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segunda-feira, outubro 27, 2025

Jornais, quotidiano, estratégia e empresas

Outra notícia quotidiana de um jornal que vem recordar temas super-importantes para as empresas. No WSJ do passado Sábado 25 de Outubro, "P&G to Focus on Innovation, Not Discounts, to Fuel Growth."

O texto aborda a estratégia da Procter & Gamble (P&G) para impulsionar o crescimento. Em vez de recorrer a descontos agressivos, a empresa aposta em inovação de produto em várias categorias (detergentes, fraldas, produtos de cuidado pessoal). 

"Procter & Gamble reported higher first-quarter sales and said it was investing in product innovation instead of lowering prices to draw cautious consumers.

...

P&G has released Tide's new Evo line of laundry detergent, which is designed to lead to category growth with renewed demand, and made improvements in Pampers diapers and Olay body washes."

A P&G registou um crescimento de vendas orgânicas de cerca de 2% no último trimestre, atribuído a preços mais elevados e a uma mistura de produtos mais favorável. 

"The company's product innovation has driven a 2% to 2.5% price increase across the company's entire portfolio.

...

Schulten said organic sales grew 5% in Greater China, where the company has earlier used product innovation to combat a challenging consumer environment."

Apesar da concorrência recorrer a fortes promoções, a P&G prefere diferenciar-se através da inovação e da oferta de produtos premium, acreditando que isso assegura crescimento sustentável e fidelidade do consumidor. 

"Competitors that are offering aggressive promotions, particularly in the fabric and baby care markets.

...

Some of the competitive response is increased promotion [Moi ici: Reduzir preços]. This plan takes longer. It's not as easy as throwing promotion funding out there.

...

Overall, organic sales edged up 2% in the quarter due to higher pricing and a more favorable mix, with growth in the company's beauty, grooming and healthcare segments.

...

Schulten said many consumers are trading up and its premium products have yielded much of the company's growth in some markets." [Moi ici: Interessante, as empresas que não inovam queixam-se que os clientes estão a optar por marcas brancas, pelo low-cost. Uma self-fulfilling prophecy]

Isto relaciona-se com 2 temas que costumamos abordar aqui:

  • A polarização dos mercados; e
  • O Evangelho do Valor.

O caso da P&G encaixa-se na tendência de polarização dos mercados. De um lado, marcas que apostam em preços baixos (low-cost) e fortes descontos. Do outro lado, empresas que investem em inovação, diferenciação e premium conseguem praticar preços mais altos porque oferecem algo que os consumidores valorizam. Recordar "Polarização do mercado ou como David e Golias podem co-existir"

A P&G segue precisamente a lógica de Marn e Rosiello, a lógica do Evangelho do Valor que descrevemos aqui "Aumentar preços (parte III)": não tenta competir apenas no preço, mas cria valor percebido superior (novos detergentes, fraldas, cosméticos premium) para poder aumentar preços sem perder clientes. A diferenciação é a chave para escapar da competição perfeita e sustentar margens. 

As PME portuguesas precisam tanto, mas tanto disto...

No Sábado no Twitter:


Muitas PME portuguesas não estão predispostas a investir em inovação e diferenciação. A razão não é apenas falta de visão ou falta de estratégia, mas sim a conjugação de factores estruturais: a autonomia financeira é reduzida, o acesso a capital de risco é escasso e o retorno dos investimentos em inovação é quase sempre de médio ou longo prazo (8 a 10 anos, 5 no mínimo). Numa realidade em que a tesouraria dita o dia a dia, a prioridade é a sobrevivência imediata, não a aposta em projectos cujo resultado só se verá anos mais tarde.

A esta limitação financeira soma-se uma barreira cultural: a desconfiança em relação aos académicos e às instituições de ensino superior. Muitos empresários não reconhecem valor no discurso científico, que lhes parece distante da realidade prática da empresa. Esta distância alimenta a ideia de que a colaboração é mais risco do que oportunidade, reforçando a preferência por estratégias defensivas assentes no preço mais baixo ou em redes de confiança já existentes.

Assim, compreende-se por que razão, apesar de concordarmos com a necessidade de maior proximidade entre universidades e empresas, uma percentagem razoável das PME "não está para aí virada". A aposta na diferenciação exige capital, paciência, abertura à colaboração e uma estratégia que passe por aí.

Também recordo casos de empresas com capital, com acesso a universidades e centros de investigação, que até fazem projectos em conjunto, por causa dos apoios comunitários. No entanto, nunca fazem nada com o resultado desses projectos porque a sua estratégia, de facto, é outra.

segunda-feira, outubro 20, 2025

O valor como arma contra a comoditização


Um dos postais mais importantes para as PME que escrevi, ao longo dos mais de 21 anos deste blogue,  é este, "Pregarás o Evangelho do Valor".

Nele encontramos este gráfico:

Há sempre duas formas de se tentar ganhar mais dinheiro:
  • Vender mais barato para atrair clientes.
  • Vender pelo mesmo preço ou até mais caro, mas oferecer mais valor que os clientes reconhecem.
Este gráfico mostra o que acontece em cada caso.
  • Se baixarmos o preço, parece que vamos vender mais. Mas atenção: para manter o mesmo lucro, precisamos de vender muito mais. Por exemplo, se cortarmos o preço em 20%, podemos ter de duplicar as vendas para não perder dinheiro. Isso é quase impossível para muitas pequenas empresas (não há máquinas, nem pessoas, nem mercado suficiente para isso).
  • Já quando aumentamos o preço, mesmo que percamos alguns clientes, o lucro pode ser o mesmo ou até maior. Porquê? Porque não precisamos de vender tanto e ganhamos mais por cada venda.
O gráfico explica que as PME deviam preocupar-se menos em cortar preços ou apenas em reduzir custos e mais em criar valor para o cliente. Se o cliente sentir que o produto ou serviço vale o preço, vai continuar a comprar, mesmo que seja um pouco mais caro.

Não é sempre no preço mais baixo que se ganha. Muitas vezes, o segredo está em oferecer valor, para que os clientes aceitem pagar mais. 

O preço baixo pode dar clientes, mas é o valor percebido que dá lucro.

Recentemente, descobri através de Daniel Priestley estes outros números que vêm reforçar o argumento:

Ora, isto liga-se a um fenómeno mais amplo, a polarização do mercado. Ainda me lembro do momento em que li “The vanishing middle market”. Está quase a fazer 20 anos. Onde descobri o fenómeno do market polarization.

