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quinta-feira, outubro 17, 2024

Perceber a necessidade de sair do carreiro



O cabeçalho deste blogue apresenta a figura de David porque ela simboliza a essência da estratégia. A estratégia trata de fazer escolhas – de optar por algumas coisas e rejeitar outras – mas também envolve astúcia: é sobre encontrar ou criar uma oportunidade entre desafios aparentemente intransponíveis, como entre Caríbdis e Cila. É descobrir uma alternativa que ainda ninguém vislumbrou, uma rota fora do "mainstream".

Quando uso a figura de David em contraste com Golias, não é para sugerir que a estratégia nos negócios seja sobre combater os outros, mas sim sobre conquistar os clientes através da sedução. Roger Martin resume bem: "Strategy is about making an integrated set of choices that compels desired customer action." O que buscamos é que as nossas acções levem os clientes a reagir de forma desejada, reconhecendo que eles são livres e farão escolhas baseadas no que consideram melhor para si.

Isso exige ver os clientes não como uma massa uniforme, um substantivo comum, mas como indivíduos com necessidades e desejos distintos. Como Seth Godin metaforicamente descreve, quem trata os clientes como commodities age como se fossem apenas plancton para uma baleia. A realidade é muito mais rica do que a troca ricardiana de vinho por têxteis.

Assim, quando de um lado temos produtos comoditizados e concorrência por preços baixos, o “David” deve procurar perceber se "When something is commoditized, an adjacent market becomes valuable." Precisa também de estar atento aos avisos: "Doing things like your bigger competitors is how to get killed in the wars out there" e "Customers will try 'low-cost providers,' because the majors have not given them any clear reason not to."

Um "David" precisa de enxergar o mercado de forma diferente, focar-se numa parcela mais pequena, mais apaixonada, mais exigente e atenta – num segmento que procura uma "boa história". Será que vai funcionar? Nunca podemos saber de antemão: "the world is an uncertain place no matter how many Greek letter equations you affix to a problem." O nicho pode ser demasiado pequeno ou já pode haver quem o sirva melhor.

Escrevo isto inspirado por mais um artigo de jornal e pela coluna de citações ali no lado direito do blogue.

No FT do passado dia 15 de Outubro encontrei "Olive oil heartlands battle over the industry's future".

O artigo discute a evolução da paisagem na produção de azeite em Espanha, particularmente o contraste entre os pequenos agricultores tradicionais e as mega-explorações superintensivas e de alta tecnologia. Os agricultores tradicionais em regiões como a Andaluzia enfrentam desafios devido às alterações climáticas, nomeadamente secas, que resultaram em menores colheitas. Entretanto, as explorações superintensivas, que utilizam irrigação e colheita mecanizada, estão a crescer e a obter maior produtividade e lucros. Estas mega-explorações estão a expandir-se por Espanha e além (recordo este postal), impulsionadas pelo interesse de investidores e pelo aumento dos preços do azeite. Os agricultores tradicionais argumentam que, embora as superexplorações produzam mais, a qualidade do azeite é inferior. Eles enfatizam o sabor superior e os benefícios para a saúde do azeite produzido sob condições de stress, que gera níveis mais elevados de polifenóis. Apesar dos custos mais elevados e da dependência dos subsídios da UE, os pequenos agricultores esperam diferenciar o seu produto através da qualidade e da sustentabilidade ambiental.


As explorações tradicionais focam-se na produção de azeite de alta qualidade, geralmente rico em polifenóis, que conferem ao azeite o seu amargor característico e benefícios para a saúde. Utilizam métodos de colheita manuais e laboriosos, como varas vibratórias, devido ao terreno inclinado que dificulta a mecanização. Estas explorações dependem fortemente de condições meteorológicas favoráveis, tornando-as vulneráveis às alterações climáticas, especialmente à seca. Como resultado, têm custos de produção mais elevados e rendimentos mais baixos em comparação com as explorações superintensivas.

As explorações superintensivas focam-se na quantidade e eficiência, utilizando plantações densas (800 a 2.000 árvores por hectare) e colheitas mecanizadas, o que resulta em rendimentos muito mais elevados e custos mais baixos. Localizadas em terrenos planos próximos de fontes de água, estas explorações beneficiam da irrigação e do uso de grandes máquinas para colheitas mais rápidas, reduzindo os custos laborais. No entanto, a elevada produção e rapidez podem resultar em azeite de qualidade inferior, com menos polifenóis, o que pode não corresponder aos padrões esperados nos países mediterrâneos, mas atrai mercados novos como os EUA. Estas mega-explorações conseguem adaptar-se rapidamente às exigências do mercado, aproveitando os avanços tecnológicos e o investimento de capital.

Como é que as explorações tradicionais podem ter uma hipótese de sucesso? Uma hipótese, atenção, não uma garantia. Os produtores de azeite tradicionais podem competir através da diferenciação, em vez de se focarem na quantidade. E como podem construir essa diferenciação?

Qualidade e benefícios para a saúde: Os produtores tradicionais podem destacar a qualidade superior do seu azeite, com especial enfoque no elevado teor de polifenóis, que lhe confere um sabor único e comprovados benefícios para a saúde (propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes). Ao comunicar estes atributos a consumidores conscientes da saúde, especialmente em mercados premium, é possível justificar um preço mais elevado.

Indicações geográficas e narrativa: Muitos destes produtores pertencem a regiões com denominações de origem, como Poniente de Granada. Ao realçar o património cultural, os métodos tradicionais e a ligação aos ecossistemas locais, podem atrair consumidores que valorizam autenticidade e produtos artesanais.

Sustentabilidade e foco ambiental: A olivicultura tradicional tem frequentemente um menor impacte ambiental, particularmente no que toca ao uso de água. Ao comercializarem os seus azeites como ecológicos, destacando a mínima dependência de irrigação e o contributo para a preservação das comunidades rurais e da biodiversidade, os produtores podem captar a atenção de consumidores ambientalmente conscientes.

Foco em mercados de nicho: Em vez de competirem com azeites produzidos em massa, os produtores tradicionais devem apontar para mercados de nicho de alta gama, onde se privilegia a qualidade, o artesanato e a sustentabilidade, especialmente em países com uma crescente valorização por produtos gourmet.

Aproveitamento dos subsídios da UE: Os pequenos agricultores podem continuar a beneficiar dos subsídios agrícolas da UE, que ajudam a mitigar os custos mais elevados de produção, posicionando-se ao mesmo tempo como a escolha premium e ética, num mercado cada vez mais competitivo em termos de preços.

Interessante ... acabo de escrever isto e na minha mente apareceu logo o texto de Seth Godin sobre os chocolates baratos e os outros, e faço a ligação para o que and a reler sobre Stafford Beer e a importância de um sistema viável ter um nível 4 e um nível 5 e não agir como uma galinha sem cabeça, ou um gato sem cérebro, mas para isso é preciso perceber a necessidade de sair do carreiro e pensar diferente. 

