Escrevo regularmente neste blogue há mais de 15 anos. Às vezes sinto algum orgulho por causa das previsões em que acerto (por exemplo
Raporal,
Órbita ou
Gráfica Mirandela), e por raramente ter escrito algo do qual me tenha de retratar.
No entanto, hoje gostaria de pôr preto no branco algo que quase soa a retratação. Embora seja mais o resultado de eu próprio ter cometido o pecado do jogador de bilhar amador que tantas vezes refiro aqui.
Herman Simon costuma escrever sobre a falsa percepção que o público tem acerca do lucro das empresas:
"What does the average citizen think about profit?
...
We’ll start with what people think in the United States, where a survey posed the following question to a representative sample: “Just a rough guess, what percent profit on each dollar of sales do you think the average company makes after taxes?” The average response was 36%! This is very consistent with research that advertising guru David Ogilvy cites in his book Ogilvy on Advertising: “the average shopper thought Sears Roebuck made a profit of 37% on sales.” Sears’ true profit at that time was less than 5%.
Responses to similar questions in nine different polls between 1971 and 1987 ranged from 28 to 37% and averaged 31.6%. What is the truth? The actual average after-tax profit margins of US companies over the long term is around 5%. In other words, the respondents overestimated the level of corporate profits by a factor of six. We found very similar perceptions in a study conducted in Italy in 2019. Respondents there estimated net profit margins to be 38%.
People in Germany have also responded to surveys with similar questions. The answers varied between 15.75 and 24.15% with 20% on average. In Austria, a comparable number was 17%.7 In other countries we could not find similar surveys."(fonte 1)
As empresas ganham menos dinheiro do que as pessoas suspeitam. Então em Portugal, país de zombies e de apoio à manutenção de postos de trabalho com um sistema Ponzi encavalitado em empréstimos bancários, é comum justificar os baixos salários com a avareza dos patrões. Contudo, o problema é outro, a falta de concorrência imperfeita, a falta de inovação, a falta de diferenciação real, que leva a demasiada concorrência perfeita.
Ao longo dos anos o meu erro de raciocínio tem sido o de me ficar pelo pensamento de primeira ordem. Ainda ontem
publiquei esta figura:
Enquanto outros falam de produtividade como condição para se ser competitivo, há muito que descobri que produtividade e competitividade são duas realidades distintas.
Como trabalho com empresas concretas o meu foco é na sua competitividade e a coisa até funciona. Recordo os protestos contra os "ateliês" quando lembro a necessidade de
preparar a Fase IV.
O que confesso nunca me passou pela cabeça foram as consequências de um mundo de empresas competitivas, mas não produtivas. Um mundo com salários cada vez mais estagnados não porque os patrões não queiram pagar mais, mas porque o negócio não dá mais.
Um empresário, um patrão, não tem como responsabilidade mudar o mundo, tem como responsabilidade liderar a sua empresa. Por outro lado, o desafio de a manter à tona é tão grande que raramente encontra tempo para pensar no depois de amanhã, simplesmente reage,
o quotidiano é que assume o comando. É cada vez mais difícil encontrar pessoas para trabalhar a receber os salários que pode pagar? Em vez da subida na escala de valor, temos a race to the bottom: Arranjar quem o faça no Brasil, ou na Moldávia ... ou uma prestação de serviços
à la Odemira.
O que leio em "How Rich Countries Got Rich and Why Poor Countries Stay Poor" de Erik S. Reinert.
“Once a considerable gap in real wages has been created, the world market will automatically assign economic activities that are technological dead-ends - and therefore only require unqualified labour, for example, to produce baseballs - to low wage countries. [
Moi ici: Daí as "vitórias de Pirro" sobre a Lituânia e a Polónia]
...
The competitiveness of a country is, according to OECD definition, to raise real wages while still remaining competitive on the world markets. In most of the Third World today this situation is turned upside down: wages are lowered in order to be internationally competitive. [Moi ici: Como não recordar a reportagem dos empresários do turismo algarvio que querem ir buscar filipinos e cabo verdianos porque supostamente os portugueses não querem trabalhar])
Education is increasingly regarded as the key to expanding wealth in the Third World. In countries like Haiti, which specialize in non-mechanized production - in technological dead-ends - raising the level of education of the population will not help to increase the level of wealth in the population. In such countries the demand for educated personnel is minimal. Education is more likely to increase the propensity to emigrate. A strategy based on education succeeds only when combined with an industrial policy that also provides work for educated people, as happened in East Asia.
...
By emphasizing the importance of education without simultaneously allowing for an industrial policy that creates demand for educated people - as Europe has over the last 500 years - the Washington institutions
are just adding to the financial burdens of poor countries by letting them finance the education of people who will eventually find employment only in the wealthy countries.
An education policy must be matched by an industrial policy that creates demand for the graduates.[
Moi ici: Entram aqui os dinheiros da Europa. Como appetizers recordo estas duas breves reflexões acerca da entrada massiça de dinheiro para investir, aqui e aqui]
...
Theory development led to what Schumpeter calls `
the pedestrian view that capital per se propels the capitalist engine'.
The West started thinking that by sending capital to a poor country with no entrepreneurship, no governmental policy and no industrial system, they could produce capitalism. The consequence is that today we virtually stuff money down the throat of countries with no productive structure - where this money could be profitably invested - because they are not allowed to follow the industrial strategy all the presently rich countries followed. Developing countries are given loans they cannot profitably utilize, and the whole process of development financing becomes akin to that of chain letters and pyramid games. Sooner or later the system breaks down, and the ones who designed it, standing close enough to the door when everybody rushes out, are able to make good financial profits, while the poor countries themselves are the losers. This is part of the mechanism that often creates larger flows of funds from the poor to the rich countries than the other way around, one of Gunnar Myrdal's `perverse backwashes' of poverty."[
Moi ici: Reinert propõe o proteccionismo, mas o proteccionismo para um país na UE não é possível. Como resolver a situação sem sair da UE? Seguir a receita irlandesa, não confiar em irlandeses e atrair investimento estrangeiro apostado na concorrência imperfeita, não na extracção venenosa na agricultura e recursos naturais]
O mesmo tema, tratado por
Eugénio Rosa, desvia-se para os salários da função pública. Como é que a função pública não pode deixar de ter salários estagnados se a riqueza criada está estagnada e há cada vez mais gente na função pública ou a depender do orçamento do Estado? Reinert escreve sobre isto quando refere que um barbeiro na Suécia é tão produtivo, em quantidade de trabalho, quanto um barbeiro em Portugal, mas o salário do barbeiro sueco é muito superior ao do barbeiro português, por causa da riqueza criada pelo resto da sociedade. Tal como um motorista de autocarro português que emigra e começa a trabalhar na Suiça como motorista de autocarro...
Fonte 1 - Trechos retirados de “No Company Ever Went Broke Turning a Profit” de Hermann Simon.
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