sexta-feira, agosto 22, 2025

Curiosidade do dia


Milei no final desta colorida intervenção diz algo que costumo afirmar com frequência. Cristo não nos propôs que fizéssemos caridade com o dinheiro dos outros. Convidou-nos a fazer caridade com o nosso dinheiro.


Métricas diferentes


"Portugal apresenta a mais baixa taxa de atrasos de pagamento da Europa — apenas 10,6% das receitas são pagas com atraso. Acho estranho, estava à espera de um valor bem maior."
No Jornal de Negócios do passado dia 19 de Agosto, encontramos o artigo "Estado demora mais 13 dias a pagar do que empresas. Pior só a Chéquia."

A fonte usada em Maio e a fonte usada pelo JdN é a mesma - o European Payment Report 2025 da Intrum — mas diferentes jornalistas chegam a narrativas diferentes. Tive de pedir ajuda para conciliá-las:
  • O artigo do JdN foca-se nos prazos médios de pagamento e recebimento (60 dias em Portugal, acima da média em sectores como a construção ou telecomunicações) (quantos dias demoram a pagar/receber).
  • O artigo do blog, baseado num artigo da Executive Digest, é sobre a taxa de atrasos (percentagem das receitas pagas fora do prazo) 
Os artigos abordam métricas diferentes.

Portugal pode ter um baixo volume relativo de atrasos (10,6%), mas como o prazo médio já é longo (60 dias, chegando a 81 na construção e 100+ noutros sectores), qualquer deslize extra pesa muito nas PME de margens reduzidas.



quinta-feira, agosto 21, 2025

Curiosidade do dia

"Vou ligar para o presidente da França, os primeiros-ministros da Alemanha e do Reino Unido e o presidente da África do Sul. Também vou ligar para Ursula Van Der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, para que a UE passe a comprar mais produtos do Brasil", anunciou Lula, comentando que os países europeus citados, mesmo sendo ricos e tendo excelentes relações com o Brasil, compram poucos produtos brasileiros." (fonte)

Lula descobriu a pólvora: basta pegar no telefone, ligar para Macron, Merz, Starmer, Ramaphosa e até para Ursula, e zás — os europeus, ricos e distraídos, passarão a comprar contentores de feijão, soja e carne brasileira como quem adiciona um item ao carrinho da Amazon. Os agricultores da PAC até batem palmas.

O detalhe engraçado é que o Brasil mantém tarifas alfandegárias dignas de muralha medieval, mas quando os outros fazem o mesmo, é escândalo. É o clássico exercício do "cisco no olho alheio, trave no próprio", versão diplomacia comercial. 



Caneta e Six Sigma

"Take Six Sigma, the defect-minimization strategy that was all the rage in the 1980s: Its methodology involved certifying managers with progressively more prestigious colors to encourage their advance in skill level-rather as karate or judo belts do. (Even though these were color-coded paper certificates, I like to imagine the regional vice president for sales wearing a red belt over their suit.) No doubt, some firms found the exercise useful, but as the business writer Geoffrey James notes, employees typically found Six Sigma's implementation frustrating and confusing. And according to data from 2006, among the large companies that adopted the program, 91 percent wound up trailing the S&P 500 in stock performance."

Muitos críticos usam a estatística de 2006 - segundo a qual 91% das grandes empresas que adoptaram o Six Sigma ficaram atrás do S&P 500 em termos de desempenho bolsista - como prova de que a metodologia falhou ou foi mal implementada. Mas essa leitura parece-me demasiado simplista.

O Six Sigma nasceu num contexto em que a vantagem competitiva de várias indústrias estava associada à eficiência operacional: reduzir defeitos, cortar desperdício, padronizar processos. Nestes cenários, a lógica é clara: cada melhoria na eficiência traduz-se em ganhos de margem e em maior fiabilidade perante clientes industriais. Contudo, há um efeito estrutural a considerar. Empresas cujo modelo competitivo assenta sobretudo na eficiência operam normalmente em mercados maduros, com baixo valor acrescentado e onde a diferenciação é limitada. O espaço para crescer através da inovação ou da criação de novas categorias é reduzido; logo, mesmo sendo muito eficientes, essas empresas tendem a gerar retornos modestos no longo prazo quando comparadas com negócios que criam novas fontes de valor.

Assim, o número dos 91% não reflecte apenas uma suposta "ineficácia" do Six Sigma. Reflecte antes a realidade de que, se a uma proposta de valor é eficiência e baixo custo, dificilmente conseguirá bater em bolsa empresas que estão a construir novas necessidades, novos segmentos ou novas experiências para os clientes. É uma questão de tipo de vantagem competitiva mais do que da qualidade da ferramenta.

Aqui encontro um paralelo com o caso da Herdmar. A fotografia que partilhei mostrava bem o dilema: uma empresa pode ser brilhante em eficiência produtiva, em extrair cada gota de rendimento do seu processo, mas se o mercado valoriza diferenciação, marca e inovação estética, o máximo que a eficiência garante é sobrevivência - nunca liderança. O Six Sigma, aplicado fora do contexto certo, transforma-se numa corrida para estar "menos mal" do que os outros, mas não para estar "à frente" do mercado.

No fundo, a lição é esta: a eficiência é condição necessária, mas nunca suficiente. Dá disciplina, consistência e fiabilidade - mas raramente gera excedentes de valor que o mercado financeiro premie de forma continuada. Numa paisagem competitiva em que muitas empresas lutam para subir o mesmo pico, a eficiência serve apenas para garantir que não se escorrega na encosta. Mantém cada jogador no jogo, mas não muda o jogo. No topo desse pico há pouco espaço e margens cada vez mais apertadas. O verdadeiro salto competitivo acontece quando uma empresa decide procurar outros picos — criar novas categorias, novas experiências, novas formas de valor — em vez de se limitar a ser a mais resistente na escalada do mesmo monte.

Este é um tema que sigo aqui no blogue pelo menos desde 2007, não culpem a caneta quando a culpa é de quem escreve.

Trecho inicial retirado de "A Management Anti-Fad That Will Last Forever"

quarta-feira, agosto 20, 2025

Curiosidade do dia

Agosto é a altura do ano em que menos vejo televisão. Por exemplo, no Sábado passado a minha televisão esteve toda a tarde a transmitir via YouTube (abençoados Pat Metheny e Ennio Morricone). 

Sempre que tento ver notícias só me aparecem incêndios e, para esse peditório, já dei; mudo logo de canal. 

