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sexta-feira, dezembro 05, 2025

A fábrica é o lugar onde a inovação se torna real

Em Outubro de 2021, em "Moi ici: Let that sink in deep!!!", citei Reinert:

"The logic that died with the Berlin Wall was that it is better to have an inefficient manufacturing sector than not to have a manufacturing sector at all, and such an approach has led to falling real wages in many countries in Eastern Europe, Asia, Africa and Latin America."

No passado dia 28 de Novembro o FT publicou o artigo "Is China winning the innovation race?". O artigo mostra que a China está a aproximar-se rapidamente — e em alguns domínios já a ultrapassar — dos EUA e da Europa na corrida global pela inovação. A chave desta transformação não está apenas no volume de investimento, mas num foco estratégico muito dirigido a tecnologias aplicadas ao sector produtivo: inteligência artificial industrial, robótica, baterias, automóvel eléctrico, semicondutores e tecnologias habilitadoras.

"For decades, China has been the world's factory and companies have tapped into a low-cost labour force with few protections and cheap, dirty energy. The country's scale - as a manufacturing base and as a consumer marketlured almost all the world's biggest multinationals. But the underlying technology was retained by companies from the US and Europe.

Now China's research and development prowess is allowing it to compete, and potentially beat, the west."

A China não compete através de ciência "pura" mais avançada, mas através de uma combinação poderosa: urgência nacional, execução disciplinada, grande escala de ensaios e uma interligação estreita entre investigação, indústria e política pública. O país transformou o seu enorme aparelho produtivo num "laboratório" onde as tecnologias são rapidamente testadas, aperfeiçoadas e difundidas.

"The focus has built deep advanced manufacturing ecosystems around scaling and integrating into the real economy rather than 'blue sky' science."

Aqui está uma diferença decisiva: a inovação chinesa "encosta-se" à fábrica, ao produto e ao mercado.

O artigo também sugere que a Europa e os EUA perderam velocidade: excesso de burocracia, ciclos longos de decisão, fuga de talento e menor ligação entre ciência, engenharia e chão de fábrica. Enquanto isso, a China investe de forma contínua, planificada e alinhada com objectivos industriais concretos — e está a colher resultados.

"Sonia Ederstal, the head of Scania's China R&D division, says the environment for innovation in China is *completely different" to the west. She points to the truckmaker's quest to introduce autonomous driving functionality as an example. "We have been trying to do this in Sweden, in the US, everywhere," she says. "Within one year [in China] we were able to integrate the software into our vehicle and make it run completely in that mode.""

É preciso recuperar uma verdade fundamental: as fábricas não são símbolos do passado; são infra-estruturas do futuro. São o lugar onde o conhecimento se transforma em produtividade. Onde uma ideia se transforma num produto. Onde o progresso científico se transforma em riqueza concreta.

E, sobretudo, são o lugar onde a inovação se torna real.

Reinert explicou isto repetidamente: um país que perde o seu sector industrial perde, inevitavelmente, a sua capacidade de aprendizagem e de crescimento. O que o artigo do Financial Times mostra é que a China fez exactamente o oposto: reforçou as suas fábricas, aproximou-as da I&D e usou-as como motores de aceleração tecnológica.

O resultado está à vista.

Estar junto da fábrica muda tudo. Há algo profundamente transformador em estar fisicamente presente numa fábrica. Quem passa tempo no chão de fábrica vê o que nenhum relatório consegue mostrar:

  • as limitações da tecnologia aplicada
  • as oportunidades escondidas
  • a criatividade dos operadores
  • os constrangimentos da cadeia de abastecimento
  • o impacto real de pequenas melhorias
  • o valor do conhecimento tácito
  • a velocidade com que se aprende quando se fabrica

É por isso que as empresas que inovam estão sempre, de uma forma ou de outra, próximas da produção. Porque não se inova de longe.


segunda-feira, novembro 10, 2025

Ver para lá do que se conhece (parte VII)

"Fourteen years after Suzanne Edwards stood on a balcony in Morocco, leant against the side and felt the railing break, she moves her right leg forwards. he shifts weight to her left leg. veating with the effort, and slowly makes a step.
No one would call it a miracle. In this Swiss physiotherapy unit there is a harness suspended from the ceiling, bars to hold on to and a team monitoring her progress. Later she may transfer to a walking frame for short distances. But there is still something miraculous about it.
...
Weeks after experimental surgery, simply by thinking about walking, Edwards walks. She is far from cured but she is also far from what she thought she could do when shewoke up to be told her back had broken."

No, The Times de ontem "I was told I'd never walk again. Now I just think walk' and I do". O artigo descreve o caso de Suzanne Edwards, uma mulher que ficou paralisada após um acidente e que conseguiu voltar a andar graças a uma tecnologia inovadora de implantes neurais ligados à inteligência artificial (IA). O sistema, desenvolvido por Grégoire Courtine e pela neurocirurgiã Jocelyne Bloch no Hospital Universitário de Lausanne (Suíça), cria uma espécie de “ponte digital” entre o cérebro e a medula espinhal: os sinais elétricos associados ao pensamento de “andar” são descodificados por um processador externo e reenviados a um segundo implante na medula, que estimula as pernas a moverem-se.

Embora ainda em fase experimental, este avanço mostra potencial para transformar a vida de pessoas com paralisia e mudar a forma como a sociedade encara a incapacidade permanente.

Recordar: Ver para lá do que se conhece - Parte Iparte II, parte III, parte IVparte V e parte VI.


quinta-feira, novembro 06, 2025

Não se faz com mais betão

Ontem, com "Trepar às árvores com muita rapidez", deu para ver o resultado de investir na subida na escala de valor.

Entretanto, é tempo de ir buscar um texto publicado no The Times do passado dia 21 de Outubro, sobre Inglaterra, mas muito aplicável a um certo Portugal político, à esquerda e à direita. 

O texto é de William Hague, ainda me lembro dele como ministro, e intitula-se "Less build, build, build: more think, think, think":

"Just as Labour MPs know that their entire fate will probably rest on whether Rachel Reeves can get her budget right next month, so almost everything in politics rests on good economics.

This year the prize  [Moi ici: Nobel prize for economics] has gone to three economists who have demonstrated how sustained economic growth is driven by innovation.

...

 Sustained growth, he has shown, depends on science and technology evolving together, a high level of mechanical competence to make the most of them, and a society open to disruptive change.

The other two winners, Philippe Aghion and Peter Howitt, also showed how innovation is the key driver of growth, through a process of "creative destruction" of established companies by new products and processes [Moi ici: A grande lição que aprendi em 2007 com Maliranta sobre a evolução da produtividade na Finlândia]. While the work of all three economists is about how innovation unfolds, it is clear from their conclusions that such innovation is the main and overwhelmingly important determinant of whether we live in a growing or a stagnating economy.

...

In Britain and the rest of Europe, while governments have many initiatives that support innovation, much of their activity fails to give it sufficient priority and most of their policies actively stifle it. That is why they are stuck in stagnation and running out of money.

Ministers continue to believe that building infrastructure and spending more money creates growth. [Moi ici: Por momentos viajei no tempo e ouvi Sócrates a dizer que era preciso mais betão, mais betão e mais betão. A cena de assar sardinhas com fósforos.] But if innovation is the key driver of growth, they are wrong.

...

Ministers like to "build, build, build", because new towns and infrastructure are things you can touch, point at and for which they can claim credit. The trouble with putting effort into new ideas is that they are uncertain, you can't see them, they are risky and the National Audit Office finds it hard to measure them. Yet the only hope of growth is to encourage people to "think, think, think".

...

Listen to many economists and political leaders and you might think growth comes from government spending, or entirely depends on interest rates, small tax changes, stability or consumer confidence. These things do matter, day to day. But to grow sustainably we need the freedom to have new ideas and implement them. Literally everything will depend on it."

Subir na escala de valor é o nosso “think, think, think”.

Não se faz com mais betão — faz-se com mais ideias, mais liberdade e mais coragem para arriscar.

BTW, vejo pessoas que apoiam o actual governo muito contentes com a taxa de desemprego e o crescimento do PIB, mas ao mesmo tempo a produtividade arrasta-se.



segunda-feira, outubro 27, 2025

Jornais, quotidiano, estratégia e empresas

Outra notícia quotidiana de um jornal que vem recordar temas super-importantes para as empresas. No WSJ do passado Sábado 25 de Outubro, "P&G to Focus on Innovation, Not Discounts, to Fuel Growth."

O texto aborda a estratégia da Procter & Gamble (P&G) para impulsionar o crescimento. Em vez de recorrer a descontos agressivos, a empresa aposta em inovação de produto em várias categorias (detergentes, fraldas, produtos de cuidado pessoal). 

"Procter & Gamble reported higher first-quarter sales and said it was investing in product innovation instead of lowering prices to draw cautious consumers.

...

P&G has released Tide's new Evo line of laundry detergent, which is designed to lead to category growth with renewed demand, and made improvements in Pampers diapers and Olay body washes."

A P&G registou um crescimento de vendas orgânicas de cerca de 2% no último trimestre, atribuído a preços mais elevados e a uma mistura de produtos mais favorável. 

"The company's product innovation has driven a 2% to 2.5% price increase across the company's entire portfolio.

...

Schulten said organic sales grew 5% in Greater China, where the company has earlier used product innovation to combat a challenging consumer environment."

Apesar da concorrência recorrer a fortes promoções, a P&G prefere diferenciar-se através da inovação e da oferta de produtos premium, acreditando que isso assegura crescimento sustentável e fidelidade do consumidor. 

"Competitors that are offering aggressive promotions, particularly in the fabric and baby care markets.

...

Some of the competitive response is increased promotion [Moi ici: Reduzir preços]. This plan takes longer. It's not as easy as throwing promotion funding out there.

...

Overall, organic sales edged up 2% in the quarter due to higher pricing and a more favorable mix, with growth in the company's beauty, grooming and healthcare segments.

...

Schulten said many consumers are trading up and its premium products have yielded much of the company's growth in some markets." [Moi ici: Interessante, as empresas que não inovam queixam-se que os clientes estão a optar por marcas brancas, pelo low-cost. Uma self-fulfilling prophecy]

Isto relaciona-se com 2 temas que costumamos abordar aqui:

  • A polarização dos mercados; e
  • O Evangelho do Valor.

O caso da P&G encaixa-se na tendência de polarização dos mercados. De um lado, marcas que apostam em preços baixos (low-cost) e fortes descontos. Do outro lado, empresas que investem em inovação, diferenciação e premium conseguem praticar preços mais altos porque oferecem algo que os consumidores valorizam. Recordar "Polarização do mercado ou como David e Golias podem co-existir"

A P&G segue precisamente a lógica de Marn e Rosiello, a lógica do Evangelho do Valor que descrevemos aqui "Aumentar preços (parte III)": não tenta competir apenas no preço, mas cria valor percebido superior (novos detergentes, fraldas, cosméticos premium) para poder aumentar preços sem perder clientes. A diferenciação é a chave para escapar da competição perfeita e sustentar margens. 

As PME portuguesas precisam tanto, mas tanto disto...

No Sábado no Twitter:


Muitas PME portuguesas não estão predispostas a investir em inovação e diferenciação. A razão não é apenas falta de visão ou falta de estratégia, mas sim a conjugação de factores estruturais: a autonomia financeira é reduzida, o acesso a capital de risco é escasso e o retorno dos investimentos em inovação é quase sempre de médio ou longo prazo (8 a 10 anos, 5 no mínimo). Numa realidade em que a tesouraria dita o dia a dia, a prioridade é a sobrevivência imediata, não a aposta em projectos cujo resultado só se verá anos mais tarde.

A esta limitação financeira soma-se uma barreira cultural: a desconfiança em relação aos académicos e às instituições de ensino superior. Muitos empresários não reconhecem valor no discurso científico, que lhes parece distante da realidade prática da empresa. Esta distância alimenta a ideia de que a colaboração é mais risco do que oportunidade, reforçando a preferência por estratégias defensivas assentes no preço mais baixo ou em redes de confiança já existentes.

Assim, compreende-se por que razão, apesar de concordarmos com a necessidade de maior proximidade entre universidades e empresas, uma percentagem razoável das PME "não está para aí virada". A aposta na diferenciação exige capital, paciência, abertura à colaboração e uma estratégia que passe por aí.

Também recordo casos de empresas com capital, com acesso a universidades e centros de investigação, que até fazem projectos em conjunto, por causa dos apoios comunitários. No entanto, nunca fazem nada com o resultado desses projectos porque a sua estratégia, de facto, é outra.

quinta-feira, outubro 02, 2025

Não é apenas teoria económica, mas prática viva em plena guerra tecnológica


Ontem publiquei "As estratégias são como os iogurtes" onde recordei Beinhocker e a ideia de ver a economia como uma continuação da biologia, daí evolutionary economics.

Também ontem, mas no FT, o artigo "Ukraine drone makers race to outwit Russia" tem tudo a ver com evolutionary economics.

O artigo descreve como a Ucrânia está a desenvolver rapidamente drones interceptores de baixo custo para enfrentar os drones kamikaze russos (como os Shahed). A estratégia é criar soluções baratas, flexíveis e escaláveis, capazes de neutralizar ameaças em grande número, ao contrário dos sistemas ocidentais tradicionais, que são caros e pensados para alvos de maior altitude. Este movimento não só responde à guerra actual, como também serve de lição para os planeadores de defesa europeus, que podem ter de repensar as suas próprias estratégias de defesa aérea.
"Ukraine's multi-layer air defence model uses sophisticated missile systems... However, such systems are unsuited for dealing with the threat from large numbers... of relatively cheap, low-altitude and low-speed kamikaze drones such as the Geran-3 and Shahed-136 drones used by Russia." [Moi ici: Sistemas caros não são adequados contra drones russos baratos em massa, há necessidade de inovação acessível e rápida.]
"The bullet-shaped quadcopter is a drone killer, developed in a matter of months by Ukraine's defence technology sector. Kyiv is racing to produce thousands of such interceptors..." [Moi ici: Protótipos de baixo custo, desenvolvidos em meses, para enfrentar drones russos.]
"Ukrainian companies have been working on air defence drones for barely a year but already many are shifting to mass manufacture after having combat-tested new interceptors..." [Moi ici: Ciclo rápido de experimentação → teste em combate → melhoria → produção em escala.]
"Drone makers said Europe needed to learn lessons from Ukraine's rapid responses. 'The real problem is that you need at least a thousand flowers blooming and then let the best ones weed out, said Luke Snyder of Tytan Technologies."  [Moi ici: Lições para a Europa: incentivar diversidade de soluções e deixar a selecção natural actuar.]
''We are expanding production at a dramatic pace, said Alex Sirok of Wild Hornet... Serhiy Sternenko, an activist whose crowdfunding platform is financing drone output [Moi ici: Startups e crowdfunding aceleram inovação e produção, descentralizando esforços.]
Estas duas últimas citações fazem-me lembrar Baltimore em 1919 e o desenvolvimento do automóvel. Quando se vive no tempo dos pioneiros o que é preciso é variedade.

Na guerra dos drones na Ucrânia vemos, em tempo real, aquilo que Eric Beinhocker descreve como evolutionary economics:
  • Variedade: “Various technologies have been introduced…” → surgem múltiplos protótipos, cada um com a sua aposta.
  • Selecção: “‘You need at least a thousand flowers blooming and then let the best ones weed out.’” → algumas ideias funcionam, outras morrem.
  • Retenção: “Already many are shifting to mass manufacture after having combat-tested new interceptors…” → o que resulta é escalado e replicado.
  • Pressão selectiva: “Russia is increasingly using its cheap… Shaheds… Ukrainian companies are working on faster models.” → o inimigo força inovação constante.
  • Inovação descentralizada: “Another lesson is the need for constant iteration… that only start-ups can achieve quickly.” → startups lideram a adaptação veloz, outra vez Baltimore.
Um exemplo claro de como variation → selection → retention não é apenas teoria económica, mas prática viva em plena guerra tecnológica.

BTW, o FT tem publicado artigos sobre o tema dos drones e a guerra da Ucrânia com alguma frequência:

quinta-feira, agosto 21, 2025

Caneta e Six Sigma

"Take Six Sigma, the defect-minimization strategy that was all the rage in the 1980s: Its methodology involved certifying managers with progressively more prestigious colors to encourage their advance in skill level-rather as karate or judo belts do. (Even though these were color-coded paper certificates, I like to imagine the regional vice president for sales wearing a red belt over their suit.) No doubt, some firms found the exercise useful, but as the business writer Geoffrey James notes, employees typically found Six Sigma's implementation frustrating and confusing. And according to data from 2006, among the large companies that adopted the program, 91 percent wound up trailing the S&P 500 in stock performance."

Muitos críticos usam a estatística de 2006 - segundo a qual 91% das grandes empresas que adoptaram o Six Sigma ficaram atrás do S&P 500 em termos de desempenho bolsista - como prova de que a metodologia falhou ou foi mal implementada. Mas essa leitura parece-me demasiado simplista.

O Six Sigma nasceu num contexto em que a vantagem competitiva de várias indústrias estava associada à eficiência operacional: reduzir defeitos, cortar desperdício, padronizar processos. Nestes cenários, a lógica é clara: cada melhoria na eficiência traduz-se em ganhos de margem e em maior fiabilidade perante clientes industriais. Contudo, há um efeito estrutural a considerar. Empresas cujo modelo competitivo assenta sobretudo na eficiência operam normalmente em mercados maduros, com baixo valor acrescentado e onde a diferenciação é limitada. O espaço para crescer através da inovação ou da criação de novas categorias é reduzido; logo, mesmo sendo muito eficientes, essas empresas tendem a gerar retornos modestos no longo prazo quando comparadas com negócios que criam novas fontes de valor.

Assim, o número dos 91% não reflecte apenas uma suposta "ineficácia" do Six Sigma. Reflecte antes a realidade de que, se a uma proposta de valor é eficiência e baixo custo, dificilmente conseguirá bater em bolsa empresas que estão a construir novas necessidades, novos segmentos ou novas experiências para os clientes. É uma questão de tipo de vantagem competitiva mais do que da qualidade da ferramenta.

Aqui encontro um paralelo com o caso da Herdmar. A fotografia que partilhei mostrava bem o dilema: uma empresa pode ser brilhante em eficiência produtiva, em extrair cada gota de rendimento do seu processo, mas se o mercado valoriza diferenciação, marca e inovação estética, o máximo que a eficiência garante é sobrevivência - nunca liderança. O Six Sigma, aplicado fora do contexto certo, transforma-se numa corrida para estar "menos mal" do que os outros, mas não para estar "à frente" do mercado.

No fundo, a lição é esta: a eficiência é condição necessária, mas nunca suficiente. Dá disciplina, consistência e fiabilidade - mas raramente gera excedentes de valor que o mercado financeiro premie de forma continuada. Numa paisagem competitiva em que muitas empresas lutam para subir o mesmo pico, a eficiência serve apenas para garantir que não se escorrega na encosta. Mantém cada jogador no jogo, mas não muda o jogo. No topo desse pico há pouco espaço e margens cada vez mais apertadas. O verdadeiro salto competitivo acontece quando uma empresa decide procurar outros picos — criar novas categorias, novas experiências, novas formas de valor — em vez de se limitar a ser a mais resistente na escalada do mesmo monte.

Este é um tema que sigo aqui no blogue pelo menos desde 2007, não culpem a caneta quando a culpa é de quem escreve.

