Em Dezembro passado foi aprovado o DL 102-D/2020 que entrou em vigor no passado dia 1 de Julho.
Um documento com 268 páginas que visa centralizar toda uma série de legislação sobre resíduos e aterros.
Uma parte desta legislação veio revogar o velhinho DL 46/2008 que lidava com os chamados RCDs, resíduos de construção e demolição.
Julgo que o propósito do legislador seria o de promover a reutilização e a reciclagem dos resíduos típicos de uma obra de construção e demolição: solos, rochas, betuminoso usado, betão usado. O DL atribui esta responsabilidade aos donos de obra. Os projectistas ao serviço do dono de obra devem prever soluções que incorporem materiais gerados na obra, e a utilização de materiais que incorporem reciclados. Por exemplo, usar agregados ou betuminosos que incorporem na sua manufactura materiais reciclados. Daí que o DL preveja um conjunto de especificações técnicas para aprovação desses materiais.
O extinto DL 46/2008 previa que fossem incorporados 5% de reciclados quando tecnicamente viável. O novo DL 102-D/2020 no seu artigo 28º refere:
"É obrigatória a utilização de pelo menos 10 % de materiais reciclados ou que incorporem materiais reciclados relativamente à quantidade total de matérias-primas usadas em obra"
10% ponto! Não há aqui tecnicamente viável ou não.
É nestas alturas que gostava de ver estudos que nos informassem qual o impacte do DL 46/2008. Qual a % de incorporação? Que materiais? Em que circunstâncias? Não será o DL 102-D/2020 uma fuga para a frente?
O que parece estar a emergir em obras públicas é extraordinário.
O artigo 50º refere:
"A elaboração de projetos e a respetiva execução em obra devem privilegiar a adoção de metodologias e práticas que:
...
b) Maximizem a valorização de resíduos nas várias tipologias de obra, assim como a utilização de materiais reciclados e recicláveis"
Projectistas não fazem o trabalho que era suposto e então temos a fiscalização do ambiente a pedir, a exigir que as empresas apresentem declarações emitidas pelo fabricante, sim, as emitidas pelos distribuidores não são aceites, apesar do DL nada referir acerca disto. Declarações que validem o teor de aço reciclado na malhasol ou nos pregos, o teor de reciclado em tubagens plásticas.
O DL 102-D/2020 refere no nº 7 do artigo 28º:
"7 - Os materiais referidos no n.° 5 devem ser certificados pelas entidades competentes, nacionais ou europeias, de acordo com a legislação aplicável."
Estamos a falar aqui de certificação de desempenho. A fiscalização de obra pública anda a pedir certificados que provem qual o teor de aço reciclado em artigos feitos com aço... imaginem. Como tecnicamente é impossível distinguir tecnicamente se um metal tem metal reciclado na sua composição, já imagino o dia em que vão pedir que os ROC e TOC validem compras de reciclado e minério, ou material virgem ou reciclado.
Não imaginam o edifício burocrático que está a ser criado. Vamos ter materiais a serem aprovados pelas compras, pela qualidade e agora pelo ambiente. Incorporar reciclados tem uma conotação negativa para muita gente. Assim, quando o cliente, o empreiteiro, contacta o fornecedor a pedir declaração do teor de reciclados a resposta imediata, instintiva dos distribuidores é: o nosso produto não tem reciclados.
Contactando o fabricante, às vezes fornecedor de fornecedor de fornecedor, obtém-se a resposta sim, tem 10% de origem de minério e 90% de origem reciclada (perfeitamente possível num mundo de mini-siderugias à base de reciclados (o clásssico de Christensen explica).
Já quando o fornecedor é fabricante e é português, por exemplo a Fapricela (uso este nome só como exemplo, não tenho nem nunca tive qualquer contacto com esta empresa), a fiscalização não aceita e diz que precisa de declaração emitida pela siderurgia a quem a Fapricela recorre. Onde está escrito na lei? É o domínio dos burocratas, gente que ao se apanhar com um bocadinho de poder abusa e masturba-se com o mesmo.
Entretanto, aquela que seria a preocupação do legislador, é completamente esquecida. Por exemplo, o arigo 49º refere:
"2 Os produtores de RCD devem tomar as medidas necessárias para garantir a recolha seletiva dos resíduos na origem de forma a promover a sua reciclagem e outras formas de valorização."
O que vemos é nada ser feito a esse nível e mesmo o que se fazia anteriormente com o DL 46/2008, a entrega de solo e rocha às Juntas de freguesia para reutilização em obras camarárias, ao ser proíbido neste novo DL está a promover o encaminhamento de solo e rocha para ... aterro. Um absurdo completo!!!