quarta-feira, novembro 26, 2025

Curiosidade do dia



Ontem, o The Times publicou quatro artigos espalhados pelo jornal que ajudam a construir uma imagem de uma certa Europa.

Na primeira página a notícia, "Nuclear 'fish disco' to save one salmon a year" de que para salvar um (1) salmão por ano ...
"More than £700 million is being spent at Hinkley Point C nuclear power station on environmental measures expected to save just 0.083 salmon and
0.028 sea trout per year."
Na página 2, "Half of Britons back scrapping HS2 to plug budget shortfall". Na página 23, a coluna de opinião de William Hague, "Europe risks going the way of imperial China". Na página 25 outra coluna de opinião, "We shouldn't expect democracy to last for ever".

De vez em quando, vários sinais isolados começam a alinhar-se como peças de um puzzle maior. Estes quatro artigos formam exactamente esse padrão: a Europa está a mostrar sintomas de um sistema que perdeu vitalidade, ambição e capacidade de execução.

O HS2, que prometia revolucionar o transporte no Reino Unido, tornou-se num símbolo perfeito da incapacidade europeia de concluir obras estratégicas. Derrapagens orçamentais superiores a 100%, atrasos de décadas, cortes sucessivos e um alcance final muito aquém da ambição inicial. Não é apenas uma linha ferroviária que falhou — é a manifestação física de um continente preso a procedimentos, hesitações e ao medo de decidir. O HS2 não é um acidente. É a metáfora perfeita de um continente que debate tudo, decide pouco, executa quase nada ao ritmo do mundo moderno.

Ao mesmo tempo, William Hague alerta que a Europa corre o risco de seguir o destino da dinastia Qing: uma potência cultural e económica que, confiando demasiado no passado, ignorou a revolução tecnológica que se aproximava. Hoje, a Europa olha para os EUA e a China a correrem em IA, defesa, energia, biotecnologia e software... enquanto continua absorvida em divisões internas, regulações infinitas e ilusões de conforto.

James Marriott acrescenta a última peça do quadro: a democracia europeia, que nos habituámos a ver como permanente e sólida, está a envelhecer. A confiança pública deteriora-se, o cinismo alastra, as fissuras geracionais aumentam e o próprio sistema parece incapaz de produzir líderes com visão. Não estamos perante um colapso súbito; estamos perante a erosão lenta de um modelo que já viveu melhores dias.

Cada artigo, a seu modo, aponta para o mesmo ponto fraco:

A Europa comporta-se cada vez mais como um continente que já não controla plenamente os seus próprios mecanismos de funcionamento. 

Não controlamos a tecnologia que usamos, nem a defesa que nos protege.
Não controlamos grandes obras públicas nem orçamentos que alguma vez fiquem dentro do previsto.
Não controlamos a demografia que sustenta o futuro, nem a capacidade de executar políticas que realmente mudem vidas.

E Portugal é um microcosmo dessa mesma fragilidade. Quando olhamos para o nosso país, vemos sintomas idênticos em escala nacional: um SNS em que médicos tarefeiros conseguem facturar milhões num par de fins de semana; centros de saúde que registam dez mil imigrantes “por engano”; sistemas informáticos incapazes de detectar abusos; regras que ninguém fiscaliza; procedimentos que não funcionam; responsabilidades que se diluem. Uma espécie de “bar aberto” institucional, onde todos sabem que há falhas, mas ninguém assume o controlo.

O problema não é apenas operacional — é civilizacional.

É a perda lenta, mas visível, da capacidade de governar, vigiar, corrigir, planear e garantir que o sistema funciona para quem dele depende.

E talvez o mais grave seja isto: tal como na Europa, também em Portugal estamos a perder a confiança dos cidadãos. As pessoas sentem que o Estado já não controla nada — nem os seus próprios processos, nem as suas próprias fronteiras, nem os seus próprios serviços.

É a sensação de um país e de um continente que vive da memória do que já foi capaz de fazer, enquanto o mundo — e os problemas — avançam muito mais depressa do que nós conseguimos reagir.

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