terça-feira, janeiro 08, 2019

"Espero que não vos tremam as pernas quando as empresas começarem a cair como tordos"

Em Dezembro passado escrevemos:
Em Gabiche (parte III) escrevi:
"Ter uma elevada produtividade, para quem compete pelo preço, é condição necessária para ser competitivo (não escrevo suficiente porque quando se compete pelo preço há sempre alguém que mais tarde ou mais cedo vai aparecer a fazer mais barato).
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Ser competitivo, ganhar clientes, não implica necessariamente ter uma elevada produtividade.
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Há uma forma de obrigar empresas competitivas, mas pouco produtivas, a elevar a produtividade... ou a demografia obriga a subir salários, e os salários mais elevados matam as que não se adaptarem, ou os engenheiros sociais obrigam os salários a subir e matam as que não se adaptarem."
Em Novembro passado em "Especulação perigosa" escrevi:
"Estão a ver onde isto nos leva? O que aconteceria se o SMN fosse aumentado para 1000 euros/mês? Teríamos uma mortandade tremenda a nível de empresas, teríamos um crescimento em flecha do desemprego. O que aconteceria à produtividade? Aumentaria! Depois do choque, as novas empresas que apareceriam teriam de ser muito mais produtivas..Os teóricos teriam a sua alegria com a melhoria estatística.Entretanto, os desempregados viveriam a desgraça do desemprego.Entretanto, quem depende do estado assistiria a uma quebra brutal das receitas que os sustentam. Viria nova onda de austeridade..Claro que os engenheiros sociais são gente sem constância de propósito. Recordar "Acham isto normal? Ou a inconsistência estratégica! Ou jogar bilhador como um amador!""
Ontem li em "Greves, salários e produtividade":
"A melhoria da produtividade (de que depende o crescimento da economia) está muito dependente da melhoria dos salários, pelo impulso que imprimem à eliminação das empresas e sectores menos produtivos e ao triunfo dos mais eficientes. Nas economias dinâmicas são os salários que empurram a produtividade e não o contrário como - com demasiada frequência - se ouve dizer.
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A ideia de que há um bolo que se produz e que depois se distribui (sendo que o salário está rigidamente limitado pelo tamanho do bolo produzido) pulula com vigor esmagador pela economia vulgar; é a alquimia que se apresenta para justificar a moderação das exigências salariais.
Mas, na verdade, o salário e o produto mantêm uma relação dinâmica. O salário determina a formação do produto, tanto na sua dimensão como na estrutura. A pressão salarial tem importantes e virtuosos efeitos sobre a produtividade e o crescimento, criando estímulos imprescindíveis para os empresários efectuarem as escolhas mais virtuosas sobre as tecnologias e os sectores de investimento." [Moi ici: Só que se calhar Nassim Taleb e Maliranta  têm razão. Espero que não vos tremam as pernas quando as empresas começarem a cair como tordos.]

segunda-feira, janeiro 07, 2019

#schadenfreude (parte II)

Parte I.

Uns têm políticos-tipo Sr Feliz e Sr. Contente:
"Optam por não falar daquilo que sabem e não podem ignorar.
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Eles sabem, mas fazem de conta que ignoram. ... ora um dirigente político, sobretudo se for legitimado por eleições, não pode optar por esse tipo de tratamento da realidade. Aquilo que um dirigente político tem de fazer é impedir que a sociedade entre no abismo do impossível e, portanto, vai avisando para que não se vá nessa direcção. Estes pelo contrário, o Sr Feliz e o Sr. Contente, estão tão felizes e tão contentes que dizem que vamos continuar a repetir as mesmas coisas. Não, o mundo mudou.
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Agora que o mundo está a mudar à nossa frente, e que estes dirigentes políticos não podem ignorar que isto está a acontecer pergunta-se: "Por que não falam disso?"
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E a verdade é que, mesmo quando falam é para dizer que a crise é nos outros. Nunca analisam quais são as consequências para este pequeno país."(daqui)
Outros, têm políticos que não escondem a realidade, "Ministro das Finanças alemão diz que acabaram os tempos das "vacas gordas"".



"The demographic trap is going to snap shut"

Aqui no blogue já tenho falado várias vezes sobre o emprego e a demografia:

"For Germany’s Mittelstand of small and medium sized companies, skill shortages have increased to the point that some managers are discreetly hoping for an economic slowdown to relieve the strains.
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Small and medium sized companies across the country, commonly referred to as the Mittelstand, have therefore started to look for creative solutions to deal with skill shortages as it is increasingly threatening the economic performance of these groups.
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Indeed, 60 per cent of German companies regard skill shortages as a threat to their economic performance, compared with just 16 per cent eight years ago, according to a survey of the Association of German Chambers of Commerce and Industry.
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The demographic trap is going to snap shut,” said Markus Dörle, the head of human resources at Stihl Group, the world’s leading maker of chainsaws."



domingo, janeiro 06, 2019

Orquestradores de ecossistemas

E se em vez de tentar controlar tudo se arquitectar um ecossistema?


"Orchestrators [Moi ici: Aquilo a que chamo há milhares de anos de "arquitectos de paisagens competitivas"] need to be willing to experiment with new ways of doing things. Consider this example: Lowe’s Companies Inc., a home improvement retail chain based in North Wilkesboro, North Carolina, wanted to explore opportunities in the emerging 3-D printing and additive-manufacturing business. So, it reached out to a range of potential partners already in that market, including a developer of 3-D designs, a provider of high-volume distributed 3-D printing, an industrial 3-D printing company, a design agency, and a sensor manufacturer. Kyle Nel, founder of Lowe’s Innovation Labs, described this part of the process as putting out “bat signals,” in hopes that the right set of partners would come together. Management recognized that moving away from the company’s established retail business and into a new market would be challenging and require a new business model — one flexible enough to enable customers to design things they could print from stores. The partners Lowe’s recruited to the new ecosystem brought not only the capabilities necessary to enable the new business venture, but also key insights about how to attract customers to the offering. To promote the new capability, Lowe’s designed a media campaign and released a series of videos, which in turn have attracted some additional new partners.
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adaptive ecosystems perform best when made up of partners from outside one another’s traditional ecosystems. Having uncommon partners helps the company at the center explore unfamiliar terrain.
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Companies with experience in adaptive ecosystems are finding that, by definition, collaborations don’t follow a set pattern.
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Centralized and adaptive ecosystems have one important thing in common: Orchestrators provide the “glue” that gives the ecosystem its infrastructure and holds it in place.
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But adaptive ecosystems give companies opportunities to develop new forms of glue that connect multiple partners to one another and become the ecosystem’s distinctive source of value.
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Ecosystems need to align with an industry’s life cycle. Adaptive ecosystems are best suited to emerging industries where there are significant uncertainties and the broader environment is not yet well-defined. Centralized ecosystems work for mature industries and stable contexts. Over time, a company’s ecosystem strategy will evolve: As industries that were once unsettled begin to mature and the value-creation patterns become more established, companies may move toward favoring centralized management over adaptive models. How this pattern plays out will vary from ecosystem to ecosystem."
Trechos retirados de "Building the Right Ecosystem for Innovation"

JTBD em vez de clientes-alvo

Encontramos-nos casualmente há cerca de um mês à porta de um pequeno café em Oliveira de Azeméis ao início da manhã, falamos e disse-me que estava a transitar para um projecto próprio. Assumi logo o papel de advogado do diabo e atirei-lhe: Há tanta gente nessa área, por que raio há-de ter direito à vida?

E falou-me numa janela de oportunidade.

Ontem encontramos-nos para partir pedra sobre como vai abordar o mercado.

Na altura, quando o ouvi a descrever a tal janela de oportunidade senti logo um potencial tremendo. Quando começamos a conversa de ontem, desenhei este esquema para enquadrar a forma de abordar o mercado:

Como vai continuar com uma "perna" no negócio onde o conheci e com o qual não quer concorrer, vai iniciar a actividade com uma limitação interessante. Interessante porque muitos empreendedores deviam fazê-lo, mas não o fazem. Essa limitação concreta obriga-o a pensar de forma mais concreta sobre qual a parte do mercado que vai abordar e qual a parte do mercado em que não vai tocar.

Desenhamos um esquema para representar todos os portfolios possíveis de equacionar para servir o mercado:

A zona laranja representa a parte do mercado que o empreendedor vai abordar, a zona a tracejado representa a parte do mercado que é reservada ao negócio ao qual continua ligado. As restantes áreas são servidas, ou não, por outras empresas.

Quando começamos a equacionar como seria a abordagem aos clientes, apresentando uma proposta de valor baseada num produto customizado entregue rapidamente, o empreendedor percebeu que um cliente-alvo não o será por causa de atributos permanentes, mas por causa das circunstâncias. Um potencial cliente contactado hoje pode precisar da oferta da empresa já existente e não fazer sentido comprar uma alternativa ao novo empreendimento. No entanto, por causa de uma encomenda urgente, por causa de uma falha de um outro fornecedor, um potencial cliente pode ser levado a viver uma circunstância em que precisa que alguém lhe salve o dia... e aí entra o empreendedor.

E foi isso que concordamos que ele devia fazer: apresentar as situações em que um cliente mais tarde ou mais cedo vai precisar de um salvador capaz de o servir com algo feito à medida, em pequena quantidade, e entregue rapidamente.

sábado, janeiro 05, 2019

BINGO!! (parte II)

Parte I.

Ainda de "Value Never Actually Disappears, It Just Shifts From One Place To Another" sublinho outro tema clássico aqui no blogue:
"You Can’t Compete With A Robot By Acting Like OneThe future is always hard to predict. While it was easy to see that Amazon posed a real problem for large chain bookstores like Barnes & Noble and Borders, it was much less obvious that small independent bookstores would thrive. In much the same way, few saw that ten years after the launch of the Kindle that paper books would surge amid a decline in e-books.
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The one overriding trend over the past 50 years or so is that the future is always more human. In Dan Schawbel’s new book, Back to Human, the author finds that the antidote for our overly automated age is deeper personal relationships. Things like trust, empathy and caring can’t be automated or outsourced.
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There are some things a machine will never do. It will never strike out in a little league game, have its heart broken or see its child born. That makes it hard — impossible really — for a machine ever to work effectively with humans as a real person would. The work of humans is increasingly to work with other humans to design work for machines.
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That why perhaps the biggest shift in value is from cognitive to social skills. [Moi ici: Engraçado que cada vez mais dou comigo a pensar que um número crescente de artigos em revistas ditas de gestão ocupam o seu espaço com temas que a minha mãe, ou a catequese, ou o pertencer a uma associação, ou o pertencer a um grupo de colegas de rua me ensinaram e que parece que agora estão em falta] The high paying jobs today have less to do with the ability to retain facts or manipulate numbers (we now use a computer for those things), but require more deep collaboration, teamwork and emotional intelligence."
O quanto os gigantes gostariam que o factor humano fosse removido da equação... mas a imperfeição é cool, e a desautomatização está a crescer.





BINGO!

Lidamos com mitos e mais mitos, e ainda mais mitos. Enganamo-nos uns aos outros deliberadamente ou não.

O chato, o muito chato, são aqueles poucos, de entre nós, que foram amaldiçoados com o castigo supremo... ter memória!
"The Social Impact
None of this is to say that the effects of technology and globalization hasn’t been real. While it’s fine to speak analytically about value shifting here and there, if a task that you spent years to learn to do well becomes devalued, you take it hard. Economists have also found evidence that disruptions in the job market have contributed to political polarization.
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The most obvious thing to do is retrain workers that have been displaced, but it turns out that’s not so simple. In Janesville, a book which chronicles a small town’s struggle to recover from the closing of a GM plant, author Amy Goldstein found that the workers that sought retraining actually did worse than those that didn’t.
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When someone loses their job, they don’t need training. [Moi ici: Recordar "The Predator State" e a caridadezinha ] They need another job and removing yourself from the job market to take training courses can have serious costs. Work relationships begin to decay and there is no guarantee that the new skills you learn will be in any more demand than the old ones you already had.
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In fact, Peter Capelli at the Wharton School argues that the entire notion of a skills gap in America is largely a myth. One reason that there is such a mismatch between the rhetoric about skills and the data is that the most effective training often comes on the job from an employer. [Moi ici: Outro tiro certeiro. Recordar "a formação mais importante que as empresas devem considerar é a formação interna"It is augmenting skills, not replacing them that creates value.
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At the same time, increased complexity in the economy is making collaboration more important, so often the most important skills workers need to learn are soft skills, like writing, listening and being a better team player."

Trecho retirado de "Value Never Actually Disappears, It Just Shifts From One Place To Another"

sexta-feira, janeiro 04, 2019

" The goal isn’t winning; it’s being part of the group"

Nas minhas caminhadas da manhã uma das companhias das últimas semanas tem sido Seth Godin. É um prazer ler Seth Godin em “This Is Marketing”! Um verdadeiro missionário de Mongo: o Estranhistão!
“One can gain status without an oil well or a factory. And one can enjoy as much status by letting someone into the flow of traffic as they can from cutting him off.
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This is the status that comes from the community.[Moi ici: Pertencer a uma tribo!] It is the status of respect in return for contribution, for caring, for seeing and being in sync with others. Especially others with no ability to repay you.
Modern society, urban society, the society of the internet, the arts, and innovation are all built primarily on affiliation, not dominion.
This type of status is not “I’m better.” It’s “I’m connected. I’m family.” And in an economy based on connection, not manufacturing, being a trusted member of the family is priceless.
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What are they showing? What is everyone else doing? Is this the season?
Within competitive markets, there is a race to be the dominant voice, but among the customers that make up that market, the position of leader works because the customers desire to be affiliated with one another.
The leader provides a valuable signal, a notice to expect that everyone else will be in sync. The goal isn’t winning; it’s being part of the group.”

Excerto de: Seth Godin. “This Is Marketing”. Apple Books.

R&D e plancton

Mongo vai ser cada vez mais gigantes-unfriendly, condenados à suckiness:
  • por um lado, cada vez mais tribos e mais aguerridas;
  • por outro, a crença na quota de mercado como o indicador mais importante.
"In an industry analysis, we found that the consumer packaged goods sector’s biggest R&D spenders saw no appreciable impact on revenue. That’s troubling for companies whose growth has plateaued over the past five years, as new competitors have challenged established brands.
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At the company level, however, the picture is more nuanced: Even though (true to the industry average) companies that spent heavily on R&D — such as P&G and Unilever — saw no measurable impact on sales, some outfits that spent less on R&D showed a significant positive correlation.
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It turns out, as economist E.F. Schumacher wrote, small really can be beautiful. Of course, incremental innovation — reaping healthy returns with small, iterative improvements — isn’t a new idea.
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But conventional management wisdom, based on years of research, still holds that R&D productivity depends on industrial might: Big companies can spend more on innovation, and as a result, they innovate more — and better. In the consumer products world, at least, our analysis suggests that’s not the case.
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Despite P&G’s huge R&D investment — more than $38 billion from 1998 to 2017, compared with Reckitt Benckiser’s $2 billion over the same period — P&G’s outlay has reaped fewer rewards on a key measure: While P&G spent more than 3% of its annual revenue on R&D compared with 1.5% for Reckitt Benckiser, P&G’s sales grew at a compound annual rate of 3.4% while Reckitt Benckiser’s sales grew almost three times faster, at 9% per year.
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How do we explain our findings? One factor may be that P&G and Reckitt Benckiser seem to embody different philosophies of innovation.
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We see the approach favored by big consumer goods companies like P&G and Unilever as analogous to Isaac Newton’s third law: They behave as if for every action, there is an equal and opposite reaction. In other words, they expect big returns from big investments, so they chase blockbusters.
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Contrast that with what we call a Lorenzian approach to R&D investment, which has parallels to the work of MIT mathematician Edward Lorenz, the father of chaos theory. When examining weather patterns, Lorenz discovered that small actions could have large consequences. A butterfly flapping its wings could lead to the formation of a tornado. Like a weather system that amplifies the impact of a fluttering insect, a complex system of companies, customers, competitors, suppliers, and influencers can amplify or diminish the impact of an innovation. In such a world, big ideas can die, and small ones can thrive, as they do at Reckitt Benckiser.
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The company doesn’t have a big R&D budget nor a staff of laureled scientists. So it opts to spend small but focus on marginal improvements to its best-selling brands. Reckitt Benckiser starts with deep consumer research to determine how its best brands can be improved and how much more consumers would be willing to pay. From a technical point of view, its innovations are incremental. [Moi ici: Desta forma a inovação na P&G aponta para produtos que possam ser vendidos a todos, a preços competitivos, já a inovação na Reckitt Benckiser é capaz de ser mais dirigida para o que permite fazer subir os preços, ou pelo menos estar menos vulnerável à competição pelo preço]
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Reckitt Benckiser’s R&D projects are less risky and far less costly than those of its bigger competitors. But the company sets an ambitious performance target for each one. It expects a certain percentage of its sales each year to come from new products or better versions of existing ones, and its market-facing executives are rewarded financially when the company hits or exceeds those targets. This pay-for-performance incentive, in turn, motivates the company’s personnel to rally behind R&D-improved products and drive them into the marketplace.
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Make more small bets and fewer big ones. If Newtonians are going to continue to spend heavily on R&D (and in many cases, they should), they need to invest better. This means cutting back on big bets offering very questionable potential returns. Instead, they should focus on smaller bets that are based on a deep understanding of (1) consumers’ desires, (2) the significant value a small innovation can add, and (3) the system of retailers and competitors in which the innovation will be introduced."
Aquele "deep understanding" combina bem com uma outra leitura recente, “This Is Marketing” de Seth Godin:
We’ve gone from all of us being everyone to all of us being no one.
But that’s okay, because the long tail of culture and the media and change doesn’t need everyone any longer. It’s happy with enough.
Which us?
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In “People like us do things like this,” the “us” matters. The more specific, the more connected, the tighter the “us,” the better. [Moi ici: Mas os gigantes precisam de escala, não podem tratar individualmente, por isso a metáfora do plancton]
What the marketer, the leader, and the organizer must do as their first job is simple: define “us.”


