terça-feira, setembro 30, 2025

Tratados como Figos (parte I)


No FT de ontem encontrei este artigo, "Why Japan is sprucing up its shabby offices."

Gosto de ler o que encontro sobre a economia japonesa por causa da demografia. Gosto de perceber como um país com um desafio demográfico, todos os anos o mercado de trabalho encolhe 600 mil trabalhadores, o ultrapassa.

Houve um tempo em que ingenuamente também eu pensava que seguiríamos por essa via. É uma via que valoriza os trabalhadores. Tudo o que é escasso é valioso. Ao longo dos anos percebi que os trabalhadores em Portugal nunca serão tratados como Figos (Comecei a usar a metáfora do Figo ainda antes do Ronaldo aparecer, são muitos anos). A importação de paletes de mão de obra barata resolve o problema. Esta solução tem duas consequências, ... aliás, três consequências.

Primeiro, os trabalhadores nunca serão tratados como Figos e o seu poder negocial baixará à medida que a importação progride. BTW, segundo o artigo, no Japão:
"Matsukawa Rapyarn is one of thousands of Japanese companies pouring money into office makeovers, as the battle to attract workers becomes fiercer than ever.
...
Employees' power to choose where they work is forcing companies to fight to attract them, propelling once-unthinkable shifts in management behaviour."

Segundo, como as empresas não têm de competir a sério por trabalhadores, sentem menos um stress para subir na escala de valor, sobretudo se trabalham para o mercado nacional.

Terceiro, sem subida na escala de valor as empresas não podem pagar bons salários a quem tem potencial, e isso contribui para mandar essas pessoas para a emigração.

O mesmo FT trazia também um outro artigo sobre Espanha, "Spain has become Europe's standout economy." 
O artigo retrata a Espanha como a economia de maior destaque da Europa, crescendo a uma média anual de 3% desde 2024, bem acima da média da zona euro (cerca de 1%). A recuperação do turismo, os fundos europeus e o investimento em energias renováveis têm ajudado, mas o principal motor tem sido a imigração: desde 2022, entraram cerca de 600 mil imigrantes por ano, maioritariamente em idade activa, o que impulsionou o emprego e o consumo.
No entanto, o artigo alerta que este crescimento precisa de ser acompanhado por ganhos de produtividade, caso contrário os níveis de vida podem estagnar. A maioria dos migrantes tem ocupado empregos de baixos salários em setores como hotelaria e construção.
"For all its success so far, the immigrant-led growth boom must be managed carefully. First, although Spain's real GDP, on a purchasing power parity basis, has risen by about 6.8 per cent since 2019, in per capita terms it has grown by just 3.1 per cent. Migrants have mainly filled gaps in lower valueadded sectors, including hospitality and construction. To ensure living standards also grow, Spain's languid productivity growth needs to improve too."
Espanha e Portugal nisto são como irmãos gémeos. Não há subida na escala de valor, não aumenta a produtividade.

Voltemos ao artigo "Why Japan is sprucing up its shabby offices." O artigo descreve como a empresa têxtil japonesa Matsukawa Rapyran (com mais de 100 anos de história) sobreviveu à crise de atractividade no mercado de trabalho através da renovação do espaço físico e da modernização das condições oferecidas aos trabalhadores.
A remodelação das instalações (mobiliário moderno, cantina elegante, zonas de descanso) não só melhorou a imagem da empresa, como teve um impacte directo no recrutamento e retenção de pessoal, ajudando a competir num contexto de forte escassez de mão-de-obra no Japão, agravada pela demografia e pela pandemia.
O caso é apresentado como exemplo de uma tendência mais ampla: as empresas japonesas estão a investir em espaços de trabalho mais atractivos (e também em benefícios como subsídios de habitação, redução de horas de trabalho, empréstimos a estudantes) para enfrentar a falta de trabalhadores e garantir sobrevivência e crescimento.

Sabem o que me despertou mais curiosidade neste artigo? O terceiro parágrafo:
"The encounter prompted the 66-year old to invest Y460mn ($3.1mn) in anew office for the company's 95 employees. It was a huge sum for the family-owned Matsukawa Rapyarn. But in the most labour-constrained prefecture of the world's most aged country, this was no run-of-the-mill renovation. The sleek wooden furniture, café canteen and relaxation areas represented a decisive move in a fight to secure the 100-year old textile manufacturer's survival."

Uma empresa japonesa ainda a operar no sector têxtil. Vale a pena investigar.

Continua.

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