O que aprendemos em certos momentos da nossa vida fica marcado para sempre, fica a fazer parte de nós, cristaliza dentro de nós e faz parte dos mapas cognitivos que nos ajudam a lidar com o quotidiano da realidade onde vivemos.
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Acontece que a realidade não é estática, a realidade é uma paisagem enrugada em constante movimento. Houve um tempo em que a paisagem podia ser representada, sem grande erro, pela figura da esquerda:
Hoje, a paisagem competitiva é mais semelhante à da figura da direita.
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No tempo em que economia era transacção de commodities, escreveram-se as suas leis e teorias bem como as suas regras de polegar.
Continuam a existir commodities mas hoje, a economia é muito mais do que transacções e do que commodities.
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Por isso, quem foi educado num outro tempo, continua com os mecanismos do passado a interpretar uma realidade muito diferente. Por isso, Daniel Bessa em 2005 previa o fim do calçado (recordar "
Quantas pessoas se aperceberam desta revolução?")
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Ontem, o
Boletim Mensal do INE sobre o comércio internacional trazia um anexo dedicado ao calçado onde se pode ler o bom momento atravessado pelo sector. Além do calçado, com frequência podemos encontrar números animadores sobre muitos outros sectores.
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O que
diz Daniel Bessa, guiado pelo que aprendeu quando era muito mais novo e o mundo era diferente?
"“Não tenho a certeza de que estas empresas que estão a exportar estejam a ganhar dinheiro. Perderam o mercado interno, viram-se aflitos e viraram para o exterior”, começa por afirmar na Renascença, no programa “Conversas Cruzadas”.
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“Fizeram muito bem, mas talvez estejam a vender a preços muito esmagados e não estejam a ganhar dinheiro. Essa, para mim, é que é a pedra de toque", insiste, sublinhando que “se não estão a ganhar dinheiro, não têm dinheiro para investir”."
Eu sou o primeiro aqui no blogue, há vários anos a lamentar a quantidade de dinheiro que os empresários deixam em cima da mesa (por exemplo
aqui) por não perceberem quais são as suas vantagens competitivas. Contudo, a experiência que tenho no terreno não é a de que sistematicamente as empresas não ganham dinheiro.
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O que ficou a ocupar o espaço no palco da minha atenção mental foi um pequeno trecho de Malcolm Gladwell no seu livro "David & Goliath":
"Why has there been so much misunderstanding around that day in the Valley of Elah? On one level, the duel reveals the folly of our assumptions about power. The reason King Saul is skeptical of David's chances is that David is small and Goliath is large. Saul thinks of power in terms of physical might. He doesn't appreciate that power can come in other forms as well - in breaking rules, in substituting speed and surprise for strength. Saul is not alone in making this mistake."
Será que Bessa é uma espécie de Rei Saul incapaz de perceber que existem outras formas de competir, para além do preço puro e duro?
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Esta manhã no Twitter apanhei uma série de pérolas em torno das conversas de Tom Peters, coisas como:
"Creativity is ruthlessly inefficient"
No tempo das commodities reinava a eficiência pura e dura.
Será que as PMEs portuguesas podem competir com a eficiência da escala, da disciplina, do volume das empresas que operam na Ásia dos
dinossauros azuis?
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Claro que não! O campeonato é outro, o
fuçar e o desespero permitiu-lhes descobrir alternativas de vida. E volto a Gladwell:
"To play by David's rules you have to be desperate. You have to be so bad that you have no choice."
Será que Bessa acredita no que disse, ou fê-lo como táctica para evitar um choque frontal e, esvaziar o discurso de Carvalho da Silva?
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BTW, na legislação portuguesa, não é fiscalmente lesivo para as empresas investirem com o seu próprio dinheiro em vez de o usarem dinheiro emprestado? E os bancos emprestam dinheiro? De onde veio o dinheiro que as empresas usaram para pagar dividas fiscais no final de 2013?