A "market polarization" acontece quando o mercado se divide em dois extremos: por um lado, cresce a procura por produtos e serviços "premium" (de maior qualidade e preço mais elevado) e, por outro, por ofertas "low cost" ou “no-frills” (sem extras, só o essencial e barato). O que fica a perder são os produtos da gama média, que vão desaparecendo porque já não atraem clientes nem pelo preço nem pelo valor acrescentado.

Esta, talvez demasiado longa, introdução serve para contextualizar um artigo publicado no passado Sábado pelo jorrnal The Times, "Strategy Win For United And Delta":
"Airlines in the United States seem to be separating into two groups. Delta Air Lines and United Airlines make lots of money. And then there's everybody else.
Those two airlines have pulled ahead of the pack in recent years after making a few big bets. They expanded loyalty programs and leaned into selling more first- and business-class seats. And they operate lots of international flights. 
That has paid off handsomely. Delta and United have generated most of the industry's profits since 2022. And some experts believe their lead is only expanding.
...
Of course, no airline is unassailable, and the industry is rife with companies that went from roaring success to penury. [Moi ici: Fica o aviso à la Beinhocker,  Sim, as estratégias são como os iogurtes" têm um prazo de validade que só se descobre à posteriori]"
O artigo descreve como a Delta Air Lines e a United Airlines se diferenciaram no mercado norte-americano ao apostar em estratégias voltadas para passageiros mais ricos e frequentes. Ambas expandiram programas de fidelização, aumentaram a oferta de lugares premium (primeira classe e executiva) e intensificaram voos internacionais. Essa aposta tem gerado resultados financeiros robustos: desde 2022, Delta e United concentram a maior parte dos lucros da indústria aérea, enquanto outras companhias lutam com margens estreitas.

A estratégia provou ser estrutural, criando um fosso cada vez maior entre estas duas empresas e as concorrentes. Mesmo companhias low-cost começaram a copiar a fórmula, introduzindo versões premium dos seus serviços. Contudo, o modelo não é imune: uma recessão ou uma mudança estrutural no comportamento dos consumidores poderia colocar pressão sobre esta diferenciação.

O artigo ilustra como uma escolha clara de posicionamento (focar em clientes de maior valor e não em todos) pode criar uma vantagem competitiva sustentável. É uma aplicação prática da ideia de que estratégia é escolher o que não fazer.

Estas companhias escaparam à guerra de preços e da armadilha de ser “mais um” no mercado de voos domésticos ao criar uma experiência distinta, valorizada pelos clientes mais dispostos a pagar, ou seja: diferenciação.

Se todas as companhias aéreas decidiram competir no low-cost, Delta e United escolheram o oposto, explorando o espaço deixado livre no premium. Essa decisão passa no “teste da negação” de Roger Martin. O contrário de uma estratégia é outra estratégia.

O sector aéreo é historicamente visto como uma commodity (“um assento de A para B”), mas a Delta e a United mostram que é possível fugir à comoditização através de diferenciação por experiência, fidelização e valor percebido. Contudo, o risco de voltar à comoditização está presente à medida que rivais low-cost imitam serviços premium.

quarta-feira, abril 30, 2025

Ter um plano é melhor do que estar parado!

Em "Competitivos, mas frágeis: o custo invisível de competir sem diferenciação" escrevi:

"Eu, que estou de fora desta "guerra", e por isso é fácil falar, prefiria encolher agora e explorar outros mercados com potencial para subir na escala de valor."

Em "You discover your true self by participating in life, acting" escrevi:

"Se tivessem recuado ou ficado à espera da "oportunidade perfeita", talvez não estivessem hoje a fornecer componentes críticos para data centers e infraestruturas de Al em todo o mundo. Foi a acção contínua - a fidelidade ao fazer - que lhes abriu um novo caminho.

Num contexto industrial, isto significa que nem sempre é possível antecipar para onde vai o mercado, mas é possível estar preparado para responder, com capacidade técnica e adaptabilidade, quando ele mudar. Muitas vezes, aquilo que parece um declínio é apenas a preparação silenciosa para uma nova função no sistema económico - função essa que só se revela a quem continua em movimento."

 E já agora, não esquecer o Princípio do Progresso.

Na última conversa de Joe Rogan com Jordan Peterson fixei este trecho:



terça-feira, abril 22, 2025

Competitivos, mas frágeis: o custo invisível de competir sem diferenciação

Há cerca de 14 anos escrevi Pregarás o Evangelho do Valor.

Segundo o artigo de Marn & Rosiello, um aumento de 1% no preço, mantendo-se todos os restantes factores constantes, pode resultar num acréscimo de 11% na margem operacional. Isto porque o aumento do preço entra directamente na receita — e tem efeito multiplicador no lucro, já que os custos permanecem inalterados.

E uma redução do preço?

Uma redução de 1% no preço tem um efeito igualmente directo na margem, mas é mais perigoso e não linear:
  • Cada redução corrói directamente a margem - Como os custos não diminuem automaticamente, qualquer descida no preço traduz-se numa quebra imediata da rentabilidade.
  • Pode originar um ciclo vicioso - Ao baixar os preços, a empresa "educa" o mercado a esperar mais descontos, o que torna mais difícil recuperar o preço no futuro.
  • Risco de guerra de preços - Reduções podem desencadear reacções por parte da concorrência, conduzindo a uma guerra de preços que enfraquece todo o sector.
  • Erosão da percepção de valor - A redução de preços transmite muitas vezes a ideia de que o produto vale menos do que se pensava, o que fragiliza o posicionamento da marca.
Por que escrevo isto? Por causa de um artigo que li ontem no jornal ECO, "Empresas portuguesas 'sacrificam' margem de lucro com aumento das tarifas", com o seguinte lead:
"Mais de 80% das empresas não vão repercutir já a subida das taxas para os EUA no preço final dos produtos. Um terço assume não ter estratégia ou ações imediatas para lidar com a guerra comercial."

Confesso que o artigo me deixa algo confuso:

"A pesar de as margens de lucro em Portugal já serem inferiores às da média da Zona Euro, o que significa que têm uma folga menor para absorver custos adicionais como a subida das tarifas nos Estados Unidos, mais de oito em cada dez empresas nacionais afastam a hipótese de aumentar de imediato os preços dos bens e serviços, 'preferindo' sacrificar a rentabilidade do negócio, pelo menos a curto prazo.

Segundo os resultados de um inquérito flash realizado entre 4 e 10 de abril pela Associação Empresarial de Portugal (AEP) sobre o impacto económico das tarifas impostas pelos EUA, a que o ECO teve acesso, apenas 18% das quase 300 empresas responderam com "ajustes de preços e custos" à questão sobre as estratégias que pretendem adotar para contornar os efeitos do aumento das taxas alfandegárias." 

