sexta-feira, agosto 01, 2025

Melhorar o retorno da certificação ISO 9001 (parte V)

Parte I, Parte II, Parte III e Parte IV.  

A minha intervenção começa depois de se reconhecer que se tem um problema. Eu não participo nesse reconhecimento porque não estou a trabalhar com a empresa. Tem de ser a gestão de topo ou alguém com pensamento para lá da certificação a dar o primeiro passo. Depois, assim que entro, ajudo a quantificar, a retratar o ponto de partida.


1º Reconhecer que se tem um problema

Muitas empresas não reconhecem que têm um problema, simplesmente ignoram-no. As outras podem reconhecer que os seus sistemas de gestão da qualidade têm um baixo retorno quando, apesar do esforço e dos recursos investidos, os benefícios obtidos são escassos, pouco visíveis ou não justificam o custo. Alguns sinais concretos que podem ajudar a identificar essa situação passam por:

  • Falta de impacte nos resultados do negócio: O SGQ não contribui para reduzir custos (rejeições, retrabalho, desperdício, falhas de serviço). Não se nota melhoria na satisfação ou fidelização dos clientes. Os indicadores estão todos "verdes", mas o desempenho do negócio está estagnado.
  • Os processos mantêm-se ineficazes ou mal desenhados: Persistência de retrabalho, erros e improvisações, mesmo em processos críticos. O SGQ não influencia a forma como os processos são planeados e operados. Falta de revisão real dos processos com base em dados e objectivos.
  • Sistema burocrático e afastado das operações: O SGQ é visto como um fardo documental e não como uma ferramenta de gestão. Documentos e procedimentos existem apenas para satisfazer a certificação. A equipa operacional não conhece nem usa os documentos do SGQ no dia-a-dia.
  • Falta de alinhamento com os objectivos estratégicos: O SGQ não ajuda a definir, a acompanhar ou a alcançar os objectivos estratégicos da empresa. A gestão de topo vê o SGQ como uma função de suporte, não como uma ferramenta de gestão. A melhoria contínua é tratada como obrigação e não como oportunidade.
  • Penso que o sinal mais forte é manter um sistema de gestão da qualidade e ao memo tempo ter um desempenho financeiro negativo ou indesejado. Este é o sinal que pode dar mais impulso à mudança. 
Recordo John Kotter e o seu "see, feel, change". Kotter argumenta que não basta apresentar dados racionais (factos, gráficos, análises) para convencer as pessoas a mudarem. É necessário criar uma experiência emocional que as leve a sentir a urgência da mudança — só então estarão preparadas para agir.

See - Ajudar as pessoas a verem a realidade atual de forma clara e concreta. Por exemplo, mostrar um vídeo de um cliente frustrado em vez de um slide com os números das reclamações.

Feel - Criar uma reação emocional: frustração, urgência, orgulho, empatia, vergonha, entusiasmo... qualquer emoção que ajude a quebrar a inércia.

BTW, por isso é que o meu avatar no Twitter, desde 2009, é:


A importância da sensação de urgência!

Change - A emoção despertada gera motivação e energia para agir — e não apenas para compreender intelectualmente a necessidade da mudança.

Decidir que se tem de mudar é difícil:

  • Tem de se vencer o falso conforto da conformidade. Mesmo quando os resultados são medíocres, o facto de a empresa ter um certificado em vigor cria uma ilusão de controlo e competência. A gestão de topo tende a confundir conformidade com eficácia. Assim, a certificação serve de escudo contra a necessidade de reconhecer falhas internas.
  • Tem de se vencer a cegueira organizacional. A gestão pode simplesmente não compreender o que deveria estar a ver. O sistema pode parecer invisível, irrelevante ou "entregue aos técnicos". Isso reforça a percepção de que não há problema — apenas "burocracia".
  • Tem de se vencer o ciclo vicioso da desvalorização. Quando a gestão desvaloriza o sistema, o sistema torna-se efectivamente irrelevante. Isso reforça o ciclo: ninguém o usa, ninguém o sente como útil — logo, ninguém reconhece que está mal.

Antes de "ver", é preciso ajudar a questionar crenças enraizadas:
  • "Temos clientes fiéis, por isso o sistema funciona."
  • "Já somos certificados, não precisamos de mais."
  • "Os problemas são normais no nosso sector."
Estas narrativas anestesiam a vontade de reconhecer problemas. Conseguir estilhaçá-las  pode passar por:
  • Casos comparativos (benchmarking negativo).
  • Vozes internas ignoradas (clientes, colaboradores, técnicos).
  • Dados externos ou inesperados (clientes perdidos, crises reputacionais).
Um dos últimos trabalhos que fiz foi na origem desencadeado por um auditor externo que criticou o que viu. 

Reconhecer que se tem um problema não basta — é apenas o início. Depois de ver, sentir e aceitar que o sistema atual não tem impacte, é necessário decidir para onde se quer ir. E aqui entra a política da qualidade. A política é o veículo mais explícito da intenção estratégica dentro do SGQ. Se o sistema precisa de mudar, a bússola dessa mudança tem de ser redefinida. É por isso que o segundo passo não é começar a escrever procedimentos, mas inocular uma nova orientação estratégica na política - clara, diferenciadora e coerente com as escolhas reais da empresa.

Só com essa nova intenção tornada explícita — e compreendida — é que o sistema de gestão da qualidade pode deixar de ser um ritual de conformidade para passar a ser uma ferramenta de gestão.

Quando comecei a escrever pensei que as etapas 1 e 2 podiam fazer parte do mesmo postal, mas agora percebo que é melhor separar-las para evitar um texto demasiado comprido.

Sem comentários: