quarta-feira, março 26, 2025

Curiosidade do dia

Na minha paróquia celebrou-se, no passado Domingo, a Festa do Pai-Nosso. As crianças eram do 2.º ano da catequese, com cerca de 7 ou 8 anos.

A certa altura, projectou-se um slide que me incomodou profundamente — uma representação de Deus como um velho simpático de barbas brancas. Algo deste género:

Este tipo de imagem, aparentemente inofensiva, é, na verdade, tremendamente redutora e perigosa. Reduz Deus a uma figura humana, quase mitológica, próxima de um avô bondoso — mas também, por isso, fácil de rejeitar mais tarde como absurda ou infantil.

A maior parte destas crianças chegará ao 3.º ano, fará a primeira comunhão… e depois abandonará a catequese. Algures na adolescência, quando começarem a pensar com mais autonomia, olharão para trás e rejeitarão essa imagem — e com ela, infelizmente, a fé que foi transmitida com base nessa imagem. Como os compreendo.

O problema não é apenas pedagógico, é teológico. No mesmo Domingo, a primeira leitura era sobre Moisés e a sarça ardente — um Deus que se manifesta no mistério, no fogo que arde sem consumir, no “Eu sou aquele que sou”. Um Deus que não é uma coisa, nem um ser entre outros seres, mas o fundamento do ser. O totalmente Outro. Como se pode reconciliar isso com a caricatura do velhinho de barbas?

Apresentar Deus como um velhote simpático pode ser cómodo, mas não prepara ninguém para uma fé adulta. Pelo contrário, prepara o terreno para o abandono, para a desilusão, para a ideia de que tudo não passava de histórias para crianças. E isso não é justo nem para Deus, nem para as crianças.

A reflexão que se segue do bispo Barron é qualquer coisa, muito profunda:

"the ability to generate unique solutions"

"LLM/AI is a mode-seeking device. It surveys its giant database and comes back with relevant elements found most frequently — as with the six potential solutions to my second problem.

...

The other limitation of LLM/AI as a mode-seeking device is that it is utterly incapable of generating unique new solutions. Such solutions simply don’t exist in the LLM/AI’s world. Their world is the catalogue of what currently exists, and their search algorithm focuses on what is found most frequently within what currently exists.

PoS [practitioners of strategy] who have the ability to generate unique solutions will continue to be valued — and very highly."

terça-feira, março 25, 2025

Curiosidade do dia


No JdN, "Garantia pública contribui para aumento do preço das casas, avisa DBRS":
"Agência de "rating" sublinha que a medida lançada pelo Governo para apoiar os jovens na compra da primeira casa reduz desigualdades geracionais mas contribui para o aumento da procura, e através dela, do preço."

Fez-me lembrar um artigo publicado ontem no The Times, "To help growth, we need to start celebrating our leaders doing nothing":

"I will venture that the best ministers and public service leaders of the future will be those who identify what not to continue doing, rather than identify new initiatives to embark upon.

...

There is no culture of celebrating any evidence to do nothing, even where it means simply getting out of the way of a hugely profitable and successful UK export. If Reeves and her successors want to avoid further difficult fiscal events, then working out what to do less of is really the only option."

Já massacrou os seus clientes hoje?

 


A propósito do artigo "How did we do? Fine - until you asked" publicado no FT de ontem.

O artigo é sobre a praga crescente de pedidos automáticos e impessoais de feedback, que se tornaram ubíquos e, frequentemente, inúteis. Muitas empresas pedem feedback de forma mal concebida, sem saber analisar os dados recolhidos ou usá-los para melhorar. O artigo não é contra o feedback em si, mas critica os métodos ineficazes, robotizados e invasivos com que este é frequentemente solicitado.

"How satisfied are you with your Help experience?" — before I had a chance to start typing out my complaint. [Moi ici: Os pedidos de feedback tornaram-se excessivos e intrusivos. Somos constantemente bombardeados com pedidos de feedback de múltiplas empresas, muitas vezes antes de ter sequer usufruído do serviço]

...

The feedback experience is just horrible [Moi ici: Os surveys são longos, impessoais, mal elaborados e geram "survey fatigue" nos consumidores. A experiência é frequentemente má]

...

Not every company is equipped to analyse the data they collect in a way that ends up delivering useful information.

...

Responses that businesses do receive can be heavily skewed. [Moi ici: Lembro-me de escrever sobre isto em 2006 ou 2007. Quem responde aos inqueritos são os muito satisfeitos e os muito insatisfeitos. Por isso, distorcem os dados e comprometem a representatividade]

...

So many of today's inhuman, digital efforts are so obviously misguided. [Moi ici: Pedir feedback é legítimo, mas a maioria das abordagens digitais são desumanizadas e mal concebidas]"

Talvez valha a pena levar este artigo para a próxima reunião de preparação da avaliação da satisfação dos clientes. Não para dizer que o feedback não importa - importa, e muito — mas para discutir como é pedido, para quê, e o que se faz com ele. 

Se as taxas de resposta são miseráveis, será mesmo porque "as pessoas não querem saber"? Ou será porque nos limitamos a copiar más práticas que banalizam o pedido e ignoram o valor do que é recebido? 

Num mundo saturado de inquéritos automáticos, conseguir bom feedback exige respeito, intenção clara e um desenho inteligente do processo. 

Como é na sua empresa? Pedem feedback — ou apenas coleccionam cliques sem sentido? 

segunda-feira, março 24, 2025

Curiosidade do dia



O bispo Barron fala frequentemente sobre o papel da beleza na religião. Por exemplo, quando ia começar uma homilia numa igreja na Baixa de Lisboa, durante a Jornada Mundial da Juventude, deteve-se e convidou os presentes a admirar a beleza do espaço onde se encontravam.

Na manhã do passado sábado, fui visitar a Sé do Porto. A certa altura, deparei-me com uma visita guiada organizada por uma paróquia para crianças da catequese. A maioria era muito pequena, talvez entre os 6 e os 8 anos. Estavam sentadas, enquanto a guia lhes orientava o olhar para a zona românica, para os vitrais, para outros pormenores...

Algumas crianças estavam distraídas, outras pareciam aborrecidas, mas algumas... algumas estavam verdadeiramente tocadas. Via-se no olhar delas que estavam a ser iniciadas na contemplação do belo, da arte.

Fiquei a pensar: talvez seja assim que se começa a ensinar alguém a gostar de arte.

"Find Leverage Points"


Terminei a leitura da primeira parte de Reset: How to Change What's Not Working.

Podemos dizer que Reset é um livro sobre técnicas de melhoria da qualidade - mesmo que não seja apresentado como tal. Traduz conceitos profundos e eficazes de melhoria contínua e mudança organizacional para um público mais vasto, sem recorrer ao jargão técnico habitual da qualidade.