BTW, mentalmente volto tantas vezes à estória deste suíço ... já passaram quinze anos.

terça-feira, maio 21, 2024

Subsídio para um ministro (parte II)

Parte I.

Primeiro, "Governo quer aumentar produção nacional de azeite".

Aqui no blogue sou criticado porque as pessoas não distinguem o Carlos-consultor do Carlos-cidadão. O Carlos-consultor tem uma missão com o seu trabalho, o Carlos-cidadão tem expectativas e desejos para a sua comunidade.

E o ministro da agricultura?

"Entre os anos 2000 e 2023 a produção de azeite mais do que quintuplicou em Portugal. As exportações aumentaram mais de 12 vezes e foi ultrapassada a fasquia dos mil milhões de euros em 2023. Mas, segundo o ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, "um dos objetivos [deste Governo] é aumentar a produção e diversificar os mercados, que ficam muito dependentes de Espanha e do Brasil"
O ministro esteve ontem em Valpaços, na Feira Nacional de Olivicultura e no Congresso Nacional do Azeite, organizados pelo Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo e pela autarquia local, e defendeu que o apoio "deverá ser maior" em sítios onde a produção é menor."

Posso pensar no ministro da agricultura que trabalha para os consumidores e posso trabalhar no ministro da agricultura que trabalha para os agricultores. Será que uns e outros têm interesses totalmente convergentes?

E quando digo que o ministro da agricultura trabalha para os agricultores não estarei a ser simplista? Que agricultores? Os que espalham bosta? Ou os gafanhotos prontos a voar para outras paragens quando for preciso?

O cultivo da oliveira existe há milhares de anos na Ibéria e agora vem o ministro e diz:
"Claro que "há desafios que é necessário vencer" como as "alterações climáticas e a seca". Dai que no programa do Governo conste um "plano de armazenamento e abastecimento eficiente da água""

Isto é tão absurdo... como se a oliveira fosse uma árvore dos celtas do norte da Europa. 

Será que o ministro estava a falar para os "so-called agricultores" da produção intensiva? Onde anda a agricultura de joalharia de Jaime e de Cristas?

Os colectores de impostos nos principados alemães, aprendi com Reinert, perceberam que as cidades geravam mais impostos que as zonas rurais... aprenderam na prática aquilo a que hoje se chama a lei dos rendimentos decrescentes. Num processo produtivo, à medida que se aumenta a quantidade de um factor de produção enquanto os outros factores são mantidos constantes, haverá um ponto a partir do qual os aumentos adicionais desse factor resultarão em incrementos progressivamente menores na produção total.

Será que o Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo e a autarquia de Valpaços têm como missão promover a produção intensiva de azeite? 

Há dias, no meu último almoço com o parceiro das conversas oxigenadoras, ele pegou em algo que eu disse e disparou:
- Crescer um negócio é bom?

Eu, dei resposta de consultor:

Um ministro da agricultura ao visitar uma Feira Nacional de Olivicultura e um Congresso Nacional do Azeite poderia trabalhar a mente dos agentes do sector para subirem na escala de valor, a via sustentável. Poderia dizer que os agricultores têm de deixar de vender azeite, uma commodity, e começar a vender azeite com uma marca, uma tradição, um local... sim joalharia.

Já agora, reparem nisto "Apesar do aumento vertiginoso do preço do azeite consumo caiu 11% em 2023 - CEPAAL".

""É interessante que, apesar deste aumento vertiginoso dos preços, que aumentaram mais de 100% a quebra no consumo português no ano todo de 2023, entre dezembro de 2022 e dezembro de 2023, foi apenas 11%", afirmou Gonçalo Morais Tristão, que falava em Valpaços, à margem da 7.ª edição do Congresso Nacional do Azeite."

Agora, recordem o Evangelho do Valor de 2011 e pensem no lucro que os agricultores poderão ter obtido. Ainda bem!!! Vejam a simulação no exemplo da parte I.

Agora, fiquem desapontados com o que se segue, dito pela mesma pessoa:

"Agora, acrescentou, se a campanha deste ano e nos próximos for boa "é natural que os preços desçam".

"Não me pergunte exatamente para que valor, mas é natural que desçam", realçou, mas, acrescentou, não para valores como os verificados há uns anos em que o quilo do azeite era vendido a cerca de dois euros.

"E isso é bom para todos, para o produtor e para o consumidor, porque o consumidor também tem que valorizar o produto excelente que fazemos em Portugal", salientou."

"porque o consumidor também tem que valorizar o produto excelente que fazemos em Portugal"!!! Come on, em que mundo vive este senhor? É por causa de afirmações como as deste senhor que aviso para ter cuidado com catequistas no poder.

O consumidor quando tem de escolher entre commodities, escolhe o preço mais baixo. E se a produção for boa em Espanha, a partir de certa altura haverá pressão para escoar inventário... e os preços descerão o que terão de descer, lei da oferta e da procura, concorrência perfeita.

O que um congresso deste tipo poderia tentar era desafiar os produtores para fugirem da commoditização, apostarem na concorrência imperfeita. Pegarem no dinheiro ganho em 2024 e trabalharem naquela parte que a Mariana não conhece, trabalharem os custos do futuro, criarem uma marca sem pressas, à la Purdue.

Atenção, uma marca requer autenticidade. Não me tentem vender marca de azeite da grande distribuição como MARCA, mesmo com vídeos de publicidade bem feitos, mas que transpiram a falta de autenticidade. A Fiat não conseguiu vender carros de luxo.

Era bom que o ministro descobrisse o Evangelho do Valor, mas há poucos pregadores.

segunda-feira, maio 20, 2024

Subsídio para um ministro (parte I)

Como se calcula o lucro?

Lucro = Vendas - Custos
Lucro = Vendas - Custos variáveis - Custos fixos

É possível aumentar o lucro reduzindo os custos fixos e variáveis, mas já sabemos o quão reduzido é o impacte, basta recordar o Evangelho do Valor. No entanto, a maior parte dos conselhos vão neste sentido.

Vamos ver as vendas.

Vendas = Número de clientes x Valor médio de cada transacção x Número médio de transacções por cliente e por ano.

Como se pode aumentar as vendas?

Aumentando o número de clientes ou aumentando o valor médio de cada transacção. A maior parte das empresas foca-se na primeira hipótese: Aumentar o número de clientes. Vejamos o que isso implica tendo em conta números retirados do livro "Price: The fastest way to change profits" de Mark Wickersham.

No ano 0 a situação era esta:
O que acontece quando as vendas crescem 10%?
O lucro cresceu 149%.

O que acontece quando o preço cresce 10% (assumindo que não se perdem clientes)?
O lucro cresceu 257,6%.

A velha lição que aprendi com Marn e Rosiello.

E se o preço aumentar 10% e se se perderem 10% dos clientes ainda assim o lucro cresce mais de 82%.
E se o preço aumentar 100% e se se perderem só 11% dos clientes o lucro cresce mais de 2100%.

Amanhã vamos para a parte II desta série.

sábado, agosto 27, 2022

Tanta estupefacção, tantas questões ...


Não há maneira desta aberração sair da minha cabeça este Verão, "Norte da Europa vive à custa da agricultura intensiva portuguesa". Um produto típico do ecossistema coordenado pelos Desventuras e Zés Reis da academiade Coimbra.

Este texto gera-me tanta estupefacção, tantas questões. Vamos à primeira:

  • O sentimento de locus de controlo no exterior
Há anos que milito contra a floresta intensiva, por isso, fui fundador da Quercus (outra Quercus mais ingénua e ligada à Natureza e não o actual lobby político), contra a agricultura intensiva (basta pesquisar aqui no blogue o que escrevi acerca do azeite, das amêndoas, da agricultura de joalharia... até o que escrevi acerca de Jaime Silva, ministro da Agricultura de Sócrates e detestado por todos, a começar pelos socialistas, mas defendido aqui: Ter razão antes do mainstream é tramado. Recordo o que escrevi aqui acerca da destruição da marca Portugal no que à agricultura diz respeito, com a construção do Mar de Plástico do lado de cá da fronteira. Ver A marca Portugal.

O meu ponto aqui é: as asneiras são nossas.

A académica posiciona o problema como se fôssemos escravos sem vontade própria, obrigados pelos orcs do Norte da Europa a produzir estes produtos. 

Não! Nós é que somos os responsáveis por destruir a nossa terra, por abastardar a marca Portugal -Todos vão perder - A má moeda expulsa a boa moeda

Ter o locus de controlo no exterior é típico das so-called elites tugas. Nunca é nada com elas, é sempre culpa dos outros. Assim, nunca precisam de fazer um acto de contricção. No entanto, assim, nunca aprendem com os erros que cometemos como sociedade. Há sempre um Passos a quem atribuir as culpas.

segunda-feira, janeiro 17, 2022

Sem fugir da concorrência perfeita ...

"price taker - a firm in a perfectly competitive market that must take the prevailing market price as given"

Um mercado de commodities é um bom exemplo de um mercado onde reina a concorrência perfeita. Qual é a commodity por excelência no sector alimentar? O leite!

Portanto, isto faz-me lembrar crianças que acreditam no Pai Natal: 

Quem ganha num mercado onde reina a concorrência perfeita? Quem tem os custos unitários mais baixos e pode, por isso, ter os preços mais baixos. Onde é que isso nos leva?
Como se resolve a situação? Fugindo da concorrência perfeita, introduzindo diferenciação. Em 2019, acerca do azeite escrevi "E sem intenção, e sem querer, apareceu na minha mente a decisão de pôr de lado o azeite alentejano". Na semana passada, para meu espanto encontrei azeite da marca Pingo Doce que já ostenta de forma bem visível que é de Trás-os-Montes e embalado em Valpaços.

Contudo, fugir da concorrência perfeita exige pensar no que não é instintivo, implica apostar nas emoções, na paixão, na experiência. Claro que a malta das associações do sector do leite tem um rasto pouco interessante: Karma is a bitch!!! Ou os jogadores de bilhar amador no poder!

sexta-feira, janeiro 07, 2022

Agricultura, como se aumenta a rentabilidade?

A propósito de "Trabalhadores precisa-se. Nos olivais, o chão está "solado de azeitona" porque não há ninguém para a apanhar" fiz este esquema:
Primeiro começamos com Erik Reinert acerca da rentabilidade da agricultura em "How Rich Countries Got Rich . . . and Why Poor Countries Stay Poor":
"Generally increasing returns goes with imperfect competition; indeed, the falling unit cost is one cause of the market power under imperfect competition. Diminishing returns - the inability to extend production (beyond a certain point) at falling cost - combined with the difficulty of product differentiation (wheat is wheat, while car brands are very different) are key elements in creating perfect competition in the production of raw material commodities. The exports of the rich contain the `good' effects - increasing returns and imperfect competition - whereas traditional exports of poor countries contain the opposite, the `bad' effects"
A baixa rentabilidade só permite pagar salários baixos, o que a par da demografia leva à falta de trabalhadores. O recurso a imigrantes é uma consequência natural desta "race to the bottom".

Como sair deste ciclo vicioso?

Aumentando a rentabilidade!

Como se aumenta a rentabilidade? Apostando na concorrência imperfeita. Duas possibilidades:
"Cooperativa Agrícola dos Olivicultores de Sousel quer continuar com olival tradicional para manter a qualidade do azeite" [Moi ici: Recordar, por exemplo, a minha relação com o azeite de produção intensiva]

terça-feira, agosto 10, 2021

Esqueçam o subsídio para compensar o custo mais elevado, trabalhem para merecer um preço mais elevado


Terminei o último postal com esta frase:
"When something is commoditized, an adjacent market becomes valuable"
No tempo de Jaime Silva e de Conceição Cristas eu escrevia aqui sobre o futuro da agricultura. Um país seco, um país pequeno, deveria apostar na agricultura de joalharia, deveria apostar na marca Portugal, deveria apostar na agricultura sustentável.

De então para cá os governos de turno têm apostado na direcção oposta, agricultura intensiva, agricultura que exige muita água, agricultura de volume elevado e margem baixa.

Oliveira, amêndoa, abacate, são alguns exemplos. Há duas semanas vi uma plantação intensiva de amendoal em Idanha-a-Nova que metia impressão, a densidade e o verde. Quanta água estará a ser gasta naquela zona? 

Claro que quem produz através da agricultura intensiva, ao externalizar os custos ambientais, consegue custos mais competitivos do que quem pratica a agricultura tradicional.

Como é que quem pratica a agricultura tradicional pode competir?

No semanário Vida Económica da passada semana encontrei este artigo "Urge criar uma “Estratégia Nacional para a Valorização do Olival Tradicional Português” escrito pelo Presidente da Direção da APPITAD – Associação de Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro.

A certa altura pode ler-se:
"Relativamente à fileira do olival e do azeite, as preocupações são enormes. Se o olival intensivo e superintensivo de regadio apresentam maior rentabilidade, a realidade do olival tradicional é bem diferente."
Depois, o autor avança com ideias e sugestões para subsídios e apoios ao azeite de produção tradicional.

Primeiro, voltemos à frase "When something is commoditized, an adjacent market becomes valuable"

Segundo, esqueçam a "Estratégia Nacional", é muita gente, é muito heterogeneidade, não vão conseguir fazer nada, a não ser tornarem-se ainda mais reféns do governo de turno e da máquina burocrática normanda. O vosso cliente passará a ser o estado, o vosso produto será abastardado em termos de valor. Esqueçam o subsídio para compensar o custo mais elevado, trabalhem para merecer um preço mais elevado.

