A parábola do filho pródigo é uma das passagens dos Evangelhos (Lc 15, 11-32) que
mais me toca.
O filho mais novo pede a sua parte da herança ao pai e viaja para longe onde acaba por dissipar toda a riqueza. A fome leva-o a trabalhar como guardador de porcos. Inveja as alfarrobas que dão aos porcos, mas que ele está impedido de comer. Então, dá consigo a pensar que os criados em casa do seu pai são muito melhor tratados. Reconhece que já não pode ser tratado como filho, mas decide regressar a casa do pai para lhe pedir trabalho como criado. Ainda ele vinha longe e já o pai, que estava num ponto alto a ver se ele regressava, começou a correr ao seu encontro. E quando o filho começou a enunciar o discurso de arrependimento, tantas vezes ensaiado ao longo da viagem de regresso, o pai sufocou-o com um forte abraço e ordenou aos criados que se fizesse uma grande festa porque o seu filho que estava morto regressou à vida. O amor incondional deste pai sempre me fascinou. E ainda para mais um pai que não cobra vantagem.
Há dias terminei a leitura de um livro muito bom, "Paciência com Deus - Oportunidade para um encontro" de Tomás Halík.
Halík acrescenta-me uma outra dimensão a esta parábola.
O pai tinha um outro filho, o mais velho. Quando esse filho ao final do dia chegou a casa cansado do trabalho e ouviu a música e os risos da festa, foi informado por um criado acerca sua origem. E zangado, recusou-se a ir a essa festa. Então, o pai vem ter com ele e insta-o a participar na festa porque o irmão dele estava morto e regressou à vida. O filho mais velho responde-lhe que sempre trabalhou para o pai e ele nunca matou um vitelo para que ele fizesse uma festa com os amigos. O pai responde-lhe dizendo-lhe que o que ele tem também pertence ao filho.
Halík associa o filho mais novo aos que procuram a liberdade, fazem asneiras, mas crescem, tornam-se adultos, e o mais velho aos que obedientemente prezam a ordem, mas continuam com mentalidade infantil, superficial.
Halík que escreve um livro de teologia acredita que a Igreja precisa dos dois filhos que se complementam.
E dei comigo a pensar em algumas empresas familiares que não passam da segunda geração porque os filhos sempre foram obedientes executantes, bons paus mandados, e nunca conheceram outra realidade, nunca cresceram, nunca desenvolveram a liberdade, nunca deixaram de ser crianças.
E dei comigo a relacionar a falta de liberdade com o tema de ontem no blogue, a falta de plasticidade mental para testar e pôr em causa o que funciona antes que o contexto o torne obsoleto.
Agora anda na moda salientar o alto teor de importações nas exportações para justificar a necessidade de substituir essas importações. Eu penso de forma diferente. Esse alto teor é um sintoma do baixo valor acrescentado do que fazemos. Focar na origem das importações é a mesma doença do foco na distribuição da pouca riqueza gerada em vez do foco na criação de riqueza. Focar nas importações é a mesma fixação de querer aumentar a produtividade à custa da redução dos custos em vez do aumento do preço através do aumento do valor acrescentado. E nós como comunidade precisamos tanto disso… sintoma dessa doença é ler um jornal supostamente económico e perceber que é escrito na óptica do consumidor.
Falta-nos a plasticidade para transformar as
escamas do bacalhau ou as folhas de videira em activos valiosos, falta-nos a liberdade mental para experimentar. Claro que é fácil para mim escrever estas coisas… solidarizo-me com os empresários que têm sempre o sócio parasita, o estado, que colhe sem semear, haja safra ou não. Também eu já fui assim, medroso por causa do estado. É mais vantajoso no curto prazo ter dívida do que capital, mas no longo prazo não se têm graus de liberdade.