Estamos a falar de empresas que importam dos Estados Unidos ou de empresas que exportam para os Estados Unidos? 

Estamos a falar de empresas que exportam para os Estados Unidos, segundo o artigo, mais de 80% das empresas portuguesas afectadas decidiram não aumentar os preços aos clientes americanos, absorvendo o custo das tarifas nas suas próprias margens. Isto confirma que o impacte recaiu sobre quem vende para os EUA, e não sobre quem compra de lá. Weird!

Quando um país resolve impor taxas alfandegárias quem paga realmente as tarifas?

Teoricamente, o importador. Mas na prática, o custo é repartido:

  • O importador exige reduções no preço de compra;
  • O produtor/exportador absorve o impacte, enfraquecendo a sua rentabilidade;
  • E, se possível, o consumidor é o último elo onde parte do custo é empurrado.

O facto de tantas empresas portuguesas estarem a absorver o impacte mostra uma fragilidade estrutural: se não conseguimos defender preço, é porque não temos margem de diferenciação. Para manter os volumes de venda e não perder quota de mercado, muitas empresas portuguesas aceitam reduzir a sua margem. 

Isto revela um ponto crítico: não conseguimos justificar preços mais altos. A nossa diferenciação é fraca ou nula. E quando o cliente sente o custo adicional, exige desconto — e nós cedemos.

Portugal tem sido elogiado pelo seu dinamismo exportador, e este blogue está na primeira linha, desde o tempo em que ninguém acreditava. Mas a verdade incómoda é que exportamos muito com margens muito baixas. Os dados de produtividade são claros: crescemos em volume, mas não em valor. E agora, perante um aumento de tarifas, a resposta dominante foi ... sacrificar margem.

A médio prazo, isto é insustentável. Compete-se no imediato, mas empobrece-se no processo. E se não se investe na diferenciação agora, o ciclo repete-se — com margens cada vez menores, custos cada vez mais apertados e um país que exporta muito, mas acumula pouco progresso.

O episódio das tarifas americanas deve servir de alerta. Não basta resistir. É preciso mudar o modelo.

Assim, mantemos ou até aumentamos a competitividade, mas a produtividade baixa porque o numerador fica mais pequeno. E o que é que isso significa? Empobrecimento:


Isto é, sem tirar nem pôr, descer na escala de valor.

Eu, que estou de fora desta "guerra", e por isso é fácil falar, prefiria encolher agora e explorar outros mercados com potencial para subir na escala de valor.

quarta-feira, abril 03, 2024

Para a imprensa que ...

Li na semana passada "How the Atlantic Went From Broke to Profitable in Three Years" de onde retirei:

"When Nick Thompson joined the Atlantic as chief executive three years ago, the magazine had a $20 million deficit and months earlier had laid off 17% of its newsroom.

...

Today, the 167-year-old publication is profitable and its newsroom is growing--a successful turnaround that offers a glimmer of hope for the rest of the industry, which has laid off reams of journalists since the start of the year."

Ao longo dos anos, aqui no blogue, tenho reflectido um pouco sobre o tema: 

Há dias li Seth Godin em, The drift to normal, onde sublinho o muitas vezes esquecido:

"“It might not be for you,” always accompanies, “this is special.”"

A história de sucesso da The Atlantic, com base no artigo do The Wall Street Journal, fornece informações valiosas para as empresas de comunicação social que pretendem prosperar no século XXI. As principais estratégias seguidas pela The Atlantic podem ser resumidas da seguinte forma:

  • Modelo de preço e subscrição - Um aspecto crucial da estratégia do The Atlantic foi a reavaliação de seu modelo de assinaturas. A publicação aumentou os preços das assinaturas em mais de 50% e restringiu o acesso gratuito ao conteúdo, mudando para um modelo em que dois terços da sua receita provinham das assinaturas. Bem alinhado com "Raise Prices If You Can Offer a Better Value Proposition" do texto do blogue acima de 2013, e com a assimetria dos gráficos de iso-lucro (com a subida de preços e a perda de clientes) de Pregarás o Evangelho do Valor
  • Foco editorial e jornalismo de qualidade - The Atlantic afastou-se da cobertura noticiosa do dia-a-dia e concentrou-se em histórias profundamente reportadas que atraíam um público amplo em todo o país e no espectro político. Esta mudança para um jornalismo de alta qualidade foi ainda mais enfatizada através do recrutamento de jornalistas de primeira linha e da concentração em histórias que poderiam ganhar prémios, como os Prémios Pulitzer. Não basta aumentar preços e não dar nada em contrapartida. Fugiram da espuma dos dias e focaram-se em temas mais profundos.
  • Pontos de vista diversos - A revista enfatizou o dar voz a uma série de perspectivas culturais e políticas, apelando assim a um público mais amplo. Essa estratégia envolveu a publicação de peças que talvez não se alinhassem com a postura editorial da revista, mas que aumentassem a diversidade de pontos de vista. 
  • Repensaram a receita publicitária: A revista mudou de estratégia publicitária, deixando de depender da publicidade que depende do tráfego de mecanismos de busca e media sociais. Em vez disso, concentraram-se em relacionamentos directos com as marcas e no negócio de eventos.

Para a imprensa que vive de estagiários, da Lusa, das promoções, e dos alinhamentos partidários ou anti-partidários, reflectir.

sexta-feira, junho 09, 2023

A evolução da produtividade (parte III)

Parte II e Parte I.

 

Vamos mais uma vez adiar as participações de Seth Godin e Porter nesta série, porque entretanto apareceu-me este artigo “Indústria do vidro na Marinha Grande sem mão-de-obra: "Não conseguimos contratar um único português, nem sequer temos candidaturas"”.

 

Há dias numa rede social alguém publicava uma série de fotos de árvores em contexto urbano mutiladas por podas exageradas, e depois referia que um jardineiro em Portugal ganha uma miséria à hora, mas que no Luxemburgo é bem remunerado. Veio-me logo à mente aquela frase “It takes a village” transfigurada em “It takes the whole country”.

 

Aqui no blogue e no Twitter costumo referir o que aprendi com Reinert exemplificando com os motoristas e com os barbeiros:

·     Existem tarefas que podem ser transferidas para o exterior da zona onde vivemos, por exemplo, produzir peças de vidro na Marinha Grande. E existem tarefas que não podem ser transferidas para o exterior da zona onde vivemos, por exemplo, cortar o cabelo, transportar pessoas, arranjar o jardim da nossa cidade.

No caso das tarefas que podem ser transferidas para o exterior da zona onde vivemos os salários são limitados por três factores:

  • A capacidade de criar valor percepcionado pelo cliente; 
  • Os preços praticados por quem produz no exterior da zona onde vivemos;  
  • O poder de compra da generalidade dos consumidores na zona onde vivemos e no exterior

No caso das tarefas que não podem ser transferidas para o exterior da zona onde vivemos os salários são limitados por três factores:

  • A capacidade de criar valor percepcionado pelo cliente; 
  • Os preços praticados por outros produtores da zona onde vivemos; 
  • O poder de compra da generalidade dos consumidores na zona onde vivemos;

Vamos analisar o que acontece com os produtos ou serviços que não criam um grande valor percepcionado pelos clientes, (commodities, portanto) admitindo que existe competição entre os fabricantes de produtos ou prestadores de serviço.

 

No caso dos produtos ou serviços transaccionáveis com forte competição externa e sem marca forte, ou alguma distinção: 

  • O preço de venda ditado por quem consegue produzir mais baixo limita o numerador da equação da produtividade, por isso as empresas neste contexto fixam-se no eficientismo.

No caso dos produtos ou serviços não-transaccionáveis com forte competição e sem marca forte, ou alguma distinção:

  • O preço de venda é limitado pelo poder de compra da generalidade dos consumidores na zona onde vivemos, o que limita o numerador da equação da produtividade, por isso as empresas neste contexto fixam-se no eficientismo.

No modelo seguido no Japão e outros países asiáticos, no caso dos produtos ou serviços transaccionáveis com forte competição externa funciona o tal modelo dos Flying Geese. Este modelo obriga a que as actividades com cada vez menos valor acrescentado sejam abandonadas e os recursos transferidos para outras actividades com mais valor acrescentado, o que permite pagar melhores salários e aumenta a produtividade.

 

No modelo que estamos a seguir em Portugal as actividades com cada vez menos valor acrescentado em vez de serem fechadas, recorrem a estratégias de abaixamento dos custos da mão de obra (actuação no numerador da equação da produtividade). Por isso, estas empresas crescem pouco ou não crescem mesmo, geram pouco valor acrescentado e pagam baixos salários. Assim, a sua contribuição para a melhoria dos salários das outras profissões é negativa, porque estes assalariados contribuem para o poder de compra dos consumidores na zona onde vivemos.

 

A contribuição para o aumento da produtividade ou é negativa ou é muito baixa, porque se concentra mais na redução dos custos do que na criação de valor. Nunca esquecer Marn e Rosiello e o Evangelho do Valor “It takes the whole country” para aumentar o poder de compra,

Os salários praticados são limitados pela capacidade de criar valor para o cliente. Quanto mais valor for acrescentado pelo fabricante às matérias-primas e componentes, mais elevado pode ser o preço praticado e mais elevado pode ser o salário oferecido. Tudo o que não passe por trabalhar o numerador é insuficiente para a revolução necessária na produtividade agregada.

O que os jornalistas relatam com candura e ingenuidade é a chamada ...


... e nem se apercebem disso.

terça-feira, janeiro 03, 2023

Aumentar a produtividade? No way!

Na passada segunda-feira, 2 de Janeiro de 2023, o JdN trazia este gráfico:

Conclusão?




PREOCUPANTE!!!

O que é a produtividade?
A produtividade é um rácio, a produtividade mede um efeito de alavanca.
Investimos numa série de entradas (custos) - o que representa um valor monetário A. 
Obtemos como resposta uma série de saídas que após venda (só após venda, pois isso é que prova que o produto tem valor para o cliente. Não conta produzir um artigo que vai "apodrecer" no armazém sem procura) - o que representa um valor monetário B. 
A produtividade é o rácio B/A. A produtividade mede o retorno do investimento em A?

Como temos escrito aqui no blogue ao longo dos anos, como é que se pode aumentar a produtividade?

Fácil!
Aumentar B ou reduzir A. A tal diferença entre trabalhar o numerador ou trabalhar o denominador.

Só que há um pormaior. A maior parte das pessoas quando pensa em aumentar a produtividade fixa-se em reduzir o A e mantém o B constante. Ora como referi, pela enésima vez, em E o burro era eu! o impacte de trabalhar o B é muito maior do que o impacte de trabalhar o A. 

Ou seja, voltando à aqui famosa pirâmide de Larreché:
A maioria das empresas concentra-se a melhorar a produtividade nas zonas onde o retorno do esforço é menor. 

Aumentar o B significa trabalhar na "Originação de valor", significa aumentar o preço do que se vende porque se cria mais valor para os clientes-alvo. Ou porque se melhora a qualidade do que se produz (aqui melhorar qualidade não é reduzir defeitos), ou porque se começa a trabalhar para clientes-alvo diferentes que dão mais valor à oferta específica que fazemos.

Voltemos ao gráfico do JdN:
  • Reduzir pessoal - trabalhar o A e, como se aprende com Marn e Rosiello, é a medida que menos retorno traz
  • Investir em tecnologia - presumo que seja trabalhar o A. A tecnologia é apenas uma ferramenta
  • Reorganizar os procedimentos e processos - trabalhar o A por excelência. Voltar aos anos 90 do século passado e à reengenharia. Michael Hammer de novo?
  • Flexibilizar o horário de trabalho - muito provavelmente trabalhar o A. O politicamente correcto tem horror a dizer que a produtividade é baixa porque os trabalhadores são preguiçosos. No entanto, os mesmos adeptos do politicamente correcto são os primeiros a defender que trabalhadores com horário mais flexível, ou com melhor salário, serão mais produtivos. Acho estranha esta contradição que mais ninguém refere. 
  • Investir na formação em liderança e gestão - Incógnita ... se continuarem com mentalidade de engenheiro é trabalhar o A
  • Redefinir cadeias de abastecimento - trabalhar o A
  • Não se aplica/não responde - ainda perdidos.
Chegado aqui, interrogo-me: por que deveria esperar um resultado diferente? Basta recordar o Forum para a Competitividade.





sábado, novembro 05, 2022

A morte das empresas a dois níveis

O que quero dizer com "deixem as empresas morrer"?

