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sábado, novembro 23, 2024

Teoria versus estatística (realidade)

Quem lê os jornais e vai a conferências sobre o que é preciso fazer para aumentar a produtividade das empresas portuguesas inexoravelmente acaba por ouvir que as empresas precisam de ser maiores, que as empresas portuguesas são demasiado pequenas.

Por exemplo, recordo de Maio de 2013, "Mas claro, eu só sou um anónimo engenheiro da província", e de Outubro de 2020, "Tamanho e produtividade".

Penso que esta receita é demasiado simplista. Considerem um sector económico onde actuam as nossas PMEs. O mercado servido por uma empresa de 40 trabalhadores é muito diferente do mercado servido por uma empresa com 200 trabalhadores. O modelo de negócio, os clientes-alvo e a proposta de valor são diferentes. Recordo o que tenho escrito sobre o papel da experiência anterior para limitar o campo de possibilidades do futuro, por exemplo de "Não é impunemente ...".

Entretanto, encontrei uma revista incluída no jornal Labor do passado dia 14 de Novembro. Muitos artigos sobre o calçado. Destaco este, "45 Novas empresas de calçado desde o início do ano", e esta citação:

"A nota divulgada pela APICCAPS refere ainda que, segundo o Eurostat, até ao final de 2022 (altura em que foram disponibilizados os últimos dados), Portugal tinha 2.428 empresas de calçado, responsáveis por 41.170 postos de trabalho, menos 380 (2.808) do que as registadas em Espanha (26.622 trabalhadores) e 3.953 a menos do que em Itália (73.218 trabalhadores).

"Feitas as contas, uma das particularidades da indústria portuguesa de calçado prende-se com a dimensão média das suas empresas, consideravelmente maior do que a dos concorrentes externos. Cada empresa portuguesa emprega, em média, 30 trabalhadores, enquanto as italianas apenas nove e as espanholas seis", conclui a nota da APICCAPS."

O que tenho escrito aqui ao longo dos anos sobre o futuro do calçado?

"O sector do calçado vai encolher, e vai ter de subir ainda mais na escala de valor, ou seja, vai ter de anichar e trabalhar para segmentos de muito maior valor acrescentado, luxo mesmo talvez." 

Retirado de "De liana em liana" de Outubro de 2024 e de "e sinto que algo não bate certo" de Fevereiro de 2024.

Ei, mas eu só sou um anónimo da província.

quarta-feira, novembro 20, 2024

O calçado e a cartilha do luxo

Há muitos anos que aqui no blogue celebrei um ditado que considero fundamental para as PMEs:

Volume is vanity.

Profit is sanity.

Ontem recordei-o por causa de quem o esquece, ou desconhece.

Hoje, recordo-o por causa de quem o aplica. No WSJ do passado dia 12 de Novembro li  "Shoe Brands' Secret to Success: Going Slow."

O artigo refere como marcas como Hoka, On, Ugg e Birkenstock estão a alcançar o sucesso seguindo uma página da cartilha do luxo – dar prioridade ao crescimento controlado e deliberado em vez da expansão rápida. Estas marcas limitam a distribuição a determinados retalhistas que trabalham como parceiros, vendendo principalmente em lojas próprias e seleccionando canais de alta qualidade para manter o prestígio da marca [Moi ici: Recordo de Maio passado "criarem uma marca sem pressas, à la Purdue]. 

"Birkenstock is another example: The brand typically ships retailers about 75% of what they would like to order, according to a research note from Evercore.

At a September industry conference, Birkenstock Americas President David Kahan said the scarcity model drives consumers' "urgency to buy.""

Ao limitar a disponibilidade e ao concentrarem-se na qualidade do produto, estas marcas alcançam margens brutas elevadas (por exemplo, margens de 60%, próximas de marcas de luxo como a LVMH) e criam uma forte procura. A escassez ajuda a manter a imagem e a atractividade da marca.

O artigo refere que marcas como a Under Armour sofreram ao tentar despachar stock de forma demasiado agressiva para os canais de desconto, o que prejudicou a imagem da marca. Em contraste, a Hoka, a On e a Birkenstock evitam inundar o mercado ou fazer descontos, preservando assim uma imagem premium.

"Retail is littered with examples in which brands' desire for rapid growth backfired. Under Armour was the subject of an accounting probe a few years back, after it was accused of trying to inflate quarterly sales numbers by urging retailers to take products early and redirecting goods to off-price chains like T.J. Maxx in the final days of a quarter. The company settled those claims without admitting or denying wrongdoing. Whether or not those claims were true, Under Armour's overexposure to discount sellers cheapened the brand's image, which it is still trying to recover."

O artigo sugere que estas empresas privilegiam o valor da marca a longo prazo em detrimento do crescimento das vendas a curto prazo, aprendendo com outras marcas que cresceram demasiado rápido e acabaram a diluir o apelo da sua marca.

quarta-feira, novembro 13, 2024

Quando os clientes mudam...

À atenção dos fabricantes de calçado em Portugal:

"Macy's has a fix for its shoe department: fewer shoes. Display tables at some stores now showcase about 15 pairs of shoes, half of which were previously on view. Overall, the shoe departments in these stores are carrying 300 fewer styles and colors than before the changes were introduced this year.

"We don't want an endless aisle," said Tony Spring, chief executive officer of Macy's, on a recent afternoon inside a Macy's store in Paramus, N.J. "We want to double down on the bestselling styles."

The new look is part of Spring's strategy to overhaul 50 top stores this year, with plans to roll out the changes to the wider fleet. Other initiatives include adding more staff in the fitting rooms and at checkout counters as well as in the handbag and women's clothing departments."

Será que esta actuação da Macy's é um sinal do que pode estar a acontecer no mercado do calçado?

Como o espaço de exposição e a variedade de estilos estão a ficar mais limitados, apenas os produtos de maior saída e maior apelo comercial terão prioridade nas prateleiras. Isso pode reduzir drasticamente a procura por marcas e modelos que não lideram o ranking de vendas. Aliás o tema ao longo dos anos tem sido objecto de conversa com fabricantes desde que em 1997, a trabalhar com uma empresa têxtil com marca própria, percebi que desenhavam 250 modelos numa época e depois, 5 ou 6 modelos representavam 70 ou 80% das vendas e o resto era um cauda longa de ineficiência a vários níveis.

Para reagir a esta mudança, fabricantes de calçado sem marca própria devem focar-se na diferenciação e na inovação para que seus produtos se destaquem no mercado: estilos que têm maior potencial de venda. Para isso têm de identificar tendências e ajustar o seu portfólio para se alinharem com o que é mais procurado pelos consumidores.  

