sexta-feira, novembro 21, 2025

A estagnação como consequência (Parte III)

Parte I e parte II.

O que escrevi sobre sociedades que evitam dor e economias que evitam recessões encaixa-se na perfeição na lógica de Joaquim Aguiar sobre o campo de possibilidades.

A sua teoria dá, aliás, a estrutura conceptual que explica por que caímos nessa espiral. Segundo Aguiar, o campo de possibilidades de um país define-se pelos seus constrangimentos estruturais. Quando uma sociedade rejeita desconforto, reformas, ajustamentos, rupturas curtas para evitar colapsos longos — o campo não se mantém estático: estreita-se. Perdem-se graus de liberdade.

A cada ciclo político que promete aliviar a dor:

  • mantém-se dívida,
  • congelam-se privilégios,
  • adia-se investimento produtivo,
  • impede-se destruição criativa, e
  • ganha força quem depende do status quo.

Resultado: há cada vez menos a escolher e cada vez menos a mudar.

A democracia anestesiada produz um campo de possibilidades cada vez mais pobre.

Aguiar dizia que o campo de possibilidades é sempre menor do que parece. A estabilidade artificial — económica e política — reduz ainda mais esse campo.

Ao evitarmos recessões (Parte I) e dor política (Parte II), ficamos com:

  • menos margem orçamental,
  • menos produtividade,
  • menos capacidade de ajustamento,
  • menos legitimidade para contrariar interesses instalados,
  • mais actores capazes de vetar qualquer reforma.

É o que Aguiar chamaria de um campo bloqueado.
A aparência de tranquilidade é, de facto, a acumulação silenciosa de impossibilidades.

Nos sistemas sociais e económicos, os choques funcionam como resets que alargam o campo de possibilidades.

Aguiar diria que:

  • uma crise abre alternativas;
  • um ajustamento redefine prioridades;
  • um colapso parcial elimina actores que bloqueavam caminhos;
  • uma ruptura revela escolhas escondidas.

Sem estas descargas:

  • o campo não se expande,
  • cristaliza-se, e
  • torna-se regressivamente mais estreito.

A paz prolongada e a ausência de recessões não geram liberdade — geram estreitamento estrutural do possível.

Aguiar era implacável com esta falha: os actores políticos anunciam fins que o campo de possibilidades não permite realizar.

O evitar da dor redefine esse campo de forma tão restritiva que:

  • as reformas necessárias não cabem nele,
  • as promessas necessárias não são viáveis,
  • e o sistema torna-se refém das suas próprias ilusões.

É aqui que o FT e a The Economist convergem com Aguiar: ao evitarmos dor durante décadas, criámos um campo de possibilidades tão pequeno que já quase nada cabe lá dentro — excepto mais estímulos, mais apoios, mais adiamentos.

Aguiar diria: "Ao eliminar os mecanismos de dor, eliminamos os mecanismos que criam possibilidades."

Ou, dito de outra forma: evitar todos os sobressaltos não amplia as escolhas — destrói-as.

Está decidido, vou reler: 




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