Na primeira parte do livro, intitulada "Find Leverage Points", Dan Heath apresenta estratégias para identificar áreas onde intervenções mínimas podem gerar resultados significativos. Estes pontos de alavancagem são fundamentais para promover mudanças eficazes em sistemas e processos. Os principais conceitos abordados incluem:
  1. Go and see the work: Enfatiza a importância de observar directamente o trabalho no local onde ele ocorre, permitindo uma compreensão realista dos processos e desafios enfrentados.
  2. Consider the goal of the goal: Incentiva a reflexão sobre o propósito final das actividades, permitindo a identificação de caminhos alternativos para alcançar os resultados desejados.
  3. Study the bright spots: Foca na análise de casos de sucesso dentro da organização para replicar práticas eficazes em outras áreas.
  4. Target the constraint: Destaca a necessidade de identificar e abordar o principal obstáculo que impede o progresso, concentrando esforços na sua resolução.
  5. Map the system: Envolve a criação de uma representação visual dos componentes e interacções dentro de um sistema, facilitando a identificação de pontos de intervenção eficazes.

Por exemplo: Uma empresa de logística tem recebido reclamações frequentes de clientes por causa de entregas atrasadas. A direcção pensa inicialmente que o problema está nos trabalhadores do armazém — “falta de atenção” ou “falta de compromisso”.

Go and see the work - Em vez de decidir a partir do escritório, um gestor vai ao armazém observar como decorre o processo de preparação de encomendas. Descobre que os operadores passam muito tempo à procura de produtos porque os locais de armazenamento mudam frequentemente e não estão devidamente registados.
Study the bright spots - Numa das equipas do turno da manhã, os tempos de preparação são consistentemente mais baixos. Ao observar essa equipa, percebe-se que um dos operadores criou um sistema informal de organização por cores nas prateleiras — simples, mas eficaz.
Map the system - O gestor desenha, com a equipa, um mapa do processo desde a recepção da encomenda até à expedição. Identificam-se pontos de espera, redundâncias e falhas na comunicação entre o sistema informático e o armazém.
Target the constraint - Percebe-se que o gargalo principal é a falta de um método padrão para localizar rapidamente os produtos. É decidido implementar uma etiquetagem sistemática e formar todos os turnos com base no modelo usado pela equipa mais eficiente.
Consider the goal of the goal - O objectivo não é "acelerar o operador", mas sim "garantir entregas a tempo e horas" — o que só se consegue com previsibilidade e organização. Isso muda o foco da solução: não se trata de "trabalhar mais depressa", mas de melhorar o sistema de suporte ao trabalho.

Vamos para a segunda parte.

domingo, março 23, 2025

Curiosidade do dia



Mão amiga mandou-me uns recortes do Le Monde de hoje para ilustrar que também em França, como em Inglaterra, armamento e benefícios da segurança social estão na moda. Por exemplo, em "Astrid Panosyan-Bouvet II nest pas question de sacrifier notre modèle social mais de l'améliorer":
"Il n'est pas question de le sacrifier, mais de l'améliorer, en plaçant le travail au centre : le travail est le fondement de la prospérité collective et de la cohésion sociale, l'assurance-vie de la nation.
...
Le véritable problème n'est pas que ceux qui ont un emploi ne travaillent pas assez, mais que trop de Français sont loin de l'emploi."
"Chez les seniors [...] le taux d'activité des 55-59 ans est maintenant supérieur à celui des
Britanniques et proche de celui des Allemands. Mais celui des plus de 60 ans leur est très inférieur et tarde à se redresser lentement.
...
Choisir entre ce qui est financé par le travail et ce qui est financé par des prélèvements plus universels. Choisir entre les niveaux de transfert individuels [...] alors qu'aucun pays comparable au nôtre ne fait autant les deux à la fois.
...
Le compromis entre emploi, protection sociale, rémunération, productivité et compétitivité est possible."

A França a entrar numa lógica de “economia de defesa” com o trabalho no centro das soluções.

Nota: Astrid Panosyan-Bouvet é a ministra francesa responsável pelo trabalho e emprego.

Outro artigo no mesmo jornal e no mesmo dia:
"La hausse des dépenses militaires nécessite de relever le potentiel productif de la nation.
...
Cet effort de dépenses militaires pourrait être considéré comme un investissement contribuant au développement de l'industrie française et à son commerce extérieur. [Moi ici: Já escrevemos sobre as dúvidas na capacidade deste tipo de gasto ser multiplicador]
...
Accroître le taux d'emploi des seniors serait un atout pour les finances de l'État.
...
Un relèvement des finances et retraites résultant de l'élévation du taux d'emploi des seniors pourrait dégager des excédents suffisants.
...
L'aménagement des postes de travail, la lutte contre l'âgisme [...] le management des âges sont autant d'outils pour transformer en réussite collective la bonne nouvelle que constitue l'allongement de l'espérance de vie."

Trechos retirados de "Il faut relever le potentiel productif de la nation"

Só em Portugal, país rico, não há problema. Só em Portugal isto não é assunto.

"But they can't be everything to everybody"

No WSJ de ontem apareceu um título que atraiu logo a minha atenção, "The Perils of Building A Global Car Empire - Auto manufacturers have always dreamed big. But they can't be everything to everybody."

O sub-título é tão interessante.

"What threatens to send the already imperiled dream of a globalized carmaker to the scrapyard, however, are two deeper trends.

One is protectionism.

...

At the same time, it has become clear the pace of electric-vehicle adoption will be vastly different between countries, making it even harder to simultaneously cater to different markets.

...

Investors long saw electrification creating a few global winners. Instead, it may be another historical force favoring more regionalized champions."

Um artigo de jornal em linha com:

De "8 Questions to Ask About Your Globalization Strategy Right Now":

"2. How can we regionalize our strategy?

This means producing within a trading bloc for markets within that bloc. Produce in North America for North America, in China for China, in Europe for Europe, and so on. If trade barriers and tariffs go up, this will prove to be a good defensive measure, and it will also provide some insulation from currency volatility.

Some companies already do this. For example, medical device company BD manufacturers in the United States for the U.S. market and in China for the Chinese market. Companies such as Danfoss and Grundfos that are from small countries such as Denmark have long done this as well. 

...

3. How can we reduce the scale required for efficient production?

There will be significant benefits to investments that reduce the minimum amount of manufacturing capacity needed to efficiently serve individual or regional markets. These would allow a company to decentralize production — in other words, distribute it more broadly in regions around the world. 

...

6. What is our core differentiation strategy?

In the face of the fragmentation of globalized markets, it will pay to review your core differentiation strategy and how it will play in different regions. Is there a critical component or technology, and if so, where are you going to produce it?"

sábado, março 22, 2025

Curiosidade do dia

Ricardo Reis no caderno de Economia do Expresso do passado dia 21 de Março:

"Mas é pena. Como escrevo há muitos anos, a maior fraqueza das políticas públicas em Portugal é a falta de avaliação do passado para criar lições para o futuro."

Pois, avaliar o passado seria perigoso — podia dar-se o caso de descobrirmos que afinal as decisões foram más. E depois? Como é que se justifica a falta de resultados? Como se explicam os milhões gastos sem retorno? Melhor mesmo é não avaliar nada, para não correr o risco de confirmar aquilo que todos já suspeitam: que foi por ignorância, por conveniência… ou por ambas.

