sexta-feira, maio 23, 2025

Atrasos? Ou Margens? O que realmente ameaça 400 mil empresas portuguesas

Um artigo recente da Executive Digest com base no European Payment Report 2025 da Intrum alerta: mais de 400 mil empresas portuguesas correm o risco de fechar nos próximos dois anos. A principal razão apontada? Atrasos nos pagamentos e incerteza política e económica.

Mas eis o paradoxo: Portugal apresenta a mais baixa taxa de atrasos de pagamento da Europa — apenas 10,6% das receitas são pagas com atraso. Acho estranho, estava à espera de um valor bem maior. Como é possível que sejamos simultaneamente o país com menor atraso e o que mais empresas em risco declara?

"Entre os fatores mais críticos está o problema persistente dos atrasos nos pagamentos. As PME, com margens mais estreitas e menor resistência financeira, são especialmente afetadas. Os atrasos no pagamento por parte dos clientes comprometem o fluxo de caixa, reduzem a liquidez e limitam a capacidade de investir, pagar salários e cumprir obrigações financeiras.

...

Em Portugal, as empresas estimam que, em média, 10,6% das suas receitas são pagas com atraso – o valor mais baixo entre todos os países analisados no estudo, o que demonstra um desempenho relativamente positivo. No entanto, apesar deste bom resultado, a persistência dos atrasos continua a ser uma preocupação para os decisores, que ponderam adotar uma postura mais firme sobre o tema."

A resposta não está nos atrasos. Está nas margens. 

É fácil culpar os atrasos nos pagamentos: são visíveis, mensuráveis e emocionalmente carregados. Mas os próprios dados citados no estudo mostram que:

  • A situação tem vindo a melhorar nos últimos anos;
  • As empresas implementaram medidas para reforçar a cobrança;
  • As expectativas quanto ao risco de incumprimento estão a cair.

Mesmo assim, fala-se em falência iminente de quase metade do tecido empresarial. O verdadeiro problema é mais estrutural — e menos confortável de admitir.

O tecido económico português, particularmente entre as PMEs, assenta num modelo de:

  • Margens estreitas;
  • Baixa capitalização;
  • Forte dependência de crédito de curto prazo (muitas vezes, dos próprios fornecedores);
  • Pouca diferenciação na cadeia de valor.

Neste contexto, qualquer perturbação - mesmo pequena — pode ser fatal. Não porque o sistema de pagamentos seja desastroso, mas porque as empresas não têm margem de erro.

Só se pode pagar o que a margem liberta. E quando a margem é nula, a tesouraria transforma-se num terreno minado.

Os atrasos nos pagamentos são um sintoma, não a causa. O problema de fundo é que continuamos a ter um modelo económico baseado em competir por preço, onde se vive do volume e se morre na margem. Um modelo onde os negócios se sustentam a crédito, com pouca resiliência para resistir à instabilidade — seja ela económica, fiscal ou política.

Não basta melhorar os prazos médios de pagamento. É preciso:

  • Apostar na diferenciação e na subida na escala de valor;
  • Reduzir a dependência de modelos de volume com margens apertadas;
  • Reforçar a autonomia financeira das empresas; e sim
  • Melhorar práticas de gestão de risco e de planeamento de tesouraria.

Portugal precisa de empresas que sobrevivam não porque os clientes pagam a tempo, mas porque os modelos de negócio são sólidos, sustentáveis e com margem para respirar.

Sem comentários: