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segunda-feira, novembro 24, 2025

Quando o contexto revela o caminho

Não vejo televisão o suficiente para apanhar estas coisas, mas o Twitter faz o serviço:

Não acredito que o candidato Cotrim de Figueiredo tivesse pensado nesta postura de início. Ele vinha e vem, tal como Catarina Martins, pagar ao partido o favor de o terem posto nas férias de Bruxelas por pelo menos quatro anos. Acontece que algures, perante o contexto de candidatos adversários mais ou menos acinzentados, terá tropeçado na oportunidade de fazer figura de candidato fora do sistema, e a coisa terá resultado. Ele e a sua equipa terão percebido o feedback e terão decidido aprofundar a postura e seguir cada vez mais por aí.

Não sei se vai ter sucesso, ou melhor, não sei qual o grau de sucesso que vai ter, mas isso é irrelevante para o tema deste blogue. É assim que algumas empresas descobrem as chamadas estratégias emergentes.

Há momentos em que uma empresa — ou um candidato político — tropeça numa oportunidade inesperada. Não foi planeada, não constava nos memorandos internos, não decorre de grandes quadros teóricos nem de modelizações exaustivas. Surge quase por acidente: um gesto, uma reacção do público, um comentário nas redes sociais, uma pequena polémica ou, simplesmente, um contraste favorável com concorrentes mais pálidos (mais beges). É o início de uma estratégia emergente. Arrisco mesmo escrever, se ele esperasse e quisesse mesmo vencer, estaria tão compartimentado, tão crente num Grande Plano, que nunca arriscaria seguir uma intuição.

No princípio, esta descoberta é frágil, tímida, pouco definida. Não tem nome, não tem doutrina, não tem manual. Tem apenas uma coisa: um sinal inicial de validação externa. Aquele instante em que o público reage com mais energia do que o esperado, em que se percebe que ali há qualquer coisa, ainda difusa, que pode diferenciar.

Mas essa validação inicial é apenas o ponto de partida. Uma estratégia emergente não nasce pronta. É insípida, não porque seja má, mas porque ainda não tem forma, ainda não encontrou o seu “porquê” e o seu “como”. Sabe-se apenas que funciona um pouco, num contexto específico, com certas pessoas. Falta-lhe profundidade. Falta-lhe consistência. Falta-lhe alinhamento com o que a organização é por dentro. E aqui entra a liderança: transformar aquele pequeno sinal em algo coerente, repetível, robusto. Uma oportunidade só se torna estratégia quando a liderança a trabalha, refina, torna nítida, disciplina e a articula com os recursos, capacidades, cultura e rotinas da organização.

Este processo de dar forma a algo que surgiu do fora para o dentro é delicado. Implica criar o tal fit, a harmonia entre o exterior e o interior, entre o que o público percebe e o que a organização pode entregar de forma consistente. Implica abandonar ideias antigas, reconfigurar práticas internas, ajustar mensagens, e sobretudo reconhecer que o contexto descobriu uma possibilidade antes da organização a compreender plenamente. É assim que surgem algumas das melhores estratégias: não como planos elaborados em salas fechadas, mas como sementes vindas do mundo real, que uma liderança atenta rega, poda e transforma numa identidade forte e credível.

A estratégia emergente é, em última análise, a capacidade de aproveitar uma onda antes de saber exactamente para onde leva, e depois aprender, corrigir e construir enquanto se navega. As organizações que sabem fazer isto criam uma vantagem rara: conseguem alinhar-se com o futuro enquanto ele ainda está a acontecer.

Continua.

quarta-feira, outubro 29, 2025

Pode ser muito mais do que treta

A propósito de "Bosch avança com lay-off na fábrica de Braga após centenas de despedimentos"

"Estrangulada por falta de chips, a fábrica da Bosch de Braga, a maior do país do grupo alemão, vai avançar para lay-off na próxima semana, mandando para casa a maioria dos cerca de 3.300 trabalhadores, avança o Negócios."

Muitas vezes ouço dizer que a análise de contexto e a análise de riscos organizacionais, exigidas pela ISO 9001, são pura burocracia. Um exercício formal, sem utilidade prática. Mas basta abrir os jornais para perceber como estas ferramentas podem ser vitais para a sobrevivência de uma empresa.

Veja-se este exemplo da Bosch em Braga.

A fábrica, por falta de chips, avança para o lay-off da maioria dos seus 3.300 trabalhadores. A produção fica parada por tempo indeterminado.

A origem do problema não está na fábrica de Braga, nem nos trabalhadores, nem nos processos internos. Está fora: uma crise geopolítica envolvendo a Nexperia, fornecedora de semicondutores. O governo holandês interveio na empresa por questões de propriedade intelectual; o governo chinês respondeu com restrições à exportação. Resultado: chips bloqueados, cadeias de fornecimento estranguladas e a Bosch em Braga parada.

Ora, é exactamente aqui que entram as cláusulas da ISO 9001 que muitos consideram “treta”:

  • Análise de contexto (cláusulas 4.1 e 4.2): uma organização deve identificar factores externos que podem influenciar a sua capacidade de cumprir os objectivos. Neste caso, a dependência de fornecedores críticos de chips, localizados em regiões vulneráveis a tensões políticas, seria um factor de peso.
  • Análise de riscos e oportunidades (cláusula 6.1): a empresa deveria avaliar a probabilidade de interrupção no fornecimento de semicondutores e o impacto devastador que tal interrupção teria na produção. Isto obrigaria a pensar em medidas: diversificação de fornecedores, contratos alternativos, stocks de segurança, planos de contingência para suspender e retomar a produção.
  • Objectivos da qualidade (cláusula 6.2): não faz sentido definir metas de entrega e produtividade desligadas da realidade externa. Se não se consideram os riscos da cadeia de abastecimento, os objectivos ficam sempre em risco de não serem cumpridos.

Este exemplo mostra que a ISO 9001 não se resume a garantir produtos conformes. Ela obriga as organizações a olhar para fora, a ler os sinais do contexto e a antecipar riscos.

No fundo, é uma questão de resiliência. Quem encara a ISO 9001 como burocracia perde a oportunidade de usá-la como radar e bússola. Quem a leva a sério tem mais hipóteses de resistir a choques, proteger empregos e garantir futuro.

A qualidade não está apenas no produto que sai da linha. Está também na capacidade de uma organização se preparar para o inesperado. 

Quer evitar que a sua empresa seja apanhada de surpresa por factores externos como os que afectaram a Bosch em Braga?

Posso ajudar a sua organização a fazer uma análise estruturada de contexto e de riscos, transformando o que parece ser apenas burocracia da ISO 9001 numa ferramenta prática de resiliência e tomada de decisão.

Se a sua empresa precisa de alinhar objectivos com a realidade do mercado, antecipar riscos críticos e preparar-se para o inesperado, fale comigo. Não sou bruxo, mas ando nisto há muitos anos e este blogue é a evidência do que faço e analiso.

quinta-feira, outubro 02, 2025

Não é apenas teoria económica, mas prática viva em plena guerra tecnológica


Ontem publiquei "As estratégias são como os iogurtes" onde recordei Beinhocker e a ideia de ver a economia como uma continuação da biologia, daí evolutionary economics.

Também ontem, mas no FT, o artigo "Ukraine drone makers race to outwit Russia" tem tudo a ver com evolutionary economics.