Terceiro:



Criem uma marca associada à produção do olival tradicional transmontano. Comecem a colocar nas garrafas informação sobre a localização da produção, sobre o tipo de azeitona usada/produzida, sobre o tipo de produção, sobre o ano da produção. Trabalhem para valorizar o vosso produto, trabalhem para educar, criar o vosso cliente-alvo. Participem em concursos que tragam notoriedade e valor. Estudem o artigo referido neste postal de Janeiro de 2020: Azeite e Trás-Os-Montes.

O olival intensivo e superintensivo de regadio apresentam maior rentabilidade, porque têm custos mais baixos. OK, recordemos os números de Marn e Rosiello e de como o burro era eu. O olival tradicional pode aspirar a praticar preços mais altos se trabalhar para desenvolver o gosto dos seus clientes-alvo. 

Usem as redes sociais para começar a seduzir clientes, o vosso alvo tem de ser o consumidor final. Na actual situação não têm qualquer hipótese de convencer a distribuição grande a aceitar preços superiores. Por isso, impõe-se paciência estratégica e trabalhar para que sejam os consumidores a pressionar a distribuição grande a aceitar as vossas condições. Estudem o exemplo da Purdue

terça-feira, novembro 24, 2020

Bolha azeiteira e outras - resposta

Ontem o JdN publicou um artigo, "Produção de azeite afunda e há lagares fechados" que ilustra um padrão comum a todos os ramos da economia.

Existe um status-quo (produção tradicional de azeite).

Aparece um outsider com custos de produção muito mais baixos (produção intensiva e super-intensiva de azeite).

“o preço do azeite a granel está tão baixo que “o que se gasta com a apanha e a transformação é o que se recebe pela venda” do produto acabado.

...

A quebra de produtividade fará com que “áreas significativas de olivais tradicionais” não sejam colhidas nos próximos meses, porque “os custos de colheita superariam a valorização da produção”.

...

“Quando o preço está como agora, nos dois ou 2,50 euros (por quilo de azeite virgem extra a granel), os olivais tradicionais, que requerem muita mão de obra, têm muita dificuldade em fazer a colheita, transformar em azeite e ainda ter margem para vender”, ressalva."

Qual é a reacção tradicional?

Pedir apoios e subsídios, culpar os outsiders, procurar competir pelo preço mais baixo sem ter estrutura para tal, pedir para bloquear os outsiders, ...

Qual é a abordagem que eu proponho?
"When something is commoditized, an adjacent market becomes valuable"[Moi ici: Li algures e fixei para sempre]
O que propus para o vinho? O que propus para as PMEs tugas ameaçadas pela China? O que proponho numa situação em que quem não tem estrutura de custos para tal não pode competir pelo preço mais baixo?

Subir na escala de valor?
"Há outros casos, de pequenos olivicultores, “que se transformaram em produtores de nicho”, e que têm prémio porque conseguem pôr no mercado edições pequenas com marcas próprias, explica o proprietário da Herdade Maria da Guarda. “Mas os que trabalham sem marca têm tido muita dificuldade, porque os preços estão em mínimos de mais de 10 anos”. Os stocks acumulados de campanhas anteriores em grandes produtores como Itália ou Grécia explicam a inundação que vive o mercado.”"

Recordar a antologia "Azeite e Trás-os-Montes"

quarta-feira, outubro 07, 2020

Pena que não seja promovida por gente com skin-in-the-game!

Na semana passada ao passar na A1 a norte de Santarém tive ocasião de ver aquele triste espectáculo do olival superintensivo. Como não recordar "Azeite e Trás-Os-Montes".

Por isso, ao ler "Vimioso e Bragança querem valorizar oliveira Santulhana tradicionalmente desprezada" fiquei meio dividido: Agradado pela ideia e pelo que ela representa, mas preocupado por quem a promove.

"O Instituto Politécnico de Bragança (IPB) vai dedicar investigação a uma variedade de oliveira tradicionalmente desprezada, mas que se tem revelado pela qualidade dos azeites produzidos nos concelhos de Vimioso e Bragança.

Os dois municípios formalizaram esta sexta-feira uma parceria com a academia para fazer a caracterização e valorização da oliveira Santulhana, originária do concelho de Vimioso e praticamente circunscrita a este e ao município vizinho de Bragança.

...

É uma variedade que dá uns azeites particulares, que tradicionalmente não se consideravam azeites de muita qualidade, mas que o trabalho que temos vindo a fazer no politécnico em torno dos azeites da nossa região tem revelado que esta variedade tem um grande potencial de dar azeites de muita qualidade”, explicou.

...

Os azeites produzidos com esta variedade de azeitona “são muito frutados, com característicos aromáticas muito particulares e que os tornam particularmente apreciados, sobretudo nos nichos de elevada qualidade”, segundo disse."

Pena que não seja promovida por gente com skin-in-the-game! 



segunda-feira, fevereiro 24, 2020

Quando a Xylella lá chegar vai ser rápido (parte II)

Na Parte I escrevi:
"Além dos muitos outros problemas ecológicos, a monocultura intensiva é muito boa para a propagação de doenças. Quando a Xylela lá chegar vai ser rápido."
Ontem, no Público em "Xylella fastidiosa já infectou 11 concelhos do Norte do país":
"Em Portugal vive-se na expectativa que o novo olival possa resistir à Xylella. É sobre o impacto deste tipo de culturas na biodiversidade que se pronuncia Pedro Horta, membro do Movimento Alentejo Vivo (MAV). “As áreas contínuas, em grande densidade, de uma só cultura criam condições ideais para a geração e proliferação de inimigos culturais e retiram grande parte do habitat aos organismos auxiliares que os poderiam regular. A criação de resistências por parte dos inimigos culturais pode gerar um ciclo vicioso com consequências potencialmente catastróficas”, adverte o ambientalista."

segunda-feira, fevereiro 10, 2020

A lição do canadiano

Acompanho os jornais espanhóis há cerca de semana e meia (El País, ABC e El Mundo). Impressionante, todos dias um ou mais artigos sobre a situação de crise que varre a agricultura espanhola.

Aumento do salário mínimo para 950 euros, taxas alfandegárias nos Estados Unidos e abaixamento dos preços pagos pela distribuição grande estão entre os principais motivos avançados.