Trechos retirados de "The Promise of Targeted Innovation"

quinta-feira, janeiro 03, 2019

"Be aware"

A propósito de "Science4you adiou entrada em bolsa para "ganhar tempo"", pensei logo em "Luxury slipper brand Mahabis enters administration" e neste artigo "The Unending Chasm, and How to Survive It"
Reparem neste ponto:
"As the model goes, until the chasm is crossed, sales must be evangelical, sale cycles are long, and startups struggle with anemic productivity." [Moi ici: No entanto, o que vemos por todo o lado são exemplos de organizações que ainda não atravessaram "the chasm" e, no entanto, promovem as vendas por todos os meios anti-"evangélicos". Procuram subornar potenciais clientes para se embelezarem perante os olhos de potenciais investidores/compradores]
E pensem em como associo Mongo a tribos aguerridas e não a blockbusters:
"in widespread practice, crossing-the-chasm almost never plays out. Worse, it gives countless startup founders the sense that it is merely a matter of time and waiting (“we’re just crossing the chasm now”) while in reality struggling to go to market for years. Moreover, given how fast technology is changing, more startups are spending more time in the chasm… and they may never exit. And guess what? That’s ok." 
Por fim:
"So the goal of this post is to help you focus your moves, by first dispelling the myth that all successful companies cross the chasm before having meaningful outcomes. The other subtext of this post is to put a premium on survival. Seems obvious, but it’s not: The winner is often the one that simply makes it through, by being the best at weathering the transitions and anemic periods. When the opportunity to capture the market exists, step on the gas… but also be aware of the situations outlined above and adjust your assumptions — and therefore moves — accordingly."

Back to 2009!

Ontem ao princípio da noite enquanto corria e ouvia o noticiário das 19h na Antena 1 senti-me a regressar a 2009.

Em Agosto de 2009 escrevi "Acham isto normal? Ou a inconsistência estratégica! Ou jogar bilhador como um amador!".

Então, os deputados às segundas, terças e quartas aumentavam o salário mínimo, e às quintas, sextas e sábados preocupavam-se com o estado do sector.

Ontem ouvi um deputado do PCP preocupado com a situação das empresas de vestuário que estão muito dependentes do grupo Inditex. Ao procurar uma ligação para o que ouvi, verifiquei que a cena não é virgem, em Janeiro de 2018 tivemos "PCP alerta para dificuldades das empresas de Vizela que trabalham para a Inditex".

Reparem no discurso de há um ano:
""Têm-nos chegado enormes preocupações de pequenas e microempresas que trabalham a feitio ou à peça, em regime de subcontratação, para o grupo Inditex"
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"É preciso romper-se com estas políticas monopolistas dos grandes grupos que encontram neste distrito [de Braga] formas de explorar os micro e pequenos empresários", declarou."
Qual a resposta?

A minha é: deixar morrer essas empresas que não conseguem viver sem ser agarradas a essa suposta "relação doentia". Qual a do PCP, pelo que ouvi ontem:
- Meter o governo ao barulho a intrometer-se numa relação que se quer livre entre entidades colectivas.

quarta-feira, janeiro 02, 2019

Não cometa os mesmos erros

A propósito de "Janz: a histórica fábrica de contadores está insolvente":
"Empresa parou a produção de contadores de energia e deixou 60 pessoas sem trabalho
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A apresentação à insolvência foi feita pela Janz e agora há duas saídas possíveis: aprovar um plano de recuperação ou liquidar. “A minha intenção é não ir para liquidação.
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A Janz Contadores de Energia em 2017 faturou €4,2 milhões e teve um prejuízo de €547 mil. Em 2016 tinha tido vendas de €3,9 milhões e perdas de €926 mil. A acumulação de prejuízos deteriorou a situação financeira da Janz, que chegou ao final do ano passado com capitais próprios negativos de €1,2 milhões. O ex-presidente da empresa, António Papoila, invoca a “contínua descida do preço dos contadores” como razão para o colapso. “O mercado desceu mais de 40% em dois anos”, lamenta o gestor, notando que a Janz não conseguiu competir com os baixos preços da concorrência. “Nós compramos os componentes na Europa, não na China”, observa. “Fizemos o nosso melhor para ter um produto de alta qualidade e investimos muito em tecnologia”, garante.
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A Janz foi durante décadas um fornecedor de referência da EDP, tendo sido premiada em 2012 na categoria de inovação dos prémios da EDP para os seus fornecedores, pelo fabrico da EDP Box, ferramenta de contagem usada no projeto Inovgrid, de criação de uma rede elétrica inteligente. Mas nos últimos anos a EDP abriu o leque de fornecedores, incluindo fabricantes chineses. No ano passado a EDP contratou 800 mil contadores ao consórcio da alemã Siemens e da suíça Landis+Gyr.
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Para o negócio de contadores elétricos da família Janz é o fim da linha." 

