Parte I, parte II e parte III.
A revisão pela gestão prevista na ISO 9001:2015 é, por definição, um espaço de avaliação, reflexão e decisão. No entanto, em muitas organizações, a reunião transforma-se numa sequência interminável de apresentações, gráficos, explicações técnicas e leituras de relatórios. O que deveria ser um momento de liderança estratégica converte-se num exercício de transmissão de informação — precisamente aquilo que não acrescenta valor quando se está a gerir um sistema da qualidade.
A ISO 9001 é muito clara: as entradas do 9.3.2 devem ser consideradas, isto é, analisadas, sintetizadas e preparadas antes da reunião. Num
webinar sobre a revisão pela gestão, costumo dizer: "Meeting time is too expensive and should be used wisely."
A reunião não existe para fazer apresentações; existe para tomar decisões.
E para que a reunião seja um espaço de decisão, há uma condição essencial: toda a informação deve ser distribuída com antecedência, e todos os participantes devem chegar à reunião tendo estudado essa informação. Isto é o que permite que o tempo colectivo seja usado para interpretar, decidir e orientar o futuro do sistema — e não para ouvir o que poderia ter sido lido antes.
Preparação prévia: o segredo para libertar a reunião. O ponto 2 do fluxograma lá em cima.
A qualidade da revisão depende mais do trabalho realizado antes da reunião do que do que ocorre durante a reunião. O processo é simples:
- Os responsáveis preparam todas as entradas da cláusula 9.3.2, com análise, síntese e tendências, e não apenas dados brutos. Não afoguemos a gestão de topo em dados. Temos de lhes dar significado, não números.
- Esta informação é enviada com antecedência suficiente (muito difícil em Portugal).
- É solicitado (e exigido) que todos os participantes a estudem cuidadosamente.
- A agenda é construída não com tópicos, mas com perguntas que exigem decisões.
- A reunião discute apenas o que precisa ser decidido.
O grande erro é tentar "fazer tudo numa reunião": apresentar dados, explicar, analisar, interpretar e decidir (e até planear as acções que implementam as decisões). Quando isto acontece, a reunião torna-se pesada, longa e, muitas vezes, inconclusiva. A gestão vai para casa com resmas de slides; o sistema fica na mesma.
Há anos li que Jeff Bezos introduziu na Amazon uma prática famosa para lidar com um problema universal: pessoas que chegam às reuniões sem ter lido a documentação previamente. Em vez de transformar a reunião numa aula improvisada, Bezos instituiu os 15 minutos de silêncio no início de cada reunião estratégica.
Funciona assim:
- A documentação é distribuída antes; todos deveriam lê-la.
- Mas como alguns chegam “em branco”, a reunião começa com 15 minutos de silêncio absoluto.
- Cada pessoa lê a documentação final novamente, desta vez sem interrupções.
- Só depois se começa a discutir — e já em cima de informação partilhada.
É simples, eficaz e profundamente alinhado com o espírito da ISO 9001: todos têm acesso aos factos, todos têm entendimento comum e a reunião avança directamente para a tomada de decisões.
Este pequeno truque elimina dois problemas clássicos:
- as reuniões que se tornam apresentações;
- e os participantes que opinam sem conhecer os dados.
Adoptar esta prática numa revisão pela gestão é transformar a reunião num momento de inteligência colectiva e não num desfile de slides.
O valor real da revisão do sistema não está em apresentar informação; está em decidir: que processos precisam de ser repensados, que riscos aumentaram e exigem acção, que recursos são necessários, que prioridades mudaram, que lições do passado influenciam o futuro.
Quando a reunião se liberta de apresentações, cria espaço para perguntas difíceis, para interpretações cruzadas, para aprendizagem organizacional e, sobretudo, para decisões alinhadas com a estratégia e o contexto.
Uma revisão pela gestão que se limita a apresentar dados não cumpre o propósito da ISO 9001; uma revisão que produz decisões claras, responsáveis e prazos definidos cumpre-o plenamente.
A revisão do sistema é um dos raros momentos em que a organização pára para pensar. Não desperdiçar esse espaço com apresentações é um teste de maturidade. A liderança reúne-se para tomar decisões estratégicas, não para ouvir.
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