Não devia ser um drama, quase que podia ser celebrado

Não devia ser um drama, quase que podia ser celebrado. A menos que seja resultado de uma evolução artificial de custos da mão de obra, não suportada por procura.

Drama mesmo é quando a chegada de algumas empresas é celebrada.

O caderno de Economia do semanário Expresso do passado dia 21 traz um artigo intitulado, "Yazaki Custo da mão de obra penaliza Portugal".

O artigo discute o despedimento de 364 trabalhadores da fábrica da Yazaki Saltano em Ovar, justificado pelo elevado custo da mão de obra em Portugal e pela crise do sector automóvel europeu. A empresa japonesa destaca a concorrência de países com custos mais baixos, como o Egipto, a Roménia, a Bulgária e a Tunísia, onde os salários são significativamente inferiores.

A Yazaki compara os custos salariais entre diferentes países e conclui que a produção no Egipto custa apenas 10% do custo de produção em Portugal. O artigo menciona ainda que a crise no sector automóvel já levou a outros encerramentos e despedimentos em Portugal:

"O custo da mão de obra "está a comprometer a sustentabilidade da produção em Portugal", afirma a Yazaki Saltano na mensagem que justifica o despedimento coletivo de 364 pessoas na sua fábrica de Ovar. 

...

o documento que fundamenta a decisão de despedir 364 dos 2100 trabalhadores da maior empresa de Ovar também refere a crescente "sensibilidade ao preço" das construtoras automóveis. E afirma que "o custo de produção em Portugal faz com que a YSE (Yazaki Saltano EMEA) não seja selecionada para os projetos a que se candidata por uma questão de preço".

E a empresa faz contas relativamente à perda de competitividade do país para concluir que "o mesmo projeto produzido no Egito representa somente 10% do custo de mão de obra de Portugal. Ou seja, um trabalhador em Ovar custa 9 vezes mais do que outro trabalhador no Egito. Portugal também fica a perder face à concorrência da Roménia (38% abaixo), Marrocos, com 27,57% do custo de Portugal, Bulgária (44,4%) ou Tunísia (21,57%), indica o documento a que o Expresso teve acesso. São diferenças "impossíveis de cobrir por via do aumento da produtividade", assume a administração, depois de comparar o salário bruto médio mensal nas suas fábricas nestes países e a respetiva evolução desde 2019. Em Ovar, o valor passou de €808 para €1303, enquanto a Roménia apresenta valores de €464 em 2019 e de €821 em 2025. Na Bulgária, o salário subiu de €361 para €583, em Marrocos saltou dos €284 para os €362, e na Tunísia aumentou dos €163 para os €284. No Egito, onde só há dados do atual exercício, o valor é de €136."

Sabem o que é andragogia?

Vou procurar demonstrar.

A notícia do despedimento colectivo de 364 trabalhadores na fábrica da Yazaki Saltano em Ovar gera previsíveis reacções de preocupação e pessimismo. Afinal, trata-se de um encerramento que afecta directamente centenas de famílias e um reflexo de uma perda de competitividade do país face a mercados onde os custos salariais são significativamente mais baixos. [Moi ici: Recordar a bússola da competitividade e como esta conversa é perigosa para o que realmente interessa, o aumento da produtividade] Contudo, num olhar mais amplo e menos imediatista, este tipo de eventos não deve ser encarado como um drama. Pelo contrário, fazem parte do mecanismo que impulsiona as economias para patamares mais elevados. No postal sobre a bússola da competitividade usei esta imagem:


Reparem que o caminho para "+ produtividade" tem um cemitério de empresas. Já o caminho da "+ competitividade" é o caminho do empobrecimento, das empresas zombies suportadas em subsídios pagos pelo estado com dinheiro dos contribuintes.

A Yazaki opera num sector onde o factor preço é determinante, e os seus clientes têm alternativas mais baratas.

Uma economia saudável e dinâmica não se constrói protegendo indefinidamente empregos de baixo valor acrescentado, mas sim permitindo que sectores mais antigos cedam espaço para novos sectores emergirem. Este é o motor que impulsiona o desenvolvimento económico: quando uma empresa já não consegue operar num determinado contexto, a resposta não deve ser o lamento, mas sim a criação de condições para que novas indústrias, mais produtivas e com maior capacidade de pagar melhores salários, ocupem o espaço deixado vago.

Isto remete para o modelo dos Flying Geese. Os países menos desenvolvidos começam por atrair indústrias intensivas em mão de obra, com baixos salários. Com o tempo, essas indústrias crescem, os salários aumentam, e a produção desses sectores migra para países mais baratos. O país de origem, em vez de colapsar, sobe na cadeia de valor, investindo em sectores mais sofisticados, com melhores salários e maior especialização.

Portugal tem de aceitar que não pode, nem deve, competir apenas pelo factor custo. Se quisermos manter empregos industriais, esses empregos terão de ser sustentados por inovação, automação e produção de bens de maior valor acrescentado. O drama da saída da Yazaki não é que uma empresa de componentes automóveis está a fechar postos de trabalho. O verdadeiro drama será se Portugal não estiver a criar novas oportunidades para absorver essa mão de obra em sectores de maior valor. Recordam-se de "não são elas que precisam de Portugal, Portugal é que precisa delas"?

Em vez de lamentarmos a saída de empresas que só conseguem competir com baixos salários, [Moi ici: E isto não é uma crítica, é um facto da vida. Como os produtores de sapatos de St. Louis, foi bom enquanto durou] devemos concentrar-nos em criar um ecossistema onde outras possam pagar melhor. Se a economia funcionar correctamente, no lugar da Yazaki surgirão empresas mais inovadoras, com produtos diferenciados e margens que permitam pagar salários mais elevados. É assim que se sobe na escala de valor, é assim que as sociedades prosperam.

Só que isto implica deixar as empresas morrer!


Nota: No artigo pode ler-se "São diferenças "impossíveis de cobrir por via do aumento da produtividade"" isto é sobre trabalhar o denominador porque o numerador está a diminuir. Recordar os números de Rosiello.

sexta-feira, março 21, 2025

Curiosidade do dia

Interessante no FT de ontem:

"Eritrea was an anomaly in Africa in 2005 when it expelled USAID, closed other development agencies and imposed taxes on aid imports, intentionally hastening an end to most western donor support.

...

As USAID curtails two decades later, the rest of the continent, which campaigns on greater focus on development assistance in 2023, faces the prospect of little or no aid.

...

Eritrea was the only African country to turn its back on aid. The country has been seen as an exemplar, trapped in a state of permanent war mobilisation with a hardened and inflexible political regime and with few personal or business freedoms permitted under Isaias's continuing rule. But, spurred by an almost bloody-minded sense of selfreliance, on some development indicators it has fared as well over the past two decades as other countries that received billions in donor largesse.

According to UN data, life expectancy at 68 is the same as in Rwanda, which has been receiving in excess of $1bn in aid each year. More Eritreans proportionally have access to electricity, according to the World Bank, than people in Uganda which in 2022 received $2.1bn compared with just $55mn, from UN agencies, for Eritrea.

"Eritrea's approach, from the outset, was anchored on avoiding structural dependency," said Yemane Gebremeskel, the long-standing information minister. He said this made Eritrea immune to the vagaries and demands of donors. "More importantly, [aid] stifles local initiative and capacity," he said."

O balanço entre a dependência de ajuda externa e a auto-suficiência económica em África. A Eritreia como um case-study extremo. 

Trechos retirados de "Eritrea offers hope for an Africa cut off from aid" no FT de ontem, 20 de Março.

Activity system (mosaico estratégico)

"Michael Porter had a nice conception of a portrait in strategy that I will use as an example. It comes out of his 1996 Harvard Business Review article, What is Strategy? I think it is one of the top ten things that has ever been written on business strategy. [I will say, parenthetically, that the article is near and dear to me because I helped Mike with it, for which he thanked me in the article's acknowledgements.]
To me, the new-to-the-world insight of the article was that sustainable competitive advantage - winning - does not arise from performing one activity well but by performing a number of activities together. The company doesn't necessarily perform all the activities better than every competitor, but no competitor puts it all together the same way. In fact, it is daunting for competitors to even try because it involves making a number of activities work together seamlessly.
In the article, he uses IKEA, Vanguard and Southwest Airlines as examples of this kind of competitive advantage. For those who say competitive advantage is fleeting or no longer even possible, that was 29 years ago, and they are still all on top and haven't faced someone who has tried to replicate all their activities."

Recordo, por exemplo, "How can we use the process approach (part IVa)" ou "A evolução da ideia de mosaico estratégico (parte III)"


Trechos retirados de "Developing a Powerful How-to-Win"


quinta-feira, março 20, 2025

Curiosidade do dia


Em 2008 escrevi sobre os ninivitas, gente diferente dos portugueses.

"Unwise societies (think Nineveh) take the fact of their traditions and accrued resources for granted. They live unconsciously on the wealth of the past, narcissistically and destructively consuming more than they earn; even irresponsibly destroying the very spirit whose activity gave rise to the wealth in question. We can regard the wealth offered to us by past and nature alike as our entitlement, even our earned due, and act far too casually and carelessly in consequence, despising our birthright and its source: privilege. This is exactly what is portrayed in the Enuma elish, the genesis tale of the ancient Mesopotamians: the careless inhabitants of the first creation kill their father, Apsu, and attempt to live upon or within his dead corpse. Something in the same vein is portrayed in the Disney movie Pinocchio. Midway through the movie, Geppetto, the benevolent father of the movie's marionette/hero, finds himself trapped in the belly of a whale, with no real explanation for his predicament offered by the filmmakers - except, by implication, that the desperate patriarch is willing to search everywhere for his missing son. The carpenter/father's loss of the son is equivalent in meaning to Jonah's loss of his living voice, as the son is traditionally the active agent of the father-the eyes or voice of the father; the spirit of what otherwise might be stultified or static tradition. The carpenter/father's loss of the son, and his consequent grief, is a representation of the longing of God for a true covenant or relationship with man. Are we not in fact the cocreators of this realm - and, perhaps, of heaven itself? We can certainly create hell alone. What could we do if we were instead aligned with the highest we could imagine?"

Trecho retirado de “We Who Wrestle with God" de Jordan B. Peterson.

Híbridos ou centauros


A velha ideia do híbrido, para a qual Kasparov me alertou.

Seth Godin chama-lhe centauro:
"Freelancers looking to build a career have two good options:
1. Be so good at doing the work by hand that you're a better alternative for a client than using Al. This is going to get more and more difficult.
2. Be so good at having Al work for you that you're the obvious choice when there's work to be done.
The lousy options are to insist that you don't use Al, but to be slower, more expensive and not as good as the Al option.
Or to do tasks that an Al assigns you.
Hiring an Al to work for you and getting very good at producing value feels like the future for most programmers, creators, business development folks and marketers."

A afirmação de Kasparov sobre xadrez sugere que a combinação de um ser humano (mesmo mediano) com uma ferramenta digital adequada (mesmo que mediana) consegue superar consistentemente a pura força bruta de um supercomputador sozinho. A inteligência humana acrescenta flexibilidade, criatividade e intuição que complementam a capacidade analítica e a velocidade do computador. Nunca esqueço MacGyver acerca de Sandy:

"MacGyver: Well, old Sandy sure has a mind of her own, doesn't she? Jill: Yes, but she thinks like me. So I should be able to think it through and find her pattern, logically and rationally.

MacGyver: Without the emotion, right?

Jill: That's what gives her the edge. People and emotion can't get in her way.

MacGyver: Well, I say we trust our instincts-go with our gut. You can't program that. That's our edge."

Do mesmo modo, o texto sobre freelancers e Inteligência Artificial de Seth Godin afirma que o futuro não é competir contra a máquina directamente (onde se perde quase sempre), mas sim usar a máquina como ferramenta colaborativa, criando uma equipa híbrida humano- IA que supera claramente qualquer um dos dois isoladamente.

Em suma, ambas as afirmações convergem na ideia de que a combinação inteligente e colaborativa entre humano e tecnologia supera, consistentemente, soluções puramente humanas ou puramente tecnológicas. Esta parece ser a estratégia vencedora para o futuro. 

quarta-feira, março 19, 2025

Curiosidade do dia

Sem comentarios! 
"All of that delusional. There is not room here to fight the Covid wars all over again. There are many of you who believe that the lockdowns were absolutely necessary and we should have had more of them, instituted earlier. There are probably even seven or eight of you who think that masks work. It seems to me a kind of psychosis, this overwhelming fear of other people. But, whatever, you cleave to your beliefs and I will cleave to mine - unless other evidence turns up.
And that's the point. Because what we also sacrificed during Covid was an appetite for the truth. Those who challenged the official edicts were censored, harried and pilloried, caveated by the BBC if they were allowed on air at all, signposted as disseminators of that quixotic thing "fake news" if they were on social media. And this happened long after their points of contention were proven to contain a certain truth, whether it be about masks, social distancing, lockdowns or indeedand here I worry that we may have a scandal brewing for the future - the dangers of vaccines.
There will be another, similar scare one day not too far distant. My only request is that we keep our critical faculties about us and do not treat as pariahs, to be disparaged, those who beg to differ from the approved paradigm. We should remember that the greater the consensus, the more doubting we should be."