O negócio do preço não é para quem quer, é para quem pode.

Um aumento das vendas pode representar mais pregos no caixão se for conseguido à custa de um abaixamento dos preços não compensado pelo aumento do volume.

É demasiado perigoso depender de um único cliente.

É demasiado perigoso acreditar nisto "Fizemos o nosso melhor para ter um produto de alta qualidade e investimos muito em tecnologia" sem cuidar de ir à procura dos clientes que valorizam esse tipo de produto e proposta de valor.

É demasiado perigoso ser demasiado dependente de uma relação de pedofilia-empresarial. Ao ler este caso da Janz como não recordar o da Raporal?

FAST vs SMART

Muitas vezes, demasiadas vezes, as empresas que se comprometem com objectivos, como as que têm um sistema de gestão da qualidade, estabelecem frequências de monitorização semestrais e até mesmo anuais.

Torço sempre o nariz a estas frequências, sinónimo da pouca importância dos objectivos ou da crença na gestão através de objectivos.

Por isso, é interessante sublinhar o "Frequently discussed":

"According to conventional wisdom, goals should be specific, measurable, achievable, realistic, and time-bound. But SMART goals undervalue ambition, focus narrowly on individual performance, and ignore the importance of discussing goals throughout the year. To drive strategy execution, leaders should instead set goals that are FAST — frequently discussed, ambitious, specific, and transparent.
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Discuss Goals FrequentlyWhen we ask managers how often they look at their goals, most say twice per year — once when they set their objectives and again when they write up their performance self-appraisal. For many organizations, goal setting is an annual ritual that begins with a one-on-one meeting between an employee and his or her boss to agree on objectives for the year. Employees dutifully enter their goals into a spreadsheet or performance management tool, and largely forget about them until year end. Come December, they revisit their objectives and are often surprised by the tenuous relationship between their stated goals and what they actually did in the meantime.
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Even the most finely crafted objectives will have little impact if they are filed away for 363 days of the year. To drive strategy execution, goals should serve as a framework that guides key decisions and activities throughout the year. One way to make goals more relevant is to set them quarterly rather than annually — quadrupling the number of times teams evaluate progress, discuss unexpected challenges, and make real-time adjustments. We have found that companies in dynamic sectors (for example, media and information technology) often use quarterly goals, while companies in more stable industries tend to set annual goals."
Trechos retirados de "With Goals, FAST Beats SMART"








terça-feira, janeiro 01, 2019

A sucessão ecológica

Já conhecem como gosto de usar a biologia para interpretar a economia. O tempo geológico é muito mais lento do que o tempo económico. Por isso, em biologia fala-se em climax e em equilíbrio estacionário nesse estádio.

Em economia as empresas são os seres vivos, e o meio ambiente é o espaço competitivo onde elas operam, e esse espaço pode variar rapidamente. Por isso, não se deve poder falar de um climax que é perturbado de forma anómala, mas de uma sucessão mais ou menos rápida, mais ou menos pontuada de alterações em função da alteração na paisagem competitiva.

É disto que me lembro ao ler "Abandonaram o país mas surgiram novos negócios".

Ontem, ao passar a pé junto a uma peixaria antiga em Coimbrões vi um cartaz afixado na montra: "Arrenda-se". Pensei logo na economia a funcionar. Uma velha peixaria, com pouca clientela, se calhar incapaz de fazer face ao aumento dos salários, ou da pressão fiscal, ou da pressão da segurança social. E é a vida! Os recursos são desviados mais ou menos depressa para outras actividades com mais retorno. Daí a velha frase de Nassim Taleb: "Stressors are information".

A única coisa que estraga este ciclo natural é o activismo dos governos de turno, que ao protegerem o passado dificultam a chegada do futuro. Prefiro que perante choques se apoiem as pessoas individualmente e se deixe ao mercado a escolha das alternativas para a nova fase.

Picking winners é a opção preferida dos socialistas de direita e de esquerda, uma opção condenada ao fracasso.


"choose your future" (parte II)

Parte I.

Continuando a leitura de “This Is Marketing” de Seth Godin.
find a corner of the market that can’t wait for your attention. Go to their extremes. Find a position on the map where you, and you alone, are the perfect answer. Overwhelm this group’s wants and dreams and desires with your care, your attention, and your focus. Make change happen. Change that’s so profound, people can’t help but talk about it.
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The goal of the smallest viable audience is to find people who will understand you and will fall in love with where you hope to take them.
Loving you is a way of expressing themselves. Becoming part of your movement is an expression of who they are.
That love leads to traction, to engagement, and to evangelism. That love becomes part of their identity, a chance to do something that feels right. To express themselves through their contributions, their actions, and the badge they wear.
You can’t hope that everyone will feel this way, but you can do your work for the people who do.
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"It’s not for you”[Moi ici: Como não recordar esta lição de Agosto de 2008 "the most important orders are the ones to which a company says 'no'"
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We’re not supposed to say that. We’re certainly not supposed to want to say that.
But we must.
“It’s not for you” shows the ability to respect someone enough that you’re not going to waste their time, pander to them, or insist that they change their beliefs. It shows respect for those you seek to serve, to say to them, “I made this for you. Not for the other folks, but for you.”
Two sides of the same coin.
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Because it doesn’t matter what people you’re not seeking to serve think. What matters is whether you’ve changed the people who trust you, the people who have connected with you, the people you seek to serve.
...
My product is for people who believe _________________.
I will focus on people who want _________________.
I promise that engaging with what I make will help you get _________________.”


segunda-feira, dezembro 31, 2018

Really, karma is a bitch!