Ontem, no ABC encontrei "El campo mira a los Países Bajos para solucionar su crisis" e fiquei a pensar num filme que tinha visto ao princípio da tarde sobre a crise de 2008. A certa altura perguntam a um cientista nuclear porque estava a trabalhar para uma empresa financeira. Ele responde que é tudo uma questão de números. Eis alguns trechos:
"En España hay más de 3.500 cooperativas (asociaciones de agricultores que producen conjuntamente y luego se reparten el beneficio), de las cuales casi un millar son de aceite, según datos del Observatorio Socioeconómico del Cooperativismo Agroalimentario.
...
Frente a esta dispersión, hay casos como el de Holanda, un país que, para la mayoría de las fuentes consultadas, es un ejemplo de organización en el campo. Hay pocas cooperativas pero grandes. Tiene cuatro que facturan lo mismo que las 3.500 españolas. Destacan Arla y Friesland Campina, por ejemplo, que son de las que más facturan en Europa.
...
Si en España hay 3.500 cooperativas, en Dinamarca hay 28. La facturación media de una cooperativa en nuestro país es de siete millones de euros mientras que en estos países está entre 300 y 400 millones.
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«Una estrategia de integración de la actividad agraria permite reducir costes y mejorar la rentabilidad de los agricultores en dos direcciones: actuando sobre los costes de producción a través de compras conjuntas de carburantes, fitosanitarios, abonos, maquinarias, etc. y, de otro lado, participando de los procesos de transformación y comercialización de los productos», señala Aurelio del Pino, presidente de Aces, la asociación de cadenas españolas de supermercados."
Acham mesmo que o sucesso das cooperativas holandesas se deve só à dimensão? Acham que os produtos são os mesmos? Come on!

Quando se vende um produto básico, por mais produtivo que se seja, o que vende é o preço mais baixo.

O primeiro artigo que li foi no passado dia 3 no El País, "Crisis agraria":
"Las causas de fondo están en un mercado desequilibrado que opera siempre en contra de la renta de los agricultores sin que favorezca en demasía los intereses de los consumidores. Las grandes cadenas de distribución ejercen un dominio de mercado que les permite comprar a la baja a las pequeñas y medianas empresas dedicadas a la producción agraria. Este sistema ha acabado por deprimir las rentas y contribuir, junto a políticas de ayudas públicas mal diseñadas, a la persistencia en el campo de un minifundio empresarial, obligado en ocasiones a mantenerse vendiendo a pérdidas.
.
La crisis de la agricultura en España solo tiene una respuesta: aumentar la rentabilidad de las explotaciones agrarias y equilibrar las condiciones de mercado.
...
las explotaciones agrarias españolas tienen que aumentar de tamaño para ganar en competitividad. El campo español se merece estudios de rentabilidad, favorecer la creación de más cooperativas, oportunidades de venta directa a los consumidores, planes para elevar el valor añadido de la producción y mejores condiciones de empleo para asentar la población."
Sempre que penso em subir na escala de valor na agricultura recordo um exemplo, "Agricultura com futuro" e este trecho:
""Instead of growing crops and then finding a buyer, Mr. Menzies said the farm had to start looking for customers first. The typical farm model is “backward to everything I ever did in the engineering and technology side,” he said in an interview. “We looked for a need and we filled it. And where we found that need was from the world.”"
Precisam de crescer e emparcelar terrenos? Quase de certeza.
A produzir o que já existe em excesso? Não me parece.

A tentar subverter a relação com a distribuição grande?

Esta imagem:

Retirada do ABC de ontem em "El campo español afronta la tormenta perfecta". Como não re

Entretanto, no Público de ontem podia ler-se:
"A produção de azeitona para azeite na campanha de 2019 deverá ultrapassar “as 900 mil toneladas”, “posicionando esta campanha como uma das mais produtivas dos últimos 80 anos”.
Se colocarem muitos entraves à distribuição grande ela deixa de comprar em Espanha e passa a comprar mais em Portugal.

sexta-feira, janeiro 10, 2020

Azeite e Trás-Os-Montes

Este blogue acompanha o tema do azeite há alguns anos. Apresento no fim uma lista não exaustiva de postais sobre a produção e comercialização de azeite.

No ano passado comecei a ter consciência plena dos impactes ambientais da produção e colheita no olival superintensivo alentejano. Assim, em Junho de 2019, sem planear, simplesmente aconteceu o que relato em "E sem intenção, e sem querer, apareceu na minha mente a decisão de pôr de lado o azeite alentejano".

No Sábado passado fui às compras ao mesmo sítio, ao mesmo corredor, onde tinha tido dificuldade de encontrar um azeite expressamente transmontano, seis meses antes (situação que descrevo na hiperligação anterior), e tive uma forte surpresa. No dia seguinte escrevi no Twitter:

Entretanto, na passada terça-feira fui a um supermercado da rede Coviran, especialista em verduras, perto de minha casa, e não resisti a trazer para experimentar, apesar da garrafa de plástico:
Entretanto, ontem ao final da tarde tive oportunidade de ler "Do market prices correspond with consumer demands? Combining market valuation and consumer utility for extra virgin olive oil quality attributes in a traditional producing country" de Petjon Ballco e Azucena Gracia, publicado por Journal of Retailing and Consumer Services.
"At the beginning of the 21st century, the law of demand in food production supplanted the law of supply. [Moi ici: Um tema interessante. O mundo muda quando a oferta é maior do que a procura, aquilo a que desde 2010 chamo "bolha azeiteira", nessa altura há que fugir da ideia de que se vende uma commodity] Agricultural organisations and the agri-food industry must adapt to consumers’ highly diversified expectations. In addition, consumers expect to be fully informed about the products they purchase. They demand healthy products that taste good and take into consideration social, ethical and environmental issues in terms of production practices and traditional production methods. Under this framework, the agro-food sector must continually seek strategic orientations to differentiate products, not only in the sense of increasing production but rather towards diversifying food supply by promoting attributes that are valued by consumers. Olive oil is an example of a product where greater differentiation has been associated with increased production and consumption worldwide.
...
preferences between consumers from the traditionally producing countries and those from the emerging markets have significantly changed. While in non-producing countries the consumption of olive oil has increased enormously from low levels, Mediterranean countries, where consumption was relatively high, are now facing a shift towards the consumption of higher quality olive oils and, more specifically, extra virgin olive oils (EVOOs). [Moi ici: O artigo cita 21 artigos publicados nos últimos 5 anos sobre preferências de consumo de azeite]
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the results from the marginal WTP estimates indicated that, on average, consumers were willing to pay an additional price premium of 2.13€/L for an EVOO that carried the PDO certification compared to one without this indication. In the same way, participants were willing to pay an additional premium of 1.51€/L for an EVOO that was produced in the county, and 1.27€/L for an EVOO produced in the region relative to an EVOO from the rest of Spain. [Moi ici: O estudo foi feito em Saragoça]
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The positive premium that the indication of olive variety had on price provides evidence that the EVOO sector has indeed increased in differentiation. Consumers’ knowledge has also increased, because depending on the olive variety (Arbequina, Picual, Hojiblanca) consumers can form expectations regarding the taste of the EVOO (i.e., fruity, pungent, etc.). This result is in line with Cabrera et al. (2015) who illustrated the importance given to the olive variety in Spain. In terms of container materials, results show that a plastic container was valued negatively in comparison to a glass container, which received a premium price.
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Although there were relatively few organic olive oils in the Spanish market, results showed that this certification was an important quality cue that positively affected EVOO market prices.
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Unexpectedly, the European PDO quality certification did not affect the market prices of EVOOs in Spain. This result is in line with previous research by Carbone et al. (2018) in Italy who found negative effects on price for olive oils with PDO, and Cabrera et al., 2015 in Spain who found no influence on price for EVOOs with PDO. Contrary to the PDO quality certification, the presence of production origin on the label had a positive influence on EVOO prices. As extensively shown by other authors, the origin of production is one of the most important aspects for many consumers of EVOOs
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while we maintain that PDO certification is an important attribute that helps consumers differentiate the quality of an EVOO, at a regional level where the local producers are well known, this attribute does not add any value to the prices of EVOOs in the market. This result is in line with Cabrera et al. (2015) for EVOO in Spain, who showed that the local origin of production label had positive effects on prices in comparison to PDO certification which did not affect the price. In addition, this result was also highlighted by Marcoz et al. (2016), who suggested that PDO quality certification has higher value the further the consumer is from the area of production.
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Consumer behavior for a typical product, such as an EVOO that is consumed on a regular basis, appears to be stable but, in reality, faces constant changes in differentiation. The most influential attributes in terms of utility and WTP estimates found were the origin of production (i.e., county and region) for EVOOs, and PDO quality certification. In the market, the attributes that influenced EVOO prices were labels that indicate the olive variety, organic certification, origin of production, sold in glass containers and in establishments with a high variety of leading brands.
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those producers who want to gain competitive advantages, should not be satisfied by just offering products to the market, but should strive to create value for each customer specifically.The more distinctive and inimitable a product is, the more likely the company is to gain loyal customers. Furthermore, consumer awareness about olive variety and clear identification of production origin should encourage producers to develop new products based on single olive varieties characterized by different sensory attributes."
Interessante a repetida referência a: "production methods; production processes; sustainability; e organic production"