Trecho retirado de "Next time perhaps we shouldn't shout down the pandemic pariahs

"Uma reposta a esta questão foi dada por Carl Sagan, na sua última entrevista pública em 1986 (que vale a pena rever, e é fácil de encontrar no YouTube). A resposta de Sagan é: o combate à disseminação de informação tóxica faz-se com "ciência".
Efetivamente, a ciência, ao contrário, do que muitas vezes pensamos, não designa apenas um corpo de conhecimentos. Designa, sobretudo, um método, que poderia ser descrito, numa palavra, por "ceticismo". Isto porque o método científico consiste em questionar sempre tudo aquilo que nos dizem. E, se aquilo que nos dizem não pode ser provado pelos próprios e por outros, de forma independente, então, por definição, é falso.
O método científico, ou exercício permanente de uma atitude cética, é aquilo que imuniza nosso software humano da disseminação e propagação de boatos tóxicos e perigosos, que nos prejudicam enquanto comunidade humana. E é por isso que, neste tempo de redes sociais digitais, algoritmos, plataformas e inteligência artificial globalizada, é tão importante apostar numa sólida formação científica para todos. E numa atitude cética."
Trecho retirado de "Caça às bruxas, Internet e ciência: revisitar Carl Sagan" no jornal Público do passado dia 16 de Março.
"Since scientists first began playing around with dangerous pathogens in laboratories, the world has experienced four or five pandemics, depending on how you count. One of them, the 1977 Russian flu, was almost certainly sparked by a research mishap. Some Western scientists quickly suspected the odd virus had resided in a lab freezer for a couple of decades, but they kept mostly quiet for fear of ruffling feathers. Yet in 2020, when people started speculating that a laboratory accident might have been the spark that started the Covid-19 pandemic, they were treated like kooks and cranks. Many public health officials and prominent scientists dismissed the idea as a conspiracy theory, insisting that the virus had emerged from animals in a seafood market in Wuhan, China.
...
We have since learned, however, that to promote the appearance of consensus, some officials and scientists hid or understated crucial facts, misled at least one reporter, orchestrated campaigns of supposedly independent voices and even compared notes about how to hide their communications in order to keep the public from hearing the whole story. And as for that Wuhan laboratory's research, the details that have since emerged show that safety precautions may have been terrifyingly lax."
Trechos retirados de "Why haven't we learned our lesson?" publicado no NYT do passado dia 17 de Março.

E já agora, oiçam:

Ser especial em algumas coisas e não dar tiros nos pés a outras

Há muitos anos que uso a metáfora dos "tiros nos pés" associada aos processos de contexto. 

Por exemplo:

"Este momento é fundamental! Uma empresa tem de fazer muita coisa. Só que para muitas dessas coisas não é preciso ser excelente, basta ser eficiente, basta não cometer erros, basta não dar tiros nos pés. No entanto, para aquelas acções que levam à satisfação das personagens-chave vale a pena procurar ser excelente, pois é nelas que se fará a diferença." (texto de 2010)

Outro exemplo: 

"Processos críticos e processos de contexto têm uma particularidade: procurar ser excelente com um processo de contexto é quase sempre sinal de desperdício. Uma empresa deve ter a preocupação de ser eficiente com os seus processos de contexto. O equivalente a não dar tiros nos pés. Por mais que uma empresa invista num processo de contexto isso não se vai traduzir em melhorias relevantes para a execução da estratégia e satisfação dos clientes. Ninguém fica satisfeito com a EDP ao final do dia só porque a energia não falhou. No entanto, se a energia falhar ... tal gera insatisfação. Processos de contexto têm esta particularidade: nunca gerarão satisfação mas podem gerar insatisfação.

Já com os processos críticos a estória é outra. Quase que é "pecado poupar nestes processos porque ser excelente neles gera satisfação e diferenciação." (texto de 2017)

No WSJ do passado dia 17 de Março li "Companies Should Do It All - but Do Some Things Especially Well" onde o tema dos processos críticos e de contexto aparece.

Investigadores da Universidade de Berna, na Suíça, fizeram um estudo para perceber que tipo de empresas geram melhores retornos financeiros para os investidores. Usaram dados de um ranking chamado Management Top 250, que avalia as empresas com base em cinco aspectos importantes:

"customer satisfaction, innovation, social responsibility, employee engagement and development, and financial strength.

Companies are compared in each of these five areas, as well as in their overall effectiveness,"

O estudo analisou empresas do S&P 500 (as 500 maiores empresas dos EUA) entre 2013 e 2023 e criou dois tipos de carteiras de investimento:

  • Um grupo de empresas que eram boas em tudo, mas sem grandes destaques em nenhuma área.
  • Outro grupo de empresas que eram muito boas em algumas áreas, mas não necessariamente em todas. 
"Over the 11 years examined, the portfolio with more variation had a significantly greater average total annual return than the other did-20% versus 15.1%. By comparison, the average total annual return for the S&P 500 during that span was 13.8%."
As empresas que se destacavam mais em algumas áreas específicas deram mais lucro aos investidores (20% de retorno anual), em comparação com as que tentavam equilibrar tudo de forma uniforme (15,1%). Para comparação, o S&P 500, que inclui todas as empresas, teve um retorno médio de 13,8%.

Empresas que se destacam mais em algumas áreas específicas geram melhores resultados financeiros. Nenhuma empresa pode ser excelente em tudo. Por isso, devem focar-se naquilo que fazem melhor para serem líderes de mercado. As empresas bem-sucedidas equilibram múltiplos interesses, mas fazem escolhas estratégicas:
"Indeed, all of the categories in the Drucker rankings are interrelated, which is why in 2019 we started to assign a "red flag" to any company that falls within the bottom 25% in any category, no matter how well it scores overall." [Moi ici: Cá estão os tiros nos pés, nos processos contexto não é preciso ser excelente, mas não se pode ser mau, não se pode gerar insatisfaçao. Recordar o exemplo da EDP: Processos nucleares têm potencial para gerar clientes satisfeitos.
Processos contexto têm potencial para gerar clientes insatisfeitos ou neutros (alguém fica satisfeito com a EDP, ou a REN, quando, à noite, ao deitar, e ao fazer uma breve revisão do dia, se constata que a energia nunca falhou?]

Por fim este por maior, aequipa do estudo analisou o desempenho financeiro das empresas que tiveram as melhores pontuações em cada uma das categorias do ranking Drucker, excepto a força financeira. O resultado mais surpreendente? As empresas que mais se destacaram no envolvimento e desenvolvimento dos funcionários tiveram os melhores retornos financeiros: 

"In addition to assembling the portfolios with different levels of variation, Matzinger and his colleagues also computed the average total annual returns for the 15 highest scoring companies in each separate Drucker category, save for financial strength. Over the 1l years, the employee engagement and development portfolio eclipsed all others, at 21.3%.

"The thing that seems to be driving value is how the workforce is engaged,""

terça-feira, março 18, 2025

Curiosidade do dia



Aposto que este palhaço vai conseguir levar a sua avante, "Spain's Pedro Sánchez calls for cyber and climate to count as defence spending":

"Spanish Prime Minister Pedro Sánchez, whose country is at the bottom of Nato's military budget rankings, has called for a broader definition of defence spending to include cyber security, anti-terrorism and efforts to combat climate change."

Diversificação e entropia (parte VII)



Mão amiga mandou-me um "recorte" do jornal Handelsblatt da passada quinta-feira, 13 de março, "Canyon-Chef entdeckt den stationären Handel neu".

O artigo discute a crise no sector das bicicletas, com quedas nas vendas, excesso de stock e descontos agressivos para tentar reduzir os inventários. Neste cenário, a Canyon, uma fabricante alemã de bicicletas premium, tem conseguido navegar melhor pela crise e agora aposta numa mudança de estratégia, redescobrindo o comércio físico. Muito interessante!!!