Isso requer sair da fábrica, e procurar perceber melhor o mercado.

Trecho retirado de "Macy's Gives Shoe Unit Fresh Shine" publicado pelo WSJ de 12 de Novembro passado. 

sexta-feira, outubro 25, 2024

A falta que faz um sistema 4 e um sistema 5

Encontrei este artigo no FT, "Australian bootmaker RM Williams targets UK's richer regions".

Um fabricante australiano de botas, a RM Williams ... só que não é só um fabricante, um fabricante com marca própria.

Botas produzidas num país do primeiro mundo: Têm de ter um preço elevado e as prateleiras têm de estar nas zonas com elevado poder de compra.

Portugal tem poucas marcas de calçado, anda sempre a saltar de mercado em mercado em vez de se focar onde pode fazer a diferença.
Sem marca, os graus de liberdade são menores e maior a tentação de focar a atenção no fabrico e não no mercado.

Criar uma marca ...

Na semana passada devorei "The Unaccountability Machine" de Dan Davies. A certa altura o autor descreve de forma resumida os 5 sistemas preconizados por Stafford Beer para um sistema viável. Algo sobre o qual não lia há mais de 20 anos.

Os 5 sistemas do Modelo de Sistema Viável de Stafford Beer representam as funções necessárias para que uma organização seja considerada viável, ou seja, capaz de sobreviver e se adaptar num ambiente dinâmico. Aqui está um resumo de cada sistema:
  • Sistema 1 - Operações: Representa as funções operacionais da organização, responsáveis pela execução das actividades principais. É o núcleo da organização, onde os produtos ou serviços são produzidos.
  • Sistema 2 - Coordenação: Cuida da coordenação entre as diferentes unidades operacionais (Sistema 1), garantindo que as interações entre elas sejam harmoniosas e que conflitos operacionais sejam evitados.
  • Sistema 3 - Controlo: Garante a supervisão e o controlo interno, assegurando que as operações estão alinhadas com os objectivos da organização. Também se refere ao uso eficiente de recursos e ao cumprimento de normas internas.
  • Sistema 4 - Inteligência: Lida com a percepção externa, analisando o ambiente e antecipando mudanças no mercado, tecnologia ou outras influências externas. É responsável por adaptar a organização às mudanças do ambiente.
  • Sistema 5 - Política/Direcção/Filosofia: Define a identidade, os valores e os objectivos da organização, mantendo o equilíbrio entre o presente (Sistema 3) e o futuro (Sistema 4). Ele dá a direcção estratégica e garante que a organização mantém sua coesão interna.
Criar uma marca exige um Sistema 5 e um Sistema 4 a funcionar. Registei em Preocupante que muitas PME não têm um Sistema 4 a funcionar quanto mais um Sistema 5.

Quem não desenvolve Sistemas 4 e 5 fica-se pelos "operand resources".

Operand resources são recursos sobre os quais se age para gerar valor. Esses recursos, por si só, não criam valor directamente, mas precisam ser manipulados ou transformados para produzir um resultado desejado. Geralmente, são recursos tangíveis, como matéria-primas, equipamentos, energia ou dinheiro.

Operant resources são recursos que agem sobre outros recursos (geralmente operand) para criar valor. Esses são os recursos intangíveis que, ao serem aplicados, geram um impacte significativo. São capacidades, competências, conhecimento, habilidades, ou criatividade que podem transformar operand em valor. 

Quem não desenvolve Sistemas 4 e 5 não densifica, não "incorpora" a intangibilidade associada a uma marca e que resulta naquilo a que chamamos subir na escala de valor.

Agora, mais de 20 anos de pois recordo as palavras do Engº Matsumoto. É preciso ter cuidado com as surpresas que sucedem, num mundo em mudança acelerada, a quem adopta o "present-forward mindset".

Nota: Marca não é necessariamente de produto, pode ser do serviço, ainda que se fabriquem produtos.
 

terça-feira, outubro 15, 2024

Again: O contrário de uma estratégia é outra estratégia.


No FT do passado dia 14 encontrei este artigo "Nike tries to get back in the race as sneaker sales gather pace". 

Outro artigo sobre o dia-a-dia de empresas e negócios onde encontramos lições sobre estratégia na senda do postal "O contrário de uma estratégia é outra estratégia".

O artigo discute algo que há anos e anos é assunto entre os empresários de calçado: a casualização cada vez maior da sociedade tem impulsionado a procura de calçado desportivo. E o que é interessante é que perante esta evolução do contexto a Nike enfrenta uma quebra nas vendas, enquanto outras marcas estão a prosperar.

Retalhistas como a Foot Locker e a Designer Brands estão a oferecer cada vez mais uma selecção mais ampla de calçado desportivo, com marcas como Hoka, New Balance e On a ganharem popularidade. 

A Nike tomou a decisão de focar a sua estratégia no DTC, nas vendas diretas ao consumidor, o que levou a uma menor dependência dos parceiros retalhistas. Agora, está a reconsiderar a decisão. Outras marcas estão a capitalizar a mudança da Nike, oferecendo calçado inovador e uma gama mais ampla de produtos para satisfazer as diversas necessidades dos clientes.

Qual foi a decisão estratégica da Nike?
A Nike tomou a decisão estratégica em 2017 de migrar para um modelo directo ao consumidor (DTC), reduzindo a sua dependência dos retalhistas tradicionais e cortando laços com o que chamou de “retalho medíocre”. Concentrou-se nos canais de vendas online e directas, acreditando que poderia controlar melhor a experiência do cliente e aumentar a rentabilidade. No entanto, após a pandemia, a empresa percebeu que esta abordagem tinha sido exagerada e começou a perder quota de mercado à medida que os hábitos de consumo regressavam às compras físicas no retalho. A Nike está agora a tentar seduzir os seus parceiros de retalho para recuperar o terreno perdido.

Os concorrentes da Nike aproveitaram a sua mudança de estratégia DTC e:
  • Expandiram a sua presença nas lojas de retalho: Marcas como a Hoka, New Balance e On preencheram o espaço de prateleira deixado pela Nike em cadeias como a Foot Locker. Diversificaram as suas ofertas, juntando o desempenho atlético com a moda, atendendo à crescente procura por calçado versátil e elegante.
  • Focaram-se na inovação e na expansão das linhas de produtos. Os concorrentes lançaram calçado que combina a tecnologia de desempenho com a versatilidade estética, atraindo uma gama mais ampla de consumidores que os utilizam para fins diversos. 
Simplificando, podemos dizer que a Nike olhou para o contexto e imaginou algo e optou por uma estratégia, e os seus concorrentes olharam para o mesmo mundo viram algo de diferente, porque o seu contexto interno é diferente, e optaram pela estratégia contrária. Again: O contrário de uma estratégia é outra estratégia.

