sábado, dezembro 13, 2025

Revisão pela gestão - elevar a qualidade da informação (parte V)

Parte Iparte IIparte III e parte IV.

A revisão pela gestão é, em teoria, um dos momentos mais importantes do sistema de gestão: o processo em que a organização pára para pensar, interpretar o que aconteceu, aprender e ajustar o rumo.

Na prática, porém, demasiadas revisões transformam-se num ritual burocrático, saturado de tabelas, valores soltos e apresentações intermináveis — precisamente aquilo que não ajuda uma equipa de gestão a decidir.

Uma revisão eficaz depende, acima de tudo, da qualidade da informação que se prepara e inclui no relatório.

E a qualidade da informação melhora drasticamente quando se fazem duas coisas bem: trazer narrativas e usar dados visuais que revelam tendências.

A maioria das revisões falha porque as pessoas chegam à reunião "armadas" com as tabelas incluídas no relatório.

Mas números sozinhos são mudos: mostram sintomas, não causas.
A gestão precisa de explicações, não apenas de valores.
Uma narrativa bem construída responde a quatro perguntas simples:
  • O que aconteceu realmente?
  • Por que aconteceu?
  • O que aprendemos?
  • O que vamos fazer diferente? É preciso fazer diferente?
Os gráficos mostram que o indicador subiu ou desceu; a narrativa explica porquê — e é essa explicação que sustenta decisões responsáveis.

Narrativas transformam a revisão de um exercício de contabilidade num momento de aprendizagem organizacional. Os números informam; as narrativas esclarecem.

Um livro que muito me influenciou nos anos 90 foi  “Keeping Score - using the right metrics to drive world-class performance” de Mark G. Brown. Nesse livro, nunca mais esqueci, o autor lista três erros fatais na apresentação de resultados:
  • usar tabelas em vez de gráficos;
  • mostrar apenas o último valor; e
  • ignorar metas ou referenciais.
Os três erros têm um denominador comum: apagam o contexto.
E sem contexto, a revisão pela gestão transforma-se numa lotaria emocional — no estilo "herói num mês, enforcado no seguinte". Uma montanha-russa de emoções:


As tabelas podem ser precisas, mas são péssimas para revelar padrões.
Em contrapartida, um gráfico bem construído mostra em segundos aquilo que uma tabela nos esconde em minutos:
  • tendência;
  • sazonalidade;
  • variação;
  • estabilidade ou instabilidade do sistema; e
  • relação entre indicadores.
Os indicadores são apresentados num dashboard. E um dashboard eficaz deve caber num único olhar — nunca num interminável scrolling, como Stephen Few explica de forma magistral. O recurso a sparklines permite mostrar o essencial — tendência, ponto actual, variação — numa linha discreta, elegante e compacta. Esta técnica permite ver o conjunto completo de indicadores num único ecrã ou numa folha A4. É aqui que se cumpre o ideal de Few: simultaneidade de visão, o momento em que começamos a ver relações, não apenas valores.

O que deve conter cada indicador apresentado na revisão?
  • 12-24 meses de histórico.
  • Limites, metas ou referencias.
  • Linha de tendência.
  • Relações com outros indicadores.
  • Simplicidade visual: menos cor, mais sinal.
Este ponto é crítico: demasiadas cores transformam-se em ruído. A famosa "árvore de Natal" não ilumina decisões — apenas cansa a vista. Substituir os semáforos verdes/vermelhos por uma paleta mais neutra (pastel?) aumenta a legibilidade e reduz distracções.

Sem tendência, não há entendimento; sem entendimento, não há boas decisões.

A última síntese visual indispensável para uma revisão de qualidade é a carta de controlo — a ferramenta que impede a organização de cair na “bipolaridade militante” (herói/enforcado).

As cartas de controlo individuais (I-charts) revelam três informações essenciais:
  • Se a variação é aleatória ou estrutural.
  • Se o processo está estável ou instável.
  • Se vale a pena agir… ou se devemos deixar o sistema trabalhar.
Sem cartas de controlo, cada subida ou descida parece um acontecimento sobrenatural — um verdadeiro raio disparado do alto do Olimpo.


Mas a carta diz-nos a verdade que muitos gestores não querem ouvir: “O processo só consegue dar isto. O resto é fantasia.”

E aqui entra a lição do funil de Deming:
  • agir sobre o ruído destrói a estabilidade;
  • agir sobre o sinal é a essência da melhoria.
Nenhuma organização melhora só porque viu números.

Melhora quando compreende o comportamento do seu sistema. Quando isto acontece, a revisão deixa de ser um conjunto de "slides para cumprir a norma" e passa a ser um momento estratégico de verdade.
E só então, nesse instante em que o sistema fala e a gestão escuta, começam as decisões que constroem o futuro.

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