Vejo o tema em dois níveis, ou duas perspectivas diferentes:

  • a perspectiva da empresa individual; e 
  • a perspectiva da sociedade.
Quando afirmo "deixem as empresas morrer" estou a pôr-me na perspectiva da sociedade. Como sociedade, precisamos que empresas menos produtivas deixem de actuar como zombies que consomem recursos que poderiam estar a ser usados noutras áreas da economia, ou noutras empresas, e não os rentabilizam de forma adequada. Sem a morte de empresas não há flying geeses capazes de acompanhar o aumento da produtividade das sociedades mais dinâmicas economicamente. Recordar Maliranta e Taleb, recordar Hausmann e os seus macacos que não voam, apenas trepam árvores. Recordar Portugal não irá crescer se continuar a “exportar ‘mais do mesmo’”

Ainda recentemente usei a pirâmide de Larreché:
A economia portuguesa só alcança a produtividade média europeia através da originação de valor. Recordar o exemplo irlandês - produtividade irlandesa: empresas nacionais versus empresas internacionais.

Vejamos a gora a perspectiva da empresa individual. Cada empresa individualmente deve fazer tudo o que é ética e legalmente possível para sobreviver. Ninguém de fora deve ter autoridade ou poder para dizer que uma empresa deve morrer porque ...

Cada empresa individual, tendo em conta o seu contexto interno e externo, tendo em conta os requisitos e as expectativas das suas partes interessadas, deve trabalhar para capturar mais valor ou para extrair mais valor. Recordar Marn e Rosiello:
Também se aumenta a produtividade vendendo melhor ou sendo mais eficiente, mas nada bate a capacidade de aumentar preços sem perder clientes, algo que só se consegue com a base da pirâmide de Larreché. 

Assim, enquanto como cidadão defendo que a sociedade deve deixar as empresas morrerem, como consultor trabalho para apoiar as empresas individuais a darem a volta quando estão em más circunstâncias. Ou a melhorarem o que já está bem, mas tem de melhorar porque amanhã as partes interessadas (clientes, trabalhadores e o sócio-estado) vão querer mais. Até porque se as empresas de mais baixa produtividade morrerem todas hoje não há empreendedores suficientes para pôrem a render os recursos entretanto libertados. Recordar Não são elas que precisam de Portugal, Portugal é que precisa delas.

E algumas, não todas, das empresas com baixa produtividade, quando encaram de forma sistemática o desafio do aumento da produtividade para sobreviver, descobrem dentro de si recursos adormecidos, desprezados, inúteis, que se tornam preciosos para uma vida 2.0 onde as regras do jogo mudam e a empresa pode começar a viver, mais do que sobreviver. Como, por exemplo, aconteceu com o calçado quando mudou de modelo de negócio e de cliente-alvo e passou a vender sapatos que se vendem na loja a 300€ e não a 30€.

segunda-feira, junho 20, 2022

"The payoff for price increases is massive"

"Sales professionals are ill prepared to talk with customers about price increases because they don't get trained and there are almost no resources to help them develop the skills to do so. 
...
One of the reasons that I hated price increases and believed that I was betraying my customers is that I didn't understand basic business fundamentals. I didn't understand that price increase campaigns are far more effective at generating profit and free cash flow than increasing topline revenue through sales volume increases or acquiring new customers. Nothing else in the business-to-business sales arsenal protects the health of your company like price increases. They protect the enterprise during inflationary periods, produce capital for investment in growth, help improve quality and service delivery, boost stock prices, and protect jobs.
The payoff for price increases is massive. They can drop through as much as 400 percent more profit as increases in sales volume. For example, a l percent increase in sales volume, will produce 3.3 percent in profit. However, a 1 percent increase in price, when sales volume remains stable, delivers an 11.1 percent increase in operating profit. [Moi ici: Recordar Marn e Rosiello]
...
The bottom line is that increasing prices is the single greatest profit improvement opportunity and strategy for B2B enterprises. That is, of course, if you retain your customers along the way."

Trechos retirados de "Selling the price increase the ultimate B2B field guide for raising prices without losing customers" de Jeb Blount. 

terça-feira, maio 17, 2022

Não acham estranho?

Há talvez uma dúzia de postais aqui no blog que registam momentos importantes no meu crescimento intelectual acerca da postura competitiva das PMEs. Quatro desses postais são:

No postal do Evangelho do Valor existem dois gráficos que mereciam ser mais conhecidos. Um sobre o papel destruidor dos descontos e o outro sobre o poder do aumento do preço.

Vamos olhar para este segundo sobre o aumento dos preços (a parte inferior da figura abaixo):

 

A curva é uma curva de isolucro. Ao longo da curva, para diferentes pesos dos custos variáveis no preço, quando se aumenta o preço perdem-se clientes, mas como se tem uma margem superior, quanto é que se pode perder e manter o mesmo nível de lucro? Por exemplo, se os custos variáveis representam 50% do preço actual (abcissas), perante um aumento de 10% no preço a empresa pode perder até 18% nas vendas e continuar a ganhar o mesmo lucro.

Agora reparem nestes trechos do Jornal de Notícias de hoje:

"As projeções da Confederação do Turismo de Portugal são claramente animadoras". disse Francisco Calheiros. "Este será o ano da recuperação", anunciou, embora preocupado com os desafios. "Temos como prioridade agilizar soluções que permitam encontrar mão de obra suficiente e de qualidade para responder à elevada procura que teremos", disse.

Na maior região turística portuguesa, os hotéis "vão ter de deixar de vender quartos ou fechar restaurantes devido à falta de pessoal", assumiu Hélder Martins, presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos TuristiCOS do Algarve. No Porto e Norte, a situação é idêntica 

...

Depois de dois anos com pouca ou nenhuma atividade devido à pandemia, o setor enfrentará desafios, este ano, "para receber todos esses turistas com a qualidade que esperam de nós e de forma a aumentar valor", explicou Cristina Siza Viera, diretora-executiva da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP).

...

Ana Jacinto, líder da AHRESP, alerta que "a falta de trabalhadores poderá, de facto, comprometer a qualidade de serviço das nossas empresas" e o problema só pode ser resolvido com "vontade política" para que, nomeadamente, "se invista em programas de imigração controlada e com todas as condições de trabalho, quer ao nível da formação, da inserção profissional e familiar, quer ao nível da habitação"".[Moi ici: E quem paga a formação, a inserção profissional e a habitação? Os contribuintes, aka os saxões?]

Temos um país que recebe milhões de turistas, repito milhões de turistas, e que não consegue ser atraente para o mercado de trabalho. Pensem bem nisto, mas pensem a sério. Atraem milhões de turistas e não se conseguem sustentar?! Não acham estranho?

Depois, claro, estamos em Portugal, lá falta o pedido do apoiozinho do papá-Estado.

Na minha leitura reaccionária da realidade, um sector com milhões de clientes e incapaz de se autosustentar tem de mudar de vida. Por que raio têm os saxões de suportar ainda mais impostagem para ajudar a suportar negócios privados?

Na minha leitura da realidade continuamos a ser o tal país de turismo de pé descalço. Na minha leitura da realidade, segundo a minha visão do mundo, o que as empresas têm de fazer é subir preços. Vão perder clientes? Claro que sim, mas as que merecem continuar sobrevivem e até podem prosperar. As outras fecham e libertam pessoas e outros recursos para empreendimentos mais rentáveis. 

Algures no tempo introduzimos na nossa sociedade esta falta de vergonha das empresas em ser coitadinhas e precisarem de um apoio para sobreviverem, para suportarem custos.

Existem apoios que podem fazer sentido, apoios para investir na actualização de meios de produção, apoios para subir na escala de valor. Agora apoios para ajudar a suportar custos que o negócio não consegue por si próprio suportar, mesmo quando tem muito sucesso. Afinal são milhões de turistas… é mais um exemplo do tipo de cultura infantil que temos de deixar para trás se quisermos, como sociedade, ter melhor nível de vida.

domingo, março 13, 2022

Olhar o touro de frente

Ontem dei uma vista de olhos a um semanário e encontrei um artigo de José Martino intitulado "Agros: que futuro?".

Entretanto, hoje pensei nele e numa perspectiva que não me ocorreu inicialmente. 

Olhar o touro de frente ... sem paninhos quentes, sem subterfúgios, olhar para o contexto, olhar para os números, olhar para os factos, e comunicar com verdade. Sim, é certo que sempre haverá quem acredite no Pai Natal, sempre haverá quem esteja contra a troika e o corte de salários:


Basta assistir a uma reunião de condomínio ... Ou recordar este tweet.

Há anos que escrevo aqui sobre o leite e não sou meigo para os produtores. Operam num sector onde ganha quem tiver o preço mais baixo. O leite é a commodity por excelência no sector alimentar. (Algo que aprendi no livro "Retailization - Brand Survival in the Age of Retailer Power":."Milk is the ultimate low-involvement category, and it shows. Only 10% of the international sample (in Denmark, Germany and Spain the number is less than 5%) would expect the private label version to be of a lesser quality.")

Operar num sector como o leite implica viver no mundo da Red Queen: “Here you must run faster and faster to get nowhere at all!”

Operar num sector como o leite implica viver num mundo como o das startups que procuram crescer desalmadamente. Quantas vacas tem uma exploração-tipo em Portugal? Não tenho números recentes. 60? 80? Pensem nos custos por litro de leite numa exploração com 30 000 vacas. Pensem nesta evolução nos EUA e pensem no que se passará na Alemanha, Holanda e Bélgica.


Primeiro, alguns recortes do artigo:

"Os produtores de leite bovino estão sob stress extremo na atividade agrícola que desenvolvem, porque, se antes já tinham deficiência financeira de 8 a 10 cêntimos por litro de leite produzido, agora, a seca severa a extrema que assola Portugal acarreta menores produções de forragens, menos alimentos produzidos nas explorações agrícolas, mais, com a guerra na Ucrânia têm combustíveis, energia e fatores de produção mais caros (fertilizantes, forragens, concentrados para alimentação animal, etc.), certamente que o valor do défice será maior e terá variações semanais porque o encarecimento dos inputs para a agricultura faz-se semana a semana.

Não há dúvida de que o valor que o produtor de leite necessita para equilibrar a sua conta de exploração terá de ser pago pela indústria de laticínios, sendo maioritária a detida pelo setor cooperativo.

...

A Agros foi fundada em 1949, emprega 195 pessoas e registou em 2020 mais de 3,2 milhões de euros de lucros. 

...

[Moi ici: Pelos vistos a cooperativa Agros está em processo eleitoral. Daí este trecho que se segue] Na minha opinião, está a ser muito interessante este processo eleitoral porque há um combate no terreno dos candidatos em conquistar delegado a delegado, voto a voto, no objetivo de vencer as eleições, uma oportunidade para colocar ao serviço dos produtores de leite "os milhões de euros que estão entre o produtor e a Lactogal

A Agros compra o leite aos produtores e vende-o à Lactogal.

Vamos olhar para números da Lactogal. Vamos trabalhar com dados de 2018:
  • A Lactogal processou 820 milhões de litros de leite
  • A Lactogal teve 43 milhões de euros de lucro
Como é que pensa o típico político português? Seja socialista de direita ou socialista de esquerda só tem uma receita na cartilha: distribuir!

Vamos pegar nos 4300 milhões de cêntimos de euro de lucro da Lactogal e distribuí-los por cada um dos 820 milhões de litros de leite: se fiz bem as contas dá um aumento de 5,2 cêntimos por litro de leite. Como é que José Martino começa o seu artigo? 8 a 10 cêntimos? E agora será mais ...

Esta política distributivista já vimos que não resulta, mas vamos admitir que ia ser parcialmente aplicada. Que quantidade dos 43 milhões de euros deve ser canalizada para os produtores?

Depois de contabilizados os custos do passado as empresas determinam o lucro, mas o lucro, ou parte dele não é verdadeiramente o que a opinião popular pensa dele, o Lucro: O custo do futuro.

Em casa sem pão todos ralham e ninguém tem razão! Como se sai disto? Olhando o touro de frente, apresentando os factos e propondo alternativas racionais. Como se sai disto? Seguindo o Evangelho do Valor! Acerca do Evangelho do Valor.

O sector leiteiro preciso que os custos em que incorre alavanquem mais valor criado, ou seja, precisa de aumentar a sua produtividade:
Como se faz? 
Ainda há uma terceira alternativa para os produtores. Ver o que ao longo de mais de 10 anos tenho escrito aqui no blogue sobre as explorações inglesas que vendem leite cru, as explorações americanas que ganham mais com o agro-turismo do que com a venda de leite, as explorações francesas que entram nestes esquemas

domingo, dezembro 05, 2021

Uma transição por fazer ...

"The new management innovation are very different. Instead of an industrial-era focus on internal efficiency and outputs, the primary preoccupation in the new age is external: an obsession with creating value and outcomes for customers and users. Instead of starting from what the firm can produce that might be sold to customers, digital firms work backwards from what customers need and then figure out how that might be delivered in a sustainable way. Instead of limiting themselves to what the firm itself can provide, the firm often mobilizes other firms to help meet user needs."

Quem acompanha este blog desde 2004 pode facilmente recordar o quanto estes temas fazem parte da narrativa desde o início.