O que vejo é uma encenação repetida: o poder autárquico a reagir como uma Vestal, as populações centradas no seu umbigo, as oposições cheias de teorias sobre como resolver a situação, os bombeiros a reclamar mais poder, os lobbies a esfregar as mãos, os académicos com soluções "ready-made), os jornalistas ansiosos por mais uma transmissão em directo do Coliseu de Roma, em busca de audiência à custa do sangue e dos gritos de um combate entre gladiadores, e o governo de turno a reagir como que apanhado desprevenido. Em suma, a “indústria do fogo” no seu esplendor.

Esta encenação, feita de ruído, lembra-me uma metáfora usada várias vezes por Joaquim Aguiar, antigo comentador e analista político, no programa Think Tank (do canal de YouTube A Cor do Dinheiro, apresentado por Camilo Lourenço): 



um cão a ladrar para a roda de um carro que passa. Se ele realmente conseguisse agarrar a roda, o que faria com ela?”. A imagem capta bem o vazio de muitas reacções públicas: "ladram" muito, mas não sabem o que fazer se alguma vez “apanharem a roda” – isto é, se tiverem de assumir responsabilidades reais.

Tal como no fogo, também na política abundam actores que fazem barulho e críticas (como o cão que ladra furiosamente), mas poucos apresentam um plano sólido para governar ou vontade genuína de enfrentar as responsabilidades que advêm da vitória eleitoral. A metáfora ilustra a ironia de uma disputa em que os concorrentes fingem querer ganhar eleições, mas no íntimo receiam vencer. A ideia contra-intuitiva – a de que, em certas conjunturas, vencer é mais um fardo do que um triunfo – fica condensada na imagem do cão que não saberia o que fazer caso apanhasse aquilo que persegue.

Em resumo, Joaquim Aguiar usava a metáfora do cão e da roda para transmitir uma crítica mordaz: na política portuguesa, demasiadas vezes, quem faz mais barulho a querer “mudar tudo” não está verdadeiramente preparado para agir quando a oportunidade lhe cai nas mãos.

Mensagem para pais e avós


Na Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, capítulo 13, versículo 11.

“Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança; quando me tornei homem, deixei as coisas de criança.”

Quando falamos com as crianças usamos uma linguagem que elas entendem. Quando no 1º, 2º e 3º anos da catequese os catequistas falam de Jesus às crianças fazem-no numa linguagem que elas entendam, uma linguagem infantil.

Quando pegamos num livro infantil vemos um texto infantil, um enredo infantil, desenhos infantis, tudo adequado a fazer passar a mensagem às crianças.

Acontece que os vossos filhos/netos vão deixar de ser crianças. Quando os catequistas os recebem no 4º ano, eles quando muito, dão-lhes pelos ombros, mas quando acabam o 6º ano alguns são mais altos que os catequistas e os outros são tão altos quanto eles. E esta mudança, é a mudança exterior que qualquer pessoa pode ver. No entanto, há uma mudança mais importante que acontece ao mesmo tempo, a mudança na forma de pensar, a mudança no cérebro. 

O que é trágico é que muitas crianças abandonam a catequese na transição do 3º para o 4º ano após a Primeira Comunhão... vão crescer intelectualmente e ficar na memória com o Jesus que aprenderam até ao 3º ano, o Jesus infantil. Depois, a certa altura vão, naturalmente, começar a achar o Jesus infantil incompatível, insuficiente, incompleto para lidar com o mundo complexo dos adultos. E abandonam a fé. Volto a São Paulo: "quando me tornei homem, deixei as coisas de criança."

E aqui cabe lembrar: nunca é tarde para aprender, mas às vezes é demasiado cedo. Se a apresentação de um Jesus adulto chega antes do tempo, a criança não está pronta para o compreender; se chega demasiado tarde, ela já pode ter fechado o coração e a mente à fé.

O que se faz do 4.° ao 6.° ano da catequese é procurar fazer a transição do Jesus infantil para um Jesus adulto. É um autêntico contra-relógio, porque a qualquer momento uma criança pode deixar de frequentar a catequese.

Muitos pais pensam e dizem: O meu filho irá à catequese, irá à missa, se quiser. Não o vou forçar. Ele depois decide. No livro "Introdução ao Cristianismo", Joseph Ratzinger (futuro Bento XVI) explica que a fé cristã não nasce apenas de um raciocínio filosófico ou de uma demonstração lógica, mas de um encontro com o anúncio (pregação) de Jesus.

A filosofia e a razão podem preparar o terreno, mostrar que a fé é razoável e não contradiz a lógica.

Mas o passo decisivo para acreditar vem do facto de se ouvir uma mensagem viva, transmitida por alguém que já crê, e de essa palavra tocar o coração e mover a vontade. Por isso, quando um pai diz “o meu filho irá à missa ou à catequese, se quiser”, está a pressupor que a fé é algo que a criança descobrirá sozinha, como se fosse uma conclusão lógica a que se chega espontaneamente.

Mas Ratzinger lembrou-nos que sem pregação e testemunho concreto, a fé dificilmente desperta. Tal como ninguém aprende uma língua sem que alguém a fale com ele, ninguém aprende a “linguagem” da fé sem que lha transmitam e mostrem vivida.

Ou seja, a catequese, a missa e o exemplo dos pais não são imposição arbitrária, mas o contexto vital onde a pregação acontece, onde a criança ouve e vê a fé em acção, podendo depois fazer a sua escolha pessoal — mas com conhecimento real do que está a escolher. 

Melhorar o retorno da certificação ISO 9001 (parte IX)


A última imagem da Parte VIII pode ser melhorada acrescentando a satisfação, só por causa disso vamos conseguir (?) orquestrar um ecossistema em favor de todos, incluindo a nossa organização. E já agora, sublinhamos os tópicos que incluímos na politica e que caracterizam o nosso alvo (desta vez não escrevi cliente-alvo porque o arquitecto não compra os materiais à Vitrumo, mas prescreve-os ao empreiteiro):

Recordo o trecho da política retirado da Parte VII:
Relaciono também os trechos da política sobre os compromissos, a resposta a pergunta: em que é que temos de ser bons com a satisfação das partes interessadas (a figura acima não inclui todas, por exemplo faltam os centros de saber):

Recordo que queremos desenvolver objectivos relevantes para o negócio.

Pergunto: qual é o teste do ácido para sabermos se uma estratégia resulta ou não? 