O artigo descreve como a Ucrânia está a desenvolver rapidamente drones interceptores de baixo custo para enfrentar os drones kamikaze russos (como os Shahed). A estratégia é criar soluções baratas, flexíveis e escaláveis, capazes de neutralizar ameaças em grande número, ao contrário dos sistemas ocidentais tradicionais, que são caros e pensados para alvos de maior altitude. Este movimento não só responde à guerra actual, como também serve de lição para os planeadores de defesa europeus, que podem ter de repensar as suas próprias estratégias de defesa aérea.
"Ukraine's multi-layer air defence model uses sophisticated missile systems... However, such systems are unsuited for dealing with the threat from large numbers... of relatively cheap, low-altitude and low-speed kamikaze drones such as the Geran-3 and Shahed-136 drones used by Russia." [Moi ici: Sistemas caros não são adequados contra drones russos baratos em massa, há necessidade de inovação acessível e rápida.]
"The bullet-shaped quadcopter is a drone killer, developed in a matter of months by Ukraine's defence technology sector. Kyiv is racing to produce thousands of such interceptors..." [Moi ici: Protótipos de baixo custo, desenvolvidos em meses, para enfrentar drones russos.]
"Ukrainian companies have been working on air defence drones for barely a year but already many are shifting to mass manufacture after having combat-tested new interceptors..." [Moi ici: Ciclo rápido de experimentação → teste em combate → melhoria → produção em escala.]
"Drone makers said Europe needed to learn lessons from Ukraine's rapid responses. 'The real problem is that you need at least a thousand flowers blooming and then let the best ones weed out, said Luke Snyder of Tytan Technologies."  [Moi ici: Lições para a Europa: incentivar diversidade de soluções e deixar a selecção natural actuar.]
''We are expanding production at a dramatic pace, said Alex Sirok of Wild Hornet... Serhiy Sternenko, an activist whose crowdfunding platform is financing drone output [Moi ici: Startups e crowdfunding aceleram inovação e produção, descentralizando esforços.]
Estas duas últimas citações fazem-me lembrar Baltimore em 1919 e o desenvolvimento do automóvel. Quando se vive no tempo dos pioneiros o que é preciso é variedade.

Na guerra dos drones na Ucrânia vemos, em tempo real, aquilo que Eric Beinhocker descreve como evolutionary economics:
  • Variedade: “Various technologies have been introduced…” → surgem múltiplos protótipos, cada um com a sua aposta.
  • Selecção: “‘You need at least a thousand flowers blooming and then let the best ones weed out.’” → algumas ideias funcionam, outras morrem.
  • Retenção: “Already many are shifting to mass manufacture after having combat-tested new interceptors…” → o que resulta é escalado e replicado.
  • Pressão selectiva: “Russia is increasingly using its cheap… Shaheds… Ukrainian companies are working on faster models.” → o inimigo força inovação constante.
  • Inovação descentralizada: “Another lesson is the need for constant iteration… that only start-ups can achieve quickly.” → startups lideram a adaptação veloz, outra vez Baltimore.
Um exemplo claro de como variation → selection → retention não é apenas teoria económica, mas prática viva em plena guerra tecnológica.

BTW, o FT tem publicado artigos sobre o tema dos drones e a guerra da Ucrânia com alguma frequência:

sábado, setembro 27, 2025

Calçado e têxtil - uma directiva transformacional!!!



Eu sei que é fim de semana e que muita gente ao fim de semana desliga, mas o mundo continua a girar.

Amigos do calçado e do têxtil, já olharam para a Directiva (UE) 2025/1892 do Parlamento Europeu e do Conselho de 10 de setembro de 2025 que altera a Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos? 

Acreditem, esta directiva para o têxtil e para o calçado é transformacional (vai mudar modelos de negócio, produtos e custos).

Por exemplo:
  • Responsabilidade alargada do produtor obrigatória: terá de financiar recolha, triagem, reutilização e reciclagem dos produtos colocados no mercado.
"(22) Em conformidade com o princípio do poluidor-pagador, referido no artigo 191.°, n.° 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), é essencial que os produtores que disponibilizem pela primeira vez no mercado no território de um Estado-Membro determinados produtos têxteis, relacionados com os têxteis e de calçado assumam a responsabilidade pela gestão dos mesmos na fase de fim de vida
...
(34) Os produtores deverão ser responsáveis pela criação de sistemas de recolha de todos os produtos têxteis, relacionados com os têxteis e de calçado usados e em fase de resíduo, bem como pela garantia de que os mesmos são posteriormente sujeitos a triagem para reutilização, preparação para reutilização e reciclagem," 

  • Taxas moduladas: pagam mais se os produtos não forem concebidos para circularidade; pagam menos se incluírem fibras recicladas, forem reparáveis e duráveis. 
"(39) Além do mais, a modulação de taxas de responsabilidade alargada do produtor é um instrumento económico eficaz para incentivar uma conceção de têxteis mais sustentável que, por seu lado, conduzirá a uma melhor conceção, que esteja em consonância com os princípios da circularidade. A fim de proporcionar um forte incentivo à conceção ecológica, tendo simultaneamente em conta os objetivos do mercado interno e a composição do setor têxtil, onde predominam as PME, é necessário harmonizar os critérios para a modulação das taxas de responsabilidade alargada do produtor com base nos parâmetros de conceção ecológica mais pertinentes,"

  • Proibição do fast/fashion como modelo dominante: pressão regulatória contra ciclos curtos de produção/consumo. 
"(40) As práticas industriais e comerciais, como a moda rápida e ultrarrápida, influenciam a duração da utilização do produto e a probabilidade de um produto se tornar um resíduo devido a aspetos não necessariamente relacionados com a sua conceção, e baseiam-se frequentemente na segmentação do mercado. Tais práticas poderão fazer com que o produto seja descartado prematuramente, antes mesmo de chegar ao fim da sua vida útil potencial, o que resulta num consumo excessivo de produtos têxteis e, consequentemente, numa produção excessiva de têxteis em fase de resíduo. A fim de identificar melhor essas práticas e permitir a ecomodulação das taxas de responsabilidade alargada do produtor, os Estados-Membros poderão considerar critérios como a largura da gama de produtos, entendida como o número de referências de produtos oferecidas para venda por um produtor, com limiares definidos por segmento de mercado, a frequência das ofertas, entendida como o número de referências de produtos por segmento de mercado oferecido para venda por um produtor num determinado período, ou os incentivos à reparação, entendidos como a probabilidade de o produto ser reparado com base no seu rácio de custos de reparação ou na prestação de um serviço de reparação pelo produtor."

  • Necessidade de redesenhar processos: inclusão de fibras recicladas, maior transparência na cadeia de fornecimento.
"(30) Além disso, a atual gestão de têxteis em fase de resíduo é ineficiente em termos de recursos, está desalinhada da hierarquia dos resíduos e conduz a danos ambientais, 
...
A responsabilidade alargada do produtor relativamente a produtos têxteis, relacionados com os têxteis e de calçado tem como finalidade assegurar um elevado nível de proteção do ambiente e da saúde na União, criar uma economia de recolha, triagem, reutilização, preparação para reutilização e reciclagem, em especial a reciclagem de fibras em novas fibras, bem como dar incentivos para que os produtores assegurem que os seus produtos sejam concebidos de acordo com os princípios da circularidade.
...
(31) e o apoio à investigação e ao desenvolvimento para a conceção ecológica de têxteis que não contenham substâncias que suscitam preocupação."
  • Risco para PMEs: encargos administrativos e financeiros elevados, mitigados se se associarem a organizações coletivas de RAP.
"(25) Tais regras deverão ainda ser mais pormenorizadas e harmonizadas para evitar a criação de um mercado fragmentado suscetível de ter um impacto negativo no setor, em especial nas microempresas e nas PME, 
...
(43) Uma vez que as PME compõem 99% do setor têxtil, é conveniente procurar reduzir, tanto quanto possível, os encargos administrativos decorrentes da aplicação de um regime de responsabilidade alargada do produtor"
Sim, eu sei, para muitos o copo está meio vazio e isto vai ser mais custos. A alternativa é abraçar a mudança e ver que oportunidades podemos encontrar ou desenvolver com esta novidade. Por exemplo, a directiva liga as contribuições financeiras à qualidade do design dos produtos: quanto mais alinhados com os princípios da circularidade, menos pagam as empresas. Na prática, isto traduz-se em:
  • Durabilidade: fabricar peças que resistam mais tempo ao uso, evitando descartes prematuros. 
  • Reparabilidade: facilitar a substituição de componentes (fechos, botões, solas, palmilhas) e disponibilizar peças de reposição ou serviços de reparação.
  • Uso de materiais reciclados: integrar fibras recicladas de qualidade, promovendo uma economia de ciclo fechado.
Para as PMEs portuguesas, muitas das quais já têm reputação internacional em qualidade e detalhe, esta exigência pode transformar-se numa vantagem competitiva: reforçar o posicionamento "premium" e diferenciar-se da produção de baixo custo asiática e não só.