O que escrevo acerca do eficientismo, da lição de Marn e Rosiello (o burro era eu), do Evangelho do Valor. O que escrevo acerca de começar pelo fim e isso é olhar para a menina do olho dos clientes-alvo e, a partir do que procuram e valorizam, andar para trás e preparar a organização para entrega sistemática desses inputs (recordar input, não output). E o que escrevo sobre os ecossistemas da procura depois da experiência de 2004 em que o tema emergiu naturalmente de um desafio profissional em mãos, antes de começar a ler sobre o tema.

Quantas empresas ainda precisam de fazer esta transição...

Trecho retirado de "Why Management Innovation Is Hiding In Plain Sight

sábado, novembro 13, 2021

O cínico

Um daqueles postais que custam clientes...

Não consigo segurar-me, o cinismo toma conta de mim e não consigo pará-lo.

Inovação, Indústria 4.0, fábrica do futuro, plataformas colaborativas, workflow, soluções inteligentes, ...

Cut the chase, vamos ao essencial:

Quando me vierem falar de inovação e Indústria 4.0, por favor, foquem-se numa coisa apenas: a margem cresce, sim ou não? E se cresce, como ou porque cresce? E claro, quanto cresce?

A margem cresce quando:
  • o cliente está disposto a pagar mais pelo produto, aumento do preço de venda (Marn e Rosiello mostraram o quão poderoso é este aumento)
  • o custo final baixa, a inovação permite reduzir os custos de fabrico, sem pôr em causa a qualidade, sem prejudicar o desempenho do produto final (Marn e Rosiello mostraram a limitação deste tipo de poupança, embora seja benvinda)
O que li:
"Sempre na linha da frente da produção de calçado, a XXXX com a força do digital e da tecnologia desenvolveu um projecto onde casou a manufactura tradicional com o conhecimento tornando-se exemplo de aplicação do conceito de indústria 4.0.
...
YYYY revelou que sentia “uma certa vaidade” por mostrar soluções que eram o resultado prático dos problemas do dia-a-dia que uma empresa industrial e de manufactura encontram.

Uma dessa soluções foi encontrada, em plena pandemia, em que o processo de consultar e mudar fichas, em papel, de instruções de fabrico, foi substituída por um tablet, eliminando um potencial foco de contaminação e infecção pela utilização do dedo e da saliva, dos trabalhadores envolvidos. 
...
Todas estas novidades, foram reformas assumidas no sector o que aumentou a produtividade das empresas
...
No que toca ao digital, o ZZZ permitiu uma maior utilização de tecnologias que serviram o processo de fabrico, ajudaram à desburocratização de processos, e ajudaram ao desenvolvimento de plataformas de e-commerce.

Também, uma aplicação – IIOT – que permite ligar sensores a máquinas e a sistemas de informação e o armazenamento de dados na nuvem, fez com que se construísse um sistema ciber-físico com vantagens em todo o processo de fabrico do calçado."

Já chega...

Há aqui alguma coisa que ajude a aumentar preços?

"o que aumentou a produtividade das empresas" em quanto, fizeram contas? Apresentaram números? Por que é que o jornal não os publicou?

Como não recordar a minha última conversa oxigenadora...

Seria interessante daqui a seis meses uma visita para confirmar que este tipo de "inovações" continuam a ser utilizadas.

"uma aplicação – IIOT – que permite ligar sensores a máquinas e a sistemas de informação e o armazenamento de dados na nuvem" e depois, quem analisa e trabalha esses dados? 

Ainda esta semana comentava numa empresa de calçado que há 30 anos, quando comecei a trabalhar como consultor, as empresas contratavam alguém para a função da qualidade quando decidiam avançar para a implementação de um sistema da qualidade. Agora, quase nenhuma o faz. Resposta: temos de ter estruturas leves porque sofremos muito na primeira década deste século e não queremos voltar a cometer o mesmo erro. Sorri, lembrei-me do engenheiro H. perdido numa linha de montagem, porque quem não trabalhava na linha era malandro.

Para terminar com um tom mais optimista. Quando me vierem falar em inovação no calçado, falem-me em "é meter código nisso".



domingo, agosto 22, 2021

Atenção ao preço

Primeiro, recordar os números de Marn e Rosiello sobre o impacte do preço no lucro:


Depois ler estes trechos retirados de “No Company Ever Went Broke Turning a Profit” de Hermann Simon:

"Given its extraordinary role as a profit driver and its unusual effectiveness as a marketing instrument, one would expect that entrepreneurs and top managers pay a lot of attention to price. But in practice, that is often not the case. Instead, cost is what preoccupies managers’ thinking and consumes most of their energy. Volume—driven by marketing instruments such as advertising and sales—also tends to attract more management attention than price. Many companies do not treat price with the professionalism and seriousness it warrants.

...

A price increase of 1% is relatively small, but its effects on profits vary dramatically.

...

In one project for an industrial supplier we recommended an “anti-discount” incentive. When salespeople granted smaller discounts, their commissions would rise. The new system worked quickly and effectively. Within three months, the average discount granted by salespeople declined by 2% points, without any losses in volume or customers. That is the equivalent of a price increase of 2% with no volume decline. The resulting profit increase was 16%, which corresponds to a profit elasticity of price of 8. In absolute terms the profit increase was more than $100 million. Price is an extremely effective profit driver. That makes optimizing price worthwhile."

sábado, julho 17, 2021

Produtividade é muito mais do que organização

“Comparando agora Portugal com a EU-14, o deficit de produtividade aumenta à medida que os produtos ou serviços são menos básicos e é mais possível fugir ao trabalho manual através da organização. [Moi ici: Come on, é muito mais do que organização. O erro é comparar produtividades e pensar que estamos a comparar numeradores iguais e, portanto, que as diferenças decorrem de denominadores diferentes. Um erro crasso!!!

Por exemplo nos metais básicos a produtividade portuguesa é 74% da dinamarquesa. Mas já nos produtos fabricados de metais é 40%. [Moi ici: Quando comparamos produtos básicos, comparamos produtos suficientemente parecidos. Aqui a questão da organização, da diferença no denominador, explicará parte da diferença. Contudo, nos produtos fabricados isso já não é suficiente porque sendo os produtos diferentes, o numerador é bem diferente

Face à Áustria, nos metais básicos a nossa produtividade é 50% e de apenas 33% nos produtos metálicos fabricados. As percentagens repetem-se face a outros países: EUA, 42% e 31%; ou Suécia, 54% e 37%, respectivamente.

Como se repetem em outras indústrias. Por exemplo na indústria farmacêutica (onde além dos genéricos e subcontratação de fabricação de químicos, há os medicamentos de marca) a produtividade de Israel é 2,6 vezes a nossa e a da Irlanda 7,5 vezes (já corrigida para retirar o efeito das multinacionais que usam a Irlanda apenas por razes fiscais).