Escolher uma estratégia é como fazer uma aposta numa corrida de cavalos. Por mais correcta, conceptualmente, que seja uma estratégia é sempre uma aposta, não há garantias de sucesso. Nota: mesmo quando se tem sucesso, é sempre temporário.

A mudança da Nike para o DTC foi inicialmente vista como inovadora, mas tornou-se uma desvantagem quando as preferências dos consumidores voltaram às compras nas lojas físicas. A lição aqui é que as empresas precisam de se manter adaptáveis ​​e receptivas às mudanças no comportamento do consumidor. Os concorrentes da Nike, ao manterem e melhorarem as relações com os retalhistas, conseguiram capitalizar a reduzida presença da Nike no retalho. Talvez isto realce a importância de diversificar os canais de distribuição e de não depender demasiado de um apenas.

Os concorrentes concentraram-se no desenvolvimento de calçado que não fosse apenas tecnologicamente avançado, mas também versátil, permitindo aos consumidores usá-los tanto para fins desportivos como casuais. Isto mostra o valor da inovação dos produtos e do atendimento às crescentes necessidades dos clientes. Embora o DTC possa ser altamente lucrativo, o passo em falso da Nike mostra que equilibrar os canais online e de retalho é essencial para manter uma forte presença no mercado e adaptar-se às mudanças na forma como os consumidores preferem fazer compras.

quinta-feira, outubro 03, 2024

De liana em liana

A vida empresarial é este saltar de liana em liana sem pôr os pés no chão. Quem acredita que a liana actual (estratégia) é eterna ou morre, ou pede um apoio, ou uma protecçãozinha ao papá-estado.

Primeiro algo para contextualizar. Uma citação escrita aqui em 2007:

"What was the best strategy in the end? What Lindgren found was that this is a nonsensical question. In an evolutionary system such as Lindgren’s model, there is no single winner, no optimal, no best strategy. Rather, anyone who is alive at a particular point in time, is in effect a winner, because everyone else is dead. To be alive at all, an agent must have a strategy with something going for it, some way of making a living, defending against competitors, and dealing with the vagaries of its environment.

Likewise, we cannot say any single strategy in the Prisioner’s Dilemma ecology was a winner. Lindgren’s model showed that once in a while, a particular strategy would rise up, dominate the game for a while, have its day in the sun, and then inevitably be brought down by some innovative competitor. Sometimes, several strategies shared the limelight, battling for “market share” control of the game board, and then an outsider would come in and bring them all down. During other periods, two strategies working as a symbiotic pair would rise up together – but then if one got into trouble, both collapsed.

We discovered that there is no one best strategy; rather, the evolutionary process creates an ecosystem of strategies – an ecosystem that changes over time in Schumpeterian gales of creative destruction."

Agora, dois artigos que encontrei na imprensa recentemente.

Primeiro, no último Dinheiro Vivo, o artigo "8beaufort. Hamburg Lonas de velas velhas ganham nova vida em sapatilhas". O que retiro dele?

Clientes-alvo - um nicho de mercado:
  • A 8beaufort. Hamburg actua no nicho do calçado sustentável, com um foco em consumidores conscientes das questões ambientais. A marca diferencia-se ao utilizar velas de barcos recicladas para criar as suas sapatilhas, posicionando-se no segmento premium de calçado ecológico.
Vantagens competitivas:
  • A principal vantagem competitiva é o foco na sustentabilidade, usando velas descartadas e coletes salva-vidas para fabricar produtos únicos, o que ajuda a reduzir o desperdício e a poluição marinha.
  • A fabricação em Portugal reforça o compromisso da marca com a redução da pegada de carbono, já que evita o envio de materiais para a Ásia e cria uma cadeia de produção mais eficiente.
  • O uso de lonas de velas e outros materiais reciclados oferece aos clientes um produto exclusivo, com uma história de impacto ambiental positivo, o que pode atrair consumidores premium dispostos a pagar preços mais altos (159 a 249 euros).
  • A marca procura afirmar-se como uma escolha sofisticada para consumidores que buscam produtos sustentáveis e de alta qualidade.
Riscos:
  • A marca depende da aceitação dos consumidores no mercado de calçado sustentável, que, embora em crescimento, ainda pode ser limitado em comparação com mercados tradicionais de moda.
  • O posicionamento premium pode limitar a base de consumidores, especialmente em tempos de crise económica.
  • A recolha de materiais reciclados, como as velas, pode ser um desafio em termos de consistência no fornecimento. A dificuldade em obter matéria-prima suficiente ou de qualidade pode afectar a produção.
  • O mercado de moda sustentável tem atraído cada vez mais marcas, o que pode aumentar a competitividade e pressionar a 8beaufort.Hamburg a continuar a inovar para se diferenciar.
Acerca dos clientes-alvo recordo o que escrevi relativamente à APICCAPS. Eu aposto nisto:
"O sector do calçado vai encolher, e vai ter de subir ainda mais na escala de valor, ou seja, vai ter de anichar e trabalhar para segmentos de muito maior valor acrescentado, luxo mesmo talvez."

A APICCAPS aposta nisto:

"Para não concorrer pelo preço baixo, as fábricas portuguesas terão de assegurar encomendas de gama alta, moda e luxo, ou gamas específicas como o calçado técnico. Para isso, é fundamental ter capacidade de resposta a grandes encomendas. O que, por sua vez, obriga a repensar a forma como se trabalha." 

Isto faz-me lembrar o Mario Draghi e o seu "Whatever it takes", mas o anónimo da província sou eu. Ninguém quer falar do "encolhimento". 

O outro artigo encontrei no WSJ, "This Garment Maker Is Finding New York Manufacturing Is Back in Style". Pensei nas empresas de vestuário portuguesas que estão a ter um ano negativo a nível de exportações, e nos potenciais concorrentes que estão a conquistar o mercado de proximidade (nearshoring). Claro que quando não se olha para o contexto ... acredita-se que o que nos trouxe até aqui, continuará a levar-nos até ao fim do arco-íris. E não é só quota de mercado, mas também margens e preços.

A Ferrara Manufacturing sediada em New York é uma empresa de vestuário focada numa estratégia de nearshoring e fabricação local, concentrando-se na produção de roupas nos Estados Unidos, tanto para marcas quanto para contratos militares. A empresa busca capitalizar a crescente procura por produtos fabricados localmente, impulsionada por preocupações com cadeias de fornecimento globais, com sustentabilidade e com condições de trabalho.