Resposta: Resultados financeiros positivos! Lucro!

O lucro, a rentabilidade resulta de dois vectores:
Gastar menos significa ter mais produtividade:
Ter mais produtividade significa ter margem mais elevada:
A margem pode ser aumentada através da oferta de produtos/serviços de maior valor acrescentado, ou através do aumento da eficiência.
A maior parte das pessoas quando pensa em aumento da produtividade olha para a equação da produtividade e parte do princípio que o numerador, o que se oferece, é uma constante e que só se pode aumentar a produtividade actuando sobre o denominador. Nada mais errado!

Para leitura futura recomendo aqui no blogue dois temas:
BTW, aquele ou (V) na figura acima é essencialmente exclusivo. É claro que uma empresa pode e deve actuar no numerador e denominador, mas um será sempre preponderante em termos estratégicos. Por exemplo, gosto da citação: 
"If the customer doesn't care about the price, then the retailer shouldn't care about the cost."
É bom que a Ferrari trabalhe para ser eficiente, mas esse não será um objectivo da gestão de topo que deve antes ocupar a escassa banda de atenção na criação de valor. 

O teste do ácido para sabermos se uma estratégia resulta ou não é dado pelos resultados financeiros. Contudo, os resultados financeiros não devem ser vistos como um objectivo directo, mas como uma consequência de outras acções. Estamos a falar do tema da obliquidade:
Uma estratégia nunca é eterna, por isso devemos estar sempre atentos a objectivos na vertente financeira. Objectivos de rentabilidade, objectivos de vendas, objectivos de custos ou objectivos de margens. 

De onde é que o dinheiro vem?


Resultados financeiros são uma consequência natural de servir, satisfazer e manter clientes:

Assim, faz todo o sentido seguir objectivos sobre clientes ganhos (clientes novos e recorrentes), sobre clientes satisfeitos e clientes insatisfeitos (satisfação de clientes e reclamações), e sobre clientes mantidos (clientes perdidos, clientes recorrentes, clientes ganhos por word-of-mouth, ...). 

Aqui convém recordar o tema dos clientes-alvo. Para isso recomendo:
Na próxima reflexão vamos desenvolver os objectivos estratégicos para os processos da empresa.

terça-feira, agosto 19, 2025

Curiosidade do dia

Vou no décimo quinto andar e está tudo a correr bem! Não percebo porque disseram que era perigoso.


No JN de 19 de Agosto, o artigo "Famílias pedem crédito ao consumo recorde na primeira metade do ano":

"A cada mês que passa, os bancos concedem, pelo menos, 700 milhões de euros em empréstimos ao consumo

...

Em Junho, foram concedidos 726 milhões de euros em empréstimos ao consumo, culminando seis meses seguidos acima dos 700 milhões"

Vai correr tudo bem!

Obliquidade e lucro


Em 2013 aprendi com John Kay o termo obliquity — obliquidade — que então registei num texto aqui no blogue. A ideia é simples, mas poderosa: certos objectivos não se atingem de forma directa. Lucro, para uma empresa, é como o desemprego para um governo. São metas desejáveis, mas que não podem ser perseguidas de frente. É preciso trabalhar de forma indirecta, sobre as causas que lhes dão origem.

Retomei esse tema em 2021, no texto "Lucro? E para quê e para quem?", onde escrevi que o lucro deve ser entendido como um objectivo oblíquo. Considero absurdo elegê-lo como objectivo directo, tal como seria absurdo ouvir um político declarar que o seu objectivo é apenas reduzir o desemprego. Sempre que isso acontece, dá asneira. O lucro, como a redução do desemprego, é consequência de outras coisas: de clientes conquistados, de clientes satisfeitos, de clientes que continuam a confiar em nós.

Esta semana voltei a encontrar John Kay, agora numa recensão publicada na revista Money Week ao seu mais recente livro "The Corporation in the 21st Century: Why (almost) Everything We Are Told About Business is Wrong". O artigo intitula-se "The goal of business is virtue, not profit" e a tese central é clara: a obsessão com o conceito de shareholder value e a maximização de lucros distorceu a natureza das empresas modernas e acabou por prejudicar não só a sociedade mas também os próprios accionistas.

Kay mostra, com a clareza que lhe é habitual, que a insistência em maximizar lucros não beneficia, em última análise, quem supostamente deveria beneficiar:
“The last people to benefit from the pursuit of ‘shareholder value’ are shareholders.”
Ao focar-se no lucro imediato, desencadeiam-se comportamentos desviantes que acabam por gerar desconfiança pública e queda das empresas:
“Yet a turn to focus on maximising profits at all costs, and the misbehaviour that predictably follows from that, brings a fall, and explains why the public came to mistrust big business.”
Além disso, a própria ideia de que os accionistas controlam efectivamente as empresas é ilusória. As grandes corporações estão envolvidas em teias complexas de relações contratuais, financeiras e regulatórias que tornam o exercício real de propriedade extremamente difícil:
“…figuring out who really ‘owns’ modern corporations… is no easy matter… actually exercising the rights of ownership and control is far easier said than done.”
Os exemplos abundam. Empresas outrora ícones de excelência, como a Boeing, a General Electric ou a Bear Stearns, colapsaram precisamente quando passaram a subordinar a sua cultura e a sua estratégia ao dogma do lucro imediato:
“Boeing was a world-leading engineering firm… until a change in the culture led to a focus on profit. The end result was aeroplanes falling from the sky.”
“General Electric was for much of the 20th century regarded as the best-run company in the US. A ruthless turn to focus on ‘shareholder value’… led in the end to the collapse of the firm.”
Em contrapartida, Kay sublinha que o verdadeiro motor do sucesso empresarial não está apenas no capital acumulado ou nos activos detidos, mas na capacidade de mobilizar talento, inteligência colectiva e relações duradouras. O que distingue as empresas bem-sucedidas é a sua aptidão para transformar competências individuais em capacidades únicas que criam valor e são difíceis de replicar:
“The hallmark of a successful business today is ‘harnessing collective intelligence that isn’t common property’.”
O sucesso empresarial, portanto, não nasce de transacções meramente instrumentais, mas da construção de relações de confiança inseridas num contexto social mais vasto:
“…successful commercial relationships are not simply instrumental and transactional, they are ‘social and embedded in a wider framework of communities and teams’.”
A lógica é simples e, diria eu, profundamente oblíqua: sirvam-se bem os clientes, criem-se relações de confiança e de longo prazo, e o lucro virá como consequência natural. É um erro inverter a ordem:
“Serve your customers well and the profits will follow… It rarely works the other way around.”
Em suma, o pensamento de John Kay sobre obliquidade aplica-se aqui de forma exemplar. O lucro não é um objectivo directo. É um resultado, uma consequência. A obsessão em persegui-lo frontalmente destrói empresas, distorce mercados e mina a confiança social. Já o foco em clientes, em relações e em inteligência colectiva cria as condições para que o lucro surja de forma sustentável e duradoura.