Trecho inicial retirado de "A Management Anti-Fad That Will Last Forever"

quinta-feira, julho 17, 2025

Competir num mundo Mongo com um modelo anti-Mongo



O parceiro das conversas oxigenadoras recomendou-me a escuta deste podcast com Carlos Mendes Gonçalves.

O Grupo Mendes Gonçalves tem registado crescimento sustentado, com aproximadamente 30 % das vendas feitas internacionalmente, presença em mais de 22 países e crescimento anual na faixa de +20%.
O foco estratégico assenta numa diversificação constante de produtos (até 50 novos lançamentos por ano) e a inovação contínua tem sido fundamental para a competitividade global

Nesse mesmo dia, 15.07, tinha lido no FT, "Buffett comes out on top from Kraft Heinz flop". 

Há anos que escrevo aqui sobre a Kraft Heinz:
A Kraft Heinz, nas mãos da 3G Capital, cortou custos com violência (20% dos trabalhadores e 40% dos overheads), mas esqueceu-se de investir em marcas e inovação. Resultado: vendas em queda durante seis trimestres, desvalorização bolsista massiva e marcas ocas. Como escrevi, em Fevereiro de 2019, “não se corta caminho para o crescimento” – e a Kraft Heinz é exemplo disso.

Nos textos “Mongo é inevitável” e “A defesa da suckiness”, mostro que os gigantes tendem a degenerar numa busca doentia por eficiência e escala, que os cega ao valor emocional, à diversidade, e à criação de tribos apaixonadas.

A Kraft Heinz tentou competir num mundo Mongo com um modelo anti-Mongo — volume, uniformidade, centralização e frugalidade. Quando finalmente começaram a lançar 20 variedades de ketchup, era tarde demais e feito com ADN errado: cada nova versão trazia complexidade, mas sem alma. As pequenas marcas de nicho estavam já a conquistar corações.

Escrevo sobre marcas que viram carcaças e da dificuldade em “fingir autenticidade”, o caso Kraft Heinz ilustra esse paradoxo: marcas poderosas (Kraft, Heinz) que já não criam desejo, apenas reconhecimento vazio. Os consumidores tornaram-se ketchup-curious, mas fieis a novos sabores com identidade, não à nostalgia empacotada.

O colapso da Kraft Heinz é o espelho perfeito das minhas reflexões. Mostra como:
  • cortar custos sem repensar o modelo leva ao esvaziamento das marcas;
  • a lógica da eficiência é incompatível com a lógica do encantamento emocional;
  • a fidelidade do consumidor pós-Mongo constrói-se com identidade, não com volume;
  • e o verdadeiro valor nasce de se aceitar a imperfeição, a diversidade, e a emoção - não da padronização "perfeita" do século XX.
Buffett saiu a ganhar porque é mais dono de finanças do que de marcas. Mas o modelo da 3G Capital é uma lição do que não fazer num mundo onde o consumidor escolhe sentir. 

terça-feira, julho 08, 2025

Invenção, procura e inovação

 
"Norton Motorcycles has pulled the plug on an advanced electric motorbike project despite the historic manufacturer having received £8.5 million from taxpayers to develop it.
Executives at the Midlands-based firm said there was simply not enough demand for electric superbikes to justify production.
...
Richard Arnold, the chief executive of Norton, told The Telegraph that the prototype was capable of "spectacular" levels of performance.
"There's a lot of technological innovations within it, a lot of design innovations within it," he said. "But there is a question: [for] the people that have sought to bring electric bikes to market, has the demand been good or bad? And the demand has been bad.
"You can develop as many products as you want. But we have to make sure they're ones consumers want to buy, and the evidence to date is that this is something consumers aren't ready for."
...
The company is now focused on producing premium petrol bikes including the £44,000 V4SV. Arnold said it was also possible that Norton would open a US factory to avoid tariffs."

Não confundir invenção com oportunidade. A Norton tinha tecnologia avançada, mas falhou em validar a apetência do mercado. As PME também devem evitar investir em invenções que não tenham procura real e actual. Uma invenção, por si só, não garante valor económico. Pode ser tecnicamente brilhante, mas irrelevante se não houver procura. Lembro-me logo de Fernando Pessa.

Inovação a sério é quando a invenção é transformada em valor real, através de um modelo de negócio, design, processo ou produto que chega ao mercado e é usado.Por isso, é preciso validar o mercado antes de escalar: O uso de fundos públicos para desenvolver um produto sem tracção de mercado mostra o risco de não testar o mercado com MVPs antes de avançar para a produção em escala.

As PME devem manter portfólios equilibrados, não pondo todos os ovos no mesmo cesto, mas explorando novas oportunidades sem comprometer as linhas de negócio já rentáveis (como a Norton está a fazer agora, voltando-se para modelos a gasolina).

Um produto à frente do seu tempo pode falhar tanto como um produto atrasado. As PME devem alinhar invenção com o momento certo do mercado.

BTW, fiquei a pensar no "crossing the chasm" de Geoffrey Moore.

Trechos retirados de "Norton pulls plug on electric superbike due to lack of demand" publicado no FT de ontem.

sábado, maio 31, 2025

Inovação vs tamanho



Este trecho do podcast levanta uma questão recorrente mas sempre pertinente: porque razão são, tantas vezes, as empresas pequenas mais inovadoras do que as grandes?

De forma quase caricatural — mas não menos verdadeira — Sinek descreve o paradoxo:

As empresas grandes têm dinheiro, talento e acesso aos mercados... e, mesmo assim, são das organizações menos inovadoras do planeta.
As pequenas empresas, sem recursos, sem notoriedade e a operar em condições de mercado adversas, conseguem frequentemente apresentar ideias disruptivas.
Resultado: as grandes compram as pequenas quando querem inovar. Não criam, adquirem inovação.
A explicação que Sinek propõe é particularmente interessante:
"I think the reason is because when you're small your ambitions are bigger than the resources you have to achieve those ambitions. Every small business has outsized ambitions"
Ou seja, a inovação nasce não do conforto, mas da tensão entre o desejo e a limitação. A pequena empresa está numa espécie de estado de sobrevivência visionária: precisa de provar que merece existir, de conquistar espaço, e para isso tem de ser criativa, rápida, audaz — até irracional. As suas aspirações parecem, por vezes, “objectivamente estúpidas” quando comparadas com os meios que tem... e, no entanto, algumas conseguem.

Nas empresas grandes, pelo contrário, o excesso de recursos tende a gerar inércia. Os processos são mais rígidos, a aversão ao risco é maior, a ambição já foi convertida em controlo — e quando a inovação ameaça destabilizar o status quo, é mais fácil ignorá-la ou comprá-la do que cultivá-la.