Riscos fortes para as fábricas que dependem de ciclos de moda curta (fast fashion ou private label com colecções rápidas), elas vão sentir um choque. A própria directiva penaliza este modelo, associando-o a sobreprodução e desperdício. Quem continuar a apostar em quantidade, baixa durabilidade e colecções aceleradas verá os custos regulatórios disparar e enfrentará barreiras acrescidas na exportação.
Por outro lado, fábricas que se posicionem em nichos de qualidade, reparação, segunda vida e circularidade podem ganhar espaço:
  • Criando linhas de produtos "eco-premium" com selo de sustentabilidade.
  • Firmando parcerias com marcas que valorizam durabilidade e reparabilidade.
  • Explorando novos modelos de negócio (aluguer, retoma, revenda em segunda mão).
Ou seja, a directiva pode ser vista não apenas como um custo adicional, mas como um filtro de mercado: quem estiver preparado para competir pelo valor, pela sustentabilidade e pela inovação terá mais hipóteses de crescer.

Recordo o recente "Anichar, ao vivo e a cores" sobre as reparações.


Ainda acerca da reciclagem têxtil:
Isto já vai demasiado longo, vou escrever um outro postal sobre as oportunidades e riscos relacionados com esta directiva.

sábado, maio 24, 2025

As vítimas... não são agentes livres?

Li no The Times do passado 5 de Maio "Appeal for farmers to earn more from food".

A baronesa Minette Batters, ex-presidente da National Farmers' Union no Reino Unido e actual líder de uma revisão sobre a rentabilidade agrícola, alerta que os agricultores devem ganhar mais com a produção de alimentos do que com subsídios ambientais como painéis solares ou projectos de reflorestação (rewilding). Actualmente, produzir comida muitas vezes é menos rentável do que outras formas de uso da terra.

"Batters stressed that the review would prioritise treating farms as businesses that needed to be economically viable in order to survive. Central to the review is the issue of how little farmers receive from the sale of their produce compared with what they invest in producing it."

Batters defende que as explorações devem ser tratadas como negócios viáveis, e denuncia práticas injustas dos supermercados, que pagam tarde e mal, aumentando a pressão económica sobre os produtores.

Inglaterra igual a Portugal. A incapacidade de olhar para as coisas como elas são. Então os agricultores não são livres? Não têm o poder de tomar decisões?

Recordo:

"Treating farms as businesses" - Esta frase sugere uma vontade de encarar a agricultura com racionalidade económica, o que é, à partida, uma boa notícia. Ou seja, abandonar a visão romântica ou meramente subsidiada da agricultura e centrar o debate na viabilidade económica da actividade agrícola.

"How little farmers receive compared with what they invest" - Aqui Batters aponta para um desequilíbrio entre custos de produção e rendimentos obtidos - uma crítica recorrente de agricultores em muitos países. O subtexto é que os preços pagos aos agricultores são tão baixos que colocam em causa a sobrevivência do sector.

Na prática, Batters parece colocar o ónus apenas no Estado e nas cadeias de distribuição, dizendo que:

  • o governo deve rever o equilíbrio entre subsídios ambientais e apoio à produção alimentar,
  • os supermercados pagam mal e pagam tarde, e que 
  • a agricultura deve ser tratada como negócio — mas sem implicar que os agricultores tenham de ajustar o seu modelo de negócio.

Ou seja: reclama-se viabilidade, mas não se discute a responsabilidade empresarial do agricultor.

O que está ausente nesta declaração?

Não há referência à melhoria de produtividade. Nem à diferenciação de produto. Nem à organização dos produtores para ganhar poder de negociação. Nem à inovação nos modelos de negócio ou canais de distribuição.

É como se a viabilidade económica dependesse apenas do contexto externo (subsídios e preços, ou seja, o locus de controlo externo), e não da capacidade de gestão e adaptação dos próprios agricultores. Isso pode gerar uma leitura passiva do papel do agricultor — como se fosse apenas uma vítima e não também um agente económico com margem de acção.

O que falta dizer é que: A viabilidade também depende da capacidade de cada agricultor em gerir bem, inovar e adaptar-se. A agricultura é uma actividade económica, e como qualquer negócio, implica risco, decisão e responsabilidade.

A caricatura diz "Os alemães que trabalhem" e é tipicamente tuga. Em Inglaterra será antes: "Os saxões que trabalhem".

terça-feira, maio 20, 2025

Não se pode esperar por certezas

"How can companies plan ahead when it feels like tomorrow may look nothing like today? It's the question hanging over boardrooms as business leaders contend with a barrage of challenges - from AI disruption and geopolitical tensions to tariffs and financial market fluctuations driven by how trigger-happy the US president is on social media. The heightened uncertainty is palpable.
...
In this climate, it's no wonder the tools used to stress test corporate strategies are under scrutiny. For decades, scenario planning has helped organisations map out a range of futures based on variables including economic shifts, technological leaps and regulatory changes. Pioneered at Shell - which foresaw the 1973 oil shock - scenario planning has become a corporate staple. But as boxer Mike Tyson famously said: "Everyone has a plan until they get punched in the face." Or as one UK board chair told me: "The one scenario everyone seems to have forgotten to plan for is the one where all the scenarios are wrong."
...
It's a common refrain among business leaders that they're in a wait-and-see mode. But wait too long and companies lose momentum, become less innovative and enter into a state of decision paralysis. Act too soon and businesses might make costly choices that require backtracking. [Moi ici: Esperar pode parecer prudente, mas muitas vezes leva à inércia. As PME precisam de manter ciclos curtos de decisão, Boyd again, experimentação e correcção — mesmo que à escala pequena. É melhor testar uma ideia imperfeita hoje do que lamentar a paralisia amanhã. Recordar o estoicismo para PME]
...
says there is a high degree of "wishful thinking" at most companies at the highest levels. "Everybody is looking for certainty and wants to land on one model for the future," [Moi ici: Não esperar por certezas para agir. As PME que adiam decisões à espera de “certeza” arriscam-se a perder agilidade, inovação e até viabilidade. A incerteza não vai desaparecer — o que muda é a capacidade de navegar dentro dela. Decidir com base em informação imperfeita é hoje uma competência de gestão, não uma falha
...
But scenario planning was never about predicting the future — it's about training for it. [Moi ici: Não se trata de adivinhar o futuro, mas de preparar respostas para diferentes hipóteses. Uma PME não precisa de modelos sofisticados. Basta reunir a equipa e perguntar: E se perdermos o nosso maior cliente? E se um novo concorrente oferecer o mesmo serviço por metade do preço? E se o nosso fornecedor principal parar a produção? Simular reacções é mais importante do que tentar prever datas. Planeamento de cenários não é futurologia — é preparação] Asking "what if?" has clear benefits. David Niles, a strategic adviser to chief executives, tells his clients that "it's not about getting the forecast right - it's about having a series of plays ready, so when the unexpected happens, you're not frozen".
It's one thing to imagine alternative futures, but another to know when to shift course. In the short term, leaders need to buy themselves time. [Moi ici: A flexibilidade estratégica não é só pensar em alternativas — é saber quando agir. As PME devem identificar sinais precoces (clientes a pedir algo novo? custos a subir? comportamento de concorrentes?) e preparar decisões de desvio antes de serem forçadas a reagir em pânico]
...
One chief financial officer told me: "In this environment, it's easier to identify risks than it is to see the opportunities." If companies focus only on downside protection, they may miss the upside in moments of disruption. The goal of scenario planning isn't just to survive one crisis after another. It's also to become the kind of organisation that can adapt and grow no matter what's around the corner." [Moi ici: As PME não controlam o contexto, mas podem controlar a sua capacidade de resposta. O investimento em competências de adaptação, em equipas capazes de agir sem esperar ordens, em processos flexíveis — isso sim, é o verdadeiro seguro contra o futuro]

Trechos retirados de “Never-ending uncertainty is a stress test for scenario planning” publicado no Financial Times do passado dia 13 de Maio.



sexta-feira, maio 16, 2025

Não espere por uma crise para acelerar



Um dos arquétipos de Peter Senge é o da "Escalada"


Muitas empresas vivem este arquétipo no dia-a-dia, intuitivamente. Penso que a maior partes das vezes é um péssimo estado. Péssimo porque a vida comercial não é uma batalha em que a sobrevivência de uma empresa depende da morte dos concorrentes. A vida comercial é um desafio para cativar e satisfazer clientes. Gosto cada vez mais daquela definição que aprendi com Roger Martin:
"Strategy is about making an integrated set of choices that compels desired customer action."
Dito isto, achei muito interessante o tema da escalada na evolução dos drones na guerra de invasão da Ucrânia pela Rússia que encontrei no FT do passado dia 12 de Maio em "Ukraine battles to stay one step ahead of Russia in drone war".

O artigo relata a corrida tecnológica entre a Ucrânia e a Rússia no domínio dos drones. Oleksandr Yakovenko, director-executivo da TAF Drones, explica que Kyiv já esteve várias etapas à frente mas hoje mantém apenas uma ligeira vantagem, obrigando-se a inovar constantemente. A Ucrânia gasta centenas de milhões em drones e componentes - muitos provenientes da China - e adapta-se rapidamente a novas tácticas russas, como sistemas de interferência ou drones com fibra-óptica impossível de bloquear. Moscovo, por seu lado, profissionalizou a produção, reduziu custos e introduziu drones kamikaze de longo alcance. O artigo sublinha que o "campo de batalha" não é só tecnologia: é capacidade de alterar estratégias, cadeias de abastecimento e processos de I&D em tempo recorde.

Algumas lições para o mundo das PME:
"Two years ago we were two steps ahead of the Russians... Now, though, we are just one step ahead of them." - Oleksandr Yakovenko [Moi ici: A vantagem competitiva é sempre temporária. Mesmo que uma empresa lidere o mercado hoje, um concorrente pode recuperar terreno rapidamente se conseguir apresentar uma oferta que os clientes passem a preferir, graças a uma inovação mais ágil]
...
We tend to innovate first. But when we create something new they quickly come up with a response. [Moi ici: Inovar exige ciclos curtos e coragem para agir rápido. Recordar Boyd!!! Não basta inovar uma vez e ficar à sombra da bananeira. É fundamental manter a cadência e a velocidade de resposta – como num jogo de xadrez em tempo real]
...
In the past three years China has provided most of the thermal cameras, carbon frames and battery cells for the first-person-view drones. [Moi ici: Repensar a cadeia de abastecimento é parte da inovação. Redesenhar cadeias de abastecimento pode desbloquear velocidade e independência face a fornecedores críticos]
...
[The battlefield] is not about new technology... It's about how to adapt to new strategies. [Moi ici: A aprendizagem contínua é um activo estratégico. As equipas que reflectem, testam e corrigem rapidamente terão sempre vantagem sobre as que apenas planeiam. Veio-me logo à mente esta imagem de 2007]
...
Russia goes step by step. If it continues like this [year], yes, for us it becomes impossible [for us] to go on defending. [Moi ici: A complacência é uma ameaça invisível. Quem ignora sinais de mudança (mesmo vindos de um concorrente atrasado) arrisca-se a perder terreno de forma irreversíve. Recordar este artigo recente, e este outro, e ainda este outro]

Num mundo em que a inovação já não é uma vantagem, mas uma condição de sobrevivência, as PME não podem esperar por momentos de crise para se mexerem. A história dos drones na guerra da Ucrânia mostra-nos o essencial: quem lidera hoje pode estar a defender-se amanhã.

Olhe para a sua empresa com honestidade:
  • Estamos verdadeiramente atentos aos nossos clientes-alvo? Sabemos como estão a evoluir as suas preferências, os seus critérios de escolha, o que valorizam hoje mais do que há um ano? Ou continuamos a oferecer-lhes o que sempre funcionou, esperando que as suas expectativas não mudem?
  • Estamos a melhorar mais depressa do que os nossos concorrentes?
  • Temos ciclos curtos de decisão, aprendizagem e acção?
  • A nossa cadeia de fornecimento é robusta, flexível e estratégica?
  • Observamos os concorrentes apenas como indicadores de mudança na preferência dos clientes — e não como inimigos?

Não espere por uma crise para acelerar. Monte hoje a sua própria "unidade de drones". Teste. Aprenda. Adapte. Repita.

Não para vencer ninguém, mas para continuar a merecer ser escolhido.

segunda-feira, maio 12, 2025

A mudança externa não avisa com antecedência


Mais um interessante artigo no FT, desta feita de 10 de Maio passado, que ilustra como o tema da estratégia e do contexto são uma presença quotidiana, se estivermos atentos. O artigo intitula-se, "WeightWatchers blames diet drugs and social media for Chapter 11 bankruptcy":
"A one-two punch of diet drugs and TikTok undermined one of the most trusted brands in fat loss, lawyers for Weight Watchers told a US bankruptcy judge, as the bankrupt company seeks to reorganise into a slimmer version of itself.

WeightWatchers, officially known as WW International, Inc, filed for Chapter 11 bankruptcy protection this week in a Delaware federal court, with the company having already cut a pre-packaged deal to hand control of the business to secured lenders and bondholders.
As recently as 2018, WeightWatchers, whose core business relied on hosting workshops for people sharing the experience of fighting fat together, had $1.5bn in annual revenue and a market capitalisation of more than $7bn.
Oprah Winfrey owned a tenth of the company and joined its board of directors. But the Coronavirus pandemic gutted the WeightWatchers workshop model and annual revenue fell to under $800mn by 2024.
...
"Consumers are increasingly prioritising holistic health and rejecting traditional weight-loss narratives," WeightWatchers wrote in a court filing submitted this week.
It added: "The rise of free and low-cost do-it-yourself ("DIY") weight-loss apps reflects consumers' growing demand for self-guided, flexible solutions. The DIY trend is further fuelled by influencers sharing personal success stories and guidance via social media, including Instagram, TikTok and YouTube."
In 2023, WeightWatchers bought the telehealth start-up, Sequence, for $106mn. Sequence then became the company's clinical offering that could prescribe GLP-1s such as Ozempic and Wegovy.
Still, the company remained largely wedded to the workshop model, even as its subscriber count fell 12 per cent to 3.3mn in 2024 and its new prescription business failed to make up the difference."
Este caso é um alerta claro para todas as empresas, independentemente do sector. Ignorar alterações no contexto externo - sejam tecnológicas, culturais ou regulatórias - pode destruir até marcas fortes e bem estabelecidas.

Lições para as empresas:
  • A lealdade dos clientes não é eterna. As preferências mudam rapidamente, especialmente quando surgem soluções mais eficazes ou mais convenientes.
  • Novos participantes com modelos digitais e inovadores podem alterar por completo o mercado (ex: apps e influencers que substituem a proposta da WW).
  • Mudanças tecnológicas e científicas (ex: medicamentos GLP-1) podem tornar obsoletos modelos de negócio bem sucedidos.
  • A inovação reactiva pode não ser suficiente. A WeightWatchers tentou adaptar-se tarde demais, e de forma pouco integrada com o novo paradigma.
  • Monitorizar o contexto externo não é opcional. É uma disciplina essencial para a sobrevivência e a relevância.
Quantas empresas continuam a operar como se o seu mercado fosse o mesmo de há 10 anos? Quantas estão a monitorizar seriamente as mudanças tecnológicas, sociais, regulatórias ou demográficas que as podem afectar?

