domingo, outubro 26, 2025

Directo do PCF para a FN, ou da CDU para o Chega

Aqui:

Entretanto fui consultar as estatísticas do IEFP para o desemprego no sector da construção e ... o desemprego subiu de Agosto para Setembro.

Há anos que ouvimos que faltam trabalhadores. Por exemplo: 
Já escrevi sobre isto por causa das paletes:
Em economias capitalistas, a mão-de-obra deve ser entendida como um mercado em que se encontram a oferta — os trabalhadores — e a procura — as empresas. Dizer que “nunca falta mão-de-obra” significa reconhecer que há sempre pessoas capazes de trabalhar; o que sucede é que podem não estar dispostas a fazê-lo nas condições oferecidas, seja no salário, no horário, nos benefícios ou na dignidade do trabalho. 

O que, na realidade, “falta” é a capacidade das empresas oferecerem um preço ou condições que tornem o trabalho atractivo para essas pessoas.

Nos modelos clássicos do mercado de trabalho, o desemprego involuntário não existe: sempre que há procura, seria o ajustamento salarial a resolver a escassez. (Por isso escrevi, ingenuamente, que todos viriamos a ser Figos). Todavia, os salários não são infinitamente flexíveis por razões sociais, legais e políticas. Surge aqui o conceito de salário de reserva: cada trabalhador tem um nível mínimo abaixo do qual prefere não trabalhar. Quando o salário oferecido se situa abaixo desse patamar, a empresa interpreta o fenómeno como “falta de mão-de-obra”. 

A teoria marxista fala, neste contexto, em “exército industrial de reserva”, isto é, trabalhadores disponíveis que não aceitam — ou a quem não é oferecido — trabalho a qualquer preço. Por sua vez, a economia institucional e a comportamental acrescentam que não é apenas o preço que conta: pesam igualmente as condições de trabalho, a segurança, o estatuto social e as possibilidades de progressão. Por isso escrevi a série sobre a Matsukawa Rapyarn.

A evidência empírica confirma esta perspectiva. Nos sectores de baixos salários, como a agricultura, a hotelaria ou a restauração, é frequente ouvir-se que “falta mão-de-obra”. Porém, os estudos demonstram que a escassez é relativa: sempre que os salários e as condições melhoram, surgem candidatos. Também a migração laboral é reveladora: quando um país afirma “precisar de mão-de-obra”, o que frequentemente faz é importar trabalhadores estrangeiros dispostos a aceitar salários ou condições que os locais rejeitam. Isto reforça a ideia de que não se trata de uma falta absoluta, mas antes de uma questão relativa quanto ao preço oferecido. Um exemplo recente encontra-se nos Estados Unidos, no período pós-pandemia, em que muitos restaurantes e hotéis se queixavam da falta de trabalhadores. Pesquisas publicadas, por exemplo, na Harvard Business Review e no Brookings Institution mostraram que, ao aumentarem salários e oferecerem benefícios, essas empresas conseguiram contratar.

Em economias capitalistas, as “escassezes” de mão-de-obra são muitas vezes relativas e não absolutas. O que é percecionado como falta de trabalhadores resulta, em grande número de casos, da incapacidade ou da falta de vontade das empresas em oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores.

E quando as empresas não conseguem oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores isso é um sinal de que deviam morrer de morte natural, para que os recursos nelas enterrados fossem melhor aplicados para a sociedade em outros projectos. Os governos optam por mantê-las em coma, as zombies.


"a substantial part of shortage occupations are not particularly highly skilled, but rather consist of strenuous and low-paid work
...
within the group of industries where high levels of shortage were reported in 2023, there is a clear pattern that shortages are higher where wages are relatively lower
...
wages tend to increase as shortages rise
...
shortages are aggravated by bad quality jobs and that raising job quality is a way to compete for labour"
"We find that individual wages increase faster in tight labour markets, confirming that firms have to pay more if they want to attract or retain workers.
...
The effect of labour market tightness on wage growth is stronger at the bottom of the wage distribution, suggesting that low-wage workers gain relatively more from tight labour markets.
...
Occupations in science, technology, engineering and mathematics (STEM) show particularly pronounced wage effects from tightness, whereas in regulated occupations such as health care, effects are much weaker.
...
Labour market tightness translates into wage growth, indicating that shortages are not absolute but relative to the wage and working conditions firms are willing to offer."
"Labour shortages occur when demand for labour exceeds supply at prevailing wages and working conditions. They are not absolute scarcities of workers.
...
Standard economic theory predicts that in such situations wages should rise, reducing shortages as more people are willing to work at the higher wage.
...
Shortages often reflect poor job quality - low pay, limited career prospects, difficult working conditions - rather than a lack of available workers."

Em "When upskilling is good but not enough: Understanding labour shortages through a job-quality lens" (interessante aqui a ponte para o nosso SNS) pode ler-se:

"workers may be unwilling to enter or stay in due to poor job quality in terms of pay and non-pay aspects, including job insecurity, inflexible hours arrangements, strenuous working conditions, and physical and mental health risks.

...

The sectors with the strongest shortages show stagnating or even declining real wages, discouraging potential applicants.

...

These jobs are disproportionately filled by women and migrants, groups with less bargaining power and more often employed under precarious contracts."

Deste último artigo deixo para reflexão este parágrafo:

"Another driver, which is often overlooked, is the relatively low attractiveness of many of the jobs affected by high shortages (Causa et al. 2025). This pertains to poor job quality, in terms of pay and non-pay conditions, reducing individuals’ incentives to enter or stay in these jobs – especially contact-intensive jobs in areas such as health and personal care, hospitality, and transportation. Some of the occupations and sectors that exhibit shortages are characterised by stagnating real wages and poor job quality, high incidence of shift work and temporary contracts, and higher-than-average exposure to mental and physical risks. Such characteristics can deter workers from entering or remaining employed, especially in healthcare, transportation and storage, accommodation and food, and construction."

De "Labour shortages and labour market inequalities: evidence and policy implications" retiro só uma citação, para evitar continuar a repetir-me:

"What is often described as a lack of workers is, in reality, a lack of jobs that workers are willing to take at the wages and conditions offered."

Percebo cada vez melhor porque os operários e trabalhadores rurais saltaram directamente dos partidos de esquerda para o Chega ... quem os defende? 

E volto ao último texto que li na A4 antes do primeiro lockdown.

Sem comentários: