan, Malásia, Tailândia, ...)?