A WeightWatchers é um lembrete brutal: a mudança externa não avisa com antecedência. 

Como é que a sua organização está a ler o contexto?

domingo, maio 11, 2025

Yamaha finds sax appeal as piano sales fall in China

O FT de ontem trazia o artigo "Yamaha finds sax appeal as piano sales fall in China".

O artigo descreve como a Yamaha, o maior fabricante mundial de instrumentos musicais, está a ajustar-se à mudança demográfica da China, onde o envelhecimento da população e a queda da taxa de natalidade estão a reduzir drasticamente as vendas de pianos. A empresa está a apostar agora em instrumentos como o saxofone digital, que está a tornar-se popular entre idosos reformados, especialmente mulheres, que descobrem na música uma nova forma de expressão e lazer.

A Yamaha vê os reformados como um novo segmento promissor e aposta em instrumentos como saxofones, mais acessíveis e digitais. É o que apelidam de "silver economy"), o crescimento do consumo por parte dos maiores de 60 anos, que procuram hobbies para uma nova fase da vida.

Não é só inovação de produto — é leitura de contexto, visão de futuro e realinhamento com intenção.

O contexto muda. Sempre mudou.

Mas hoje muda depressa, em simultâneo, em várias frentes - demografia, clima, tecnologia, valores. Os líderes que se destacam são os que não tratam a mudança como ameaça, mas como bússola.

E a sua organização? Está a resistir ou a realinhar?

domingo, abril 27, 2025

Acerca da incerteza

"What is uncertainty?
Most formal definitions say it is a 'lack of certainty', so we need to look at definitions of 'certainty'. The onsensus is along the lines of
Certainty: firm conviction, with no doubts, that something is the case.
This clearly expresses the idea that certainty is a personal feeling. Therefore so is uncertainty, which occurs when someone does not have firm convictions and does harbour doubts. This is reflected in a more formal definition,? which I personally find appealing:

Uncertainty: the conscious awareness of ignorance

The crucial issue reflected in these definitions is that we shall not be thinking of uncertainty as a property of the world but of our relationship with the world. This means that two individuals or groups can, quite reasonably, have different degrees of uncertainty about exactly the same thing, due to them having different knowledge or perspectives
...
  • Uncertainty is a relationship - with a subject who observes, an object that they are uncertain about, a source, a mode of expression, and sometimes an emotional response. 
  • ...
  • Uncertainty is personal, and our own knowledge can mean we have very different uncertainty to someone else."
A expressão "A incerteza é pessoal e contextual" significa que a forma como percebemos e sentimos a incerteza depende da pessoa (ou grupo) e da situação concreta em que se encontra.

A incerteza varia de pessoa para pessoa, mesmo quando o facto ou evento é o mesmo. Porque cada um tem níveis diferentes de conhecimento, experiência, acesso à informação ou até de confiança.

O nível de incerteza também depende das circunstâncias e do momento. Numa fábrica, uma falha no fornecimento pode ser altamente incerta e crítica em plena época de pico de produção, mas irrelevante noutra altura. Ou, numa decisão médica, a incerteza pode ser mais tolerável se houver tempo, mas inaceitável numa situação de emergência.

Formular uma estratégia numa PME é, antes de mais, lidar com a incerteza. Não uma incerteza abstracta ou puramente racional, mas uma incerteza vivida - pessoal e contextual. Cada decisor tem um nível diferente de conhecimento, experiência e acesso à informação, o que faz com que perceba o futuro com graus distintos de convicção ou dúvida. E o contexto — económico, competitivo, tecnológico ou mesmo interno — amplifica ou reduz essa incerteza, dependendo do momento e das circunstâncias. O que para um gestor pode parecer uma oportunidade clara, para outro pode ser um risco intolerável. Esta natureza relacional da incerteza ajuda a explicar porque é que tantas PME hesitam ou adiam decisões estratégicas (vou escrever sobre isto a propósito de um podcast e do final deste postal): não é falta de visão, mas sim a consciência aguda de que estão a escolher caminhos em terreno instável. Entender a incerteza desta forma permite tornar o processo estratégico mais humano, mais dialogado e, paradoxalmente, mais robusto.

Trechos retirados de "The Art of Uncertainty: How to Navigate Chance, Ignorance, Risk and Luck" de David Spiegelhalter

sexta-feira, março 28, 2025

O dia seguinte ao pico — a lição do pós-pandemia



No Wall Street Journal de 25 de Março no artigo "What Covid's One-Hit Wonders Should Have Taught Us", sublinhei este trecho:
“Covid beneficiaries were like those thematic stocks on steroids, jumping at the same time in a way that looks silly with the benefit of hindsight.
Investors treated their sales gains in 2020 and 2021 as if they would keep going. Even if that were possible, competitors pounced on the same opportunities. Companies that sold in-demand physical goods during the emergency even cannibalized their own future demand.”
A frase resume com precisão a ilusão de continuidade que tomou conta de muitas empresas e investidores durante e após a pandemia.

Em Janeiro de 2023, fui contactado com urgência por um fornecedor de peças plásticas, pressionado pelo seu principal cliente a obter a certificação ISO 14001. 2022 tinha sido o melhor ano de sempre para eles — um verdadeiro pico. No entanto, não recebi qualquer feedback à proposta que apresentei. Só em Abril, após ter enviado um e-mail formal a agradecer a oportunidade, recebi um telefonema: tinham gostado da proposta, sim, mas nesse momento o cliente tinha praticamente bloqueado as encomendas, por falta de procura no mercado das bicicletas. O pico passara.

Este episódio encaixa como uma luva no que escrevi no postal "Diversificação e entropia." Dias depois, uma mão amiga enviou-me um recorte do relatório de contas da SEMAPA de 2023, onde se lia que a empresa tinha adquirido 100% da Triangle’s Cycling Equipments — uma referência mundial na produção automatizada de quadros para e-bikes. Mesmo num mercado em contração, há quem continue a investir com uma lógica de longo prazo, talvez apostando numa nova vaga — ou talvez sem aprender com a anterior.

E no passado dia 24, o Financial Times publicou o artigo "KKR's bad bet on cycling hints at bumps ahead", sobre o investimento de 1,8 mil milhões de euros da KKR na Accell (fabricante da Haibike) durante o boom pandémico. Com a procura em alta, a promessa de crescimento parecia imparável. Mas menos de dois anos depois, a Accell enfrentava queda nas vendas, excesso de inventário, necessidade de reestruturação, e prejuízos avultados.
“The deal boom was fuelled by cheap money and optimism about how the pandemic would spur the adoption of new technology…” [Moi ici: A nossa velha lição aprendida no day-after de um temporal na EN 109-5]


quinta-feira, fevereiro 06, 2025

Quando se esquece a razão de ser...


Um excelente artigo, "Have America's industrial giants forgotten what they are for?"

O artigo termina assim:
"Well-established companies should ask themselves a simple question, says McGrath: "Who in the company is in the business of looking after its future?
"In most of the companies I work with, it's in between the head of innovation, with no power, and the C-suite, where it isn't taken really seriously. And I think that's a problem.""

Alguns trechos do artigo:

"Ortberg also went to the heart of what many believe is the reason Boeing, once an icon of US manufacturing pride and engineering prowess, had lost its way. "We... need to focus our resources on performing and innovating in the areas that are core to who we are," he wrote.

...

Boeing "abandoned its larger reason for being — the values and sense of purpose that had fuelled the firm's success throughout the 20th century".

...