Este trecho é um excelente ponto de partida para discutir o papel da escassez como catalisador de criatividade, e da abundância como âncora da repetição.

Ou, dito de forma provocatória: as ideias nascem da falta, não do excesso.

sexta-feira, maio 16, 2025

Não espere por uma crise para acelerar



Um dos arquétipos de Peter Senge é o da "Escalada"


Muitas empresas vivem este arquétipo no dia-a-dia, intuitivamente. Penso que a maior partes das vezes é um péssimo estado. Péssimo porque a vida comercial não é uma batalha em que a sobrevivência de uma empresa depende da morte dos concorrentes. A vida comercial é um desafio para cativar e satisfazer clientes. Gosto cada vez mais daquela definição que aprendi com Roger Martin:
"Strategy is about making an integrated set of choices that compels desired customer action."
Dito isto, achei muito interessante o tema da escalada na evolução dos drones na guerra de invasão da Ucrânia pela Rússia que encontrei no FT do passado dia 12 de Maio em "Ukraine battles to stay one step ahead of Russia in drone war".

O artigo relata a corrida tecnológica entre a Ucrânia e a Rússia no domínio dos drones. Oleksandr Yakovenko, director-executivo da TAF Drones, explica que Kyiv já esteve várias etapas à frente mas hoje mantém apenas uma ligeira vantagem, obrigando-se a inovar constantemente. A Ucrânia gasta centenas de milhões em drones e componentes - muitos provenientes da China - e adapta-se rapidamente a novas tácticas russas, como sistemas de interferência ou drones com fibra-óptica impossível de bloquear. Moscovo, por seu lado, profissionalizou a produção, reduziu custos e introduziu drones kamikaze de longo alcance. O artigo sublinha que o "campo de batalha" não é só tecnologia: é capacidade de alterar estratégias, cadeias de abastecimento e processos de I&D em tempo recorde.

Algumas lições para o mundo das PME:
"Two years ago we were two steps ahead of the Russians... Now, though, we are just one step ahead of them." - Oleksandr Yakovenko [Moi ici: A vantagem competitiva é sempre temporária. Mesmo que uma empresa lidere o mercado hoje, um concorrente pode recuperar terreno rapidamente se conseguir apresentar uma oferta que os clientes passem a preferir, graças a uma inovação mais ágil]
...
We tend to innovate first. But when we create something new they quickly come up with a response. [Moi ici: Inovar exige ciclos curtos e coragem para agir rápido. Recordar Boyd!!! Não basta inovar uma vez e ficar à sombra da bananeira. É fundamental manter a cadência e a velocidade de resposta – como num jogo de xadrez em tempo real]
...
In the past three years China has provided most of the thermal cameras, carbon frames and battery cells for the first-person-view drones. [Moi ici: Repensar a cadeia de abastecimento é parte da inovação. Redesenhar cadeias de abastecimento pode desbloquear velocidade e independência face a fornecedores críticos]
...
[The battlefield] is not about new technology... It's about how to adapt to new strategies. [Moi ici: A aprendizagem contínua é um activo estratégico. As equipas que reflectem, testam e corrigem rapidamente terão sempre vantagem sobre as que apenas planeiam. Veio-me logo à mente esta imagem de 2007]
...
Russia goes step by step. If it continues like this [year], yes, for us it becomes impossible [for us] to go on defending. [Moi ici: A complacência é uma ameaça invisível. Quem ignora sinais de mudança (mesmo vindos de um concorrente atrasado) arrisca-se a perder terreno de forma irreversíve. Recordar este artigo recente, e este outro, e ainda este outro]

Num mundo em que a inovação já não é uma vantagem, mas uma condição de sobrevivência, as PME não podem esperar por momentos de crise para se mexerem. A história dos drones na guerra da Ucrânia mostra-nos o essencial: quem lidera hoje pode estar a defender-se amanhã.

Olhe para a sua empresa com honestidade:
  • Estamos verdadeiramente atentos aos nossos clientes-alvo? Sabemos como estão a evoluir as suas preferências, os seus critérios de escolha, o que valorizam hoje mais do que há um ano? Ou continuamos a oferecer-lhes o que sempre funcionou, esperando que as suas expectativas não mudem?
  • Estamos a melhorar mais depressa do que os nossos concorrentes?
  • Temos ciclos curtos de decisão, aprendizagem e acção?
  • A nossa cadeia de fornecimento é robusta, flexível e estratégica?
  • Observamos os concorrentes apenas como indicadores de mudança na preferência dos clientes — e não como inimigos?

Não espere por uma crise para acelerar. Monte hoje a sua própria "unidade de drones". Teste. Aprenda. Adapte. Repita.

Não para vencer ninguém, mas para continuar a merecer ser escolhido.

sexta-feira, fevereiro 21, 2025

Curiosidade do dia

Mão amiga fez-me chegar este artigo "These are the most brazen product counterfeits of 2025

"This year, the Plagiarius campaign intends to draw attention to the issue again by awarding the dreaded negative award "Plagiarius." The prize is meant to highlight brazen one-to-one imitations "that deliberately look deceptively similar to the original product, are reckless and morally reprehensible, and lead to stagnation instead of progress and diversity." Although the award does not specify whether an imitated product is legally permissible or unlawful, it represents an expression of the association's opinion."

Não apoio de forma alguma a cópia descarada de produtos, especialmente quando prejudica empresas inovadoras e engana consumidores. No entanto, questiono a afirmação de que as imitações "lead to stagnation instead of progress and diversity". No sector da moda e da marroquinaria, onde a ausência de patentes permite a livre replicação e adaptação de designs, vemos precisamente o oposto: uma constante renovação, diversidade e inovação. A cada estação surgem novas tendências, muitas vezes inspiradas em criações anteriores, o que impulsiona a criatividade e mantém o mercado dinâmico. Claro, há uma diferença entre inspiração e cópia directa, mas generalizar que todas as imitações travam o progresso parece um exagero.

Recordo agora outro postal "Num mundo sem patentes... tudo é acelerado" acerca do impacte do fenómeno da cópia na cerâmica.

O mundo do Red Queen Effect:

No mundo do Red Queen Effect, a sobrevivência exige movimento constante—não basta inovar uma vez, é preciso correr para se manter relevante. Assim como na biologia, onde as espécies devem evoluir continuamente para não serem ultrapassadas pelos concorrentes e pelo ambiente em mudança, o mercado funciona de forma semelhante. A cópia e a adaptação forçam as empresas a reinventarem-se sem cessar, impulsionando ciclos de inovação cada vez mais rápidos. No fundo, o progresso não estagna por causa das imitações; pelo contrário, elas obrigam os verdadeiros inovadores a manterem-se sempre um passo à frente.