segunda-feira, agosto 18, 2025

Curiosidade do dia


O jornal The Times do passado dia 16 trazia este texto:
"Bolivia - For the first time in 20 years voters will head to the polls tomorrow unsure about the likely winner. The ruling socialist party, in power since 2003, is in as much turmoil as the economy. The Movement for Socialism has been unable to present a viable candidate to be president and no dominant party has emerged. The country has depleted its international reserves and inflation is at 15.5 per cent."

O último número da revista The Economist trazia este trecho sobre a Bolívia:

"An economic crisis, with fuel shortages and inflation likely to hit 30% this year,"

Entretanto o semanário Expresso brinda-nos com:

Eu versus os maus (parte II)

Parte I

Ao minuto 32:44:

"Something I’ve noticed is that many people in the clothing industry right now are struggling with dupes on Amazon. People are often just choosing the lowest-cost option. That may be because of the current economy, or for many other reasons, but it’s happening more and more.

For example, if you go on Amazon looking for a Lululemon shirt, you might find the exact same shirt listed there with the same photo — which really should be illegal — and people are choosing that option instead. So, the question is: is the brand not strong enough to keep people willing to pay the higher price just for the status symbol of the Lululemon logo?

- When you choose your customers, you choose your future. When you choose your competition, you choose your future. And when you choose your marketplace, you choose your future. If you set up shop on a crowded street corner where everyone is selling stolen goods on folding tables, and you say, “No, no, mine is much better — it’s $30,000,” you won’t sell anything. You made the choice to sell on that corner.

- Lululemon, for example, made some brilliant marketing and business decisions — my friend Steph Corker helped build that company. But that doesn’t mean they are entitled to charge their prices to every single person on the planet. It doesn’t last forever. The story they told and the change they sought to make resonated with all the yoga moms. But now, if they want to reach the next circle of customers, they face new challenges.

- As marketers, we can’t feel entitled. We have to be empathetic. We need to acknowledge: “Yes, you’re right. If I were in your position, with your income and the story you tell yourself about your income, there’s no way I would buy Lululemon either. Of course, I would buy the knockoff. That’s the right choice for you.” Everyone does what feels like the right thing for them to do — if they are informed.

- So the real challenge is: how do you inform people in such a way that, based on who they are, what they believe, and what they see, they will make the choice you’re hoping they will make? It won’t happen just because you tell them they’re wrong."

A questão da contrafacção na Amazon mostra bem como a reacção dos clientes não é “maldade”, mas consequência de escolhas estratégicas. Se a proposta de valor não for suficientemente clara ou diferenciada, muitos clientes optarão pela alternativa mais barata. Isso não é injustiça; é simplesmente a lógica do sistema a funcionar, como Roger Martin escreveu: “If your offering is mediocre, customers won’t be loyal, competitors will attack you, and investors will shy away from you… But that is not meanness, it is fairness.”

Da mesma forma, Seth Godin insiste que não podemos ser “entitled” como marketers. É preciso empatia: compreender porque é que, no lugar deles, os clientes escolheriam o artigo fake. O que nos remete para a ideia de que, quando a estratégia é fraca por demasiado tempo, cria-se a ilusão de que os outros são maus. Na realidade, eles apenas reagem com racionalidade às escolhas que a empresa fez.

BTW, enquanto marcas como a Lululemon conseguiram contar uma boa história e servir bem o seu público (as “yoga moms”), colheram lealdade e margens. Quando quiseram aumentar quota de mercado ...

domingo, agosto 17, 2025

Curiosidade do dia



No site do Expresso li "Entre a arrogância e o abandono: um problema da esquerda" do qual retirei este trecho:
"Mas essa esquerda já não está lá. E não se trata apenas de ausência física, trata-se de ausência política, discursiva, simbólica. O que é que a esquerda tem hoje para oferecer a um trabalhador precário, a uma mãe solteira, a um jovem que não consegue pagar uma casa, a um reformado esquecido num bairro periférico? Fala-lhes de carbono. De linguagem inclusiva. De políticas de identidade. De uma Europa verde e digital. Discursos corretos, até nobres, mas destituídos de aderência à vida concreta das pessoas. Desprovidos de sensibilidade para a escala do quotidiano.

É preciso ser frontal: a esquerda, hoje, já não representa os pobres. Representa os formados. Os diplomados. Os que dominam o código simbólico da nova moral pública. Aqueles que sabem o que se pode dizer e o que é preferível calar. Os que se movem confortavelmente nas instituições e universidades, nas redações e fundações, nos fóruns internacionais. E, nesta transformação, a esquerda abandonou, sem cerimónia, os seus antigos aliados: os que não têm fluência na linguagem dos direitos identitários, os que não dominam o vocabulário da interseccionalidade, os que não compreendem, ou rejeitam, a lógica da nova ortodoxia moral."

E admiramos-nos com o sucesso de Trump no eleitorado:


 

Sobre o pensamento sistémico e a sua actualidade

Sou um adepto de longa data daquilo a que se chama "system thinking", ou seja o pensamento sistémico. Julgo que o primeiro postal sobre o tema aqui no blog recua a Junho de 2006.

Alguns exemplos da sua aplicação:
  • Recordo com saudade as interacções com Edward Hugh - 2009 - "Abençoada internet (parte III)"
  • Um exemplo que uso em algumas acções de formação e baseado em 2 empresas com que trabalhei:
  • E por fim um exemplo que me é muito querido:

Esta imagem é complementada por mais 6 como a que se segue:

O pensamento sistémico é a abordagem mais eficaz para lidar com problemas complexos e interligados, antecipando os efeitos secundários e evitando as consequências negativas não intencionais de inovações ou alterações. Costumo chamar de "jogadores de bilhar amador" aqueles que não usam o pensamento sistémico e, por isso, não vêem as consequências distais das suas decisões. Nunca esqueço a frase "Nós não prevemos até ao fim as consequências das nossas decisões."