Maximising one measure of success - and ignoring information not related to that metric - distracts companies from innovation and better long-term staff relations, he adds. [Moi ici: Interessante, isto tem tudo a ver com a experiência do gorila]

...

Size is one potential threat to a coherent industrial culture.

...

"Companies develop, they pick up a lot of 'stuff' — rules that don't make any sense, a lot of bureaucracy," she adds. "Unless you have companies that bring these things into balance, the entropy of just being a large company takes over."

[Moi ici: O artigo volta ao velho exemplo da Kodak e culpa Wall street pela pressão exercida que impediu a empresa de dar o salto para o mundo digital porque estava focada em manter o negócio do filme com elevadas margens. No entanto, as empresas que não estão em bolsa também sofrem esta pressão para apostar no negócio que está a dar em detrimento do que poderá vir a dar num futuro incerto, têm de pagar salários, têm de pagar impostos, têm de ...] "a Kodak moment" is now more likely to be used to describe a failure to spot an approaching technological change than a memorable scene worth photographing.

But Kodak had been exploring digital imaging since the 1970s. It was Wall Street that pressured the company to continue milking its high-margin analog film business, even as it became clear that consumers would inevitably switch to digital."

Pensam que o problema só existe com as empresas grandes? Recordo de Maio de 2023:

"Então com empresas familiares é muitas vezes doloroso ... A única pessoa que pode dedicar tempo a isto está a conduzir um empilhador para arrumar paletes, ou está a substituir um operário especializado que está de baixa... e quem pensa no futuro da empresa? Quem encara de frente o monstro da erosão competitiva?"  

Voltando ao artigo, enquanto o lia várias vezes fui recordado do que aqui tenho escrito ao longo das décadas sobre a doença anglo-saxónica. Por exemplo neste postal de Março de 2020 faço uma resenha sobre o tema.

quarta-feira, janeiro 22, 2025

Tendências e especulação

Há dias, 20.01, o FT trazia um artigo sobre problemas nas universidades inglesas "Finance pressures force staff cutbacks and course closures":

"More than a third of elite UK universities were forced to make further staff cuts last year, while severance spending across the Russell Group rose by more than a fifth, according to Financial Times analysis.

Ten of the 24 universities in the group said they ran voluntary severance schemes in 2024, offering staff compensation packages in exchange for taking voluntary redundancy."

Na revista The Economist da mesma semana podia ler-se "Peak MBA?" O artigo aborda o declínio no valor percebido e no impacte dos MBAs em escolas de negócios de elite nos Estados Unidos, destacando a dificuldade crescente dos graduados em encontrar empregos de alto nível, especialmente nos sectores tradicionais como consultoria e tecnologia:

"At the top 15 business schools, the share of students in 2024 who sought and accepted a job offer within three months of graduating, a standard measure of career outcomes, fell by six percentage points, to 84%. Compared with the average over the past five years, that share declined by eight points.

Some declines are jaw-dropping. The Massachusetts Institute of Technology (MIT) has a decent claim to be the world's top university. But at its business school, named after Alfred Sloan, a giant of the car industry during the 2oth century, the wheels are coming off. During the decade to 2022, on average 82% of its students searching for a job had accepted one at graduation, and 93% had done so three months later. In 2024 those figures were 62% and 77%, respectively. At some elite schools the reality may be even worse than it looks."

Entretanto, no WSJ da semana anterior podia ler-se, "Even Harvard M.B.A.s Struggle to Score Jobs":

"Landing a professional job in the U.S. has become so tough that even Harvard Business School says its M.B.A.s can't solely rely on the university's name to open doors anymore.

Twenty-three percent of job-seeking Harvard M.B.A.s who graduated last spring were still looking for work three months after leaving campus. 

...

The share of 2024 M.B.A.s still on the market months after graduation more than doubled at most highly ranked business schools when compared with 2022, according to a Wall Street Journal analysis of school data. At some, including the University of Chicago's Booth School and Northwestern University's Kellogg School, the share of students still looking more than tripled."

Hmmm...

  • As empresas nos sectores de tecnologia e consultoria (grandes empregadoras de MBAs) estão a cortar as suas contratações?
  • A crescente automação e o uso de inteligência artificial estão a eliminar funções tradicionais de gestão e análise, diminuindo a necessidade de profissionais com MBAs?
  • A ênfase em skills técnicas está a superar a valorização de diplomas puramente de gestão?
  • Será que as escolas de negócios estão a ficar para trás face às transformações do mercado, tendo em conta que o seu ensino, focado em modelos tradicionais de negócio, poderá não estar a acompanhar a crescente complexidade das economias digitais e globais?
  • ...
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terça-feira, janeiro 07, 2025

Explicações para não ter uma estratégia



"74. Some Reasons We Avoid Having a Strategy
  • We're not able to see the system [Moi ici: Muitas vezes temos dificuldade em reconhecer as dinâmicas e estruturas subjacentes que influenciam as nossas acções. A incapacidade de "ver o sistema" limita a nossa capacidade de identificar pontos de intervenção e de fazer mudanças significativas. Entender o sistema é crucial para qualquer transformação sustentável. O peixe não vê a água que o rodeia
  • We see the system but we can't choose between working with it or on it [Moi ici: Mesmo quando conseguimos perceber o sistema, hesitamos em decidir se devemos colaborar com ele ou trabalhar para mudá-lo. Este dilema é importante porque determina se seguimos o status quo ou se assumimos um papel activo na mudança]  
  • We'd prefer to get the benefits of our actions sooner rather than later [Moi ici: A tentação de Caim, priorizar gratificação imediata em vez de benefícios a longo prazo. Esta preferência pode levar a decisões míopes que negligenciam impactes futuros mais significativos
  • It's often more satisfying to be picked by a powerful system than to alter it [Moi ici: Muitas pessoas preferem ser aceites ou reconhecidas por sistemas existentes do que enfrentá-los ou transformá-los. Esta mentalidade reforça o status quo e reduz a vontade de assumir riscos para promover mudanças
  • We're concerned that our strategy won't work and we don't want to fail [Moi ici: O medo do fracasso inibe a inovação e a experimentação
  • We're concerned that our strategy will work and we hesitate to embrace the responsibility that would come with that  [Moi ici: O medo do sucesso. Assumir a responsabilidade pelo impacte de uma estratégia bem-sucedida pode ser intimidante, especialmente se ela envolver mudanças significativas
  • We've been indoctrinated to follow instructions and ask for tactics  [Moi ici: Muitas culturas e escolas moldam as pessoas para serem executoras em vez de pensadoras críticas ou estrategas. Essa mentalidade limita a criatividade e a capacidade de questionar o sistema
  • It's easier to go along with the crowd than to persuade them of a more effective but arduous path  [Moi ici: A conformidade social muitas vezes impede a adopção de melhores soluções mas mais difíceis. A pressão para "seguir a corrente" pode sufocar a inovação e a tomada de decisões mais fundamentadas
  • Sunk costs are difficult to ignore  [Moi ici: O bias humano de continuar a investir em algo apenas porque já se investiu muito nele, mesmo quando a melhor decisão seria abandoná-lo. Ignorar custos irrecuperáveis é um passo essencial para decisões racionais
  • Projects are intimidating to manage.
It's tempting to daydream about the future, but we're not sure we're ready to live there."  [Moi ici: Uma coisa é imaginar um futuro ideal outra é a de assumir a responsabilidade de trabalhar para realizá-lo. É fácil sonhar, mas agir exige coragem e preparação


Trechos retirados do último livro de Seth Godin, "This Is Strategy". 





 






quarta-feira, novembro 13, 2024

Quando os clientes mudam...

À atenção dos fabricantes de calçado em Portugal:

"Macy's has a fix for its shoe department: fewer shoes. Display tables at some stores now showcase about 15 pairs of shoes, half of which were previously on view. Overall, the shoe departments in these stores are carrying 300 fewer styles and colors than before the changes were introduced this year.