Leio o caderno de Economia do semanário Expresso de 3 de Novembro de 2018 e encontro este título "Gostaria de ver o PS prometer a abolição de portagens no interior".

Quem é que profere este desejo? João Paulo Catarino. E o que é que faz esse senhor?

É Secretario de Estado da Valorização do Interior.

Aqui no blogue, e na minha vida profissional, escrevo muitas vezes sobre os jogadores amadores de bilhar. Gente tão preocupada com a próxima jogada que não percebe quais serão as consequências dessa jogada.

A vida não é linear, a vida é demasiado complexa para que nos apercebamos de todas as consequências do que defendemos quando começamos com a engenharia social a querer construir um Mundo Novo.

Lembram-se de como uns lobos desviaram um rio?



Quando oiço estes engenheiros sociais, todos cheios de boas-intenções, recuo a 2007 e a “Nós não estudámos até ao fim todas as consequências das medidas que sugerimos”:
Lembram-se da malta da APROLEP e do monumental tiro no pé que se auto-infringiram? É recordar "Karma is a bitch!!! Ou os jogadores de bilhar amador no poder!"

Em 2009 escrevi "Folhas na corrente (parte VII)":
"Há anos, fiz uns trabalhos para empresas produtoras de materiais para a construção situadas no centro do país. Assim que abriu a A24 abriu-se, naturalmente um novo campo de combate, um novo mercado... Vila real e Chaves. Como os produtos de que estamos a falar eram/são commodities o efeito da escala tornava as pequenas fábricas dessa zona presas fáceis para os predadores habituados a mercados mais competitivos e com uma dimensão várias vezes superior.
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Portanto, os autarcas que se regozijam com a abertura de auto-estradas em Trás-os-montes e Alto Douro são como os jogadores de bilhar amador, só vêem a próxima jogada, não vêem as consequências das jogadas seguintes... mais desemprego na indústria local e mais desertificação..."
Em 2011 ao subir o IP4 a caminho de Bragança pensei, e escrevi depois "Custos da proximidade":
"Agora, com a transformação do IP4 em auto-estrada, qual será o futuro da fábrica de embalagens plásticas que se encontra ao km 131 do actual IP4? Assim que a auto-estrada abrir, torna-se-á mais rápido e, por isso, económico, para os tubarões do litoral chegar à Terra Fria, com preços mais competitivos."
Aos intervencionistas ingénuos respondo com a muito menos cool "via negativa". Imaginem o quanto o estado poderia sair das nossas vidas com consequências positivas!

Portanto, o Secretario de Estado da Valorização do Interior deseja uma medida que desvalorizará o interior ao retirar-lhe a barreira geográfica que protege muitas empresas locais sem estratégia e sem diferenciação que assentam a sua vantagem competitiva na proximidade local e os custos acrescidos para quem vem de fora.

O Secretario de Estado da Valorização do Interior ao propor a medida deve fazê-la acompanhar de um aviso forte e muito sério para as empresas do interior: Preparem-se para mais concorrência! Diferenciem-se das empresas do litoral! Fujam da competição pelo preço!

"choose your future"


Demasiadas vezes percebo que as empresas não têm definido o cliente-algo. Por exemplo, quando uma empresa que fabrica botões acha que cada potencial cliente que não lhe compra botões é um traidor, ou quando uma empresa que desenvolve software para um sector de actividade acha que cada potencial cliente que não lhe compra o software é um traidor. Será que todos os clientes que compram botões só compram botões?

Quando oiço esta conversa do cliente-traidor respondo sempre da mesma maneira:
- Se calhar eles ainda não chegaram ao ponto em que vocês são a resposta certa para aquilo que eles precisam.

Recordo uma outra conversa algures em 2011. O responsável de um ginásio queixava-se de um cliente de longa data, um funcionário público, os ter trocado por um ginásio low-cost, a troika estava a entrar em Portugal, Sócrates tinha cortado os salários dos funcionários públicos. Perante a queixa retorqui: a culpa é vossa. Vocês deixaram de justificar o que lhe cobravam. O que é que ele ainda tem a aprender convosco? Se não tem nada a aprender, porque há-de pagar um preço-prémio? Ele, o vosso cliente, evoluiu, mas vocês não o acompanharam.

Seth Godin em “This Is Marketing” convida a fazer essa caminhada de identificar os clientes-alvo:
"As soon as you ask yourself about the change you seek to make, it becomes quite clear that you have no chance of changing everyone. Everyone is a lot of people. Everyone is too diverse, too enormous, and too indifferent for you to have a chance at changing.
So, you need to change someone. Or perhaps a group of someones.
Which ones?
...
Can you pick them out of a crowd? What makes them different from everyone else and similar to each other?...
But which market?
Which people?
If you have to choose a thousand people to become your true fans, who should you choose?Begin by choosing people based on what they dream of, believe, and want, not based on what they look like. In other words, use psychographics instead of demographics.
...
Everyone has a problem, a desire, and a narrative.
Who will you seek to serve?...
Forcing a focus
.
The relentless pursuit of mass will make you boring, because mass means average, it means the center of the curve, it requires you to offend no one and satisfy everyone. It will lead to compromises and generalizations. [Moi ici: Recordar Bieber, a Apple e Marcelo] Begin instead with the smallest viable market. What’s the minimum number of people you would need to influence to make it worth the effort?
...
Choose the people who want what you’re offering. Choose the people most open to hearing your message. Choose the people who will tell the right other people
...
Choose the people you serve, choose your future.
The smallest viable market is the focus that, ironically and delightfully, leads to your growth."

domingo, dezembro 30, 2018

Retratos do futuro em Mongo

Uma peça interessante acerca de coisas que serão comuns em Mongo, "Some of the biggest livestreamers in China are not teenagers, but farmers":
"One livestreamer recently managed to sell 1 million kilos of oranges in just 13 days, according to reports. Chen Jiubei, who goes under the username Xiangxi Jiumei, streams herself on Taobao doing farm work, talking about her cured meat or eggs or just making meals in her humble countryside home.
...
So what draws people to peek into village life? Some people tune in to check where the product they’re buying comes from, with sellers reassuring them that farm products are grown in a natural way and in an area without pollution – something that is becoming increasingly important for Chinese shoppers."
O poder da relação directa entre os produtores e os consumidores:
  • a remoção da distribuição da equação;
  • a importância da confiança e da autenticidade.
Como escrevi aqui em , os agricultores não devem assumir a missão de alimentar o mundo. Devem olhar para a sua actividade e ganhar a sua vida com ela, nem que para isso tenham de mudar de produtos ou de prateleiras.

Acerca do papel da estratégia (parte IV)

Parte I, parte II e parte III.

Voltemos à Parte I, e ao exemplo da empresa 4:
"empresa a querer mudar de concorrentes, sinónimo de querer subir na escala de valor - ainda precisa de perceber que existem diferentes tipos de clientes e que recusar encomendas não é pecado."
Escrever "empresa a querer mudar de concorrentes" significa que a empresa não gosta do campeonato onde se descobriu. Por exemplo, pode ser um cenário deste tipo:

Ou seja, quer subir na escala de valor. Será que desempenho é o vector a ter em conta?

Assim de repente vêm-me à cabeça:
  • Os macacos não voam - não se pode pensar que "out of thin air" se vai competir com o cadastro alemão em termos de marca associada a desempenho e fiabilidade;
  • Proposta de valor baseada na inovação > 5 anos "Kaplan e Norton afirmam que a aposta na eficiência dá resultados num espaço de 6 a 24 meses, a aposta no serviço começa a dar resultados ao fim de 24 a 48 meses e que a aposta na inovação pode só vir a dar resultados ao fim de 8/10 anos, há uma marca por criar, uma tradição por inculcar";
  • Ganham os alemães. "there is an asymmetry in competition across tiers. Price cuts by higher quality tiers are more powerful in pulling customers up from lower tiers, than lower tier price cuts are in pulling customers down from upper tiers; i.e., customers "trade up" more readily than they "trade down.""
  • Teoria dos jogos e não jogar em tabuleiros em que os outros mandam: "Lesson #1: Do not play a strictly dominated strategy"
Talvez a aposta em vectores alternativos: Flexibilidade? Rapidez? Nichos? 

Recordo que estratégia a sério terá de passar por um trade-off forte, por causa das fiambreiras.

Um princípio a respeitar: começar a partir daquilo que já se tem. Por isso, convido a começar pelo concreto, em vez de elucubrações abstractas bem intencionadas: "Do concreto para o abstracto e não o contrário". E uma boa forma de partir do concreto passa por perceber quem são os clientes actuais que já dão a rentabilidade desejada. Recordar a curva de Stobachoff.



sábado, dezembro 29, 2018

Ainda acreditam na treta do "erro humano"?

Foi ao final da tarde de sexta-feira que tive conhecimento da conclusão "ERRO HUMANO" via Twitter!



Fiquei estupefacto!
Estamos a chegar ao final de 2018 e ainda se permite escrever num relatório que a causa de um acidente é "Erro humano"

O que só revela o quão heterogénea é a disseminação do conhecimento, das boas-práticas na sociedade. Amigos economistas, estão a ver como a hipótese de que num mercado existe transmissão perfeita de informação é treta?

Em Abril de 1996 morreu um trabalhador nas obras de construção da ponte Vasco da Gama. Alguns dias depois, um dos técnicos chamado a investigar o acidente foi interpelado por um jornalista da rádio que lhe lançou a pergunta: "Trata-se de um erro humano?"

Era um Sábado de manhã, ia no final do IP5 que ligava o nó de Angeja a Aveiro a caminho de uma acção de formação, e nunca me esqueço da resposta do técnico. Algo do género:
- O erro humano não existe! 

Os ingleses tratam o tema da segurança com duas palavras diferentes: safety e security.

Security quando há uma vontade deliberada (por exemplo, a EDP pode preocupar-se muito com a safety dos seus trabalhadores, mas não ligar à sua security quando vão cortar a luz a um apartamento num bairro cigano na Figueira da Foz). 

"Segundo as informações divulgadas esta sexta-feira pela Carris, o guarda-freio não respeitou a sinalização específica, nem acionou de “forma correta” os sistemas de frenagem.
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"O acidente não pode ser justificado por anomalias no veículo, tendo-se provado que os respetivos sistemas de frenagem estavam em perfeitas condições de funcionamento”, referem as principais conclusões do inquérito ao acidente.
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“O acidente ocorreu por erro humano, não tendo o guarda-freio respeitado sinalização específica existente na Rua S. Domingos à Lapa, e não tendo posteriormente acionado de forma correta os sistemas de frenagem disponíveis no elétrico”, acrescenta."
Uma pessoa sem cultura de segurança, sem cultura de melhoria da qualidade, lê isto e só pode concluir: Erro humano! A culpa foi do guarda-freios!

Uma pessoa com cultura de segurança, com cultura de melhoria da qualidade, divaga: certamente o guarda-freios não é um terrorista que quisesse provocar o acidente. Por que é que não respeitou a sinalização específica? Por que não accionou de “forma correta” os sistemas de frenagem?

