terça-feira, abril 22, 2025

Competitivos, mas frágeis: o custo invisível de competir sem diferenciação

Há cerca de 14 anos escrevi Pregarás o Evangelho do Valor.

Segundo o artigo de Marn & Rosiello, um aumento de 1% no preço, mantendo-se todos os restantes factores constantes, pode resultar num acréscimo de 11% na margem operacional. Isto porque o aumento do preço entra directamente na receita — e tem efeito multiplicador no lucro, já que os custos permanecem inalterados.

E uma redução do preço?

Uma redução de 1% no preço tem um efeito igualmente directo na margem, mas é mais perigoso e não linear:
  • Cada redução corrói directamente a margem - Como os custos não diminuem automaticamente, qualquer descida no preço traduz-se numa quebra imediata da rentabilidade.
  • Pode originar um ciclo vicioso - Ao baixar os preços, a empresa "educa" o mercado a esperar mais descontos, o que torna mais difícil recuperar o preço no futuro.
  • Risco de guerra de preços - Reduções podem desencadear reacções por parte da concorrência, conduzindo a uma guerra de preços que enfraquece todo o sector.
  • Erosão da percepção de valor - A redução de preços transmite muitas vezes a ideia de que o produto vale menos do que se pensava, o que fragiliza o posicionamento da marca.
Por que escrevo isto? Por causa de um artigo que li ontem no jornal ECO, "Empresas portuguesas 'sacrificam' margem de lucro com aumento das tarifas", com o seguinte lead:
"Mais de 80% das empresas não vão repercutir já a subida das taxas para os EUA no preço final dos produtos. Um terço assume não ter estratégia ou ações imediatas para lidar com a guerra comercial."

Confesso que o artigo me deixa algo confuso:

"A pesar de as margens de lucro em Portugal já serem inferiores às da média da Zona Euro, o que significa que têm uma folga menor para absorver custos adicionais como a subida das tarifas nos Estados Unidos, mais de oito em cada dez empresas nacionais afastam a hipótese de aumentar de imediato os preços dos bens e serviços, 'preferindo' sacrificar a rentabilidade do negócio, pelo menos a curto prazo.

Segundo os resultados de um inquérito flash realizado entre 4 e 10 de abril pela Associação Empresarial de Portugal (AEP) sobre o impacto económico das tarifas impostas pelos EUA, a que o ECO teve acesso, apenas 18% das quase 300 empresas responderam com "ajustes de preços e custos" à questão sobre as estratégias que pretendem adotar para contornar os efeitos do aumento das taxas alfandegárias." 

Estamos a falar de empresas que importam dos Estados Unidos ou de empresas que exportam para os Estados Unidos? 

Estamos a falar de empresas que exportam para os Estados Unidos, segundo o artigo, mais de 80% das empresas portuguesas afectadas decidiram não aumentar os preços aos clientes americanos, absorvendo o custo das tarifas nas suas próprias margens. Isto confirma que o impacte recaiu sobre quem vende para os EUA, e não sobre quem compra de lá. Weird!

Quando um país resolve impor taxas alfandegárias quem paga realmente as tarifas?

Teoricamente, o importador. Mas na prática, o custo é repartido:

  • O importador exige reduções no preço de compra;
  • O produtor/exportador absorve o impacte, enfraquecendo a sua rentabilidade;
  • E, se possível, o consumidor é o último elo onde parte do custo é empurrado.

O facto de tantas empresas portuguesas estarem a absorver o impacte mostra uma fragilidade estrutural: se não conseguimos defender preço, é porque não temos margem de diferenciação. Para manter os volumes de venda e não perder quota de mercado, muitas empresas portuguesas aceitam reduzir a sua margem. 

Isto revela um ponto crítico: não conseguimos justificar preços mais altos. A nossa diferenciação é fraca ou nula. E quando o cliente sente o custo adicional, exige desconto — e nós cedemos.

Portugal tem sido elogiado pelo seu dinamismo exportador, e este blogue está na primeira linha, desde o tempo em que ninguém acreditava. Mas a verdade incómoda é que exportamos muito com margens muito baixas. Os dados de produtividade são claros: crescemos em volume, mas não em valor. E agora, perante um aumento de tarifas, a resposta dominante foi ... sacrificar margem.

A médio prazo, isto é insustentável. Compete-se no imediato, mas empobrece-se no processo. E se não se investe na diferenciação agora, o ciclo repete-se — com margens cada vez menores, custos cada vez mais apertados e um país que exporta muito, mas acumula pouco progresso.

O episódio das tarifas americanas deve servir de alerta. Não basta resistir. É preciso mudar o modelo.

Assim, mantemos ou até aumentamos a competitividade, mas a produtividade baixa porque o numerador fica mais pequeno. E o que é que isso significa? Empobrecimento:


Isto é, sem tirar nem pôr, descer na escala de valor.

Eu, que estou de fora desta "guerra", e por isso é fácil falar, prefiria encolher agora e explorar outros mercados com potencial para subir na escala de valor.

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