Nicho de mercado - A empresa actua em dois nichos principais:

  • Produzir peças de luxo, como casacos de caxemira, para consumidores que valorizam a produção local e a qualidade premium.
  • Contratos militares e produtos "made in America": A Ferrara Manufacturing também serve o mercado de produtos militares dos EUA e de exportação para países como Japão e Coreia do Sul, onde há procura por itens únicos e feitos nos Estados Unidos.

Vantagens competitivas:

  • A produção doméstica torna a empresa uma escolha atraente para marcas que buscam diminuir riscos associados a longas cadeias de fornecimento internacionais e a reduzir tempos de entrega.
  • A empresa destaca-se ao oferecer uma cadeia de produção transparente, com benefícios para os trabalhadores, o que vai ao encontro das exigências das marcas que querem mostrar responsabilidade social.
  • Além do mercado interno, a Ferrara Manufacturing possui uma vantagem competitiva ao servir consumidores no exterior, especialmente no Japão e na Coreia do Sul, que valorizam e estão dispostos a pagar por produtos exclusivos feitos nos EUA.
  • O fornecimento para o sector militar oferece estabilidade e um fluxo constante de receita, diferenciando a Ferrara de empresas que dependem exclusivamente do mercado de consumo

Riscos:

  • Fabricar nos EUA tem custos mais altos em comparação com a produção em mercados com mão de obra mais barata. Isso pode impactar a competitividade de preços, especialmente no mercado de consumo em massa.
  • A empresa depende fortemente de dois nichos: produtos premium e contratos militares. Qualquer retracção na procura  por produtos de luxo ou mudanças nos contratos governamentais pode impactar as suas receitas.
  • A procura crescente por transparência e sustentabilidade, embora seja uma vantagem competitiva, também pode pressionar a empresa a manter altos padrões, o que pode aumentar os custos e reduzir a margem de lucro.
  • A produção premium pode ser afectada por flutuações económicas que impactem o poder de compra dos consumidores, tanto nos EUA quanto nos mercados internacionais.
Ontem, na minha leitura matinal de "Unreasonable Hospitality" de Will Guidara fixei esta frase de Jay-Z: 
“I believe you can speak things into existence.”
O futuro é construído sobre oportunidades, não sobre cortes nos custos. Reduzir custos pode comprar algum tempo, mas é a capacidade de identificar e agir sobre novas possibilidades que garante crescimento e sustentabilidade. O mundo empresarial está em constante transformação; o sucesso pertence àqueles que estão atentos ao contexto e preparados para inovar. Ficar preso à estratégia actual é o mesmo que ficar para trás. 

Não percamos as oportunidades que emergem – olhemos para o mercado e para os desafios como portas para o futuro, não como muros ameaçadores.

A frase de Jay-Z é importante porque o futuro não é intrinsicamente bom ou mau, é o que a nossa cabeça faz dele. Se ele mete medo, de certeza que vai ser mau.

sexta-feira, agosto 30, 2024

Um anónimo da província acha estranho

No Jornal de Negócios do passado dia 20 de Agosto li o artigo "Calçado português vai dar "show" na Polónia e faz mira ao Médio Oriente":
"Depois da Hungria e da Coreia do Sul, lança mais uma ofensiva em busca de novas oportunidades de negócio em mercados pouco tradicionais, tendo marcado para outubro um "Portuguese Shoes Showcase" na cidade polaca de Cracóvia. Seguir-se-ão os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita.
...
Para a APICCAPS, a procura de novos mercados é uma prioridade num período conjunturalmente muito complexo, que exige das nossas empresas uma atitude comercial mais agressiva."

De acordo com "O Calçado no Mundo - Panorama Estatístico 2023" o preço médio de um par de sapatos:

  • Exportado por Portugal - 27,99 USD
  • Importado pela Hungria - 11,50 USD
  • Importado pela Coreia do Sul - 15,62 USD
  • Importado pela Polónia - 15,60 USD
  • Importado pelos Emirados Árabes Unidos - 6,91 USD
  • Importado pela Arábia Saudita - 5,04 USD
Vamos ao histórico:
  • Junho de 2024 - Sem palavras ... (comparar os preços de importação acima com o poster do postal)
"Já a Universidade Católica do Porto através do seu Centro de Estudos, no âmbito do Plano Estratégico Cluster do Calçado 2030 alerta que "o esforço de promoção internacional, seja ao nível da indústria, seja ao nível individual, carece de foco geográfico"."

"Para não concorrer pelo preço baixo, as fábricas portuguesas terão de assegurar encomendas de gama alta, moda e luxo, ou gamas específicas como o calçado técnico. Para isso, é fundamental ter capacidade de resposta a grandes encomendas. [Moi ici: Aqui o anónimo ignorante tem uma perspectiva oposta - Mais pequenas, preços muito mais altos, ligação directa aos consumidores.] O que, por sua vez, obriga a repensar a forma como se trabalha.

Luís Onofre, presidente da Apicapps, já o disse, na recente entrevista ao PÚBLICO: muita gente vai ter de se mentalizar de que é preciso fazer menos coisas, mas melhores. O que se pode traduzir em menos segmento médio em que o preço baixo é o factor crítico, e apostar em fazer mais para os segmentos mais exigentes."

Um anónimo da província acha estranho. 

sexta-feira, agosto 09, 2024

Se for verdade ...

No DN do passado dia 7 de Agosto li "Consumo de calçado cresceu 9,5% em Portugal à boleia das compras dos turistas" de onde sublinho:

"A atestar a maior atenção dos fabricantes portugueses pelo mercado nacional está o facto de a orientação exportadora da indústria portuguesa ter sido, em 2023, de 81,9%, face aos 89,1% de 2022."

Aindo segundo o artigo:

"Os dados são do World Footwear 2024, o anuário estatístico que a APICCAPS publicou pelo 14.° ano consecutivo. "É um facto que hoje há cada vez mais consumidores portugueses a procurarem calçado nacional e Portugal é já um mercado relevante na estratégia de muitas das nossas empresas. Por outro lado, essas são compras feitas por portugueses, mas também pelos muitos turistas que visitam o país", diz o porta-voz da associação." 

O que escrevo aqui no blogue há vários anos? Basta recordar o comentário que fiz acerca de uma opinião do Bicicletas: 

"O nível de vida em Portugal não é alto. Por isso, os portugueses optam por comprar bens transaccionáveis baratos. Esses bens entram em Portugal, importados da Ásia a preços muito baixos, e levam a melhor sobre o "Made in Portugal". Por exemplo, Portugal exporta sapatos caros e importa sapatos asiáticos para consumo interno. Portugal exporta mobiliário caro e importa mobiliário asiático para consumo interno."

