Um dos postais mais importantes para as PME que escrevi, ao longo dos mais de 21 anos deste blogue, é este, "
Pregarás o Evangelho do Valor".
Nele encontramos este gráfico:

Há sempre duas formas de se tentar ganhar mais dinheiro:
- Vender mais barato para atrair clientes.
- Vender pelo mesmo preço ou até mais caro, mas oferecer mais valor que os clientes reconhecem.
Este gráfico mostra o que acontece em cada caso.
- Se baixarmos o preço, parece que vamos vender mais. Mas atenção: para manter o mesmo lucro, precisamos de vender muito mais. Por exemplo, se cortarmos o preço em 20%, podemos ter de duplicar as vendas para não perder dinheiro. Isso é quase impossível para muitas pequenas empresas (não há máquinas, nem pessoas, nem mercado suficiente para isso).
- Já quando aumentamos o preço, mesmo que percamos alguns clientes, o lucro pode ser o mesmo ou até maior. Porquê? Porque não precisamos de vender tanto e ganhamos mais por cada venda.
O gráfico explica que as PME deviam preocupar-se menos em cortar preços ou apenas em reduzir custos e mais em criar valor para o cliente. Se o cliente sentir que o produto ou serviço vale o preço, vai continuar a comprar, mesmo que seja um pouco mais caro.
Não é sempre no preço mais baixo que se ganha. Muitas vezes, o segredo está em oferecer valor, para que os clientes aceitem pagar mais.
O preço baixo pode dar clientes, mas é o valor percebido que dá lucro.
Recentemente, descobri através de Daniel Priestley
estes outros números que vêm reforçar o argumento:
Ora, isto liga-se a um fenómeno mais amplo, a polarização do mercado. Ainda me lembro do momento em que li “
The vanishing middle market”. Está quase a fazer 20 anos. Onde descobri o fenómeno do market polarization.
A "market polarization" acontece quando o mercado se divide em dois extremos: por um lado, cresce a procura por produtos e serviços "premium" (de maior qualidade e preço mais elevado) e, por outro, por ofertas "low cost" ou “no-frills” (sem extras, só o essencial e barato). O que fica a perder são os produtos da gama média, que vão desaparecendo porque já não atraem clientes nem pelo preço nem pelo valor acrescentado.
Esta, talvez demasiado longa, introdução serve para contextualizar um artigo publicado no passado Sábado pelo jorrnal The Times, "Strategy Win For United And Delta":
"Airlines in the United States seem to be separating into two groups. Delta Air Lines and United Airlines make lots of money. And then there's everybody else.
Those two airlines have pulled ahead of the pack in recent years after making a few big bets. They expanded loyalty programs and leaned into selling more first- and business-class seats. And they operate lots of international flights.
That has paid off handsomely. Delta and United have generated most of the industry's profits since 2022. And some experts believe their lead is only expanding.
...
Of course, no airline is unassailable, and the industry is rife with companies that went from roaring success to penury. [
Moi ici: Fica o aviso à la Beinhocker, Sim, as estratégias são como os iogurtes" têm um prazo de validade que só se descobre à posteriori]"
O artigo descreve como a Delta Air Lines e a United Airlines se diferenciaram no mercado norte-americano ao apostar em estratégias voltadas para passageiros mais ricos e frequentes. Ambas expandiram programas de fidelização, aumentaram a oferta de lugares premium (primeira classe e executiva) e intensificaram voos internacionais. Essa aposta tem gerado resultados financeiros robustos: desde 2022, Delta e United concentram a maior parte dos lucros da indústria aérea, enquanto outras companhias lutam com margens estreitas.
A estratégia provou ser estrutural, criando um fosso cada vez maior entre estas duas empresas e as concorrentes. Mesmo companhias low-cost começaram a copiar a fórmula, introduzindo versões premium dos seus serviços. Contudo, o modelo não é imune: uma recessão ou uma mudança estrutural no comportamento dos consumidores poderia colocar pressão sobre esta diferenciação.
O artigo ilustra como uma escolha clara de posicionamento (focar em clientes de maior valor e não em todos) pode criar uma vantagem competitiva sustentável. É uma aplicação prática da ideia de que estratégia é escolher o que não fazer.
Estas companhias escaparam à guerra de preços e da armadilha de ser “mais um” no mercado de voos domésticos ao criar uma experiência distinta, valorizada pelos clientes mais dispostos a pagar, ou seja: diferenciação.
Se todas as companhias aéreas decidiram competir no low-cost, Delta e United escolheram o oposto, explorando o espaço deixado livre no premium. Essa decisão passa no “teste da negação” de
Roger Martin. O contrário de uma estratégia é outra estratégia.
O sector aéreo é historicamente visto como uma commodity (“um assento de A para B”), mas a Delta e a United mostram que é possível fugir à comoditização através de diferenciação por experiência, fidelização e valor percebido. Contudo, o risco de voltar à comoditização está presente à medida que rivais low-cost imitam serviços premium.
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