segunda-feira, dezembro 23, 2019

Faroeste

O Público de ontem publica um artigo interessante e revelador "Boom do olival no Alentejo deixa fábricas de bagaço no “vermelho”":
"Plantação descontrolada de novos olivais acabou por estrangular a capacidade transformadora das três únicas unidades industriais existentes na região. Os impactes ambientais são enormes
...
No Alentejo, mais olival com as mesmas fábricas de extracção de bagaço de azeitona tinha de dar no que deu. Quase se esgotou a capacidade para receber o subproduto produzido nos lagares de azeite a meio da campanha de 2019/2020. E o problema ambiental que a sua actividade gera pode assumir outra amplitude, obrigando as unidades a trabalhar o ano todo, aumentando assim as emissões gasosas e o protesto das populações, como acontece na aldeia de Fortes em Ferreira do Alentejo.
...
“A quantidade de bagaço é tal que o sistema existente não chega para proceder ao seu tratamento nos três equipamentos que existem na região do Alentejo”, constata ao PÚBLICO Aníbal Martins, gerente da Ucasul, empresa que tem capacidade para receber 200 mil toneladas de bagaço/ano. O industrial admite que dentro de cinco anos o subproduto (bagaço) libertado pelos lagares de azeite possa chegar às 800 mil toneladas, lembrando que a instalação de novos olivais não pára enquanto outros que foram plantados nos últimos três anos já entraram em fase de produção."
Que incentivos estão no terreno para gerar estes overshoots? Não me venham dizer que é tudo plantado sem generosos apoios comunitários.

domingo, dezembro 15, 2019

Contexto, estratégia e bolha azeiteira

Tem uma PME? Está atenta ao contexto e às suas alterações?

O que acontece quando a quantidade de uma commodity que é colocada no mercado aumenta?

   O preço baixa!

O que acontece a um produtor dessa commodity com custos de produção mais elevados?

   Não consegue competir.

Quais são as alternativas para esse produtor com custos mais elevados?
  • Fechar! 
  • Ou mudar de vida e abandonar a competição baseada no preço, deixar de vender o produto puro e simples e, oferecer algo mais
"Olivicultores e lagareiros do Douro e Trás-os-Montes queixam-se de uma “campanha difícil” devido à diminuição do preço do azeite e da azeitona
...
a questão do tratamentos dos subprodutos da colheita de azeitona veio juntar-se à “baixa acentuada do preço do azeite no mercado nacional e internacional e, por inerência, da azeitona”."
Resolvi pesquisar a evolução dos preços do azeite a granel:(fonte)
"As últimas estimativas apontam para um crescimento de 25% no volume de produção de azeite, relativamente à campanha anterior. Prosseguiu a campanha de comercialização, com a oferta a aumentar e escoamento regular.
.
A cotação mais frequente a granel do azeite virgem extra foi de 2,60€/kg."
Resolvi pesquisar a evolução dos preços do azeite a granel em Espanha e Itália (fonte)
  • Itália - 4,70€/kg
  • Espanha - 2,21€/kg
  • Grécia - 2,60€/kg
Entretanto, achei interessante esta "guerra", "No request to look into different olive oil prices, Commission says":
"The issue was put forward by Spanish farming association Unión de Uniones (UDU) at the start of August, after the publication of the July monthly report on the market situation in the  EU’s olive oil and table olives sectors.
.
The Spanish press reported that the association would ask the Commission to investigate potential disruption in the olive oil market, hinting that Italy was enjoying a more favourable treatment in comparison to other producers like Spain and Greece.
...
At the same time, olive oil prices showed a 13% increase in Italy compared to the previous year, while a decrease was recorded in Greece and in Spain, at 2% and 19%, respectively.
...
EU agriculture Commissioner Phil Hogan explained in a letter sent in mid-August that the main reason behind the price collapse is a record harvest of 1.79 million tonnes for the 2018/19 marketing year, a 42% increase compared to the previous year."
Voltemos aquelas duas alternativas:
  • Fechar! 
  • Ou mudar de vida e abandonar a competição baseada no preço, deixar de vender o produto puro e simples e, oferecer algo mais
O que está a acontecer ao olival transmontano? Incapaz de competir no custo com a produção intensiva. Recordar:
"No contexto nacional, o Alentejo acabou por se tornar, desde 2007, na região com mais produção de azeitona, tendo chegado a garantir 75% do total do fruto produzido no país, em 2018, quando há 20 anos representava apenas 25% desse total. Para isso contribuiu o aumento da área de olival na região que, nos últimos 11 anos, cresceu 10%, para 172 mil hectares, assinala o estudo."
Quando não se pode competir pelo preço/custo, compete-se com uma marca. Recordo um postal publicado aqui em Dezembro de 2010:
"façam como se fez para o vinho que teve sucesso. Criem uma cooperativa da região, criem uma marca, desenvolvam uma marca, pensem em castas de azeitona, pensem em regiões demarcadas, não pensem em quantidade, isso fica para os olivais que pertencem às grandes distribuidoras de azeite. Pensem em boutique de azeite, pensem em azeite = luxo, pensem em azeite = néctar, pensem em azeite = saúde." 
Recordo o que escrevi aqui recentemente em "E sem intenção, e sem querer, apareceu na minha mente a decisão de pôr de lado o azeite alentejano" e em "Todos vão perder".

