No último mês já escrevi quatro postais com o mesmo título - O risco de voltar a trabalhar com a China (parte IV).
A China é o banhista gordo. Sair da China provocará/provoca "engarrafamentos" em todo mundo.
Ontem de madrugada, antes de sair de casa, vi este artigo no Financial Times, "BlackRock's Fink says Ukraine war marks end of globalisation":
"Russia's invasion of Ukraine will reshape the world economy and further drive up inflation by prompting companies to pull back from their global supply chains, BlackRock's Larry Fink has warned.
"The Russian invasion of Ukraine has put an end to the globalisation we have experienced over the last three decades," Fink wrote in his annual chairman's letter to shareholders of BlackRock, which oversees $ 10tn as the world's largest asset manager.
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The letter did not mention any specific country that would be hurt by the shifts, but Fink wrote that "Mexico, Brazil, the United States, or manufacturing hubs in southeast Asia could stand to benefit". Other investors have argued that the last group could substitute for China, where BlackRock last year launched a set of retail investment products."
Entretanto, à hora do almoço vi a capa do JdN e li o artigo "Guerra na Ucrânia trava globalização a fundo"... e só uma vez mencionam a China e indirectamente. Escrever sobre globalização e não falar na China!!! Escrever sobre globalização e reduzi-la a compra de petróleo e matérias-primas à Rússia!!!
Eu tento olhar para a big-picture. Por exemplo, na figura que se segue todos os actores estão no país, excepto os consumidores que podem estar cá ou no estrangeiro:
Qual é, qual deve ser o papel de uma associação empresarial nesta teia de interesses conflituantes?
Com China, com a globalização como a conhecemos nos últimos 30 anos, os fabricantes nacionais ou sobem na escala de valor, ou estão condenados a fecharem portas. Não pela falta de competitividade, mas pelo aperto dos salários promovido pelo governo de turno. As marcas intermediárias entre consumidores mundiais e fabricantes nacionais têm o poder de optar por fabricantes estrangeiros.
Sem China, sem a globalização como a conhecemos nos últimos 30 anos, os fabricantes nacionais não precisam de subir na escala de valor, precisam apenas de serem capazes de aumentar os preços para suportar o aumento de custos. As marcas intermediárias entre consumidores mundiais e fabricantes nacionais perdem poder, a procura passa a ser maior do que a oferta de capacidade produtiva, pelo menos no curto-médio prazo.
Qual é, qual deve ser o papel de uma associação empresarial nesta teia de interesses conflituantes?
Em Novembro último publiquei Mea culpa (parte II) onde escrevi:
"Um empresário, um patrão, não tem como responsabilidade mudar o mundo, tem como responsabilidade liderar a sua empresa. Por outro lado, o desafio de a manter à tona é tão grande que raramente encontra tempo para pensar no depois de amanhã, simplesmente reage, o quotidiano é que assume o comando. É cada vez mais difícil encontrar pessoas para trabalhar a receber os salários que pode pagar? Em vez da subida na escala de valor, temos a race to the bottom: Arranjar quem o faça no Brasil, ou na Moldávia ... ou uma prestação de serviços à la Odemira.
Por isso, os portugueses emigram …"
Quando escrevi Moldávia, sabia de uma associação empresarial estar a trabalhar para transferir parte da produção para a Moldávia.
Pergunta sincera, pergunta honesta: Qual é, qual deve ser o papel de uma associação empresarial nesta teia de interesses conflituantes? Apoiar a race to the bottom, ou trabalhar para que se suba na escala de valor, mesmo sabendo que a maioria das empresas no médio prazo não sobreviverá?
Em Novembro o cenário era um.
E em Março de 2022?
A 16 de Março último o Jornal de Notícias publicou o artigo "Calçado perdeu 158 empresas e 4 mil empregos" onde se pode ler:
"Falta de resposta em Portugal está a levar à subcontratação em países como India e Marrocos.
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A importação de gáspeas (a parte superior do calçado, antes de lhe ser aplicada a respetiva sola) ou até de produto acabado de outros países, nomeadamente da India e, mais recentemente, de Marrocos, tem sido uma das soluções adotadas. E a APICCAPS vai estudar mercados alternativos de forma séria e aprofundada.
"É algo que terá de ser pensado em termos de futuro. Não digo que esta é a estratégia do setor, porque essa será sempre a de centrar a produção em Portugal, que é onde está o valor competitivo, mas não podemos fechar a porta a nenhum tipo de negócio neste momento", frisa João Maia, em declarações a JN/Dinheiro à Vivo, à margem de mais uma edição da Micam, a maior feira de calçado do Mundo, que terminou ontem em Milão."
Como consultor trabalho para ajudar uma empresa a atingir os seus objectivos.
Pergunta sincera, pergunta honesta: Qual é, qual deve ser o papel de uma associação empresarial nesta teia de interesses conflituantes? E em função dos papéis que assume, qual deve ser o apoio dado por um governo a essa associação?
Quando em "Calçado precisa de dois a três mil trabalhadores" no Jornal de Notícias de 13 de Março último leio as palavras de Luis Onofre, presidente da APICCAPS:
"Os preços do calçado "vão inevitavelmente ter que aumentar", embora não tenha estimativas dessa subida, por depender de cada artigo. O problema é convencer os clientes. "Os aumentos, sobretudo dos custos energéticos, têm sido brutais e influenciam muito o preço final do sapato, mas os clientes não aceitam aumentos. Não conseguem, ainda, perceber a real dimensão da situação"
Fico a pensar ... Qual é, qual deve ser o papel de uma associação empresarial nesta teia de interesses conflituantes?