O mercado de bicicletas enfrenta dificuldades após o crescimento acelerado durante a pandemia. O número de unidades vendidas caiu drasticamente, forçando as marcas a aplicar grandes descontos. A Canyon, tradicionalmente focada no e-commerce, está a expandir as suas operações físicas, com mais lojas e parceiros de serviço.

A empresa poderia ter simplesmente mantido sua estratégia tradicional e tentado sobreviver cortando preços, como muitos concorrentes fizeram. No entanto, ao diversificar os canais de venda, ajustar a produção e a fortalecer o serviço, a Canyon demonstra um pensamento que pode ser decisivo para enfrentar a crise e sair fortalecida.

Em tempos de incerteza, as empresas que conseguem adaptar-se rapidamente têm mais hipóteses de sobreviver e prosperar do que aquelas que insistem num modelo de negócio fixo.

A diversificação da Canyon focou-se na distribuição e na experiência do cliente, não em novos produtos. A Canyon não diversificou a sua gama de produtos, mas expandiu a sua presença para lojas físicas e serviços presenciais, algo que antes não fazia parte do seu modelo de negócios. 
  • Antes - Modelo 100% e-commerce, venda directa ao consumidor.
  • Agora - Ampliação para lojas físicas e parcerias com revendedores que oferecem test drives, reparações e suporte pós-venda.

segunda-feira, março 17, 2025

Curiosidade do dia

E volto a usar a mesma imagem desta outra curiosidade do dia sobre o mesmo tema, torrar dinheiro impostado aos contribuintes para bincar ao hidrogénio.

"The financial burden has left the cities scrambling for alternatives, but the real question is: why did anyone expect this to work in the first place?

This is just the latest in a string of failures for hydrogen buses.
...
A 2023 report from TfL revealed that the total operating cost of hydrogen buses was around £1.50 per mile, compared to £0.80 for diesel and £0.65 for battery-electric buses. The high costs, combined with refueling challenges and supply chain issues, led TfL to shift its focus toward battery-electric alternatives.
...
Hydrogen buses suffer from brutal energy inefficiencies. Producing hydrogen from electricity involves multiple conversion losses. First, electrolysis, the process of splitting water into hydrogen and oxygen, is at best 70% efficient. Then, the hydrogen must be compressed and transported, losing another 15-20% of the energy in the process. Finally, when the hydrogen is used in a fuel cell to generate electricity, only 50% of the remaining energy is converted into motion."


A lição da máquina de café


Na semana passada, tive mais um dos nossos já famosos "almoços oxigenadores". Parece brincadeira, mas já lá vão mais de sete anos destas conversas que sempre nos trazem ideias novas e reflexões profundas.

Desta vez, o meu parceiro contou-me uma história simples, mas profundamente reveladora.

Há cerca de quinze anos, ajudei a implementar o sistema da qualidade na empresa onde trabalha. Recordou-me os desafios que enfrentava naquela época para convencer as pessoas a preencherem correctamente os formulários necessários ao sistema. Era um constante andar atrás dos trabalhadores, sempre a pedir-lhes que preenchessem os impressos, sempre a corrigir erros ou a insistir para que completassem toda a informação. Um verdadeiro desgaste.

Até que, certo dia, aconteceu algo inesperado que mudou radicalmente a sua perspectiva.

Ele dirigiu-se à máquina de café, daquelas geridas por uma empresa externa, colocou as moedas necessárias e, para sua frustração, nada aconteceu. Nem café, nem moedas devolvidas.

Comentou casualmente o sucedido com alguém que passava: 

– E agora?! A máquina engoliu-me o dinheiro e não deu o café. 

E ouviu como resposta algo surpreendente, que iria provocar uma verdadeira mudança na sua forma de pensar: 

– Isso acontece às vezes, mas não há problema. É só preencher a folha e depois devolvem o dinheiro.

Ele ficou intrigado: 

– Folha? Qual folha? 

– Está escondida aí em cima da máquina. 

Intrigado, estendeu o braço, apalpou o topo poeirento da máquina e encontrou realmente um pequeno impresso. Ao olhar para ele, ficou espantado.

Aquela folha, um pedaço de papel mal impresso, pouco cuidado, deixado ali pelo abastecedor da máquina, estava preenchida de forma impecável! Tinha datas, horas, quantias exactas, rubricas... tudo impecável.

Nesse momento, uma pergunta desconcertante formou-se na sua mente: "Como é que eu passo horas a dar formação, a sensibilizar e a explicar a importância de preencher correctamente os impressos da empresa e raramente tenho sucesso? E aqui, com um papel miserável escondido em cima de uma máquina de café, sem formação nenhuma, as pessoas preenchem tudo correctamente?"

E a resposta surgiu-lhe clara, cristalina, e transformadora: As pessoas preenchem aquele papel porque é o SEU dinheiro, o SEU interesse pessoal que está em causa.

A partir dessa revelação, o meu colega percebeu que a verdadeira chave para o compromisso das pessoas no trabalho não era simplesmente dar formação ou explicar procedimentos. Era preciso conectar as tarefas ao interesse pessoal das pessoas. E o que é que poderia interessar-lhes mais do que a sua própria vida e segurança?

Assim começou uma nova abordagem no chão de fábrica: toda a comunicação e sensibilização passou ser a partir do interesse genuíno dos trabalhadores pela sua própria segurança e bem-estar pessoal. E foi assim, graças àquela velha máquina de café, que ele descobriu o poder transformador do interesse pessoal no compromisso organizacional. 

domingo, março 16, 2025

Curiosidade do dia


"Around 80 Labour MPs are said to oppose the government's planned £6bn in welfare cuts, the details of which will be announced in the Spring Statement on 26 March.
Keir Starmer and Rachel Reeves have "little choice" , says Ross Clark in The Spectator.
Reeves' "fiscal headroom" has vanished and she already hiked taxes aggressively in her October Budget. Starmer has promised to raise defence spending to 2.5% of GDP.
The case for welfare cuts is "pretty clear": 9.3 million people of working age are classed as economically inactive, 2.8 million through illness. The Office for Budget Responsibility estimates that the total benefits bill will rise by more than 25% to £378bn by 2030, of which £100.7bn (more than the defence budget) will go on incapacity and disability benefits."

Daí este cartoon bem gizado no The Times de hoje.

Trecho retirado de  "Labour discovers the case for austerity" publicado na revista Money Week do passado dia 14 de Março.

Paletes e falta de trabalhadores

A revista The Economist do passado Sábado inclui este artigo interessante "Why "labour shortages" don't really exist".

Um artigo bem alinhado com o que tenho aqui escrito sobre as paletes de imigrantes. Por exemplo: "O que existe é falta mão-de-obra barata."

"The story is consistent over time. When jobs are plentiful, people say there is a labour shortage. It is hard for bosses to find staff. But when unemployment is high, people still say there is a shortage. [Moi ici: A ideia de escassez de mão de obra é recorrente, independentemente do contexto económico]

...

a labour shortage is a question of price and distribution, rather than scarcity. If a company complains about a shortage of vegetable-pickers, what it really means is that it cannot hire them at the wage it would like to pay. The term "labour shortage" thus implies a normative claim-that there "should" be more workers at the prevailing wage rather than describing an economic reality.

When you dig into the data, evidence of shortages often melts away. [Moi ici: A escassez de trabalhadores muitas vezes resulta mais de questões salariais do que de uma verdadeira falta de profissionais. O problema não é a inexistência de trabalhadores, mas sim o facto de as empresas quererem pagar menos do que o necessário para atrair candidatos]

Recognising the truth of labour shortages has important policy implications. At present officials are afflicted by shortage-itis. Australia maintains an "occupation shortage list" to monitor which industries need state assistance. Germany maintains a similar list and gives people in these professions preferential migration treatment. In America Joe Biden tried to tackle a perceived labour shortage in certain industries via apprenticeships. Sir Keir Starmer, Britain's prime minister, wants to boost spending on training British-born workers to alleviate his country's labour shortage.

Businesspeople bleat so much about labour shortages in part because hefty subsidies are up for grabs." [Moi ici: Empresas e políticos frequentemente enfatizam a falta de mão de obra para justificar medidas como subsídios ou programas de formação financiados pelo Estado]

A escassez de trabalhadores pode ser mais uma questão de preço e distribuição do que de falta real de mão de obra. 

Como ouvi aqui:

sábado, março 15, 2025

Curiosidade do dia

 

Mão amiga mandou-me um artigo retirado da revista Money Week do passado dia 14 de Março intitulado "Aid cuts are an opportunity". Sublinho:

"America isn't the only Western country slashing its aid budget, says The Economist. The UK's is being cut by 40%, France's by more than a third, Germany too is "scrimping". This brings "agonising choices", but also provides an opportunity to rethink an "inefficient system"."

Interessante... quem diria, com base nos media portugueses, que afinal os americanos não são os únicos. 

Diversificação e entropia (parte VI)

Parte Iparte IIparte IIIparte IV e parte V.

Estratégia em todo o lado! 

No WSJ de 10 de março passado encontrei o artigo "CVS's New Small Stores Go All In on Pharmacy Services".

O artigo descreve a nova estratégia da CVS Health, que está a abrir pequenas lojas focadas exclusivamente em serviços de farmácia e produtos de saúde, eliminando categorias tradicionais de retalho como cartões de parabéns e mercearias. Esta mudança faz parte de uma reestruturação maior da empresa, que inclui o encerramento de várias lojas. A CVS procura responder à queda nas vendas de retalho e ao aumento da concorrência de supermercados e lojas de desconto. Além disso, a empresa acredita que o foco nos serviços farmacêuticos melhorará a sua rentabilidade, dado que a maior parte das receitas já provém desse segmento.

"CVS Health is preparing to open a dozen stores offering full-service pharmacies but very limited retail, the latest example of a national drugstore chain responding to a long stretch of declining retail sales."

"The new stores will be on average less than 5,000 square feet, or not even half the size of a typical CVS location.

...

CVS and other drugstore chains for years built their business around convenience. Customers walking through the store to pick up their prescriptions would buy shampoo or pretzels—often at a large markup—on their way to the cash register.

...

Retail theft has further cut into margins by forcing stores to hire more security staff and lock up larger quantities of items, measures that have inconvenienced and annoyed many customers."

A ligação à parte I - A CVS reconheceu que a venda de produtos não farmacêuticos estava a diluir a energia da marca e, por isso, optou por cortar esse segmento e focar-se no que gera valor real: a farmácia.

A ligação à parte II - A CVS estava a atuar como uma loja genérica, vendendo uma mistura de produtos de mercearia, cosméticos e farmácia, mas a competir com supermercados e lojas de desconto, que conseguem vender os mesmos produtos a preços mais baixos. Ao abandonar essa abordagem e focar-se no seu core business (serviços farmacêuticos), a CVS evita tornar-se uma empresa sem identidade, como descrito no conceito de "Collapsing to the Center".

sexta-feira, março 14, 2025

Curiosidade do dia

A propósito de "With Joann fabrics closing, these thrift stores are building a new crafting economy" uma desculpa para não perder de vista o que vai acontecendo durante os 47 aborrecidos dias em que nada parece mexer, Mongo vai-se erguendo, não como uma construção top-down, mas como uma sucessão de experiências orgânicas e independentes.

A Joann Fabrics, uma das principais retalhistas de tecidos e materiais de artesanato nos Estados Unidos, com mais de oitenta anos de actividade, está a encerrar todas as suas lojas devido a dificuldades financeiras significativas. A empresa enfrentou desafios crescentes, incluindo um mercado de retalho em transformação e problemas internos de gestão de inventário, que afectaram a sua capacidade de competir eficazmente.

Ao mesmo tempo, o primeiro link descreve o crescimento e a popularidade dos "creative reuse centers", que funcionam como lojas de segunda mão especializadas em materiais artísticos e de artesanato. Estes espaços recolhem e vendem materiais reutilizáveis, promovendo a sustentabilidade e tornando o acesso a materiais criativos mais acessível.

O interesse por estes centros tem aumentado, impulsionado pelas redes sociais como o TikTok e pela crescente procura por opções mais sustentáveis e acessíveis para artistas, professores e pequenos negócios. Além de venderem materiais, esses centros desempenham um papel na comunidade, organizando eventos, promovendo a educação ambiental e incentivando a reutilização de materiais.

Historicamente, o primeiro centro surgiu em 1976, mas a tendência tem acelerado nos últimos anos, com mais pessoas percebendo a utilidade de aproveitar sobras de materiais criativos em vez de descartá-los. Além do impacto ambiental, esses espaços permitem que artistas e pequenos negócios explorem novas possibilidades com recursos limitados.

"“If you have $20 left for your art supplies, and you go to a traditional art center and buy a $20 tube of yellow paint, then whatever you’re painting is going to be yellow, and also it’s going to be paint,” says Jenn Evans of Austin Creative Reuse. But at a creative reuse center, that same $20 might buy a variety of paints and materials—and broaden artistic horizons. “It allows the artist to create artwork from their brains and their heart and not just have it limited by the materials that they can afford.” "

Os "creative reuse centers" encaixam perfeitamente na metáfora de Mongo como um mundo de nichos e diversidade. No modelo tradicional de consumo, grandes cadeias como a Joann dominavam o mercado, oferecendo um conjunto padronizado de produtos para artesanato. No entanto, com o crescimento dos "creative reuse centers", há uma fragmentação do mercado, com cada centro oferecendo um mix único de materiais, dependendo do que é doado e do perfil da comunidade local. Assim como em Mongo, não há um único padrão, mas sim uma explosão de diversidade.

Em vez de um mercado de massas homogéneo, há uma multiplicidade de nichos locais e sustentáveis, onde os consumidores encontram materiais únicos e muitas vezes inesperados. Assim como em Mongo, onde há espaço para múltiplas tribos coexistirem com as suas próprias tecnologias e costumes, os "creative reuse centers" permitem que artistas e artesãos criem sem estarem limitados pelos materiais tradicionais do mercado de massa. 