Quando não se pode competir pelo preço/custo, aposta-se na subida na escala de valor, foge-se da via cancerosa e aposta-se na joalharia, procura-se a diferenciação.

BTW, lembram-se da "indústria mais sexy da Europa"?

domingo, novembro 17, 2019

Quando a Xylela lá chegar vai ser rápido

Ao ler "The end of Florida orange juice? A lethal disease is devastating the state’s citrus industry." lembrei-me logo da Xylella Fastidiosa e das imagens desgraçadas:
Além dos muitos outros problemas ecológicos, a monocultura intensiva é muito boa para a propagação de doenças. Quando a Xylela lá chegar vai ser rápido.

Na Flórida, a segunda maior indústria do estado é a agroindústria ligada à laranja. Diz o artigo lá em cima que em 5 anos pode ter de fechar portas, a menos que trabalhe com laranja de outros estados.

terça-feira, julho 16, 2019

Azeite, estratégia e valor

"O azeite do olival superintensivo tem qualidade?
Em 31 azeites premiados no mais importante concurso nacional, 27 nasceram das nossas variedades tradicionais e 4 de variedades estrangeiras. Curioso, não?"
Não! Não tem nada de curioso.
Curioso seria os produtores do olival superintensivo andarem no campeonato dos concursos sobre qualidade de azeite.

A produção superintensiva está no campeonato da eficiência, no campeonato do volume, no campeonato do custo mais baixo. Por isso, recorre a variedades de azeitona que maximizem a capacidade produtiva, não necessariamente o sabor ou outros parâmetros valorizados no azeite. O que interessa é maximizar a produção de algo que legalmente seja considerado azeite. E é azeite.

Quem participa em concursos para ganhar está no campeonato do preço mais alto. Por isso, cultiva a diferenciação, por isso cultiva coisas como autenticidade, tradição, experiência, sustentabilidade, humanidade. Um campeonato completamente diferente.

Enquanto o primeiro grupo está na race to the bottom, sempre em busca de umas migalhas de percentagem de mais eficiência, e concentra a sua atenção no denominador, o segundo grupo cultiva o numerador, trabalha para a eficácia.

Os concursos são uma forma de influenciar a percepção dos potenciais compradores acerca da qualidade do azeite através da opinião de painéis de especialistas e connaisseurs (influenciadores).

Qualidade tanto é ausência de defeitos (e mais qualidade é mais barato), como é mais atributos (e mais qualidade é mais caro).
“The reason the alchemists gave up in the Middle Ages was because they were looking at the problem the wrong way – they had set themselves the impossible task of trying to turn lead into gold, but had got it into their heads that the value of something lies solely in what it is. This was a false assumption, because you don’t need to tinker with atomic structure to make lead as valuable as gold – all you need to do is to tinker with human psychology so that it feels as valuable as gold. At which point, who cares that it isn’t actually gold?
If you think that’s impossible, look at the paper money in your wallet or purse; the value is exclusively psychological. Value resides not in the thing itself, but in the minds of those who value it. You can therefore create (or destroy) value it in two ways – either by changing the thing or by changing minds about what it is.”
Recordando os azuis, vermelhos e pretos de Terry Hill:
Produtores de olival superintensivo a participar em concursos fariam o papel dos vermelhos da figura,  organizações sem estratégia, stuck-in-the-middle.


Trecho retirado de "Alchemy: Or, the Art and Science of Conceiving Effective Ideas That Logical People Will Hate" de Rory Sutherland.

sexta-feira, junho 28, 2019

"E sem intenção, e sem querer, apareceu na minha mente a decisão de pôr de lado o azeite alentejano"

Há dias escrevi no Twitter:


Logo vários comparsas apareceram com comentários e sugestões: juntar alho, ou juntar paprika, ou ...  (quando comentei com a minha mulher ela rejeitou e disse que só acrescenta, quando tem em casa, coentros).

Entretanto, hoje alguém apareceu e fez o seguinte comentário:


O diálogo que se seguiu foi este:

"Há exemplos menos bons? Com certeza que os há. Qual a profissão que os não tem? Mas não temos dúvidas que esses exemplos menos bons são uma ínfima minoria e que em nada beliscam o tudo de bom que esta realidade tem trazido à Região."
É assim: quando eu fui à procura de um bom azeite para alimentar a gulodice dela, não me passou pela cabeça segregar o azeite alentejano. Entrei no corredor do azeite e procurei as diferentes marcas e garrafas de 0,5 litro: tinha da Vidigueira, tinha do Esporão, tinha de Moura, tinha de ... e quando me comecei a pressionar para fazer uma escolha, foi então que me lembrei da imagem dos pássaros mortos na Andaluzia pela apanha nocturna, das notícias sobre os químicos no Alentejo e sobre a destruição de património arqueológico para plantar amendoeiras intensivamente. Temas que referi em "Todos vão perder" e em "Optimista? Realista? Pessimista?"

E sem intenção, e sem querer, apareceu na minha mente a decisão. Não posso comprar azeite do Alentejo. Tenho medo de estar a comprar uma marca que pratica o olival intensivo.

E volto ao texto sublinhado: "Há exemplos menos bons? Com certeza que os há. ... Mas não temos dúvidas que esses exemplos menos bons são uma ínfima minoria e que em nada beliscam o tudo de bom que esta realidade tem trazido à Região."

Este é o problema de "Todos vão perder" e que escrevi aqui pela primeira vez num artigo em 2009 sobre cortinas de PVC para banheira. Na impossibilidade de separar os bons dos menos bons, os clientes mais exigentes vão decidir: para não cometer o risco de apoiar o olival intensivo e as suas práticas rapaces - vou jogar pelo seguro e optar por um azeite transmontano. Confesso que não foi fácil encontrar um. Não tinha os códigos postais na cabeça e não sabia onde se localizavam algumas terras. Parei quando encontrei um nome conhecido: Sabrosa.

A minha sugestão para os que querem minimizar as perdas: arranjem uma certificação. Distingam-se, diferenciem-se!

BTW, no comunicado referido acima encontro uma frase que refiro aqui no blogue há muitos anos:
"Os agricultores são agentes com a dupla responsabilidade de produzir alimentos para todos, e a de preservar o meio ambiente onde atuam, no exercício da sua profissão."
Não! Os agricultores não são responsáveis por produzir alimentos para todos ponto. Os agricultores são responsáveis por dar uma vida melhor à sua família hoje e no futuro. E isso, num país pequeno, não passa por alimentar o mundo, passa por ser bem pago pelo que se produz colocando no mercado produtos que os clientes valorizam mais do que o granel.