Ou seja, à medida que os sectores são menos intensivos em trabalho (onde os ganhos de produtividade são mais difíceis) e mais intensivos em know-how, a produtividade portuguesa "derrapa" crescentemente face à Europeia.”

Primeiro, dois exemplos da metalomecânica, a Vipp dinamarquesa e a Marlin Steel americana. Exemplos que ilustram o que está em causa com casos concretos. Como escrevi em 2006:

"Na semana passada, ao procurar explicar o conceito de produtividade a um grupo de operários, um deles saiu-se com este exemplo: "O que está a dizer é que se pegarmos num metro quadrado de chapa e o utilizarmos para fazer um guarda-lamas de uma motorizada, teremos mais rendimento do que se o utilizarmos para fazer pás, ou enxadas." Eloquente!!!"

Segundo, alguns postais que ajudam a explicar estas diferenças de produtividade:


Podemos vender trigo, ou vender farinha, ou vender bolos, ou organizar festas de aniversário com palhaços e tudo. Subindo na escala de valor, aumentamos a produtividade.

 Aumenta-se muito mais a margem com o aumento de 1% no preço do que a reduzir 1% o custo fixo ou o custo variável.

Como é que se aumentam os preços sem perder clientes? Subindo na escala de valor, trabalhando na willingness to pay (WTP) dos clientes. O erro é trabalharmos para o output da nossa organização em vez de trabalhar para o outcome do cliente.(Abril de 2020)
A típica empresa portuguesa está no estágio da extracção de valor. O mais básico de todos.

Trecho retirado de "Qual o antónimo de Luxemburgo?" publicado no semanário Vida Económica de 16 de Julho de 2021.



sábado, agosto 08, 2020

Não é ciência de foguetões, mas eu sou um anónimo de província (parte II)

Parte I.

Na parte I comentei o erro do turismo em baixar preços para conseguir aumentar o número de clientes, apresentando números que ilustram a loucura da decisão. O aumento de clientes nunca consegue compensar o lucro potencial perdido.

Ontem pensei noutro exemplo. No mês passado, a minha irmã que está em Inglaterra, e a minha filha que está na Suiça, vieram a Portugal de avião. Fiquei impressionado com os preços. Pensei que estivessem bem mais altos, mas não. A lotação dos aviões está muito baixa.

Por que é que as pessoas não estão a voar neste Verão?

  • Hipótese 1 - Porque os preços dos bilhetes estão altos;
  • Hipótese 2 - Porque têm medo da pandemia
Qual acha que é a resposta mais certa, ou menos errada?

Então, surge outra pergunta: Quem é que neste Verão de 2020 viaja de avião?
  • Hipótese 3 - Os que que querem viver emoções fortes
  • Hipótese 4 - Os que querem aproveitar os preços baixos dos bilhetes
  • Hipótese 5 - Os que não têm alternativa e têm mesmo de viajar por causa de compromissos familiares, profissionais ou outros
Qual acha que é a resposta mais certa, ou menos errada?

Se partilhar a minha opinião, terá optado pelas hipóteses 2 e 5. Ou seja, quem está a voar voa porque tem de voar.

Quem conhece o Evangelho do Valor sabe o quão penoso é, para não dizer impossível, recuperar lucro perdido por causa de reduções de preço, à custa do aumento da procura.

Outra vez! Ei! Eu só sou um anónimo engenheiro da província. E esta gente tem consultores financeiros de topo ao seu serviço.

De certa forma, foi o mesmo erro da imprensa escrita quando se viu acossada pela internet. Baixar preços nunca é a solução, a menos que a vantagem competitiva seja o custo e o volume possa crescer.

quarta-feira, agosto 05, 2020

Não é ciência de foguetões, mas eu sou um anónimo de província

"No mês de junho as quebras para o setor turístico foram ainda muito acentuadas, acima de 80%, tanto no número de hóspedes como nas dormidas. Neste cenário, um pouco mais de um terço dos estabelecimentos está a considerar baixar os preços.
...
A previsão é de que em junho e outubro as taxas de ocupação sejam inferiores a 50%. Esta quebra estará também a ser influenciada pelas exigências devido à pandemia, como é o caso do aumento do intervalo de tempo entre o check-out e o check-in dos hóspedes (55,9% dos estabelecimentos) e da redução do número de quartos (48,6%)."
Imaginem uma empresa de calçado que em 2019 vendeu 6 milhões de euros.
Imaginem dois cenários:

  • No primeiro a empresa resolve baixar o preço em 10% para poder crescer 10% na quota de mercado;
  • No segundo a empresa mantém os seus preços e vê as vendas cairem 10%
Reparem no que acontece ao resultado líquido.

Tremendo...

Ei! Eu só sou um anónimo engenheiro da província. E esta gente tem consultores financeiros de topo ao seu serviço.

Ah! Mas eles também cortam nos custo fixos - dirão alguns. Aí, recomendo a leitura do velho artigo sobre o Evangelho do Valor.


Trechos retirados de "Um terço do turismo admite baixar preço"

quinta-feira, maio 09, 2019

"move beyond a focus on efficiency"

"For many companies, the traditional path to value creation is simply too narrow, centered on driving efficiencies rather than growth and innovation. Creating new value often requires employers to think differently about work in three ways:
.
The objective of work becomes expanding value, not delivering scalable efficiency.
The work itself entails addressing unseen problems and opportunities, not executing routine tasks.
The work draws on human capabilities such as imagination, intuition, curiosity, creativity, and empathy—not on skills tied to a particular task or technology.[Moi ici: Recordem os profetas do Armagedão provocado pela automatização]
With this broader view, companies can move beyond a focus on efficiency—and beyond growth driven by M&A and market share—and aim to create new forms of customer value. Organizations can do this by looking for ways to create additional meaning for the customer. This typically starts by deeply understanding customers’ needs and aspirations, now and in the future—and deep understanding requires more than just soliciting customer feedback or monitoring net promoter scores. Because these needs and aspirations are limitless and rapidly evolving, there is always more value that companies can create for customers."
Parece um texto retirado deste blogue ...

A aposta no numerador versus o eficientismo da aposta no denominador.
A aposta na originação do valor.

A treta da tríade, apesar de tudo, vai precisar ainda de alguns anos, talvez 10 a 20 para ser varrida para o caixote do lixo da história. Economia não é física newtoniana ou galilaica, em economia o que é verdade hoje, amanhã é mentira.

Trechos retirados de "Redefine Work to Bring New Value to Customers"