Reparem, com a conclusão "Erro humano" a investigação pára e o guarda-freios é o culpado, o guarda-freios é o bode expiatório que iliba a organização de qualquer investigação extra que a levasse a questionar-se. Poka-yoka. Conhecem? Nunca apareceria, nunca aparece numa cultura que aceita a desculpa "Erro humano".

O tema "Erro humano" é um tema que sigo aqui no blogue desde 2006. Neste postal "A treta do "erro humano"" listo uma série de reflexões sobre o tema:
"The ‘human error’ explanation does not seem to serve safety, so what does it serve? Perhaps it partly serves society’s need for simple explanations and someone to blame, while absolving society itself for its demands."
“A cultura de culpabilização individual assenta no facto de se tornar o “erro humano” mais como um explicação de per si, do que algo que precisa de ser explicado e compreendido nas suas profundas motivações. Como decorre, a culpa é de quem errou, ocultando-se o facto fundamental de que “as melhores pessoas podem cometer os piores erros”. Este ciclo de culpa inicia-se com a noção de que, sendo senhores da escolha do nosso destino poderemos sempre escolher entre as boas e as más acções, por outro lado e optando pela teoria do menor esforço, é mais fácil a quem analisa parar nas causas de erro que se encontram associadas a quem actua no extremo das acções, o actuante ou interventor directo, a pessoa. Encontrada essa “culpa” é cómodo que a acção de procura cesse a esse nível base, por outro lado, essa é ainda a conveniência administrativa e institucional, que assim vê minimizadas as suas próprias responsabilidades. As instituições que, analisando um qualquer acidente, se ficam pelo modelo de “culpa individual” perdem a possibilidade de alterar o “sistema” e melhorar a segurança pela introdução de novas políticas que tornem novos erros menos prováveis. Ao punir, simplesmente, um indivíduo a organização nega de forma subliminar a sua responsabilidade no evento negativo, mas não o corrige verdadeiramente. É o princípio da negação dos acidentes, que caracteriza as organizações demasiado burocratizadas e sem abertura a qualquer processo de inovação regenerativa. Face a um acidente que ocorre, a tendência é isolá-lo, punir o responsável mais directo, impedir a divulgação do facto e, seguir em frente, após ter tomado medidas limitadas a nível local. Uma atitude diferente desta atitude de negação de acidentes, é a atitude que divulga o evento negativo, encarando-o como algo que merece ser analisado a todos os níveis, começando pelo da organização, e aceita abertamente as novas ideias de mudança, traduzindo assim flexibilidade.”
Escrevia isto. Fechava o postal e publicava-o ainda incrédulo sobre como é possível que em 2018, quase 2019, um relatório feche com uma conclusão deste calibre. Imaginem que em cada empresa deste país, por cada reclamação recebida, a gerência/administração conclua, após investigação independente, que a causa foi erro humano: a costureira enganou-se nos botões; o torneiro enganou-se na espessura da chapa; a camareira enganou-se na temperatura do quarto; o montador enganou-se na sola; ... Resultado: despedir esta gente que faz mal, que trabalha para insatisfazer clientes.

Só que antes de publicar o postal ainda tive oportunidade de ler a versão do JN sobre o relatório, "Condutor de elétrico que descarrilou vai ser alvo de processo disciplinar" e reparem como se abrem tantas portas para continuar a investigar a causa-raiz:
"Questionado sobre a sua formação, nomeadamente sobre a obrigatoriedade de imobilizar o veículo na presença da sinalização apropriada e sobre como combater o escorregamento, disse que sabe que deve efetuar as paragens em causa e que também praticou o bloqueamento das rodas, colocando o manipulo em neutro e atuando os sistemas de frenagem.
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O guarda-freio declarou ainda que o piso estaria escorregadio, afirmando que observou um carro dos bombeiros a derrapar na sua travagem.
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À data do acidente, o guarda-freio tinha 23 dias de condução, tendo iniciado a atividade no passado dia 6 de novembro, e já tinha tido um acidente com responsabilidade no dia 06 de dezembro, refere a Carris, sem avançar mais pormenores sobre este acidente.
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Posteriormente a este acidente de 06 de dezembro, o guarda-freio foi acompanhado e foram dados conselhos para guardar distância de segurança para os veículos da frente.
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"Em termos de condução, o tripulante apresentou algumas dificuldades ao nível da passagem por obstáculos, dificuldade essa que foi melhorando ao longo do tempo após várias correções e sensibilizações", adianta a Carris.
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"Do ponto de vista das suas aptidões físicas e psicológicas não apresenta inconvenientes para o exercício das suas funções", acrescenta a empresa.
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No relatório, a Comissão de Inquérito recomenda "o reforço da quantidade de inspetores, entre um a dois elementos, para reduzir o rácio de guarda-freios por inspetor, de forma a potenciar e a reforçar" a formação contínua de guarda-freios, bem como a inspeção com maior frequência em locais classificados como "perigosos".
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Aconselha também a revisão do Manual de Formação do Guarda-Freio, adicionando como deve ser a presença de cada um dos sinais específicos e não apenas a apresentação do seu esquema gráfico e designação.
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A realização de inspeções de rotina por parte dos "inspetores de enquadramento" (formação contínua) em diversos locais no sentido de "identificar e agir, proactivamente, nos casos de incumprimento" de sinalização específica, em particular no que concerne às paragens obrigatórias de segurança, que venham a ser detetados."
 Ainda acreditam na treta do "Erro humano"? Por isso é que é preciso rever o Manual de Formação do Guarda-Freio? Será que a formação dada é a adequada? Será que o treino dado é realista e representativo? Travar um elétrico carregado de gente é o mesmo que travar um eléctrico vazio? Travar um eléctrico a seco é o mesmo que travar num piso escorregadio?