quarta-feira, dezembro 31, 2025

Revisão pela gestão - antes dos indicadores: é seguro dizer a verdade? (parte VI a)


Um soundbyte sobre revisões pela gestão que encontrei há tempos é:
"Most management reviews fail not because of data... but because of silence."

E esta frase é uma boa justificação para o tema deste postal - antes dos indicadores: é seguro dizer a verdade? Uma pena escrever este texto sem uma troca de opiniões com o meu parceiro das conversas oxigenadoras, alguém que leva muito a sério o tema da segurança da opinião (além da outra segurança).

Há revisões pela gestão que parecem exemplares. Tudo corre com fluidez. Os indicadores estão quase todos verdes. As apresentações são claras. A acta fica impecável. A reunião termina a horas. As pessoas saem com a sensação de dever cumprido.

Já estive em revisões pela gestão que mais parecem um carrossel de apresentações defensivas. As diferentes chefias de departamento sucedem-se em intervenções curtas, cronometradas, conscientes de que o seu papel não é pensar em conjunto, mas "passar no exame". O ambiente lembra o estudante inseguro perante um exame oral conduzido por um catedrático que aprecia reprovar alunos para reforçar a sua aura de rigor. O objectivo implícito não é compreender o sistema, mas sim sobreviver à exposição.

Nota-se, no momento em que regressam ao lugar, um suspiro fundo, como se lhes tivessem retirado toneladas dos ombros. Nota-se também nos que se sentem subitamente sortudos porque, nessa reunião em particular, a conversa se alongou em temas anteriores e já quase não sobra tempo para “o seu ponto”. Quando uma revisão pela gestão é vivida como um teste individual, o sistema desaparece de cena — e a verdade, por instinto de autoprotecção, fica à porta da sala.

E, meses depois, a organização é surpreendida por um problema que "ninguém viu". Ou melhor: alguém viu. Viu cedo. Comentou com um colega. Sugeriu uma cautela. Mas não trouxe o tema para a sala onde se decide. Não por falta de dados — mas por falta de segurança.

Quando isso acontece, o problema não está no painel de indicadores. Está no ambiente. Está na cultura invisível que decide o que pode ser dito, como pode ser dito, e com que consequências.

Uma revisão pela gestão (cláusula 9.3) exige decisões informadas. Mas informação não é apenas um conjunto de números e gráficos. Informação é também aquilo que as pessoas sabem e hesitam em dizer: o risco que cresce em silêncio, a falha que se repetiu, a reclamação que foi "resolvida" mas não ficou clara, a dúvida que ninguém quer assumir em público.

E aqui entra uma ideia simples, mas desconfortável: a qualidade da revisão pela gestão depende da qualidade da verdade que entra na sala. E a verdade só entra inteira quando é seguro trazê-la.

Julgo que se chama "segurança psicológica" a isto: a possibilidade real de dizer o que correu mal, o que preocupa, o que não se sabe, sem medo de humilhação, retaliação ou julgamento apressado. Não é um conceito "soft". É uma condição operacional para que a gestão possa ver o que precisa de ver.

Quando essa segurança não existe, a revisão pela gestão pode sofrer três distorções típicas.

A primeira é a filtragem antes da reunião. Os relatórios chegam polidos. As frases são neutras. As causas são vagas. O tom é optimista. O que é crítico fica de fora - não porque não existe, mas porque alguém decidiu, prudentemente, que "não é o momento" ou que "não vale a pena levantar ondas".

A segunda distorção é o silêncio durante a reunião. Os participantes ouvem, assentem, tiram notas. Mas a pergunta que interessa fica por fazer. A discordância fica por expressar. A incerteza é escondida atrás de palavras seguras. O resultado é uma reunião com aparência de alinhamento, mas na substância, evasão.

A terceira distorção é a conformidade aparente. Há decisões, há planos, há responsabilidades. Mas a base dessas decisões não foi a realidade - foi uma versão aceitável da realidade. A organização aprende, assim, uma lição perigosa: aprende a parecer bem, em vez de aprender a ser melhor.

É aqui que o papel da liderança se torna decisivo. E não apenas pelo que a liderança decide, mas pelo modo como reage.

Há gestos pequenos que, repetidos, matam a segurança sem que ninguém os nomeie. Um comentário irónico ("como é possível isto acontecer?"). Um suspiro de impaciência. Uma interrupção para "explicar". A pressa em encontrar culpados ("quem aprovou?", "quem deixou passar?"). O hábito de valorizar quem traz boas notícias e desvalorizar quem traz problemas.

A reacção instintiva do líder é, muitas vezes, o maior risco da reunião.


Por isso gosto da metáfora de "subir à varanda". Antes de mergulhar nos detalhes, a gestão de topo precisa de ganhar distância emocional. Precisa de escolher, deliberadamente, uma postura: curiosidade antes de julgamento; perguntas antes de conclusões; realidade antes de reputação. Isto não é psicologia aplicada: é disciplina de liderança.

A boa notícia é que não é preciso transformar a revisão pela gestão numa sessão terapêutica para construir segurança. Basta introduzir práticas simples - práticas que podem começar já na próxima reunião.

Continua.

Post Scriptum: Isto faz-me lembrar este livro e a estória em Berlim-Este (na RDA) que termina com "O que é feito do camarada Hans?". O que faz todo o sentido, as três distorções descritas acima fazem parte do cenário de qualquer reunião numa ditadura violenta. 



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