Se o dia tivesse 48 horas teria tempo para ler mais Thomas Sowell. Ele aborda com frequência o problema da falta de pensamento de segunda ordem — ou seja, a incapacidade de pensar nas consequências não intencionais e nos efeitos de longo prazo das decisões políticas e sociais. Ele critica o que chama de “pensamento de estágio único”, focado apenas nos resultados imediatos de uma acção, sem considerar os seus desdobramentos:
"Thinking beyond stage one is one of the most important skills in economics — and in life."

O número deste mês da HBR inclui o artigo "Why You Need Systems Thinking Now" de Tima Bansal e Julian Birkinshaw (BTW, um dos livros que encomendei na semana passada foi de Julian Birkinshaw, Resurgent: How established organizations can fight back and thrive in an age of digital transformation):

"Systems thinking helps predict and solve problems in dynamic, interconnected environments.

...

systems thinkers start by zooming out to understand the system that the innovation will be part of before they zoom in to solve the problem. That approach can lead to non-obvious answers."

Os autores propõem uma abordagem simplificada em 4 passos:

Our streamlined approach to systems thinking has four key steps.

1. Define your desired future state. 

...

Systems thinking, by contrast, focuses on the company's role in some desired future state-one that cannot be achieved without changes to the many different parts of the system.

In our workshops we start by helping a company articulate its North Star - what it wants the system to deliver - and what its own role will be in that new system. This helps the company frame discussions with the stakeholders that will also have roles in the future state and whose cooperation is needed for the system - and the company - to progress toward the North Star. It also keeps innovation activities within the system from going awry. Disparate groups of individuals (within the same organization or from different organizations) can build on one another's efforts so that innovation doesn't become a disconnected or conflicting set of activities. 

...

Once a company has identified its desired end state, it must then reach out to partners throughout the business system to win their buy - in to its new vision.

...

In the course of their outreach, companies should expect resistance or, perhaps more commonly, indifference, as a company's desired end state may seem irrelevant to some stakeholders. That brings us to the next principle.

2. Frame the problem, reframe it, and repeat. Breakthrough thinkers and design thinkers invest time in identifying the right problem and then fixate on it until it is solved. Systems thinkers recognize that there is often no single way to define a complex problem and that they’ll need to reframe the definition iteratively to engage stakeholders who may experience a system’s dysfunctions differently. The trick is to find out how problems that your ecosystem partners are experiencing relate to the problem you are trying to solve.[Moi ici: Não podemos forçar as partes interessadas a fazerem parte do nosso modelo de negócio, mas podemos tentar ver o mundo através dos seus olhos egoístas (aqui sem qualquer carga pejorativa) e perceber como é que podemos criar uma relaçao ganhar-ganhar]

...

Consider our experience advising the University of Guelph. Located in Ontario, one of Canada's agricultural heartlands, the university was seeking to attract more grants to carry out research in regenerative agriculture,

...

As we embarked on the work, we realized that although farmers cared about climate change, the issue was not top of mind for them. We had difficulty engaging them because they had more urgent day-to-day challenges, such as planting, harvesting, and ensuring strong yields. We decided to reframe the problem from climate change to soil health. The reasoning was that soil health is more central to farmers' daily reality while still being deeply related to climate change. Healthy soil requires rich and diverse populations of microbes. Climate change causes soil to degrade, making it less effective at capturing carbon and at supporting biodiversity, among other harmful effects.

...

3. Focus on flows and relationships, not products or services. Most innovators focus their energy on finding a product or service that will solve the problem they've identified.

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However, an innovation need not be a new product, service, or feature to solve a problem. Changes to the flows or relationships among actors can be just as effective, either by reducing friction to speed things up or adding friction to slow down some parts of the system.

...

4. Nudge your way forward. A lot of the rhetoric on innovation focuses on immediate solutions: the moon shot, the silver bullet, the killer app. Such solutions, however, usually create knock-on problems. Systems thinking innovators seek to create an "ecology of actions" that steadily addresses problems within a system. [Moi ici: Recordo a conspiração de intervenções cirúrgicas em vez do começar da folha em branco depois de arrasar tudo.]

They look not for leaps but for nudges and experiments that reveal insights into the system and move it forward, until it reaches a tipping point and evolves naturally.

Of course, design thinking shares this emphasis on behavior and experimentation, but it retains nonetheless a focus on a specific solution. Systems-thinking experiments are about exposing interdependencies among partners in the ecosystem as opposed to testing whether a product or service improves the user experience."

Da próxima vez que tiverem de tomar uma decisão importante, façam um exercício simples: parem e perguntem-se ‘e depois? e depois?’. Talvez descubram que a resposta certa não está no que fazer já, mas no que isso desencadeia a seguir. Esse é o primeiro passo para pensar sistemicamente.

sábado, agosto 16, 2025

Curiosidade do dia



"Nations grow old without noticing, says Krzysztof Tyszka-Drozdowski. But European states must now face up to a "fundamental reality" - they have "become gerontocracies". One in four EU citizens is of retirement age. Fewer young people reduces the likelihood of wars and revolutions, but also spells a "retreat from geopolitical ambition and a reconfiguration of the continent's social model". "What defines Europe today is not its dream of positioning itself between the US and China, but the hard fact that the EU makes up just 7% of the world's population and 50% of its social spending." Britain is no exception: "redistribution flows not from rich to poor, but from precarious youth to the asset-rich elderly". It's little surprise so many young people fear for the future, postponing raising a family until they attain economic stability - "a moment that, for too many, may never arrive". "Revolt is brewing." Barely a quarter of young French people say they trust democracy [Moi ici: Os "Je suis Nicolas"]. In the UK, 61% long for a strong leader unconstrained by Parliament that could "fix" the country. Radical reform to shift support from the grey electorate and migrants to the younger generation is needed. But cuts alone won't be enough. The only way out is via economic growth, which will require deep internal reform and deregulation."

Trecho retirado da revista Money Week publicado com o título "The tyranny of gerontocracy" e inicialmente publicado em unherd.com 

 

A senhora gorda e a revisão pela gestão

No passado mês de Maio em dois postais ...
... usei a metáfora da senhora gorda:

Uma empresa toma uma decisão e, mais tarde, avalia a sua qualidade com base no resultado obtido.

Foi então que uma mão amiga me chamou a atenção para uma armadilha mental frequente.