"We don't want an endless aisle," said Tony Spring, chief executive officer of Macy's, on a recent afternoon inside a Macy's store in Paramus, N.J. "We want to double down on the bestselling styles."

The new look is part of Spring's strategy to overhaul 50 top stores this year, with plans to roll out the changes to the wider fleet. Other initiatives include adding more staff in the fitting rooms and at checkout counters as well as in the handbag and women's clothing departments."

Será que esta actuação da Macy's é um sinal do que pode estar a acontecer no mercado do calçado?

Como o espaço de exposição e a variedade de estilos estão a ficar mais limitados, apenas os produtos de maior saída e maior apelo comercial terão prioridade nas prateleiras. Isso pode reduzir drasticamente a procura por marcas e modelos que não lideram o ranking de vendas. Aliás o tema ao longo dos anos tem sido objecto de conversa com fabricantes desde que em 1997, a trabalhar com uma empresa têxtil com marca própria, percebi que desenhavam 250 modelos numa época e depois, 5 ou 6 modelos representavam 70 ou 80% das vendas e o resto era um cauda longa de ineficiência a vários níveis.

Para reagir a esta mudança, fabricantes de calçado sem marca própria devem focar-se na diferenciação e na inovação para que seus produtos se destaquem no mercado: estilos que têm maior potencial de venda. Para isso têm de identificar tendências e ajustar o seu portfólio para se alinharem com o que é mais procurado pelos consumidores.  

Isso requer sair da fábrica, e procurar perceber melhor o mercado.

Trecho retirado de "Macy's Gives Shoe Unit Fresh Shine" publicado pelo WSJ de 12 de Novembro passado. 

quinta-feira, outubro 03, 2024

De liana em liana

A vida empresarial é este saltar de liana em liana sem pôr os pés no chão. Quem acredita que a liana actual (estratégia) é eterna ou morre, ou pede um apoio, ou uma protecçãozinha ao papá-estado.

Primeiro algo para contextualizar. Uma citação escrita aqui em 2007:

"What was the best strategy in the end? What Lindgren found was that this is a nonsensical question. In an evolutionary system such as Lindgren’s model, there is no single winner, no optimal, no best strategy. Rather, anyone who is alive at a particular point in time, is in effect a winner, because everyone else is dead. To be alive at all, an agent must have a strategy with something going for it, some way of making a living, defending against competitors, and dealing with the vagaries of its environment.

Likewise, we cannot say any single strategy in the Prisioner’s Dilemma ecology was a winner. Lindgren’s model showed that once in a while, a particular strategy would rise up, dominate the game for a while, have its day in the sun, and then inevitably be brought down by some innovative competitor. Sometimes, several strategies shared the limelight, battling for “market share” control of the game board, and then an outsider would come in and bring them all down. During other periods, two strategies working as a symbiotic pair would rise up together – but then if one got into trouble, both collapsed.

We discovered that there is no one best strategy; rather, the evolutionary process creates an ecosystem of strategies – an ecosystem that changes over time in Schumpeterian gales of creative destruction."

Agora, dois artigos que encontrei na imprensa recentemente.

Primeiro, no último Dinheiro Vivo, o artigo "8beaufort. Hamburg Lonas de velas velhas ganham nova vida em sapatilhas". O que retiro dele?

Clientes-alvo - um nicho de mercado:
  • A 8beaufort. Hamburg actua no nicho do calçado sustentável, com um foco em consumidores conscientes das questões ambientais. A marca diferencia-se ao utilizar velas de barcos recicladas para criar as suas sapatilhas, posicionando-se no segmento premium de calçado ecológico.
Vantagens competitivas:
  • A principal vantagem competitiva é o foco na sustentabilidade, usando velas descartadas e coletes salva-vidas para fabricar produtos únicos, o que ajuda a reduzir o desperdício e a poluição marinha.
  • A fabricação em Portugal reforça o compromisso da marca com a redução da pegada de carbono, já que evita o envio de materiais para a Ásia e cria uma cadeia de produção mais eficiente.
  • O uso de lonas de velas e outros materiais reciclados oferece aos clientes um produto exclusivo, com uma história de impacto ambiental positivo, o que pode atrair consumidores premium dispostos a pagar preços mais altos (159 a 249 euros).
  • A marca procura afirmar-se como uma escolha sofisticada para consumidores que buscam produtos sustentáveis e de alta qualidade.
Riscos:
  • A marca depende da aceitação dos consumidores no mercado de calçado sustentável, que, embora em crescimento, ainda pode ser limitado em comparação com mercados tradicionais de moda.
  • O posicionamento premium pode limitar a base de consumidores, especialmente em tempos de crise económica.
  • A recolha de materiais reciclados, como as velas, pode ser um desafio em termos de consistência no fornecimento. A dificuldade em obter matéria-prima suficiente ou de qualidade pode afectar a produção.
  • O mercado de moda sustentável tem atraído cada vez mais marcas, o que pode aumentar a competitividade e pressionar a 8beaufort.Hamburg a continuar a inovar para se diferenciar.
Acerca dos clientes-alvo recordo o que escrevi relativamente à APICCAPS. Eu aposto nisto:
"O sector do calçado vai encolher, e vai ter de subir ainda mais na escala de valor, ou seja, vai ter de anichar e trabalhar para segmentos de muito maior valor acrescentado, luxo mesmo talvez."

A APICCAPS aposta nisto:

"Para não concorrer pelo preço baixo, as fábricas portuguesas terão de assegurar encomendas de gama alta, moda e luxo, ou gamas específicas como o calçado técnico. Para isso, é fundamental ter capacidade de resposta a grandes encomendas. O que, por sua vez, obriga a repensar a forma como se trabalha." 

Isto faz-me lembrar o Mario Draghi e o seu "Whatever it takes", mas o anónimo da província sou eu. Ninguém quer falar do "encolhimento". 

O outro artigo encontrei no WSJ, "This Garment Maker Is Finding New York Manufacturing Is Back in Style". Pensei nas empresas de vestuário portuguesas que estão a ter um ano negativo a nível de exportações, e nos potenciais concorrentes que estão a conquistar o mercado de proximidade (nearshoring). Claro que quando não se olha para o contexto ... acredita-se que o que nos trouxe até aqui, continuará a levar-nos até ao fim do arco-íris. E não é só quota de mercado, mas também margens e preços.

A Ferrara Manufacturing sediada em New York é uma empresa de vestuário focada numa estratégia de nearshoring e fabricação local, concentrando-se na produção de roupas nos Estados Unidos, tanto para marcas quanto para contratos militares. A empresa busca capitalizar a crescente procura por produtos fabricados localmente, impulsionada por preocupações com cadeias de fornecimento globais, com sustentabilidade e com condições de trabalho.

Nicho de mercado - A empresa actua em dois nichos principais:

  • Produzir peças de luxo, como casacos de caxemira, para consumidores que valorizam a produção local e a qualidade premium.
  • Contratos militares e produtos "made in America": A Ferrara Manufacturing também serve o mercado de produtos militares dos EUA e de exportação para países como Japão e Coreia do Sul, onde há procura por itens únicos e feitos nos Estados Unidos.