BTW, no JdN de hoje pode ler-se:

"Birkenstock "não são obras de arte", diz tribunal alemão
A Birkenstock recorreu aos tribunais para travar a cópia das suas famosas sandálias por outros fabricantes. Para se proteger, defendeu junto das instâncias judiciais que a sandálias com sola de cortiça e tiras de látex são obras de arte, mas o tribunal não tem a mesma opinião. Para o serem, "os produtos têm de ter algum tipo de característica única" diz a justiça alemã."

quinta-feira, janeiro 30, 2025

Ver para lá do que se conhece (parte VI)

Ver para lá do que se conhece - Parte Iparte II, parte III, parte IV e parte V.

No FT do passado dia 19 de Janeiro, "Neurotechnology allows users to feel objects with bionic hands":
"Scientists have for the first time given a realistic sense of touch to people operating a robotic hand via signals sent from their brain, marking the latest advance in neurotechnology research to help overcome disabilities."
As descobertas e inovações na neurotecnologia, como o uso de mãos biónicas com sensação de tacto, terão um impacte significativo nas empresas que fabricam cadeiras de rodas e outros equipamentos para tetraplégicos. Conseguem imaginar? Conseguem mesmo?


Por um lado se as próteses neurais avançarem a ponto de permitir que pessoas com lesões na medula espinal recuperem funções motoras essenciais, a procura por cadeiras de rodas pode, a longo prazo, diminuir. Ao mesmo tempo que a procura diminuir, as empresas que fabricam equipamentos de mobilidade precisarão de investir em tecnologias mais integradas com interfaces neurais e próteses inteligentes para se manterem competitivas. Não será fácil. Custos elevados, podem limitar a adopção generalizada destas inovações. 

terça-feira, dezembro 24, 2024

A importância da inovação e adaptabilidade

Na revista The Economist do passado dia 21.12 li o artigo "Can Lego remain the world's coolest toymaker?" 

"Over the past 20 years the company’s revenue has grown ten-fold, reaching DKr 66bn ($9.7bn) in 2023. A decade ago it became the world’s largest toymaker by revenue. Today its sales are greater than those of its two biggest rivals—Mattel, creator of Barbie, and Hasbro, maker of Nerf guns—combined

...

We need to stay relevant for kids and adults,” says Mr Christiansen. New sets keep coming; nearly half the products in its range in 2023 were released that year. The firm also makes more than 140 elaborate sets, some with thousands of pieces, for adult fans of Lego (AFOLs), who now account for one-fifth of sales [Moi ici: A inovação e a adaptabilidade são cruciais. As PME podem inspirar-se na capacidade da Lego para actualizar a sua linha de produtos e entrar em novos mercados]

...

Competing with the online world for time is hard. [Moi ici: Interessante. Algo que falta em muitas empresas, estar atento aos não-concorrentes que são concorrentes e por vezes são os mais importantes] On average, American children aged 8-12 spend 4-6 hours a day watching screens of various types... That is why in 2022 Lego invested in a partnership with Epic Games, maker of 'Fortnite', to build 'engaging digital experiences for kids of all ages'

...

Family ownership allows Lego to take the long view, Mr Christiansen says. (A foundation owns a quarter of the firm; the Kristiansen family owns the rest.)" [Moi ici: O planeamento a longo prazo e a manutenção de uma identidade de marca clara podem ser vitais para o sucesso duradouro]

domingo, novembro 10, 2024

Fugir da comoditização

No DN do passado dia 8 li "Crescimento das marcas "brancas" retirou dois mil milhões às de fabricante"

O texto destaca que, em cinco anos, as marcas próprias da distribuição passaram de uma quota de 32% para mais de 45% do mercado. Esse crescimento significativo mostra como os consumidores têm optado cada vez mais por produtos de marca branca, em parte devido ao preço mais baixo.

Esse crescimento das marcas brancas resultou numa perda de cerca de dois mil milhões de euros para as marcas de fabricantes, refletindo o impacte directo que as escolhas dos consumidores têm na rentabilidade das marcas tradicionais.

O artigo aponta que, com a inflação a subir, os consumidores começaram a mudar as suas escolhas, favorecendo produtos mais económicos, como as marcas brancas.

Os fabricantes tentam estratégias para reconquistar a preferência dos consumidores, mas enfrentam dificuldades significativas devido ao poder de mercado e à competitividade das marcas brancas.

E as PMEs como devem actuar?

  • Devem destacar a qualidade, exclusividade e benefícios adicionais dos seus produtos em vez de competir apenas pelo preço. Investir em produtos que proporcionem experiências superiores ou que se diferenciem de marcas brancas pode ajudar a justificar um preço mais alto e criar lealdade à marca.
  • Têm de inovar e diferenciar os produtos para que os consumidores vejam valor em escolher a marca, mesmo que o preço seja mais elevado. O texto indica que as marcas brancas ganharam terreno, em parte, devido a uma busca por alternativas mais baratas; assim, oferecer algo que estas marcas não consigam replicar facilmente pode ser uma vantagem. Por exemplo, ainda ontem naveguei por uma prateleira com umas dez opções de diferentes marcas de maionese. Desisti, estava interessado numa com azeite e não no que me era oferecido com óleo de girassol ou óleo de colza.
  • Devem investir em estratégias de branding que reforcem a imagem da marca como uma opção premium ou com características únicas e desviar a atenção da comparação de preços e criar uma percepção de valor superior.

Evitar a competição pelo preço mais baixo e criar um nicho próprio que se baseia em qualidade e características únicas, afastando-se da dependência do mercado dominado pelas marcas brancas é fundamental.

quinta-feira, novembro 07, 2024

Inovação versus produtividade

Um mundo de fantasia criado pela manipulação de indicadores ao estilo de "wag the dog".

Acabei a leitura do capítulo 3, "Innovation Puzzles" do livro "Creative Destruction", de Phil Mullan, que explora as complexidades e os desafios que rodeiam o conceito de inovação, particularmente nas economias ocidentais, e avalia criticamente pressupostos e medições comuns a ele associados. Algumas das ideias:

Mullan defende que a inovação foi elevada a um estatuto quase sagrado, muitas vezes aplicada de forma ampla a conceitos muito distantes dos avanços tecnológicos reais na produção. Isto levou ao que ele chama de “exagero da inovação”, onde até mesmo pequenas atualizações, como atualizações de software, são celebradas como inovações significativas​.

O capítulo diferencia entre inovação de processo (melhorar os métodos de produção para aumentar a produtividade física) e inovação de produto (criação de novos produtos). Mullan sublinha que, embora ambas sejam essenciais, a inovação de processos desempenha um papel fundamental na condução do crescimento económico, aumentando a produtividade e reduzindo custos. A inovação ocidental recente inclinou-se fortemente para os produtos de consumo em vez dos avanços produtivos​. Talvez este possa ser o ponto de vista de quem está a comentar a partir de uma economia avançada. Eu, a comentar a partir de Portugal, penso que precisamos de mais inovação concentrada na subida na escala de valor (eficácia), que permite preços mais altos, do que focada na melhoria de processos (eficiência), que permite ou melhoria ou manutenção de margens. Recordar Marn e Rosiello e o que significa aumentar preços versus reduzir custos.

Métricas como as despesas em I&D, a contagem de patentes e a frequência das citações são frequentemente utilizadas para avaliar a inovação, mas são indicadores defeituosos. Por exemplo, as despesas em I&D não garantem resultados bem-sucedidos e a contagem de patentes pode refletir estratégias jurídicas ou financeiras, em vez de inovação genuína. Estas métricas centram-se mais nos inputs da inovação do que nos seus impactes qualitativos na produtividade e no crescimento económico​.

Existem evidências de que a inovação não tem tido os efeitos transformadores esperados na produtividade, especialmente desde a década de 1970. Apesar dos avanços nas tecnologias de informação e comunicação, o crescimento da produtividade nas economias ocidentais abrandou. Esta estagnação é atribuída a investimentos insuficientes em capital transformador e a inovações de processos que melhorem genuinamente as capacidades de produção​.

Mullan sublinha que a difusão da inovação – através da qual os avanços tecnológicos se espalham pela economia – é crucial para o crescimento global da produtividade. No entanto, muitas economias ocidentais sofrem de baixo dinamismo económico, com recursos retidos em áreas de baixa produtividade, limitando os benefícios generalizados da inovação. Esta quebra da “máquina de difusão” exacerbou a estagnação da produtividade​.

segunda-feira, setembro 23, 2024

E por cá, temos esta tradição?

Há dias estava a folhear a revista Newsweek por causa do artigo "World's Most Trustworthy Companies" e a reparar na quantidade de empresas sedeadas na Suíça que fazem parte da lista mundial. 

A Suíça é um país com menos de 9 milhões de habitantes.

Entretanto, comecei a ler o livro "Unreasonable hospitality: the remarkable power of giving people more than they expect" de Will Guidara onde encontrei o seguinte trecho:

"The 50 Best awards had begun in 2002, but they’d become immediately meaningful in the industry. First of all, they were decided by a jury of a thousand well-regarded experts from around the world. And nobody had ever considered before how the best restaurants on the planet ranked against one another. By doing so, the awards gave these restaurants a push to become even better when they might have been content to rest on their laurels."

Até que ponto este tipo de concursos, historicamente, desafiou, desafia, motivou, motiva, empresas e trabalhadores a esmerar-se, a desenvolver, a inovar, a diferenciar-se.

E por cá, temos esta tradição? Podemos promovê-la?

Ainda vamos a tempo?

segunda-feira, agosto 26, 2024

Onde começa a inovação?

Recentemente recebi via e-mail da Strategyzer um artigo intitulado "Does innovation always start with customer needs?" de Tendayi Viki e com o seguinte começo:

"This is the age old push versus pull question. Should innovation be driven by advances in technology (e.g. AI) or by market insights (e.g. aging population)? A lot of innovation models tend to describe innovation as a linear process that starts with understanding customer needs. 

In the early days of my career, I was quite rigid in my thinking about this question. I used to get into endless debates with innovation teams as I tried to push them towards focusing on customer needs first.  

But over time, I learned that innovation is not a paint by numbers process. Inspiration does not come in a neat linear package. Sometimes, technological advancements that are not driven by a clear customer need can spur innovation. My experience has taught me that innovation can start anywhere."

Como Alexander Osterwalder, fundador da Strategyzer, é suíço lembrei-me logo de Feyrabend e o seu "anything goes", o que me levou a este postal de 2015 "Para reflexão, sobre a criação de mercados". 

Como explico nesse postal, para uma PME sem capital e em dificuldades o ponto de partida é o da effectuation, Começar de onde se está, começar com o que se tem à mão. Não perder a ligação à terra, como o mitológico Anteu.

Tendayi Viki escreve:

"If you have identified the problem, find the solution.

If you have a solution in mind, identify your customer's problem."

"If you have identified the problem, find the solution" - Eu PME, posso não ter capital para desenvolver a solução que nunca experimentei, posso estar a subestimar a complexidade da coisa. No entanto, estou a focar-me na inovação que interessa, estou a criar valor e diferenciação, posso atrair investidores(?).

"If you have a solution in mind, identify your customer's problem," - Eu PME fico desalinhado do mercado actual que conheço (pode passar por mudar de clientes, de mercados, de modelo de negócio), posso mesmo assim não conseguir taxas de adopção interessantes. No entanto, estou a diversificar e expandir o mercado, a aproveitar activos existentes e a tornar a empresa mais resiliente.

domingo, outubro 08, 2023

A velha estória da caneta

No WSJ da passada sexta-feira li "3M Innovation Suffers Dry Spell" de onde sublinhei:

"The 20th century belonged to the unruly minds at 3M.

From its early days, the American manufacturing giant gave its researchers a long leash to chase ideas, many to dead-ends. The hits, though, were indelible: Scotch tape. Masking tape. Videotape. Post-it Notes. N95 masks. Artificial turf. Heart medication. 

3M patented adhesives and abrasives, as well as proprietary coatings and films that reflect light, repel water and insulate against cold and heat-materials at the heart of highway signs, weatherproof windows and stain-resistant clothing and carpets. Its optical film brightened the screens of millions of laptops, smartphones and flat-screen TVs. A cautious air has since settled on the 3M headquarters and research campus in Maplewood, Minn., dampening the restless ambition that built the company, according to some investors and company veterans. There are fewer new products and fewer still have been blockbusters, a dry spell that couldn't have arrived at a worse time.

...

Current and former scientists say the strategy makes it more difficult for fresh ideas to survive a gantlet of management naysayers. For decades, 3M released a cascade of new items on the market, confident most would be profitable and a few would become indispensable. The company has retreated from its traditional goal of earning around 30% of revenue from new products.

"Senior management has deluded themselves into thinking they can pick winners and losers, when in reality we need to generate more products so we can get into test markets to see what works," said Robert Asmus, a former 3M healthcare scientist and member of the Carlton Society, the company's highest honor for science and engineering.

...

3M's innovation principles took shape more than a century ago under William McKnight, who grew up as a farm boy in South Dakota.