Annie Duke, campeã de póquer e psicóloga cognitiva, autora do livro Thinking in Bets, alerta para o erro a que chama "resulting": a tendência de avaliar a qualidade de uma decisão apenas com base no resultado que ela gerou.

Segundo Annie Duke, a maioria das pessoas confunde resultados com decisões. Se o resultado for bom, presume-se que a decisão foi acertada. Se o resultado for mau, conclui-se que houve erro.

Mas essa forma de pensar é ilusória. Um bom resultado pode decorrer de uma má decisão que teve sorte. E um mau resultado pode surgir de uma boa decisão que enfrentou azar ou factores imprevistos.

O "resulting" é, portanto, um erro de julgamento que confunde sorte com competência e azar com erro. Esta ilusão pode levar as organizações a aprender as lições erradas, validando processos falhados só porque, pontualmente, correram bem.

Este alerta de Annie Duke tem implicações importantes para a forma como realizamos as revisões pela gestão.

Quando uma organização conduz uma revisão pela gestão, de acordo com a cláusula 9.3 da ISO 9001:2015, está a criar um momento estruturado para avaliar o seu sistema de gestão, reflectir sobre o seu desempenho e tomar decisões para o futuro. Mas como devem essas decisões ser tomadas?

A ISO 9001 define um sistema de gestão como um conjunto de elementos interligados ou interdependentes utilizado para estabelecer a política e os objectivos da organização, e para alcançar esses mesmos objectivos. Assim, a revisão pela gestão não deve ser encarada como uma mera reunião formal, com actas e indicadores. É, ou deve ser, uma pausa estratégica — um momento para observar, compreender e decidir.

No entanto, é fácil cair na armadilha de julgar decisões passadas apenas com base nos resultados visíveis. Um indicador a verde pode levar à conclusão precipitada de que tudo foi bem feito. Uma reclamação de cliente pode ser interpretada como sinal inequívoco de falha.

Mas esta forma de pensar ignora a complexidade da gestão. Uma boa decisão pode conduzir a maus resultados por motivos fora do controlo da organização — como mudanças súbitas no mercado, falhas de fornecedores ou eventos inesperados. Inversamente, uma má decisão pode não ter consequências visíveis, por mero acaso.

O que importa, então, não é apenas o resultado. É a qualidade do processo de decisão. A pergunta fundamental a colocar é: com a informação de que dispúnhamos na altura, tomámos a melhor decisão possível? Esta mudança de foco — do julgamento para o entendimento — permite uma leitura mais lúcida dos factos, reconhecendo a incerteza inerente à gestão e promovendo a aprendizagem organizacional.

Durante a revisão pela gestão, não se deve avaliar apenas se os objectivos foram ou não atingidos, mas também como foram definidos, que pressupostos estiveram na sua origem, e se esses pressupostos ainda são válidos. É igualmente importante distinguir entre aquilo que a organização podia controlar e o que estava fora do seu alcance. Um sistema bem desenhado pode falhar se o contexto mudar radicalmente — e isso não significa que o sistema seja inadequado, mas que poderá necessitar de ajustes.

A norma ISO 9001 não exige certezas absolutas, mas sim decisões baseadas em evidência. Isso requer um exercício de análise ponderada, capaz de lidar com ambiguidade e risco. A revisão pela gestão deve servir não apenas para confirmar conformidade, mas para antecipar mudanças, realinhar prioridades e reforçar a coerência do sistema com os objectivos estratégicos.

Mais do que a obsessão de estar sempre certo, o verdadeiro valor está em desenvolver a capacidade de tomar, sistematicamente, decisões melhores — com os dados disponíveis, os recursos existentes e os riscos compreendidos. Esta é uma das marcas distintivas de um sistema de gestão maduro.

sexta-feira, agosto 15, 2025

Curiosidade do dia



Recordar a série:
Agora no The Times de hoje, "Brain chip that translates thoughts into speech":
"Technology with the ability to decode a person's inner thoughts and translate them into speech in real time has moved a step closer after the testing of a new brain implant, scientists have claimed.
Researchers at Stanford University in California said that their device was able, with 74 per cent accuracy, to detect a person's "inner speech" — where they imagined saying a specified set of words in their mind without any effort to physically utter them - and decipher which words they were thinking about."

Lembrei-me logo que as cenas de arranque de unhas com o Liam Neeson vão ficar obsoletas:

"This could prompt fears of systems being able to read a person’s thoughts against their wishes, so researchers also tested whether the users could activate the system by imagining a password and found that it worked with 98 per cent accuracy."

Também poderão ser usadas por televisões-tablóides enquanto entrevistam políticos que não pertencem ao clube. 

Melhorar o retorno da certificação ISO 9001 (parte VIII)

Parte I, Parte II, Parte IIIParte IVParte VParte VI e Parte VII.

Vamos lá ver onde estamos na viagem, redigimos uma política da qualidade que está verdadeiramente alinhada com a estratégia da organização, e agora, o que fazemos?

Agora temos duas possibilidades ...
... ou vamos já para:
  • O estabelecimento dos objectivos da qualidade; ou
  • A criação do modelo de funcionamento da organização com base na abordagem por processos.
 Em boa verdade, podemos optar por uma via ou por outra, quase que é indiferente. Começar pelos processos tem a vantagem de o consultor começar a mostrar "quantidade de trabalho" mais cedo. Por vezes, somos conduzidos a esta opção primeiro, porque trabalhar com a gestão de topo é um "gargalo", a sua disponibilidade de agenda não é muita. No entanto, cada vez me convenço mais que a melhor opção é ter paciência e avançar primeiro para o estabelecimento dos objectivos. 

Muitas vezes sinto que sou a única pessoa no mundo que se preocupa e valoriza a definição de sistema de gestão da ISO 9000:2015:
"Conjunto de elementos interrelacionados ou interatuantes de uma organização para o estabelecimento de políticas e objectivos e de processos  para atingir esses objectivos."

O meu "amor" pela definição de sistema de gestão e sua importância nasceu na versão da ISO 9000:2000 que era ainda mais simples:

"Sistema para estabelecer política e objetivos e para atingir esses objectivos."

Um sistema de gestão é um conjunto de actividades (sistema) para estabelecer uma orientação estratégica (política), traduzir essa orientação estratégica em desafios quantificados (objectivos), para evitar ser tudo blahblahblah, e depois desenvolver um conjunto de outras actividades, projectos, para atingir esses objectivos. 