Gargalos de tarefas

Em "Acerca de gargalos e "políticos"" comentámos a diferença entre gargalos de tarefas e gargalos de recursos. Quando se enfrenta um gargalo de tarefas, atirar mais recursos sobre o problema não o resolverá. O verdadeiro desafio está na forma como o trabalho é organizado, não na quantidade de pessoas ou materiais disponíveis.

Agora ao ler a introdução a de "Reset: How to Change What's Not Working" de Dan Heath encontro um exemplo de gargalo de tarefas.

No hospital Northwestern Memorial, a área de receção tinha sérios problemas: levava em média três dias para entregar encomendas internas, gerando desperdício, atrasos, medicamentos estragados e custos adicionais. 
"Just to linger on the absurdity: A nurse might order some vials of medicine, and FedEx might fly that medicine across the country in one day, and then getting that medicine from the receiving dock to, say, the third floor of the same building would take another three days."

Quando se resolve que o desempenho não serve, o mundo muda:

"Every system is perfectly designed to get the results it gets.” Meaning that once you change your aspiration—when you set your sights on different results—the system you have is wrong, by definition. Because the system is designed, intentionally or not, to yield the results you got yesterday."

Paul Suett, o novo gestor, envolveu a equipa numa mudança, começando por escutar as suas queixas, melhorar equipamentos simples (como carrinhos), e promover uma análise profunda dos processos. Juntos, identificaram desperdícios, como chamadas telefónicas constantes e repetição desnecessária de tarefas. 

A equipa percebeu então um factor crítico: a forma como trabalhavam estava a gerar o problema. A prática de processamento em batch (acumular encomendas para entregar várias de uma vez) estava a atrasar as entregas. Ao mudar para um fluxo contínuo, reduziram drasticamente o tempo de entrega: passaram de três dias para apenas um, aumentando a eficiência, a satisfação dos colaboradores e a qualidade do serviço. Isto fez-me lembrar a Zappos ... 
"But we're not trying to maximize picking efficiency. We're trying to maximize the customer experience"

quinta-feira, março 13, 2025

Curiosidade do dia

Agora que vamos a caminho de eleições julgo que será o momento ideal para que os jornalistas não se esqueçam de colocar questões interessantes aos líderes partidários.

Por exemplo:

  • Concordam com o aumento da despesa militar até aos 4% do PIB?
  • De onde virá o dinheiro? O que será cortado?
O aumento dos gastos militares  pode ser justificado pela necessidade de defesa e segurança nacional, não como uma estratégia de crescimento económico.

"This paper has investigated the effects of government spending on private spending, unemployment, and employment. For the most part, it appears that a rise in government spending does not stimulate private spending; most estimates suggest that it significantly lowers private spending. These results imply that the government spending multiplier is below unity. Adjusting the implied multiplier for increases in tax rates has only a small effect. The results imply a multiplier on total GDP of around 0.5. Increases in government spending do reduce unemployment. For all but one specification, though, it appears that all of the employment increase is from an increase in government employment, not private employment."

A sério, fico com curiosidade em saber se alguém fará as perguntas e que "estória da carochinha" nos será contada.

Em Inglaterra, todos os dias, repito, todos os dias, o FT e o The Times trazem notícias sobre futuros cortes no NHS, na Segurança Social, ... por cá, neste país rico, discute-se espuma.

Diversificação e entropia (parte V)

Parte Iparte IIparte III e parte IV.

Estratégia em todo o lado! 

Quando se é uma formiga num piquenique ...

No JdN de 10 de Março este artigo "A conquista da América pela Cotesi."
"A Cotesi, até 2001, era uma empresa que produzia commodities onde o preço era o mais importante na negociação. Houve uma perda de negociação, porque havia produtores asiáticos mais baratos". 
...
Em 2001 foram contratados consultores para fazer a reestruturação da Cotesi, que apontaram para duas opções: descontinuar a produção ou continuar com nova definição do core business. "A estratégia foi definida, em 2003, quando assumi as funções de CEO na Cotesi. Começou por uma reorganização da administração, para fazer a minha equipa, e passou também por uma definição do core business. Na altura, tínhamos uma grande tecelagem sintética, que foi descontinuada, e permitiu uma importante redução de custos" [Moi ici: Interessante, comparar com o padrão descrito no final da parte III. Em vez da race-to-the-bottom, encolher e anichar, pelo menos para encontrar um chão firme, como no final da parte I]
Depois tiveram de fazer uma opção por novos mercados e pelo controlo da rede de distribuição nos principais mercados de exportação, para evitar a dependência de clientes. "Na altura, a Cotesi tinha cerca de 10 clientes, que representavam cerca de 80% da faturação. Não tínhamos poder negocial, porque eles compravam grandes quantidades de produtos sazonais. O risco era enorme, porque, se um dos nossos clientes não pagasse, a empresa ficava em défice agravado".
O artigo descreve a evolução estratégica da empresa portuguesa Cotesi, que, originalmente dedicada à produção de commodities a baixo preço, decidiu alterar radicalmente a sua estratégia no início dos anos 2000 devido à forte concorrência internacional. Eu sei, na altura fiz um trabalho para uma multinacional instalada em Portugal e que competia no mesmo mercado.

A Cotesi optou pela diferenciação através da aposta em produtos com elevado valor acrescentado, inovação tecnológica, sustentabilidade e proximidade ao cliente. Esta mudança permitiu-lhe sair da competição directa por preços baixos, criando canais próprios de distribuição e reduzindo a dependência de intermediários. A estratégia revelou-se eficaz, permitindo-lhe crescer de forma sustentável em mercados exigentes como Estados Unidos, Canadá e França. 
"A Cotesi baseia a sua estratégia na diferenciação do produto porque permite obter melhor preço e ter maior valor acrescentado, a que se junta a proximidade para o cliente.
"As empresas que querem fortalecer a sua presença internacional têm que pensar não só em exportar, mas em ter canais de distribuição sustentáveis". ", afirmou Pedro Violas, CEO da Cotesi, do Grupo Violas "Deslocalizar não é obrigatório. É mais importante diferenciar o produto, e fazer produtos com mais valor acrescentado, mas, sobretudo, controlar canais de distribuição. Porque, hoje em dia, a grande parte do sucesso das empresas está na área comercial, não está muitas vezes na área da produção", aconselha Pedro Violas."
Vamos relacionar este artigo com a parte II

Inicialmente, a empresa operava no mercado das commodities, competindo pelo preço baixo e indistinguível dos concorrentes mais baratos. Este cenário ilustra exatamente o risco de perda de identidade e da diluição estratégica que Godin descreve, onde empresas tornam-se genéricas, indiferenciadas e vulneráveis a uma guerra de preços.

Vamos relacionar este artigo com a parte IV.


Ambos os contextos confirmam claramente a importância fundamental de uma definição estratégica clara, focada e diferenciadora, que evita o risco de diluição do valor e garante um posicionamento sustentável no mercado.