quarta-feira, outubro 17, 2012

Fornecer a Autoeuropa não é necessariamente uma boa decisão para uma PME portuguesa-tipo

Este artigo ""90% das abordagens [para ser fornecedor da Volkswagen] falham"" desperta-me uma torrente de ideias...
.
No meu primeiro emprego, na Divisão Automóvel da TMG em Campelos-Guimarães, tinha como missão estudar formulações de couro artificial que respondessem aos requisitos super-exigentes do cliente Volkswagen. Eu adorava trabalhar para a Volkswagen!!! Eu adorava o desafio de uma especificação que me obrigava a estudar e a experimentar dezenas de misturas de e-PVCs, de plastificantes, de modificadores reológicos, de estabilizantes térmicos, de sei lá que mais... percebia o jogo de constrangimentos que impunham: baixo nível de fogging; limite superior de líquidos; resistência térmica e alongamento superior, ...
.
Se estivesse a ler o artigo lá de cima em Outubro de 1988 não pensaria duas vezes, daria a António Melo Pires toda a razão.
.
Hoje, passados 24 anos a experiência de vida ajuda-me a encaixar estas palavras do director-geral da Autoeuropa num outro patamar. Hoje, tenho medo da forma como os media interpretam e veiculam estas mensagens.
.
Os media acreditam que existem boas-práticas!
.
Boas-práticas serão práticas recomendáveis e aplicáveis a todas as empresas e sectores de actividade.
.
Por mim, já aprendi, não existem, não confio nessas boas-práticas universais.
.
A Autoeuropa é uma empresa que pertence ao grupo Volkswagen, um grupo automóvel particularmente bem sucedido na produção em massa, o paradigma da economia do século XX.
.
Quando discuto a operacionalização de uma estratégia assente no custo mais baixo, assente na produção em massa, como a produção de automóveis Volkswagen ou a produção de hambúrgueres numa cozinha McDonalds, dou sempre o exemplo da paragem num pit da Formula 1:

Se olharem para o filme verão como funciona uma empresa que aposta nos custo mais baixo como o factor competitivo de eleição:

  • não há invenções;
  • não há prima-donas;
  • não há liberdade;
  • um lugar para cada coisa e cada coisa no seu lugar;
  • um lugar para cada interveniente e cada interveniente no seu lugar;
  • planeamento central conhecido e obedecido.
Por isto é que António Melo Pires critica o nível de informalidade das nossas empresas:

"O director-geral da Autoeuropa, António Melo Pires, disse que as empresas nacionais funcionam num registo de informalidade que não facilita a sua inserção nos mercados internacionais."
Imaginem uma organização que funciona como um relógio, como uma sinfonia harmoniosa, ter de lidar com um grupo de agentes habituados a informalidade e fantásticos no desenrascanço. Choques!!! Vamos ter choques!!! Vamos ter duas civilizações a não conseguirem encaixar-se.
""Os alemães têm uma personalidade muito própria, e o desenrascanço não é nada bem visto", defendeu.
...
Melo Pires disse que quem aposta na informalidade não inspira confiança."
Diz Melo Pires:
"O responsável do gigante do sector automóvel justificou ainda os problemas de competitividade das empresas portuguesas com a sua escala. “Temos muitas microempresas e que não conseguem ter produtividade para ser concorrenciais”, rematou."
 Quando uma PME, como aconteceu no ano passado, vem ter comigo a dizer que anda a ser assediada pela Autoeuropa, para começar a ser fornecedora. Digo sempre:
Cuidado com a pedofilia empresarial!!!!
Como é que uma PME tenta competir pelo preço mais baixo?
Como não pode usar o trunfo da produção em larga escala, opta por uma organização muito enxuta, eu a algumas chamo anorécticas. Organizações muito enxutas são muito flexíveis, não combinam com funções rígidas... logo, daí nasce a propensão para a informalidade.
.
Quem acredita nas boas-práticas acha que temos de mudar, temos de nos tornar máquinas competitivas super-eficientes.
.
Hoje, 24 anos depois, estou noutra. A nossa cultura é a do desenrascanço, é a da flexibilidade, é a da rapidez, não é a da uniformidade, é da liberdade, não a do planeamento central. Hoje, em vez de querer mudar de povo, defendo é que temos de mudar de referencial, o nosso referencial não pode ser o da produção em massa, não pode ser o da eficiência. O nosso referencial tem de ser o da pequena série, o da novidade, o do artesanato, o da autenticidade, o da originalidade. Nesse referencial, a nossa cultura de informalidade, em vez de ser um empecilho, é uma vantagem cultural.
.
Basta recordar a figura:
Aquilo que é uma má-prática para uma proposta de valor, pode ser uma boa-prática para outra proposta de valor.
.
Fornecer a Autoeuropa não é necessariamente uma boa decisão para uma PME portuguesa-tipo.

2 comentários:

CCz disse...

http://snarketing2dot0.com/2012/10/25/best-practices-arent/

Best Practices Aren’t

CCz disse...

http://confusedofcalcutta.com/2012/11/02/plural-of-personal-is-social/