A organização actual gera os resultados actuais, se queremos resultados futuros diferentes, temos de ter uma organização diferente. Temos de ser bem claros quanto aos objectivos que devemos eleger como prioritários. Na Parte VII usei a imagem do meu livro sobre o balanced scorecard e a ISO 9001:


Não quero objectivos para o sistema de gestão que não passem de desafios infantis, pueris, irrelevantes para o negócio. Ou seja, associados aos lugares-comuns da Parte VII. A menos que a organização tenha mesmo um problema com as reclamações, ou a taxa de defeitos, ou os atrasos nas entregas.

Como é que eu gosto de desenvolver os objectivos?

Aqui é que eu recorro ao mapa da estratégia e ao balanced scorecard:
  • Primeiro, quem são os clientes-alvo?
  • Segundo, quem nos ajuda a servir e a satisfazer esses clientes-alvo?
  • Terceiro, quem nos pode restringir ou influenciar na nossa capacidade de servir e satisfazer esses clientes-alvo?

Ou seja, determinamos o ecossistema onde a organização está inserida. Pode ser algo como:
Vamos usar o ecossistema da Vitrumo (ver Parte VII)

Aprendi a trabalhar com ecossistemas, por conta própria, por causa de um projecto em 2004. Depois, descobri a escola de marketing escandinava (sobretudo Gronroos, GumessonStorbacka e Nenonen, e nunca esquecer Normann - "Reframing Business - When the Map Changes the Landscape" é o livro que mais vezes reli. Cada re-leitura é uma descoberta. Não esquecer Ramirez & Mannervik).

Uma vez equacionado o ecossistema, temos de orquestrar um enredo (daí a expressão "arquitecto de paisagens competitivas") : por que é que as diferentes personagens do ecossistema haveriam de trabalhar com a organização em causa? Toda a gente sabe que os clientes são egoístas. Só pensam neles! Por que é que clientes egoístas, a pensar no que é melhor para eles, hão-de decidir que é no seu interesse que devem trabalhar com a nossa organização?

Esta pergunta obriga-nos a abandonar uma postura de "empurrar o que se produz" e começar a pensar, como se põem os clientes a puxar pelo que lhes podemos oferecer? A isto chamei "Privilegiar os inputs sobre os outputs". Ou seja, em vez de ter o foco no output da nossa organização, ter o foco no que os clientes precisam como input para a sua vida. Expressão que depois evoluiu para "Think outcome before output." Em boa verdade, mesmo o input para o cliente é instrumental, o que é verdadeiramente prioritário é o "outcome" na sua vida.

Muito recentemente, Roger Martin escreveu sobre o tema do egoísmo dos clientes, ainda que não tenha usado essa expressão, quando se referiu aos fornecedores que acham que os clientes que não lhes compram são maus. Vou recorrer a uma frase de Roger Martin que julgo que é útil usar aqui:
"The object of strategy is an integrated set of choices that compels desired customer action. But companies do not control customers: they will do whatever they wish."

Vejo estas escolhas como as peças para criar um ecossistema em que:

  • os clientes têm tudo a ganhar em trabalhar com a organização;
  • os fornecedores e outros parceiros têm tudo a ganhar em trabalhar com a organização;
  • as restrições criadas por algumas partes interessadas ou são usadas em nosso favor, ou os seus efeitos são minimizados.
Aqui tenho de reconhecer, com alguma vergonha, que só após alguns anos a ler Roger Martin é que percebi que isto é muito parecido com o que ele diz:
"What would have to be true for this strategy to work?"

Porque a verdade é que a situação actual não está a funcionar, daí a necessidade de reformular a estratégia para aumentar o retorno da certificação.

Em vez de perguntar se uma estratégia “está certa ou errada?” ou “vai funcionar ou não?”, Roger Martin propõe uma abordagem mais hipotética e criativa: importa menos julgar antecipadamente e mais explorar o que terá de ser verdade para que uma determinada escolha estratégica possa funcionar.

Este modo de pensar permite suspender o julgamento e manter a mente aberta, evita discussões estéreis entre defensores de estratégias concorrentes, ajuda a clarificar suposições escondidas por trás das escolhas e permite identificar as incertezas críticas que devem ser testadas antes de assumir compromissos.

Por exemplo, se uma empresa pretende lançar um produto premium num novo mercado, a pergunta não é se essa escolha é boa ou má, mas sim: “What would have to be true for us to succeed com um produto premium neste mercado?” 

A resposta poderá passar por verificar se os consumidores valorizam mais a qualidade do que o preço, se existem canais dispostos a vender produtos mais caros, e se a marca pode ser percepcionada como premium. Estas condições tornam-se hipóteses de trabalho, que podem — e devem — ser testadas antes de avançar.

Este tipo de raciocínio transforma a formulação de estratégia num processo de criação de hipóteses, de escolha consciente e de aprendizagem prática. Evita-se assim cair no erro de confundir desejos com realidade, adoptar estratégias apenas porque são populares ou avançar sem testar os pressupostos mais críticos.

O que faço é levar a gestão de topo da organização a pensar por que é que cada parte interessada relevante do ecossistema aceitaria de livre vontade fazer o seu papel?

Por exemplo:

Para os arquitectos:

Ampliam a minha liberdade criativa - consigo materializar visões arquitectónicas ambiciosas sem limitações técnicas ou estéticas, porque conto com um parceiro que entende as minhas necessidades e domina a tecnologia.

Ajudam a reforçar a minha reputação profissional - consigo ganhar/reforçar a minha reputação entre pares e clientes por introduzir soluções técnicas inovadoras e esteticamente refinadas, que se destacam no mercado.

Colaboram no processo criativo - participam no processo criativo de forma colaborativa agregando valor estratégico, inovador e normativo, não são um simples "recebedor" de encomendas.

Reduzem os meus riscos e frustrações - com sistemas construídos com rigor técnico e atenção ao detalhe, diminuem os imprevistos em obra e asseguram a fiabilidade dos resultados.

Para os empreiteiros:

Obras mais previsíveis e eficientes - recebo produtos claramente especificados, tecnicamente consistentes e montáveis com elevada fiabilidade, reduzindo retrabalho e atrasos.

Dão-me apoio técnico e formação eficazes - beneficío de assistência directa na instalação, formação e garantia, o que agiliza o processo e dá confiança para executar projectos exigentes.

Valorizo o meu portfolio - ao participar em projectos de alto valor estético e técnico, ganho reputação e posso alavancar novos contratos com base na qualidade entregue.

Para os donos de obra (a Vitrumo não interage directamente com os donos de obra, mas o que os donos de obra procuram e valorizam contribui para que os arquitectos seleccionem a Vitrumo, porque os ajuda a satisfazer os seus clientes):

Obra diferenciada e de prestígio alto - fico com uma solução arquitectónica que alia forma e função, funcionando como “um extra de magia” no resultado final.

Prazo cumprido e orçamento controlado - beneficío da maior previsibilidade e qualidade logística proporcionada pelo alinhamento entre arquitecto, fabricante e empreiteiro.

Menos ansiedade e custos pós-entrega - com sistemas fiáveis e apoio eficiente, evitam problemas após a obra, reduzindo encargos com assistência e surpresas desagradáveis.

Isto está a ficar demasiado longo. Na Parte IX vamos construir um mapa da estratégia, com base neste esquema, e daí chegar aos objectivos da qualidade alinhados com a política e a estratégia.

quinta-feira, agosto 14, 2025

Curiosidade do dia

"Nicolas, a thirtysomething professional, sits in his tiny Paris flat with his head in his hands. Despite a degree and a job with a big brand company, he and his wife Julie are barely managing after the state takes its huge cut from their pay. 
More than 500,000 people have tweeted sympathy with the young manager since his plight went public. Ministers and MPs have offered support and he is worrying President Macron's staff. All of which is remarkable given that Nicolas does not exist. 
He is the fictional embodiment, a viral meme, of the frustration of a generation of white urban middle-class millennials who feel they are being milked to pay for the French benefits system and for boomers living it up on state pensions. His name is one that peaked in popularity with middleclass parents in 1980.
The slogan "C'est Nicolas qui paie" (Nicolas foots the bill), which emerged in 2020, has taken off this year, channelling anger in a section of the electorate that was the heart of initial support for Macron's centrist En Marche party, now called Renaissance.
Targets for Nicolas's ire include Bernard and Chantal, generational names for 70-year-olds who are depicted sailing the oceans on cruises, thanks to pensions that this year gave retired recipients higher incomes than average full-time workers.
Also in his sights is Karim, the Muslim-African immigrant whose life is supposedly financed by Nicolas."

Trecho retirado de "'We are Nicolas: middle-class rebels rattle French elite" publicado no The Times de hoje.

Olhar para a frente

O meu querido pai, que perdi há mais de 20 anos, um dia perguntou-me:

- Quando é que tens férias?

Sorri, e respondi:

- Um empreendedor nunca tem férias.

Isto é eu a ser eu ... perdido nas minhas tangentes.

Bom, esta semana estive em Inglaterra e no Domingo passado tive oportunidade de participar numa missa na igreja de São José e Santa Teresa em Wells (condado de Somerset). O pároco, (natural do estado de Kerala na India, católico não por causa dos portugueses (isso é mais a norte em Goa) mas por causa da acção missionária e martírio de São Tomé... outra tangente), durante a homilia reflectiu sobre a segunda leitura, um trecho do capítulo 11 da Carta aos Hebreus:

"A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê. Foi ela que fez a glória dos nossos antepassados.

...

Foi pela fé que Abraão obedeceu ao apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em herança. E partiu não sabendo para onde ia. Foi pela fé que ele habitou na terra prometida, como em terra estrangeira, habitando aí em tendas, com Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma promessa. Porque tinha a esperança fixa na cidade assentada sobre os fundamentos (eternos), cujo arquitecto e construtor é Deus.

Foi pela fé que a própria Sara cobrou o vigor de conceber, apesar de sua idade avançada, porque acreditou na fidelidade daquele que lhe havia prometido. Assim de um só homem quase morto nasceu uma posteridade tão numerosa como as estrelas do céu, e inumerável como os grãos de areia na praia do mar."

A fé não é acreditar em algo que vem do passado ... a fé é como ter a certeza em algo que ainda não aconteceu e confiar no que não se vê. 

Abraão tinha 75 anos quando ouviu o chamamento de Deus, podia ter ficado na sua comodidade, na boa vida da casa dos pais, mas não, partiu para a aventura, partiu para o desconhecido.

Enquanto ouvia a homilia, realizei que se calhar nunca tinha percebido a fé assim. Ter fé, segundo Hebreus 11, é acreditar e agir confiando em Deus, mesmo quando não se tem todas as respostas ou provas visíveis. Não é "esperar sentado" - é andar para a frente como se o que Deus prometeu já fosse real.

Isto casa bem com uma das minhas selecções do Novo Testamento: A Parábola dos Talentos.

E como podemos descobrir o chamamento de Deus?

Recordo a história do profeta Elias (1 Reis 19:9-13), no Antigo Testamento. Perseguido e desanimado, ele refugia-se no monte Horeb, onde um anjo(?) lhe diz que Deus vai passar diante dele. Primeiro veio um vento fortíssimo, mas Deus não estava no vento. Depois, um terramoto, mas Deus não estava no terramoto. Em seguida, um fogo, mas Deus também não estava no fogo. Por fim, ouviu-se uma brisa suave - e foi aí, no murmúrio silencioso, que Elias reconheceu a presença de Deus.

Talvez o chamamento de Deus não se descubra sempre nos grandes sinais, mas no silêncio e na atenção ao que parece pequeno.

Eu, que sou muito visual, ainda a ouvir a homilia imaginei como a ilustraria: fé não é ser empurrado pelo passado, mas puxado pelo futuro. Acabei a desenhar este "jogo da corda" entre o passado conhecido e o futuro desconhecido.


E, pensando bem, o regresso ao trabalho depois das "férias" é um pouco como este "jogo da corda". 

O passado conhecido puxa-nos para a rotina confortável, para o que dominamos, para o caminho já gasto. O futuro - com novos desafios, oportunidades e até incertezas - convida-nos a dar um passo fora dessa zona segura.

Talvez este seja o momento de entrar no novo ano de trabalho com o espírito de Abraão: não sabendo tudo o que nos espera, mas confiando que, se avançarmos com fé e atenção à "brisa suave", podemos transformar o que fazemos no dia a dia numa resposta ao chamamento de Deus.

Senhor, obrigado por este novo ano de trabalho; que eu Te conheça, sirva, adore, glorifique, louve, respeite, tema e ame mais nele do que no anterior. Amém.