McKnight joined 3M as an assistant bookkeeper a few years after its founding in 1902 and became its president. He helped guide the company from a sandpaper maker to a manufacturer of thousands of industrial, automotive and home products. Though McKnight began his career at the dawn of the assembly line era, he believed in worker autonomy and initiative. "Mistakes will be made, but if the man is essentially right himself, I think the mistakes he makes are not so serious in the long run as the mistakes management makes if it is dictatorial," he said, according to a company history. He instituted what became known as the McKnight principles. One of them allowed researchers to spend 15% of their time on projects unrelated to their everyday tasks even if managers disapproved. The principles championed collaboration, encouraging researchers to share findings. The Post-it Note came about after scientist Art Fry, bedeviled by paper bookmarks falling out of his church hymnal, remembered a semi-sticky adhesive discussed at a company seminar. The product was an instant success after it hit stores in 1980.

...

Rob Kieschke, a former research director who left the company last year, said 3M's weakening position in the smartphone display market is a symptom of its troubles. Researchers are encouraged to pursue incremental improvements to existing products rather than novel, swing-for the fences breakthroughs.

"If you start forcing people to eliminate risk, then all you end up doing is what has been done before or what everyone else is doing," said Kieschke, who contributed to more than 20 patents.

3M said it balances work between improving products and creating new ones.

Kieschke and others said the company still feels the influence of prior leaders such as James McNerney, a former General Electric executive who served four years as CEO in the early 2000s. McNerney installed "Six Sigma," a regimen used at GE to measure and standardize business practices but loathed by 3M researchers as a creativity killer. [Moi ici: Aqui o anónimo da província não se deixou enganar]

Under Inge Thulin, who held the CEO job from 2012 to 2018, 3M more than doubled its dividend and spent billions on share buybacks. Research spending went up modestly during that period. Even so, Thulin told investors in 2016 that he wanted higher R&D productivity. 3M makes big investments, he said, "we also expect big returns." Neither McNerney nor Thulin could be reached for comment.

...

Such projects have kept talent flowing into 3M, which hires about 40 Ph.D. scientists a year into its corporate labs. Not all of them stay, including Ben Mac Murray, who joined the company in 2018 with a doctorate in materials science and engineering from Cornell University.

He became part of a group working on 3-D printing and was impressed with 3M's capabilities. Yet he felt the pace of product development was too slow. In 2021, he left to work at materials-science company Interfacial, which he said was "quicker in general from idea to product.""

É como uma doença que se apanhou, ao misturar 6 sigma com inovação, e da qual é muito dificil recuperar. Tempo de repensar a melhoria contínua

sábado, setembro 16, 2023

E na sua empresa, como está a ser aproveitada a AI? (parte III)

Parte II.

"Our case studies, based on our growing global community of over 3,000 GenAI practitioners, point to a new category of work, more precise and actionable than “knowledge work.” We call it WINS Work: the places where tasks, functions, possibly your entire company or industry are dependent on the manipulation and interpretation of Words, Images, Numbers, and Sounds (WINS). Heart surgeons and chefs are knowledge workers but not WINS workers. Software programmers, accountants, and marketing professionals are WINS workers.

GenAI has the potential to be power tools for WINS work. It can generate new prose, computer code, images, narration, music, and videos as well as ingest and summarize, critique, improve, and reformat almost any manner of document or analysis. Every WINS task, subprocess, and end-to-end process within your enterprise (and in many cases the entire enterprise) should be evaluated for potential leverage with GenAI."

Na semana passada estava numa reunião com alguém de uma empresa metalomecânica e discutiam-se objectivos para o sistema de gestão ambiental. 

 - Como se pode reduzir o consumo de óleo por peça produzida? 

Eu, um nabo em metalomecânica, perante o plissar da reunião, fui ao chatGPT e fiz uma pergunta sobre que variáveis influenciam o consumo de óleo numa "stamping operation". E logo recebi uma lista de 10 variáveis que faziam mesmo sentido. E não sou um WINS worker.

Recomendo a leitura de "Where Should Your Company Start with GenAl?" Segundo os autores, as empresas fortemente dependentes do trabalho do WINS devem agir agora para evitar uma concorrência mais acirrada e concorrentes disruptivos dentro de 36 a 60 meses, evitando custos elevados, processos desactualizados, desvantagem de dados, perda de talentos e capital mais caro.

Julgo que os autores não deviam limitar o conselho ao mundo WINS. Ainda na passada segunda-feira o meu parceiro das conversas oxigenadoras contou-me um caso da sua empresa. A empresa tinha uma dificuldade, contactou o fornecedor de há várias anos, e obteve uma resposta da treta. Alguém pesquisou o tema com o chatGPT, obteve uma solução para o problema e arranjou a morada de dois fornecedores alternativos. A empresa do meu parceiro chamou o fornecedor tradicional e explicou-lhe a situação, e disse-lhe qualquer coisa como:

- Se vocês não evoluem, põem-nos a nós clientes em desvantagem.

Acham que um vendedor de componentes assemblados para máquinas industriais é um trabalhador WINS?

O velho engº Matsumoto tinha horror ao que ele chamava "catalog engineers", os vendedores que só sabem recitar o que vem nos catálogos da empresa.


quarta-feira, setembro 13, 2023

"Want to Solve a Big Problem? Start Small"

"If you want to solve a big problem, it's often best to start out thinking small.
...
found a way to make progress toward that goal by solving smaller problems first.
...
The key is to identify a problem that is big enough to matter but small enough to be solved.
...
Our initial problem phrasing is open-ended enough to permit many possible answers. A common mistake is to embed a single answer in the question. For example, 'How do I create a mobile application to reduce food waste?' This assumes that the answer is a mobile app. We rephrase that to say, 'How do I reduce food waste?'
...
Always remember: closed questions reduce your chances of being creative by suggesting there is a single 'correct' solution to your problem. Open questions give you more choices for creative solutions. This is true even as you narrow down your question.
Once vou've decided on vour open-ended 'how' question, you can test whether it's too broad or narrow. To do this, think of an upside-down pyramid. Up top, at the widest level, you have the huge problem. At the bottom, the narrowest level, you have a tiny problem, and in between are different gradations. You move up or down the pyramid, making your problem wider or narrower, until you find the right level. I call this Step Analysis: 'Step up' to widen your problem. 'Step down' to narrow it. Step up and your solution makes a bigger impact, but it's harder to solve; step down and your solution makes a smaller impact, but it's easier to solve."

Trecho retirado de "Want to Solve a Big Problem? Start Small" publicado na Rotman Magazine deste Outono

Relacionar com "How You Define the Problem Determines Whether You Solve It