Vantagens competitivas:

  • A produção doméstica torna a empresa uma escolha atraente para marcas que buscam diminuir riscos associados a longas cadeias de fornecimento internacionais e a reduzir tempos de entrega.
  • A empresa destaca-se ao oferecer uma cadeia de produção transparente, com benefícios para os trabalhadores, o que vai ao encontro das exigências das marcas que querem mostrar responsabilidade social.
  • Além do mercado interno, a Ferrara Manufacturing possui uma vantagem competitiva ao servir consumidores no exterior, especialmente no Japão e na Coreia do Sul, que valorizam e estão dispostos a pagar por produtos exclusivos feitos nos EUA.
  • O fornecimento para o sector militar oferece estabilidade e um fluxo constante de receita, diferenciando a Ferrara de empresas que dependem exclusivamente do mercado de consumo

Riscos:

  • Fabricar nos EUA tem custos mais altos em comparação com a produção em mercados com mão de obra mais barata. Isso pode impactar a competitividade de preços, especialmente no mercado de consumo em massa.
  • A empresa depende fortemente de dois nichos: produtos premium e contratos militares. Qualquer retracção na procura  por produtos de luxo ou mudanças nos contratos governamentais pode impactar as suas receitas.
  • A procura crescente por transparência e sustentabilidade, embora seja uma vantagem competitiva, também pode pressionar a empresa a manter altos padrões, o que pode aumentar os custos e reduzir a margem de lucro.
  • A produção premium pode ser afectada por flutuações económicas que impactem o poder de compra dos consumidores, tanto nos EUA quanto nos mercados internacionais.
Ontem, na minha leitura matinal de "Unreasonable Hospitality" de Will Guidara fixei esta frase de Jay-Z: 
“I believe you can speak things into existence.”
O futuro é construído sobre oportunidades, não sobre cortes nos custos. Reduzir custos pode comprar algum tempo, mas é a capacidade de identificar e agir sobre novas possibilidades que garante crescimento e sustentabilidade. O mundo empresarial está em constante transformação; o sucesso pertence àqueles que estão atentos ao contexto e preparados para inovar. Ficar preso à estratégia actual é o mesmo que ficar para trás. 

Não percamos as oportunidades que emergem – olhemos para o mercado e para os desafios como portas para o futuro, não como muros ameaçadores.

A frase de Jay-Z é importante porque o futuro não é intrinsicamente bom ou mau, é o que a nossa cabeça faz dele. Se ele mete medo, de certeza que vai ser mau.

domingo, maio 26, 2024

Contexto e teoria das restrições

Esta semana, na preparação de um workshop para o desenho de um mapa da estratégia, olho para um exemplo de Strategic-Current Reality Tree como este:

Ou este:

E o que vejo é um objectivo que se quer atingir (Aumentar a rentabilidade) e um conjunto de factores internos e externos negativos que conspiram para dificultar o cumprimento desse objectivo. O que vejo é um conjunto de elementos do contexto da empresa que têm potencial para se transformarem em riscos e dificultar o cumprimento do objectivo:


Nunca tinha organizado mentalmente estes tópicos sob este prima das cláusulas 4.1, 4.2 e 6.1 da ISO 9001.






terça-feira, maio 07, 2024

O que deve ser feito nos próximos 18 meses? Por onde começar?

A ISO 9001 requer que as empresas estejam atentas às alterações no seu contexto para determinarem riscos e oportunidades. Demasiadas empresas fazem figura de corpo presente e tratam o seu sistema de gestão da qualidade como uma espécie de sistema paralelo para auditores.

Recentemente no Twitter recomendaram-me "BIO survey to elucidate US biopharma's reliance on Chinese CDMOs amid decoupling threats". E pensei, o que é que um CDMO, ou um CMO, poderia incluir na sua análise de contexto com base neste tema?

Riscos

  • Os CMOs e CDMOs europeus poderão experienciar uma maior volatilidade do mercado à medida que as empresas farmacêuticas globais reavaliam as suas cadeias de fornecimento. Esta incerteza poderá impactar os investimentos e planeamento operacional. 
  • Se as empresas dos EUA transferirem a sua produção da China para a Europa, poderá haver uma pressão a curto prazo sobre as matérias-primas e a capacidade de fabrico. O aumento da procura poderá levar a preços mais altos e a prazos de entrega mais longos para os recursos de que as PMEs dependem.
  • Com um aumento nos negócios, os CMOs e CDMOs europeus poderão enfrentar um aumento da pressão regulatória tanto por parte dos reguladores europeus como consequência de servirem mais empresas baseadas nos EUA, o que poderá aumentar os custos de conformidade.
  • Existe o risco de se tornarem excessivamente dependentes das empresas norte-americanas. Caso as situações geopolíticas se estabilizem ou revertam, estas empresas europeias poderão encontrar-se de repente sem negócios suficientes se as empresas dos EUA decidirem voltar às parcerias chinesas.
Oportunidades

  • À medida que as empresas dos EUA procuram alternativas aos CDMOS chineses, os CMOs e CDMOs europeus poderão ver um aumento na procura pelos seus serviços. Isto poderia ser particularmente benéfico para aqueles que se especializam em fabricos de nicho ou produtos medicinais terapêuticos avançados (ATMPs), onde a Europa é forte. 
  • A necessidade de atender a contratos maiores ou mais numerosos poderá impulsionar o crescimento empresarial, facilitando investimentos em expansão de capacidade, actualizações tecnológicas e desenvolvimento das pessoas.
  • Podem surgir novas oportunidades para formar parcerias estratégicas com empresas farmacêuticas dos EUA que procuram diversificar as suas cadeias de fornecimento para fora da China. Isto pode levar a contratos de longo prazo e estabilidade.
  • Para acomodar o aumento da procura e da complexidade, os CMOs e CDMOs europeus poderão ter de acelerar a adopção de tecnologias de fabrico inovadoras, tais como a fabricação contínua ou técnicas de produção biológica mais avançadas.
  • Ao intervir para preencher as lacunas deixadas pelos CDMOs chineses, as empresas europeias podem reforçar a sua posição global e reputação como parceiros confiáveis e estratégicos na cadeia de fornecimento farmacêutico.
Estes riscos e oportunidades são relevantes? Podem/devem ser mitigados ou aproveitadas?

O que deve ser feito nos próximos 18 meses? Por onde começar? 

Estas quatro questões dariam para alimentar uma reflexão sobre o que se quer e o que não se quer para o futuro. E o que se quer acima de tudo é deixar de ser folhas na corrente.

E a capa do JN de ontem? Como se repercute na análise de contexto das empresas de calçado?

Lembrei-me agora de um título em finlandês de um livro(?) de Kaj Storbacka "Are you market driven or market driving?"

quarta-feira, fevereiro 07, 2024

Por que faz sentido acompanhar o contexto

"Detecting threats [Moi ici: Aqui "threats" são o que costumo chamar aqui no blogue de "riscos"]
Let's focus on how your organization senses and responds to potential threats (although similar ideas apply to identifying potential opportunities). The first thing your organization needs is a threat-detection subsystem that highlights changes and identifies potential danger. This subsystem must perceive important patterns and distinguish between "real" signals requiring action and background noise. Otherwise, you'll either miss essential signals and underreact, or see false signals and overreact.

This critically important subsystem consists of everything your organization does to scan the external (social, regulatory, competitive) and internal (organizational) environments, recognize potential risks and raise awareness of the need to respond.
...
Many elements of effective threat detection are likely already in place in your organization. However, you should assess whether (1) each element is as effective as it needs to be in recognizing important patterns and providing feedback as rapidly as possible; (2) these inputs are being integrated and interpreted appropriately; and (3) there are no potentially dangerous gaps in your organization's overall threat-detection coverage.
Is your organization at times surprised by threats that weren't recognized - or were, but too late? 

Sometimes, the threat-detection subsystem fails because the surprise is predictable but not recognized.[Moi ici: Os rinocerontes cinzentos] This can happen when silos prevent information and insight from being integrated, or when incentive systems motivate people to do the wrong things. Many businesses fail because of predictable surprises rooted in organizational design weaknesses.
...
Finally, what happens when your organization's threat-detection subsystem does its job and identifies an emerging threat? To what extent is your business able not just to sense but proactively respond to avoid emerging problems and prevent crises? Your organization needs to have a problem prevention subsystem that acts proactively, thereby avoiding the need to respond reactively (because an issue that could have been prevented wasn't and became a crisis)."


Recordar os recentes:
Trechos retirados de "The Six Disciplines of Strategic Thinking" de Michael D. Watkins.