Muitos agricultores preservam o meio ambiente onde actuam porque têm skin-in-the-game, são gente que espalha bosta na terra e têm netos que lhes vão suceder. No entanto, a Big Agro é outro modelo de negócio: deitam abaixo o pau do circo e levam a tenda para outro lado, como gafanhotos.


terça-feira, abril 09, 2019

Só a fuga ao eficientismo os pode salvar

"In 1997 and 1998, olive oil was the most adulterated agricultural product in the European Union, prompting the E.U.’s anti-fraud office to establish an olive-oil task force. (“Profits were comparable to cocaine trafficking, with none of the risks,” one investigator told me.) The E.U. also began phasing out subsidies for olive-oil producers and bottlers, in an effort to reduce crime, and after a few years it disbanded the task force. Yet fraud remains a major international problem: olive oil is far more valuable than most other vegetable oils, but it is costly and time-consuming to produce—and surprisingly easy to doctor. Adulteration is especially common in Italy, the world’s leading importer, consumer, and exporter of olive oil. (For the past ten years, Spain has produced more oil than Italy, but much of it is shipped to Italy for packaging and is sold, legally, as Italian oil.) “The vast majority of frauds uncovered in the food-and-beverage sector involve this product,” Colonel Leopoldo Maria De Filippi, the commander for the northern half of Italy of the N.A.S. Carabinieri, an anti-adulteration group run under the auspices of the Ministry of Health, told me.
.
In Puglia, which produces about forty per cent of Italy’s olives, growers have been in a near-constant state of crisis for more than a decade. “Thousands of olive-oil producers are victims of this ‘drugged’ market,” Antonio Barile, the president of the Puglia chapter of a major farmers’ union, told me, referring to illegal importations of seed oils and cheap olive oil from outside the E.U., which undercut local farmers. Instead of supporting small growers who make distinctive, premium oils, the Italian government has consistently encouraged quantity over quality, to the benefit of large companies that sell bulk oil. It has not implemented a national plan for oil production, has employed a byzantine system for distributing agricultural subsidies, and has often failed to enforce Italian laws and E.U. regulations intended to prevent fraud. The government has been so lax in pursuing some oil crimes that it can seem complicit. In 2000, the European Court of Auditors reported that Italy was responsible for eighty-seven per cent of misappropriated E.U. subsidies to olive-oil bottlers in the preceding fifteen years, and that the government had recovered only a fraction of the money."
Criar uma bitola privada de qualidade, autenticidade e origem do azeite.
Criar mecanismo de certificação privada.
Criar mecanismo de punição violenta.
Meter gente com skin-in-the-game a operar a coisa, ou a coisa mantém-se.
Criar marcas locais e cooperativa de marketing, engarrafamento e logística.

Só a subida na escala de valor, só a fuga ao eficientismo os pode salvar.

Trecho retirado de "Slippery Business"

sábado, janeiro 12, 2019

Preocupação séria mesmo!

Em 2017 escrevi "Preocupação séria" no seguimento de um outro texto de 2015. Agora, Janeiro de 2019 encontro "Xylella Fastidiosa chegou a Portugal. Bactéria encontrada em lavanda".

Pedro Arroja até pode ter razão ao enaltecer muitas das características culturais dos portugueses, não é fácil uma comunidade manter-se como entidade autónoma há quase 900 anos, mas ponho-me a imaginar como agiria o ministro da agricultura se em vez de Capoulas Santos tivesse nome alemão?

domingo, novembro 26, 2017

Cooperativas, partes interessadas, valor e a sua partilha

Se a maior riqueza que há num ecossistema é a sua biodiversidade, porque encerra em si a robustez para lidar com o desconhecido, também numa economia a heterogeneidade e idiossincrasia é algo positivo pelas mesmas razões.

Recentemente visitei empresa muito bem sucedida e que, imaginem:
  • desistiu de crescer em quantidade, só aposta em crescer por aumento de preços, por subida na escala de valor;
  • rejeita clientes;
  • rejeita crescer mais do que um certo valor por cliente;
  • rejeita convites de clientes para investir em novas fábricas em mercados onde esses clientes estão a implantar-se ou a expandir-se.
A gerência consegue explicar o racional por trás de cada uma dessas decisões. Outra gerência composta por outras pessoas poderia tomar outras decisões. Não há resposta certa, não há resposta única.

Sabendo e crendo na frase "Não há resposta certa, não há resposta única.", apesar de tudo, fico com pena disto "Aumenta procura direta de azeitona em Murça devido a quebras a nível internacional":
"A azeitona sai daqui a granel e não colocamos nós as nossas marcas no mercado internacional”, salientou. O responsável considerou ainda que, com esta venda direta, “não há mais-valia para o azeite de Trás-os-Montes”."
Quem segue este blogue sabe o quanto valorizo a aposta:
  • na autenticidade;
  • na fuga ao granel comoditizado;
  • na aposta numa marca;
  • na subida na escala de valor;
No entanto, também sei que cada produtor é que sabe da sua vida.

O que levanta outra questão:
"esta situação pode “condicionar a vida das próprias cooperativas”." 
Até que ponto as cooperativas estão a fazer o seu trabalho? Até que ponto as cooperativas estão a tratar os produtores como partes interessadas livres que devem ser cativadas e seduzidas para um projecto de longo prazo? Até que ponto as cooperativas estão a recompensar convenientemente os produtores? Até que ponto as cooperativas têm elas próprias uma gestão suficientemente ágil? Para eventualmente melhorar preços a pagar aos produtores e negociar melhores condições com a procura? Para aproveitar oportunidades e colocar em novas prateleiras o seu azeite numa altura de escassez? Para subir preços em tempos de escassez?

Imaginem uma cooperativa com um sistema de gestão certificado pela ISO 9001 a marcar uma revisão do sistema extraordinária para actualizar a análise do contexto e das partes interessadas e tomar decisões à priori, a comandar os acontecimentos em vez de, com as calças na mão, ir a reboque dos acontecimentos.

BTW, estão a ver aquelas simulações sobre a vida das estratégias? Uma estratégia tem sucesso e a maioria das empresas está a tentar ter sucesso seguindo-a. Depois, algo muda no contexto, e uma empresa-pioneira testa uma nova abordagem e tem algum sucesso, à medida que essa abordagem vai se aperfeiçoando, o sucesso vai aumentando, o próprio contexto co-evolui e o spill-over começa a contaminar outras empresas que começam a seguir a mesma estratégia. Então, a densidade de uso da estratégia anterior começa a baixar e a da nova estratégia começa a subir. Depois, algures no tempo, uma nova alteração de contexto e uma nova experiência a nível de estratégia. Experiência que pode passar por recuperar uma estratégia anterior, uma estratégia entretanto abandonada.

Voltar a uma estratégia entretanto abandonada pode ser um retrocesso, pode ser um erro, pode ser muita coisa, mas voltamos ao princípio e à idiossincrasia.