Recordo o que escrevi acerca das conservas e do custo de oportunidade: Como se pode ser tão burro e cometer sempre os mesmos erros???

"Os portugueses importam produtos baratos e exportam os produtos mais caros. Olhando para os dados de 2016, o kg de conserva importada era cerca de 73% do kg de conserva exportada."

Se for verdade que os fabricantes portugueses estão a dar mais atenção ao mercado nacional, então estarão a dar menos atenção ao mercado de exportação, então estarão a enterrar-se com um mercado que não pode suportar melhores margens, que leva a produtividades mais baixas numa altura em que os custos sobem acma da taxa de inflação.

Por favor, assumam os problemas de frente, não os escondam, não os embelezem.

domingo, agosto 04, 2024

Thou shall aim high!

"In 2023, Portugal (down by 3.6% to 81 million pairs) once again performed better than Italy (down by 8.6% to 148 million pairs). In fact, over the last decade, Italian production fell by 26.7% (from 202 million pairs produced in 2013 to 148 last year), while Portuguese production increased by 8% (from 75 million pairs in 2013 to 81 in 2023)."

Terá sido mesmo melhor? Como evoluiu o preço médio de um par? Como evoluiu a margem por par?

Quando o futuro passa por encolher o sector como interpretar os números?

E estamos a falar de calçado ou de calçado de couro? Os números da APICCAPS de 2022 são tão diferentes!!!

  • Em 2022, Itália 216 milhões de pares exportados com um preço médio de 61,54 USD
  • Em 2022, Portugal 75 milhões de pares exportados com um preço médio de 27,99 USD

Os números da APICCAPS de 2019:

  • Em 2019, Itália 201 milhões de pares exportados com um preço médio de 57,11 USD
  • Em 2019, Portugal 76 milhões de pares exportados com um preço médio de 26,26 USD

Estes dados demonstram que, embora Portugal tenha aumentado a produção e exportação em termos de volume, o valor médio por par ainda está muito abaixo do italiano, reflectindo diferentes segmentos de mercado e posicionamento.

Portanto, é crucial analisar os números com cuidado. Não adianta ir de vitória em vitória até à derrota final. É necessário fazer a revolução que criará o futuro do sector do calçado em Portugal. Vai ser doloroso? Vai! Mas sem a revolução resta o definhamento.


Texto inicial retirado de um e-mail recebido há dias, "Global footwear production drops by 6%"

terça-feira, julho 02, 2024

Afinal não era exagero.

Lembro-me de descer a A4 enquanto lia "How the Rise of Chinese Textile Manufacturing in Italy Fuelled the Far Right" que comentei em dois postais. Na altura fiquei surpreendido com o que era relatado, fábricas clandestinas repletas de operários chineses em Itália a seguir práticas chinesas.

Entretanto, ontem fiquei siderado com um artigo no FT, "Milan probes into Dior suppliers' illegal labour unsettle luxury sector". Não estamos a falar de fábricas clandestinas a produzir para marcas mixirucas, estamos a falar da Dior...

"The Dior leather bag supplier Milan investigators long had their eyes on was located close to the Via del Lavoro in the suburban city of Opera - or labour street. But behind its doors they uncovered employment practices of another age.

They found evidence of illegally hired workers, forced to sleep inside the factory and work long hours, including nights and holidays, in an unsafe environment, according to a statement from the Milan prosecutor's office.

...

The development has shone a light on practices in the supply chains of the luxury sector, an area hitherto regarded as problematic more for fast fashion than producers of expensive goods.

The Milan prosecutor's action against the supplier follows two other similar actions against upmarket accessories maker Alviero Martini and a Giorgio Armani subsidiary earlier this year. Such examples could be the tip of the iceberg for the luxury fashion industry, investigation insiders warn."

Mais informação aqui.

Confesso que há anos alguém no sector do calçado contou-me umas estórias sobre isto em Itália e pensei que era exagero. Parece que não.




quarta-feira, junho 19, 2024

Mais pequenas, preços muito mais altos, ligação directa aos consumidores.

Na passada segunda-feira em "Estranhos tempos estes..." terminei o postal com:
"A produtividade média europeia não se consegue atingir com empresas bem geridas no sector dos têxteis e do calçado. Basta fazer as contas."

Nesse mesmo dia ao fim da tarde li "This Textile Company Wants You to Feel at Home" no NYT do Domingo anterior:

"Some families take their textiles very seriously.

On a recent morning, Fabian Berglund, one of the co-founders of the Swedish rug and textile company Nordic Knots, carefully arranged a rack of miniature rugs so that each was angled at a perfect 45-degree angle.

...

What is it about this relatively small rug company (Nordic Knots employs about 40 pcople) that has made it so beloved among a certain taste-making set?

...

Of course, the price point for Nordic Knots - rugs in their Grand collection, for example, range frum $495 to $3,195 - is much higher than IKEA's. But the brand was born out of the couple's own frustrations in trying to find floor coverings that were of a certain quality but not outrageously expensive. When they started the company in 2016, the market offered only very cheap or very high-end options.

...

The United States is their largest market, even though they are based in Stockholm."

Uma empresa sueca de tapetes?! Como paga salários suecos? Primeiro, uma ressalva: não sabemos onde é que os tapetes são fabricados.

Uma empresa sueca de tapetes tem de vender os seus tapetes numa gama alta de preços. Para tapetes à volta dos 200 x 300 cm:

  • Preços IKEA 99€ a 120€
  • Preços Nordic Knot 1495€ 
Empresa sueca baseada em Estcolmo. Contudo, a Suécia apesar de mais rica tem menos habitantes que Portugal. Como suportar uma empresa de tapetes num país com um elevado nível de vida? Preços elevados e ir á procura de mercados interessados no produto, aquilo a que chamei aqui a lição alemão: O fim da barreira geográfica.

Qual a lição para as empresas de calçado e têxtil com futuro?

Mais pequenas, preços muito mais altos, ligação directa aos consumidores. Recordar Preços e golos (parte II).

sexta-feira, junho 07, 2024

Preços e golos (parte II)

"O agravamento dos custos de produção associado à "dificuldade de aumento" do preço médio de venda "põem em causa a sustentabilidade financeira" do setor do calçado, diz a Ernest & Young"
Esta é a lógica por trás dos "Flying Geese", por mais produtiva que seja uma empresa ou um sector, os seus resultados vão sempre ser limitados pelo preço de venda. 

Numa economia que vai de vento em popa o agravamento dos custos de produção (da frase lá de cima) resulta do aumento dos salários e da incapacidade de competir com outros sectores de actividade com margens mais altas, mais produtivos. Daí a tal evolução:
"O Japão deixou de produzir vestuário porque as empresas produtoras de vestuário deixaram de poder gerar rendimento suficiente que pagasse salários competitivos aos seus trabalhares. Por isso, esses trabalhadores migraram, primeiro para a metalomecânica, depois para a electrónica e assim sucessivamente."
Uma linha de pensamento é associar a dificuldade em seguir esta evolução por causa dos apoios comunitários. Apoios que dão soro a empresas que o mercado não está mais disposto a suportar

Numa economia que vai mal o agravamento dos custos de produção resulta da incapacidade de gerar meios para pagar matérias-primas cada vez mais caras.

Numa economia socialista focada na distribuição o agravamento dos custos de produção resulta da incapacidade de gerar meios para pagar matérias-primas cada vez mais caras e salários que crescem mais do que a produtividade.
"A questão é que o aumento do custo da mão-de-obra "foi superior ao crescimento da produtividade e do preço médio de exportação, criando pressão sobre as margens e ameaçando a sustentabilidade financeira do setor", frisa a consultora. O preço médio, como referido, cresceu 18,9%, o salário mínimo nacional subiu 57% no mesmo período. O setor está, por isso, numa fase de redefinição estratégica."
Estamos no "muddling through" da FASE IV também conhecido aqui por "fuçar":
Este formato de curva não é original.

Na parte I terminei o postal escrevendo:
"para reduzir os custos de produção, ... sugere às empresas ganhar escala com a integração de vários players"


"'os produtores portugueses com mentalidade e know-how conseguirão entrar no mercado de luxo, oferecendo preços mais competitivos" do que o maior concorrente."
Ao ler isto fico convencido que deve ter havido algum erro de tradução dos jornalistas. 

Pergunto-me: Qual a experiência da EY com o sector do calçado?

O DN responde em "Para crescer, consultora sugere à indústria do calçado subcontratar lá fora e apostar no luxo":
"Encomendado pela associação dos industriais desta fileira (APICCAPS) à consultora internacional, que trabalha regularmente com os principais grupos económicos do setor como a Kering ou a LVMH, o estudo considera que Portugal é uma forte alternativa a Itália, que é líder mundial incontestável no calçado de luxo, apesar de representar apenas 1% do mercado global."
Recordar "Não é impunemente", aquilo que se aprende a trabalhar "regularmente com os principais grupos económicos do setor" muito provavelmente não funciona num universo de PMEs que terão primeiro de trabalhar o private label do luxo. E claro, eu só sou um anónimo engenheiro de província, um Zé-Ninguém, porque na minha mente ao contrário de:
"Do lado da diminuição dos custos de produção, a consultora recomenda o aumento de escala, com a integração de vários players, o aumento da produtividade e a otimização do custo da mão-de-obra, subcontratando fora. [Moi ici: Será que a APICCAPS ainda está de olho no Bielorússia?] Além disso, é preciso diminuir os custos das matérias-primas, através da inovação do produto."

Penso:

  • se o negócio é luxo a prioridade não pode ser o custo;
  • se o negócio é luxo vejo mais futuro em pequenas unidades, quase artesanais, como em:
"Wittmer makes about four pairs of shoes per month at her three-person workshop, called Saskia, starting at about 3,000 euros ($3,540) per pair, including 500 euros for the last, which always stays at the cobbler." 

  • a empresa média italiana é mais pequena que a empresa média portuguesa.
Continuo a sentir que algo não bate certo.

O que será mais fácil, conquistar clientes do segmento luxo entre marcas estabelecidas ou entre marcas que estão a começar? E quanto maior uma empresa mais as marcas que estão a começar são uma nuisance.

quinta-feira, junho 06, 2024

Preços e golos (parte I)

Ontem li "Luxo "desaperta" calçado português, esmagado entre custos de produção e preços na exportação" de onde sublinho:

"Na última década, em que o custo da mão-de-obra cresceu acima da produtividade e do preço médio de exportação do calçado nacional, triplicou para 38,9 euros a diferença de valor face ao maior concorrente neste segmento do luxo: subiu 88% em Itália (para 66,6 euros) e apenas 19% em Portugal (para 27,7 euros)."

Já em 2013 o mote era "Calçado português quer morder preço italiano" (Recordar "Os lisboetas descobriram a indústria de calçado".

No artigo inicialmente referido, no ECO, encontro este gráfico:


E interrogo-me: Quanto desta evolução é explicada pelo aumento de preços e quanto é explicado pela alteração do perfil da produção? Em 2013 o couro representava cerca de 60% da produção de calçado, em Itália e julgo que cerca de 80% em Portugal. Em 2023 os números terão andado nos 45% e 69,5%. Ou seja, a diferença entre o preço do calçado de couro italiano e português é ainda maior do que parece. Recordo de 2013:

O artigo do ECO tem mais que se lhe diga. Amanhã escrevo sobre: 

  • "para reduzir os custos de produção, ... sugere às empresas ganhar escala com a integração de vários players"
  • "“os produtores portugueses com mentalidade e know-how conseguirão entrar no mercado de luxo, oferecendo preços mais competitivos” do que o maior concorrente."
Entretanto, considerar estes números:
  • Cerca de 4000 empresas italianas produzem anualmente 162 milhões de pares de sapatos
  • Cerca de 1300 empresas portugesas produzem anualmente 84 milhões de pares de sapatos
Acham mesmo que subir na escala de valor passa por empresas maiores? 
  • Cerca de 4000 empresas italianas empregam cerca de 70 mil trabalhadores.
  • Cerca de 1300 empresas portugesas empregam cerca de 30 mil trabalhadores.
Acham mesmo que subir na escala de valor passa por empresas maiores? 

domingo, junho 02, 2024

Sem palavras ...

Lê-se:

"Calçado ensaia nova estratégia para chegar a novos mercados

A indústria portuguesa de calçado vai refinar a estratégia para conquistar novos mercados. As conclusões de dois estudos serão apresentados já a 5 de junho, no Museu Soares dos Reis, no Porto.

A começar, a EY Parthenon sugere, no estudo de mercado "Setor de Calçado de Luxo" que redução de custos ou evoluir para novos segmentos de mercado são duas vias possíveis para que Portugal se possa posicionar como um player relevante no setor de calçado de luxo. Já a Universidade Católica do Porto através do seu Centro de Estudos, no âmbito do Plano Estratégico Cluster do Calçado 2030 alerta que "o esforço de promoção internacional, seja ao nível da indústria, seja ao nível individual, carece de foco geográfico"."

Depois de tantos anos a martelar outras teclas que não essa fica-se sem palavras ... 

O evento é anunciado assim:


Espero que entretanto a APICCAPS tenha tido a tal conversa franca com os seus associados.

Às vezes é preciso despedir trabalhadores para criar uma oportunidade de salvação para uma empresa. Duro, difícil, mas é importante que se seja frontal e o mais transparente possível.

Nos últimos dois anos tenho escrito aqui várias vezes em torno de "o sector do calçado vai encolher", menos empresas, empresas mais pequenas. Ou seja, às vezes é preciso "despedir" associados para criar uma oportunidade de salvação para um sector. Será bom que seja feito frontalmente porque também é feito com o dinheiro desses associados.



terça-feira, abril 23, 2024

Um balanço

Mão amiga fez-me chegar uma entrevista a Fortunato Federico, "Presidente do Grupo Kyaia", publicada no semanário Nascer do Sol no passado dia 19 de Abril.

Algumas notas. Primeiro o lado positivo:

"Não precisávamos de produzir mais. Nós precisávamos de produzir com valor acrescentado. Não é produtividade, mas valorização do produto. Fala-se muito em produtividade, é um termo dos economistas, [Moi ici: Eu aqui no blogue culpo os engenheiros] mas cheira a escravatura.[Moi ici: O problema é confundir competitividade com produtividade]

Não é produzir, é valorizar.

Valorizar é com pensamento, com lentidão, com menos consumo.

Fazer um sapato à mão é muito mais bonito e muito mais prático para a formação humana do que fazê-lo à máquina.[Moi ici: Ao longo dos anos quanto do investimento foi no sentido das máquinas para apoiar a produtividade física?]"

Depois o óbvio:

"FF - Há quatro anos, montámos o meu sonho para a indústria: uma pequena Amazon. Portugal faz 80-90 milhões e eu pensei em vender pela minha plataforma digital, que era a Overcube. A minha ideia era ter uma pequena Amazon que escoasse a nossa produção e escoaria também partes das marcas portuguesas que iam para o mercado internacional.

Se nós vendêssemos 10% dos sapatos que exportavamos, era um negocio da China, um bom negócio. Mas também não funcionou, devido, primeiro, à mão-de-obra caríssima; segundo, uma mobilidade terrível. Era uma movimentação que não permitia estabilidade nenhuma.

A Overcube tinha lá 30 engenheiros a trabalhar, hoje tem 3 ou 4."[Moi ici: Recuo a 2018 e ao que escrevi em Como se compete num mundo de Amazons e Zalandos et al? Querer um negócio da China e sem mão-de-obra de qualidade ... come on]

Depois o lado humano, perder um filho deve ser, é um choque brutal.

sexta-feira, abril 19, 2024

segunda-feira, abril 15, 2024

Hype versus orgânico

 Primeiro, li "'You can't cheat the fundamentals': Why Prime has been reduced to the bargain bin", por causa de um tweet de Rory Sunderland.

O pico inicial de vendas, impulsionado pelo hype e pela novidade, muitas vezes não é sustentável. À medida que a novidade passa, o mesmo acontece com o interesse do consumidor se o produto não estabelecer uma posição sólida no mercado ou não atender às necessidades contínuas do consumidor. Ao contrário das marcas que crescem gradualmente e investem no estabelecimento de mercado a longo prazo, as marcas impulsionadas pelo hype podem não investir na infraestrutura e no marketing necessários para sustentar o crescimento inicial. Marcas estabelecidas como a Red Bull demonstraram que uma estratégia de expansão de mercado gradual e controlada pode levar ao sucesso sustentado.

O declínio da Prime no seu segundo ano ilustra que, apesar de um início forte, os princípios fundamentais do marketing - como disponibilidade, aposta contínua de marca, preços correctos e propostas de produtos fortes - são essenciais para o sucesso a longo prazo. Os produtos que aumentam rapidamente em popularidade devido a tendências ou promoção de influenciadores também podem cair rapidamente. Cautela com os modismos.

Depois, li "Calçado: Portugal garante à Veja sucesso no 'slow fashion'" e encontrei uma estratégia oposta à da Prime:

"Em 2005, é lançada a marca, com uma "produção pequena, sem investidores e sem publicidade", uma estratégia que se mantém até hoje, apostada em crescer sempre "de forma sustentável, passo a passo, a partir do passa a palavra, sem pressas". E sem pressas, passaram quase 20 anos, período em que vendeu já mais de 12 milhões de pares de sapatilhas,

...

E como se ganha uma dimensão destas sem publicidade, sem stocks e sem investidores? "Com determinação, com tempo e encontrando parceiros bons. Não temos fornecedores, temos parceiros. E vivemos do passa a palavra. Vivemos num tempo em que todos estão sempre com muita pressa e a publicidade existe para quem quer crescer depressa. Nós não temos essa pressa. Produzimos pouco e crescemos passo a passo, de forma saudável. Acabou o modelo que quer? Daqui por seis meses há mais. E, por isso mesmo, não queremos investidores, este é o nosso projeto de vida, queremos ser livres", sublinha o empresário."

domingo, abril 14, 2024

e sinto que algo não bate certo (parte II)

Esta semana no meio de uma corrida ao final da tarde apalpei as mangas da sweatshirt e sorri. É uma velha sweatshirt com mais de trinta anos. a dobra nas mangas está corroída pelo uso, as costuras em vários locais estão coçadas até mais não, e há muito que deram de si. Estão como aquelas peças da Patagonia que alguns proprietários exibem com justificado orgulho. A minha sweatshirt não é luxuosa, comprei-a num catálogo da La Redoute quando me mudei para Estarreja em 1993. A minha sweatshirt tornou-se luxuosa para mim depois de tantos e tantos quilometros juntos. 

Quantas sweatshirts eu deveria ter comprado ao longo destes trinta anos se me comportasse como um consumidor normal?  Quantos postos de trabalho não se criaram por minha causa?

Acabei de relacionar sustentabilidade, temperança no consumo e uma noção subjectiva de luxo.

Agora quero recordar a minha visão cínica sobre o oxímoro de usar na mesma frase sustentabilidade e fast-fashion: Are you prepared to walk the talk? (parte II).

Agora vamos recordar um postal recente sobre outro oxímoro, luxo e quantidade (luxo e grande escala): e sinto que algo não bate certo.

Na semana passada encontrei este artigo, em inglês (Inglês? Estranho!), "Luxury is the counterpoint to a throwaway economy":

"Shoes, especially women's shoes, have always been an object of desire and a symbol of feminine power, but they have never had the status that they have today. In a more casual world, the trend is to wear and "abuse" sneakers, which have been elevated to cult status, but at the other end of the spectrum, it's also about buying exceptional shoes based on purely emotional attributes. Functionality and comfort are left at the door! And this is where we position the shoe as a luxury item, as we define it by its intangible characteristics of beauty, differentiation, and status. There are many footwear luxury brands, especially in the women's universe, that have been established in the market over the last 20 years, giving the footwear sector a status and a place of its own, separate from fashion and leather goods. 

...

For me, true luxury is knowing that an extraordinary object or experience has been created with me in mind and for me. [Moi ici: Luxo em grande escala? Come on!] In such an anonymous and artificially personalised world, I value real human relationships.

Yes, luxury has a personal meaning and therefore a wide range of meanings. Luxury is ultimately something we lack; it can be recognition and social status, or simply the need for a cool glass of water or to appreciate something beautiful. There is no room for judgment in this area, nor there are any right or wrong answers.

However, I aim to understand luxury from an economic perspective and to add these psychological and sociological levels to determine business and communication strategies. I am also interested in understanding luxury in a more concrete sense, in terms of its impact on society and culture. In this sense, luxury has a more precise understanding.

Can luxury and sustainability go hand in hand?

Of course! They have to be! Let's not forget that the economic model of luxury is precisely the one that encourages the careful protection of timeless products that can be used, repaired and inherited. [Moi ici: Isto não encaixa com "grande escala"] A luxury that respects the craftsmanship, preserves the material and immaterial heritage, and that today plays an important role in cultural patronage. A luxury that also follows a business model and a long-term vision that necessarily requires a more sustainable economic and financial model. Luxury is the counterpoint to a throwaway economy."

Se lerem este artigo na íntegra, a seguir voltem a ler e sinto que algo não bate certo e reflictam... qual o sentido da "grande escala"? Quem querem enganar? Picking winners?

Agoram pensem nas implicações para uma indústria que procura servir o mercado do luxo? Faço aqui um parêntesis para recordar uma empresa que no seu hall de entrada tinha um recorte de jornal afixado na parede. Um recorte que classificava os produtos da empresa como os "Ferrari da indústria". Um dos sócios da empresa uma vez disse-me que não gostava desse título. Perguntava-me:

- Quantos Ferrari se vendem por ano?

Quais as implicações para uma indústria que procura servir o mercado do luxo, em vez de continuar no ritmo do fast-fasion?

A transição de uma indústria do fast fashion para o mercado de luxo pode trazer implicações significativas, tanto positivas quanto desafiadoras. 

Implicações Positivas:

- Margem de Lucro Superiores: Produtos de luxo geralmente tem margens de lucro mais altas devido ao seu valor percebido e à qualidade superior.

- Sustentabilidade: Produtos de luxo tendem a enfatizar a durabilidade e o uso de materiais de alta qualidade, o que pode ser mais sustentável a longo prazo em comparação com o fast fashion, que frequentemente resulta em desperdício e práticas não sustentáveis.

Desafios e Implicações Negativas:

- Custos Iniciais Elevados: A transição para o mercado de luxo pode requerer investimentos significativos em materiais de melhor qualidade, tecnologia de produção avançada e marketing para reposicionar a marca do fabricante.

- Mudança na Cadeia de Fornecimento: Pode ser necessário reavaliar e potencialmente alterar fornecedores para garantir a obtenção de materiais que atendam aos padrões de qualidade do luxo.

- Volume de Vendas Reduzido: Ao contrário do fast fashion, que visa volume e rotatividade rápida, o mercado de luxo foca em exclusividade e vendas menos frequentes de produtos de maior valor.

- Redução do número de empresas fabricantes e com menos trabalhadores.

E mais uma vez recomendo a leitura de e sinto que algo não bate certo

terça-feira, abril 02, 2024

Turbulência e variedade.

Há cerca de um mês no postal Canário na mina escrevia sobre a Ecco'Let estar a anunciar despedimentos. Agora, a notícia de que a Birkenstock vai criar 600 empregos em Arouca.

Parece-me adequado para ilustrar a turbulência em qualquer sector económico. Por trás das médias esconde-se a heterogeneidade dos clientes, dos fabricantes e dos comercializadores. O que pode justificar esta decisão por parte da Birkenstock?

Pelo que pesquisei as vendas directas a clientes, ou seja, fazendo o bypass às lojas multimarca, cresceram de 30% em 2020 para 38% em 2022. O e-commerce agora representa 89% das receitas DTC da Birkenstock, com a empresa a expandir os seus próprios sites de e-commerce para mais de 30 países. A Birkenstock também tem aberto mais lojas próprias, com cerca de 45 localizações até junho de 2023, incluindo em grandes mercados como Nova York, Los Angeles, Tóquio e Londres. A empresa enfatiza que o canal DTC é o preferido, pois oferece maior rentabilidade e melhor acesso a dados de clientes.

Tornar a cadeia de fornecimento mais curta favorece a flexibilidade, a variedade e a rapidez de resposta.

Já quanto à Ecco'Let... será que tem por trás uma descida do calçado de couro?

quinta-feira, março 21, 2024

Por que é que continuamos tão dependentes de fundos europeus?

Este é mais um postal que me faz perder clientes, porque distingo o Carlos consultor do Carlos cidadão.

Ontem no seu programa matinal, "A Cor do Dinheiro", Camilo Lourenço disse que o sector têxtil é um sector de excelência. 


Sabem o que visualizei? 

Isto:
Poucos minutos depois, na rádio Observador, no programa "E o vencedor é...", ao minuto 08:07, José Manuel Fernandes disse:
"Por que é que continuamos tão dependentes de fundos europeus?
Neste caso, pelo que estamos a perceber, toda uma operação [Moi ici: Promoção internacional das empresas] que devia ser suportada por uma indústria, a indústria têxtil e de lanifícios do Norte, toda essa operação era paga em 50%, talvez mais, por fundos europeus."
Confesso que já pensei nisto várias vezes. Dão-se apoios para as empresas participarem em feiras, as organizações empresariais do sector informam-nos que essas feiras foram um sucesso, mas as empresas raramente se tornam independentes e continuam a precisar de doses futuras de apoios.

Porquê?

Por causa da figura acima? 



É-se competitivo sem se ser produtivo? Assim, ganham-se encomendas, mas não se acumula capital... o bom velho Schumpeter. Pagam-se os custos do passado, mas não se pagam os custos do futuro, a tal espécie de esquema Ponzi.

Outro exemplo sobre o qual já escrevi é o do tomate: uma produção tão competitiva, tão competitiva, tão competitiva, que sem apoios de fundos europeus, se afundará.

Remato esta reflexão com um postal que costumo citar aqui: