"Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal, assume também preocupação, antecipando que o cenário possa agravar-se "não só em Portugal, como na Europa". E reforça: "Portugal especializou-se durante muito tempo em baixo custo, e isso deixou de ser competitivo. Precisamos de começar a competir em nichos de mercado de valor acrescentado, com inovação, produtividade e competitividade, e muitas empresas não estão a conseguir fazer esse caminho."
Ah, uma brilhante epifania!
Após décadas a surfar a onda dos baixos custos, descobrimos agora que... surpresa! - já não somos competitivos. E a solução proposta? "Vamos para os nichos de valor acrescentado!" Como se fosse tão simples quanto mudar o menu de um restaurante.
Senhor presidente, produzir para nichos não é como trocar de gravata. Não basta dizer às fábricas customizadas para o volume: "A partir de segunda-feira, somos premium!"
Uma fábrica, uma empresa desenhada para custos baixos e grandes volumes é como um petroleiro - não é fácil fazê-la comportar-se como, transformar-se, num iate de luxo.
Os nichos premium exigem:
- Fábricas que respirem flexibilidade, não linhas rígidas de produção em massa.
- Trabalhadores formados para pensar, não para repetir.
- Redes de fornecedores de alta precisão, não os mais baratos.
- Canais de distribuição especializados que conhecem o cliente final.
- Marketing que vende valor, não preço.
- I&D que inova, não que copia.
É como tentar transformar um McDonalds num restaurante estrela Michelin. Não basta mudar o menu e subir os preços - é preciso mudar tudo, desde os fornecedores até à formação dos colaboradores.
Tenho a certeza que uma declaração assertiva de uma confederação empresarial vai magicamente transformar décadas de cultura industrial e práticas empresariais. Afinal, o que é que poderia dar errado?
Este é o equivalente industrial a descobrir que devíamos ter começado a poupar para a reforma... aos 64 anos. Um pouco tarde, não?
Por isso é que em 2007 roubei esta citação a Maliranta:
"It is widely believed that restructuring has boosted productivity by displacing low-skilled workers and creating jobs for the high-skilled."Mas, e como isto é profundo: "In essence, creative destruction means that low productivity plants are displaced by high productivity plants." Por favor voltar a trás e reler esta última afirmação.
"Do lado sindical, o discurso é contido. A palavra de ordem é "evitar o dramatismo, porque trabalhadores com medo estão menos dispostos a lutar", vinca um dirigente sindical, pedindo para não ser identificado."
Ah, que magnífica demonstração de "liderança sindical"! Temos aqui a versão sindical da avestruz - enterremos a cabeça na areia e fingimos que o predador não está lá.
"Evitar o dramatismo" - porque aparentemente a realidade não é dramática o suficiente por si só. As fábricas fecham, os postos de trabalho desaparecem, mas shhh... não vamos falar disso. Afinal, para quê informar os trabalhadores da realidade completa? Pobrezinhos, podem ficar assustados...
É uma posição paternalista absolutamente brilhante: vamos proteger os trabalhadores da verdade para que possam "lutar" melhor. Porque toda a gente sabe que as melhores decisões são tomadas com base em informação incompleta, não é?
E a cereja no topo do bolo? O dirigente sindical que não quer ser identificado. Nada diz "estamos prontos para lutar" como um líder que prefere o anonimato ao discutir a sua própria estratégia de comunicação.
Trechos retirados do artigo "Automóvel e têxtil cortam postos de trabalho" publicado no Caderno de Economia do semanário Expresso do passado dia 20.12.