No passado mês de Maio em dois postais ...
... usei a metáfora da senhora gorda:
Uma empresa toma uma decisão e, mais tarde, avalia a sua qualidade com base no resultado obtido.
Foi então que uma mão amiga me chamou a atenção para uma armadilha mental frequente.
Annie Duke, campeã de póquer e psicóloga cognitiva, autora do livro Thinking in Bets, alerta para o erro a que chama "resulting": a tendência de avaliar a qualidade de uma decisão apenas com base no resultado que ela gerou.
Segundo Annie Duke, a maioria das pessoas confunde resultados com decisões. Se o resultado for bom, presume-se que a decisão foi acertada. Se o resultado for mau, conclui-se que houve erro.
Mas essa forma de pensar é ilusória. Um bom resultado pode decorrer de uma má decisão que teve sorte. E um mau resultado pode surgir de uma boa decisão que enfrentou azar ou factores imprevistos.
O "resulting" é, portanto, um erro de julgamento que confunde sorte com competência e azar com erro. Esta ilusão pode levar as organizações a aprender as lições erradas, validando processos falhados só porque, pontualmente, correram bem.
Este alerta de Annie Duke tem implicações importantes para a forma como realizamos as revisões pela gestão.
Quando uma organização conduz uma revisão pela gestão, de acordo com a cláusula 9.3 da ISO 9001:2015, está a criar um momento estruturado para avaliar o seu sistema de gestão, reflectir sobre o seu desempenho e tomar decisões para o futuro. Mas como devem essas decisões ser tomadas?
A ISO 9001 define um sistema de gestão como um conjunto de elementos interligados ou interdependentes utilizado para estabelecer a política e os objectivos da organização, e para alcançar esses mesmos objectivos. Assim, a revisão pela gestão não deve ser encarada como uma mera reunião formal, com actas e indicadores. É, ou deve ser, uma pausa estratégica — um momento para observar, compreender e decidir.
No entanto, é fácil cair na armadilha de julgar decisões passadas apenas com base nos resultados visíveis. Um indicador a verde pode levar à conclusão precipitada de que tudo foi bem feito. Uma reclamação de cliente pode ser interpretada como sinal inequívoco de falha.
Mas esta forma de pensar ignora a complexidade da gestão. Uma boa decisão pode conduzir a maus resultados por motivos fora do controlo da organização — como mudanças súbitas no mercado, falhas de fornecedores ou eventos inesperados. Inversamente, uma má decisão pode não ter consequências visíveis, por mero acaso.
O que importa, então, não é apenas o resultado. É a qualidade do processo de decisão. A pergunta fundamental a colocar é: com a informação de que dispúnhamos na altura, tomámos a melhor decisão possível? Esta mudança de foco — do julgamento para o entendimento — permite uma leitura mais lúcida dos factos, reconhecendo a incerteza inerente à gestão e promovendo a aprendizagem organizacional.
Durante a revisão pela gestão, não se deve avaliar apenas se os objectivos foram ou não atingidos, mas também como foram definidos, que pressupostos estiveram na sua origem, e se esses pressupostos ainda são válidos. É igualmente importante distinguir entre aquilo que a organização podia controlar e o que estava fora do seu alcance. Um sistema bem desenhado pode falhar se o contexto mudar radicalmente — e isso não significa que o sistema seja inadequado, mas que poderá necessitar de ajustes.
A norma ISO 9001 não exige certezas absolutas, mas sim decisões baseadas em evidência. Isso requer um exercício de análise ponderada, capaz de lidar com ambiguidade e risco. A revisão pela gestão deve servir não apenas para confirmar conformidade, mas para antecipar mudanças, realinhar prioridades e reforçar a coerência do sistema com os objectivos estratégicos.
Mais do que a obsessão de estar sempre certo, o verdadeiro valor está em desenvolver a capacidade de tomar, sistematicamente, decisões melhores — com os dados disponíveis, os recursos existentes e os riscos compreendidos. Esta é uma das marcas distintivas de um sistema de gestão maduro.