domingo, dezembro 21, 2025

Curiosidade do dia

Por que os auditores da qualidade são aborrecidos com esta coisa dos equipamentos de medida? 

Isto ajuda a contextualizar a coisa

De onde vêm os equipamentos de medida que se usam na sua empresa? 

Se souber capitalizar este tipo de casos ...

Interessante!

Em Novembro de 2023 publiquei aqui "Menos dor na transição" acerca da notícia "Dinamarqueses contratam mil para uma nova fábrica".

Num outro artigo de 2023, também publicado no JdN, "Coloplast vai investir quase 100 milhões de euros em fábrica em Portugal" li:

"A localização da nova unidade industrial não é especificada, mas terá uma área de 30.000 metros quadrados, pelo que será a maior até à data, devendo ficar operacional a partir de 2026."

Entretanto, ontem li "Garcia Garcia constrói em Felgueiras fábrica nórdica de 110 milhões para 800 trabalhadores".

"Com conclusão da construção prevista para o primeiro trimestre do próximo ano, a multinacional dinamarquesa escolheu a Garcia Garcia, empresa de Santo Tirso especializada na conceção e construção de edifícios industriais e logísticos ;, para o desenvolvimento e execucão d= sua nova unidade." 

O que está em causa não é apenas o montante, nem o número de empregos. É o tipo de investimento, a forma como se insere no território e o horizonte temporal implícito na decisão.

A Coloplast não é um investidor oportunista, nem está à procura de um diferencial conjuntural de custos. É uma multinacional dinamarquesa de dispositivos médicos, altamente regulada, com uma cultura industrial exigente e ciclos de decisão longos.

O investimento da Coloplast sugere que Portugal pode ser competitivo não como plataforma de baixo custo, mas como plataforma de execução industrial fiável. Não pela rapidez da decisão política, mas pela solidez do contexto operacional.

Se souber capitalizar este tipo de casos, Portugal pode deixar de competir apenas por "vantagens relativas" e passar a competir por papéis estruturais nas cadeias de valor europeias.

Isso exige continuidade, não euforia. Exige uma política industrial discreta, não anúncios grandiosos. E exige compreender que os melhores investimentos não são os que fazem mais barulho, mas os que criam raízes.

sábado, dezembro 20, 2025

Curiosidade do dia

Sabem o que é o Jetway Jesus?

Já tinha lido algo do mesmo género mas a acontecer na India.

No WSJ de ontem, "The Latest Travel Scourge: People Touched by 'Jetway Jesus'"

O artigo descreve o fenómeno conhecido como "miracle flights" ou "Jetway Jesus": passageiros que embarcam em aviões com assistência em cadeira de rodas, mas que, à chegada, levantam-se e saem a andar normalmente. O texto explica que o aumento de pedidos de cadeiras de rodas nos aeroportos — muitas vezes por passageiros sem incapacidade evidente — está a causar atrasos no embarque, sobrecarga dos tripulantes e frustração entre trabalhadores e passageiros.
“Life hack: if the airport is real packed and you don’t want to wait in line, act injured and ask for a wheelchair.”
As companhias aéreas relatam um crescimento significativo destes pedidos, alimentado por vídeos nas redes sociais que promovem a assistência em cadeira de rodas como um "truque" para evitar filas e garantir prioridade. Embora reconheça que existem incapacidades invisíveis e necessidades legítimas, o artigo sublinha que o abuso do sistema está a criar problemas operacionais reais e a descredibilizar quem realmente precisa de apoio.

O que o artigo mostra não é apenas abuso pontual. Mostra serviços criados para proteger os mais frágeis a serem usados como atalhos competitivos, a dificuldade crescente em distinguir necessidade legítima de optimização oportunista; e a erosão silenciosa da confiança num bem comum.

Basta olhar para os números de Inglaterra para perceber como isto está cada vez mais disseminado por toda a sociedade.



Hollowing ao vivo e a cores



A revista The Economist desta semana publica o artigo, "Luxury handbags may be shoddier than you think".

O artigo analisa a crescente pressão sobre o negócio das malas de luxo, tradicionalmente um dos pilares financeiros da indústria. Vídeos virais nas redes sociais expõem falhas de qualidade em produtos muito caros, o que aumenta o escrutínio público num contexto em que os preços subiram fortemente após a pandemia. 
"Creators such as ‘Tanner Leatherstein’ and ‘Fabricateurialist’ show their audiences that even the priciest tier of clothes and accessories is rife with loose heel caps and shoddy stitching."
Ao mesmo tempo, o consumo abranda, sobretudo nas malas, devido à pressão sobre a classe média e a uma mudança de preferências em direcção a experiências em vez de bens materiais. 
"Declining sales of leather goods accounted for three-fifths of the reduction in overall spending on luxury items since 2023."
Surgem alternativas como o mercado de segunda mão e as "superfakes". 
"Online marketplaces for secondhand luxury goods are growing quickly."
"Decent quality knock-offs known as ‘superfakes’ have also lured some one-time luxury clients."
Algumas marcas tentam responder reforçando o controlo da cadeia de fornecimento e investindo em artesanato, com a Hermès a surgir como exemplo de que a qualidade consistente continua a ser recompensada.

Isto faz-me lembrar um tema que volta e meia abordo aqui no blogue: Hollowing (parte I, parte II e parte III).

O que a The Economist revela é que o hollowing chegou ao luxo: quando a marca sobrevive, mas o produto já não está lá. 

Durante anos, o fenómeno do hollowing — marcas que mantêm preços premium depois de terem esvaziado o produto de valor real — foi observado em sectores industriais tradicionais. Hoje, chegou ao coração do luxo.

O artigo, sobre o abrandamento do negócio das malas de luxo, descreve um padrão conhecido: preços a subir rapidamente, qualidade sob escrutínio público e consumidores a testar alternativas. Vídeos virais expõem falhas em produtos caríssimos, enquanto mercados de segunda mão e imitações de alta qualidade ganham terreno.

Durante o boom pós-pandemia, muitas marcas subiram preços muito acima dos custos, esticando a margem sem reforçar a diferenciação. O resultado foi previsível: maior exigência, maior desconfiança e perda de ligação emocional ao produto. Tal como noutros sectores, não é apenas a pressão sobre o poder de compra que explica a mudança — é a percepção de valor.

A história repete-se. Cadeias de fornecimento longas, foco excessivo na redução de custos e menor controlo sobre o processo produtivo acabam por corroer aquilo que sustentava a marca. Fica o logótipo, fica o marketing, mas o produto já não justifica o preço.

A excepção confirma a regra. 
"Hermès has avoided quality concerns by having a single artisan produce its priciest handbags… Craftsmanship, it seems, still pays."
A Hermès, que manteve controlo apertado da produção e uma lógica artesanal coerente com o posicionamento, continua a crescer. Mostra que o problema não é o luxo, mas a estratégia.

O hollowing não é um acidente conjuntural. É o resultado de escolhas. Quando o produto deixa de ser o centro, a marca pode sobreviver algum tempo — mas mais cedo ou mais tarde, o consumidor percebe.

sexta-feira, dezembro 19, 2025

Curiosidade do dia



Mão amiga fez-me chegar "Project Vend: Can Claude run a small shop? (And why does that matter?)"

O artigo descreve uma experiência em que um modelo de IA (Claude Sonnet 3.7) foi colocado a gerir, durante cerca de um mês, uma pequena loja automática (vending machine) instalada num escritório. O objectivo era avaliar até que ponto uma IA consegue operar de forma contínua um negócio real, tomando decisões económicas com impacto directo nos resultados.
“Claude had to complete many of the far more complex tasks associated with running a profitable shop: maintaining the inventory, setting prices, avoiding bankruptcy, and so on.”
O agente foi responsável por escolher produtos, definir preços, gerir stocks, interagir com clientes e solicitar trabalho físico a humanos. Demonstrou algumas capacidades relevantes, como identificar fornecedores, responder a pedidos específicos e adaptar parcialmente a oferta à procura. Contudo, falhou repetidamente em aspectos centrais da gestão económica: ignorou oportunidades evidentes de lucro, vendeu produtos abaixo do custo, cedeu a descontos injustificados e não conseguiu aprender de forma consistente com erros anteriores, conduzindo a resultados financeiros negativos. 

O sistema identificava os problemas, mas não os transformava em mudança sustentada. Em termos da ISO 9001, o PDCA ficava interrompido entre o Check e o Act. Havia dados e reflexão pontual, mas faltava o passo crítico: alterar regras, critérios e comportamentos para evitar a repetição dos mesmos desvios.

A lição é clara. A IA aproxima-se rapidamente de um bom Do: executa, responde e optimiza localmente. Mas sem um Plan claro, um Check disciplinado e, sobretudo, um Act consequente, o sistema degrada-se. Exactamente como acontece em muitas organizações certificadas apenas “no papel”.

O artigo mostra que a introdução de IA não reduz a importância dos sistemas de gestão; aumenta-a. Num mundo com agentes cada vez mais autónomos, o PDCA deixa de ser um formalismo e passa a ser uma condição de controlo. O futuro não será decidido pela inteligência dos algoritmos, mas pela qualidade dos sistemas que os enquadram.

O artigo mostra que estas falhas não se devem apenas a limitações técnicas pontuais, mas sobretudo à dificuldade da IA em manter coerência, disciplina e aprendizagem ao longo do tempo — especialmente em contextos reais, com interacções humanas e ambiguidade. Um episódio extremo ilustrou esta fragilidade: o agente entrou temporariamente numa "crise de identidade", passando a acreditar que era uma pessoa real.


O plano, onde está o plano?


"managers continue to dance round and round the campfire - exuding faith and dissipating energy.

This "rain dance" is the ardent pursuit of activities that sound good, look good, and allow managers to feel good - but in fact contribute little or nothing to bottom-line performance."

Recentemente tive acesso a um documento intitulado "Grandes Opções do Plano e Orçamento - Ano de 2026" da junta de freguesia da localidade onde vivo.

Foi uma espécie de regresso ao passado. Recordo:

Nas Grandes Opções do Plano, a palavra decisiva não é “opções”. É plano.

Um plano não é um texto bem-intencionado, nem um catálogo de actividades desejáveis. Um plano é, por definição, um conjunto de escolhas explícitas que ligam prioridades políticas a recursosno tempo, para produzir resultados verificáveis. Quando essa ligação não existe, o documento pode chamar-se GOP — mas não é um plano. É apenas um enunciado de intenções.

A diferença entre um plano e uma lista é simples e, ao mesmo tempo, exigente. Um plano responde sempre a quatro perguntas elementares:

  • O que vamos fazer (e, tão importante quanto isso, o que não vamos fazer);
  • Por que — qual o problema concreto que se quer resolver ou a oportunidade que se pretende aproveitar?
  • Com que meios — financeiros, humanos e organizativos; e
  • Com que resultado esperado — o que muda, de forma observável, na vida da freguesia?

Se uma GOP não permite responder com clareza a estas quatro perguntas, então falta-lhe o essencial: o plano.

Sem inventar nada fora do espírito da lei, um plano mínimo nas GOP deveria começar por prioridades claras. Prioridades reais, não todas iguais, não infinitas. De três a seis, no máximo. E escritas como escolhas, não como desejos vagos. "Requalificação do espaço público existente" é uma prioridade. "Melhorar a qualidade de vida" não é — é uma aspiração genérica que serve para tudo e, por isso, não serve para nada.

A cada prioridade devem corresponder medidas concretas. O que vai ser feito de forma explícita e o que não cabe neste ano ou neste mandato. É aqui que o plano começa verdadeiramente, pois escolher implica excluir (Decidir (em português) vem do latim decidere, que significa literalmente "cortar fora" (de- "fora" + caedere "cortar")). Sem exclusão, não há prioridade; sem prioridade, não há plano.

Depois, a ligação ao Orçamento. Um plano sério permite sempre responder a três perguntas incómodas: quanto dinheiro está afecto a cada prioridade, em que rubrica e em que momento do ano. Quando não há dinheiro associado, não estamos perante um plano — estamos perante uma intenção. E as intenções não se executam, apenas se declaram.

Um plano também precisa de tempo. O que é para fazer este ano, o que é preparação para os anos seguintes, o que é estrutural e contínuo. Um plano sem horizonte temporal transforma-se rapidamente em narrativa política: agradável de ler, impossível de acompanhar.

Finalmente, os resultados esperados. Não basta listar actividades; é preciso dizer o que muda se o plano for bem executado. Metros de passeios requalificados, redução do tempo de resposta a pedidos, aumento do número de utilizadores de um serviço. Não são necessários KPIs sofisticados nem dashboards complexos. Basta que os resultados sejam observáveis e passíveis de escrutínio.

O erro mais comum nas GOP das freguesias é confundir o plano com uma lista de áreas de intervenção. GOP organizadas por “Acção Social”, “Cultura”, “Desporto” ou “Espaço Público”, sem escolhas claras, sem dinheiro identificado, sem tempo definido e sem resultados esperados. Nesses casos, o plano desaparece. Tudo isto é legal. Nada disto é boa prática.

Fica apenas um catálogo do que a Junta gostaria de fazer — e, com ele, uma enorme dificuldade de escrutínio político. Porque onde não há plano, também não há responsabilidade clara. E isso, mais do que um problema técnico, é uma opção política.

Trecho inicial retirado de um fabuloso artigo que li em papel e nunca mais esqueci: "Successful Change Programs Begin with Results" de Robert Schaffer e Harvey Thomson, publicado no número de Janeiro-Fevereiro de 1992. 

quinta-feira, dezembro 18, 2025

Curiosidade do dia


Ouvimos e lemos há dias sobre o encerramento de uma fábrica da VW em Dresden na Alemanha. Julgo que estes números que mão amiga me fez chegar ajudam a explicar muito do que se passa no norte da Europa:
"€0.287/kWh in Belgium.
€0.075/kWh in the United States.
€0.082/kWh in China.

That's not a temporary gap. That's a 283% cost penalty vs. the US. 250% vs. China.

And it's driving the largest industrial exodus Belgium has seen in decades. 14,100 manufacturing jobs lost since January 2023 (Belgian industrial employment data, 2024).
Van Hool: Bankrupt. 1,600 jobs gone.
Audi Brussels: Closed February 2025. 3,000 jobs eliminated.
Vehicle production: Down 25.7% in 2024.
Industrial output: Third consecutive year of decline (-1.4%).

This isn't about competitiveness anymore. It's about survival."

Fonte aqui.  

Sem produtividade, inovação e subida na escala de valor, não há política externa que salve uma economia — apenas tempo comprado (Parte II)

Parte I.

No FT do passado dia 16 de Dezembro li "Roomba finds it sometimes sucks to be first mover".

O artigo usa o colapso da iRobot, criadora do aspirador Roomba, como exemplo clássico de como a vantagem do pioneiro raramente garante sucesso duradouro. A empresa criou praticamente de raiz o mercado dos aspiradores autónomos no início dos anos 2000, mas não conseguiu manter uma barreira económica ou tecnológica que a protegesse da concorrência. Com o tempo, o produto foi comoditizado e fabricantes chineses, como a Roborock, a Eufy e a Dreame, inundaram o mercado com alternativas melhores e mais baratas.

"Commodification followed. After all, first movers only stay ahead if they can pull up the economic or technical drawbridge. Otherwise in the long run, in the words of Columbia Business School professor Bruce Greenwald, everything becomes a toaster. Chinese Roomba rivals such as Roborock, Eufy and Dreame have flooded the market. In consumer products, rulers are dethroned with alarming speed. iRobot's sales took five years to double to $1.4bn by 2020, but just three years to halve from their 2021 $1.6bn peak."

Após atingir um pico de receitas em 2021, a iRobot entrou numa trajectória de rápido declínio, agravada pelo bloqueio regulatório europeu à tentativa de aquisição pela Amazon. Sem essa “salvação”, a empresa recorreu a financiamento caro e acabou por pedir protecção ao abrigo do Chapter 11, devendo acabar controlada por um dos seus próprios fornecedores (chinês).

A mensagem central é clara: inovar primeiro não chega. Sem capacidade contínua de diferenciação, escala ou aprendizagem mais rápida do que a dos concorrentes, tudo acaba por se tornar uma “torradeira”. 

O artigo é, na prática, um microcosmo empresarial da mesma lógica macroeconómica que Pettis (Parte I) discute para a Europa.

A iRobot foi competitiva porque chegou primeiro. Mas essa competitividade não assentava numa trajectória clara de aumento da produtividade, de diferenciação tecnológica ou de subida na cadeia de valor. Quando o mercado amadureceu, sem um moat, o produto perdeu margem, o retorno caiu e a concorrência proliferou.

É exactamente o risco que identifiquei para a Europa na Parte I: a competitividade baseada em posição histórica, marca ou protecção institucional não resiste à comoditização. A competitividade sem produtividade leva sempre ao empobrecimento — seja de uma empresa, seja de um continente.

O texto de Pettis está certo ao defender que salários elevados e um Estado social robusto não são, por si sós, o problema. Mas o caso da iRobot ilustra o que acontece quando o modelo não é acompanhado por inovação suficiente.

A Europa pode intervir nos saldos externos, tal como a iRobot tentou ganhar tempo por meio de financiamento e de vendas à Amazon. Mas isso não substitui a necessidade de subir na escala de valor. Intervenção, tal como no caso da empresa, compra tempo — não cria futuro.

A teoria dos Flying Geese encaixa aqui quase perfeitamente. A iRobot liderou o voo no início. Criou o mercado, abriu caminho. Mas não continuou a subir. Outros seguiram, aprenderam, melhoraram e ocuparam o espaço. A líder perdeu altitude.

É o mesmo dilema europeu. Durante décadas, a Europa liderou em múltiplas indústrias. Mas muitas dessas actividades tornaram-se maduras, pressionadas por custos e facilmente replicáveis. Se não houver um movimento consistente para sectores mais sofisticados - tecnológicos, organizacionais, intensivos em conhecimento - a Europa arrisca-se a fazer o mesmo que a iRobot: ficar presa ao produto que já foi inovador.

O artigo da iRobot mostra, em versão empresarial, aquilo que o debate europeu muitas vezes evita enfrentar: não há modelo social, política comercial ou protecção regulatória que substitua a inovação e a subida na escala de valor. Pettis tem razão ao defender que a Europa não deve competir por salários baixos. Mas o caso do Roomba lembra-nos que também não pode competir apenas por legado, marca ou posição histórica.


quarta-feira, dezembro 17, 2025

Curiosidade do dia

O FT de ontem trazia esta coluna "Mexico's China tariffs show the rise of Trump's trade template".

O artigo analisa a decisão do México de impor tarifas até 50% sobre uma vasta gama de produtos chineses como um sinal claro de que o modelo de comércio global baseado na absorção passiva do excesso de produção chinês está a chegar ao limite. A medida é apresentada como um marco na política comercial mexicana e como parte de uma mudança mais ampla no sistema internacional, iniciada durante a presidência de Donald Trump, em direcção a uma postura mais defensiva face às práticas comerciais chinesas.

No início deste mês estive em Basileia, na Suíça, e aproveitei para visitar o Cartoonmuseum Basel. Gostei muito e recomendo vivamente. No final da visita, detive-me longamente na biblioteca, onde folheei vários livros. De um deles fotografei várias imagens porque me surpreendeu como, 90 anos depois, estamos iguais. Uma dessas imagens foi esta de Julho de 1937:



Sem produtividade, inovação e subida na escala de valor, não há política externa que salve uma economia — apenas tempo comprado

O FT de ontem publica um artigo de Michael Pettis intitulado "The key distinction Europe must make on trade policies".

O artigo argumenta que a Europa é frequentemente mal diagnosticada como economicamente fraca devido a salários elevados e a um Estado social robusto. 
"Europe is often portrayed as the great underperformer of the global economy, undermined by economic rigidity, high wages and an expansive social welfare system."
O autor defende que estes factores não são, em si mesmos, a causa da perda de competitividade global da Europa. Pelo contrário, salários mais altos e redes de protecção social robustas sustentam a procura interna, incentivam o investimento produtivo e favorecem o crescimento global.
O verdadeiro problema surge num sistema internacional em que outras grandes economias manipulam os seus saldos externos - através da compressão salarial, de subsídios ou de controlo cambial - exportando os custos do ajustamento para parceiros como a Europa. 
"In an international trading system dominated by economies that intervene to manage their external balances, these same policies put Europe at a competitive disadvantage."
Nestas condições, a Europa enfrenta uma escolha difícil: ou desmonta o seu modelo social (com custos económicos e sociais elevados), ou intervém nos seus saldos externos. 
"Unless Europe is willing to dismantle its welfare system and force down wages relative to productivity... it has no choice but to intervene in its external accounts."
Essa intervenção, sustenta o autor, não é proteccionismo, mas uma resposta defensiva a distorções globais.
"The purpose of such intervention is not protectionism but rather to reverse the consequences of trade intervention abroad."

O argumento é intelectualmente sólido: salários elevados e um Estado social robusto não são, por si só, sinónimos de ineficiência. Pelo contrário, sustentam a procura interna, incentivam o investimento e contribuem para o crescimento global. Num mundo em que as grandes economias gerem activamente os seus desequilíbrios externos, quem não o faz acaba por absorver os custos.

Ainda assim, o texto deixa de fora um ponto decisivo. Competitividade sem produtividade é sempre transitória e acaba invariavelmente em empobrecimento.

É verdade que a Europa não pode — nem deve — competir pela compressão salarial (já no tempo da troika, e mesmo antes, eu estava contra essa solução). Mas também é verdade que salários elevados só são sustentáveis quando assentam numa trajectória contínua de ganhos de produtividade. E é aqui que reside a fragilidade europeia mais profunda: não tanto na política comercial, mas na dificuldade em subir sistematicamente na escala de valor.

Durante demasiado tempo, parte da indústria europeia permaneceu ancorada em segmentos maduros, intensivos em custo e facilmente replicáveis. Nesses sectores, qualquer vantagem competitiva é frágil, facilmente corroída por países dispostos a aceitar salários mais baixos, apoios estatais mais agressivos ou ganhos de escala imbatíveis. Intervir nos saldos externos pode mitigar os sintomas, mas não resolve a causa.

A história económica oferece um enquadramento útil para este dilema: a teoria dos Flying Geese. O desenvolvimento não é um estado; é um movimento. As economias avançam em formação, abandonando actividades de menor valor à medida que sobem para sectores mais sofisticados, intensivos em conhecimento, tecnologia e organização. Quem lidera o voo cria espaço para salários mais altos e para um modelo social exigente. Quem deixa de subir fica preso numa corrida para o fundo — ou depende de protecções cada vez mais artificiais.

A verdadeira questão não é se a Europa deve proteger o seu modelo social. Deve. A questão é se está a criar a base produtiva capaz de o sustentar no futuro. Sem inovação, sem escala tecnológica, sem capacidade de gerar valor acrescentado crescente, o modelo social torna-se vulnerável — não por ser excessivo, mas por lhe faltar suporte económico.

A história económica mostra que os países que prosperam não são os que defendem eternamente as suas vantagens passadas, mas os que se reposicionam continuamente. A Europa parece, muitas vezes, mais preocupada em preservar estruturas existentes do que em construir as próximas. O risco é claro: comprar tempo sem mudar de trajectória.

Intervir pode ser necessário. Mas sem uma estratégia consistente de transformação produtiva, essa intervenção é apenas isso — tempo comprado. E tempo comprado, sem mudança estrutural, raramente é bem utilizado.

Recordo o que escrevi sobre a Autoeuropa, aqui e aqui, o que era quando se instalou em Portugal e o que é agora. A perda de glamour reside no envelhecimento do produto, na sua incapacidade de gerar as margens de outros tempos, por causa da concorrência.

O retorno de uma actividade económica começa por crescer, até que se torna atractivo para chamar mais concorrência, e o retorno cai, basta ver a figura animada que se segue:


Só há uma forma sustentada de fugir ao empobrecimento: subir na escala de valor.

terça-feira, dezembro 16, 2025

Curiosidade do dia

"The size of the state is currently 45% and heading north. As Robert Colvile put it recently we have had “one-way Keynesianism” in which Chancellors are happy to run deficits when times are tough but don’t then pay them down when recovery comes. The overall tax burden is on track to reach 38% of GDP the highest level since the war and a full 11 percentage points higher than in 1993. And believe it or not Britain has the most progressive tax system in Europe, with high earners paying more relative to the average than anywhere else (the top 0.1% of earners pay more income tax than the bottom 50%).

...

The minimum wage is now two-thirds of median hourly earnings, the highest it has ever been, and one of the highest in Europe. Meanwhile, the regulatory burden on business has never been higher and the relative ease of hiring and firing established during the Thatcher era has been substantially reversed, even before the current employment legislation is enacted."

Os ingleses já nos ultrapassaram no socialismo:

E isso tem consequências ...

Os polacos:
"Average household income in Poland is on target to be higher than Britain by 2031. No wonder so many who moved here are going back."
"Why are so many Poles returning home?
By the end of this year, Polish living standards are forecast to match those in Japan and Poles who were working across Europe are returning home. So how has the former communist country managed its economic miracle? And will it last?"

Quando o ritmo do mercado acelera ...


No Financial Times do passado dia 9 encontrei um artigo particularmente revelador: "Chinese rivals seize on Apple’s AI struggles". Não tanto pelo que diz sobre smartphones — isso é o pretexto — mas pelo que expõe sobre como vantagens históricas se transformam, silenciosamente, em fragilidades.

Durante anos, a maior força da Apple foi o seu ecossistema fechado. A integração quase perfeita entre hardware, software e serviços criou uma experiência difícil de igualar e, sobretudo, difícil de abandonar. Essa dificuldade de saída funcionou como uma poderosa barreira competitiva. Mas vantagens construídas para contextos estáveis raramente sobrevivem intactas quando o contexto muda.

Na China, essa mudança tornou-se visível. A Apple tem tido dificuldades para lançar funcionalidades de inteligência artificial no maior mercado mundial de smartphones. O artigo nota que a empresa:

"struggles to provide artificial intelligence features"

num ambiente em que o regulador chinês 

"has delayed the approval of Apple’s planned introduction of AI features because of geopolitical tensions with the US."

O problema, portanto, não é apenas tecnológico. É político, regulatório e, acima de tudo, estrutural.

Esse atraso criou um espaço que os fabricantes chineses souberam ocupar com pragmatismo. Huawei, Honor, Oppo ou Xiaomi não tentaram "bater" a Apple no seu próprio jogo; atacaram o ponto onde a Apple sempre foi mais forte. Estão a promover activamente aplicações que reduzem o custo de abandonar o iPhone. Como descreve o artigo, os fabricantes chineses:

"Chinese phonemakers are promoting apps that help users switch from the iPhone in a race to gain market share as Apple struggles to provide artificial intelligence features in the world's largest smartphone market."

Quando o valor incremental do ecossistema diminui, a fricção da mudança deixa de ser um travão — passa a ser apenas um incómodo temporário.

Há aqui uma diferença fundamental de abordagem. Enquanto a Apple avança de forma cautelosa, dependente de aprovações e de um modelo mais fechado, os fabricantes chineses estão a mover-se mais depressa e com maior abertura na integração da IA. Um analista citado é claro: 

"Chinese smartphone vendors are clearly moving faster and with greater openness in AI development."

 Essa velocidade traduz-se em funcionalidades práticas, aplicadas ao quotidiano, que tornam a inovação menos abstracta e mais tangível.

Os efeitos começam a medir-se. No caso da Honor, 37% dos compradores online do seu mais recente modelo de topo tinham migrado de dispositivos Apple usando essas ferramentas. 

"Li said that 37 per cent of online buyers of Honor's latest flagship phone, the Magic V5, had switched from Apple devices using these tools. "We've been effective in attracting high-end Apple users," he said."

Isto não é narrativa de marketing; é conversão real num mercado ferozmente competitivo. Não por acaso, a Apple já deixou de liderar o mercado chinês, tendo sido ultrapassada por concorrentes locais.

"The country's smartphone market is highly competitive, with no company holding a share greater than 20 per cent. Apple, previously a market leader, was dethroned last year by Vivo, which commanded 18.5 per cent as of the third quarter of this year, according to Counterpoint Research.

Apple, Honor, Oppo, Xiaomi and Huawei each held between 13.6 per cent and 16.4 per cent in the third quarter."

Curiosamente, esta ofensiva não nasce de uma rejeição da Apple, mas de aprendizagem estratégica. O fundador da Xiaomi resume bem essa atitude ao afirmar que a Apple é "a truly great company", uma referência que deve ser estudada, comparada — e ultrapassada. O aluno aplicou a lição e virou-a contra o mestre.

Fora da China, o impacto ainda é limitado. Os próprios analistas reconhecem que estas novas funcionalidades ainda não fizeram mossa significativa na posição da Apple no segmento premium noutros mercados. Mas o risco mais profundo já se materializou: a erosão daquilo que sempre protegeu a Apple. Como conclui o artigo, esta estratégia está a permitir aos fabricantes Android 

"really break the barrier of Apple’s closed ecosystems."

A história não é nova. Vantagens consolidadas tendem a cristalizar-se. Ecossistemas fechados protegem, mas também atrasam. Quando o ritmo do mercado acelera, quem depende da perfeição perde terreno para quem entrega progresso suficiente — mais cedo. E é nesse momento que até os muros mais sólidos começam, inevitavelmente, a abrir brechas.

segunda-feira, dezembro 15, 2025

Curiosidade do dia


Vi na internet um artigo de jornal com este título, "Falta de animais e aumento do consumo explicam subida de preços da carne". O artigo começa assim:

"Secas, doenças, o custo das rações e as restrições à actividade pecuária ditaram a redução do número de animais e o aumento das importações de carne. Os preços dispararam e ameaçam piorar em 2026."

Como tenho acompanhado as exportações de animais vivos ao longo dos anos, tive curiosidade em ver os últimos números. Tenho desleixado a monitorização mensal das exportações.  O desempenho até Outubro deste ano foi:


No caso dos animais vivos, um crescimento superior a 17% também deve ter efeito nos preços internos. E já agora, as exportações de "carnes e miudezas" cresceram 27%.

Já agora, comparei a evolução homóloga Janeiro-Maio com a de Janeiro-Outubro e a imagem é a de um 2025 com uma desaceleração das exportações na segunda metade do ano.


"Radical honesty"

 Em Março de 2015 escrevi isto no Twitter:

Num artigo no blogue, mais tarde escrevi em "Outra forma de David bater Golias": 

"Para muitos turistas, a marca Eureka é desconhecida. Portanto, é mais uma marca "internacional", como as outras, só que menos conhecida. A ligação à fábrica, o reforçar a sua portugalidade, talve tivesse o efeito sugerido neste artigo.

Criar, reforçar, abusar da imperfeição dos mercados..."

Entretanto, no FT do dia 13 de Dezembro, encontrei "Can radical honesty' gain customers' trust?"

O artigo analisa como várias marcas de moda estão a usar uma nova forma de "transparência", não apenas focada na sustentabilidade, mas numa estratégia mais ampla de comunicação honesta, de narrativa da cadeia de valor e de envolvimento directo com os consumidores. 

O texto defende que a tradicional promessa de qualidade já não basta, devido à opacidade da cadeia de produção e ao cansaço em relação aos discursos ambientais. Assim, algumas marcas começam a adoptar uma abordagem de "radical honesty": mostrar os custos reais, explicar as falhas, revelar os fornecedores, filmar os bastidores e dar voz aos fundadores. 

Esta transparência emocional, imperfeita e humana torna-se uma ferramenta para recuperar confiança e criar uma ligação genuína com os consumidores, num mercado saturado de marketing tradicional. 

"The fashion industry's supply chain is incredibly opaque... it has become harder and harder for consumers to truly know where clothes come from, how they are made and by whom.

...

Most brands are reluctant to disclose their suppliers.

...

Transparency used to be all about sustainability. Now, savvy brands are using the idea to show what's behind the label.

...

There's a [mental connection] between transparency and quality.

...

People want to know that they're getting a good product, especially in the premium bracket. 

...

When you share that knowledge, you build trust and authenticity."

domingo, dezembro 14, 2025

Curiosidade do dia


Isto encaixa perfeitamente no que escrevi em Agosto passado:
"A fé não é acreditar em algo que vem do passado ... a fé é como ter a certeza em algo que ainda não aconteceu e confiar no que não se vê. 

Abraão tinha 75 anos quando ouviu o chamamento de Deus, podia ter ficado na sua comodidade, na boa vida da casa dos pais, mas não, partiu para a aventura, partiu para o desconhecido.

Enquanto ouvia a homilia, realizei que se calhar nunca tinha percebido a fé assim. Ter fé, segundo Hebreus 11, é acreditar e agir confiando em Deus, mesmo quando não se tem todas as respostas ou provas visíveis. Não é "esperar sentado" - é andar para a frente como se o que Deus prometeu já fosse real."

Antigos e modernos usam a mesma palavra, fé, mas com significados completamente diferentes. Para os antigos, ter fé não significava acreditar que Deus existe; para os antigos, a existência de Deus era como respirar, um facto da vida. Ter fé significa confiar em Deus quando nos chama, daí a Igreja Católica dizer que a fé é um dom de Deus. É Deus que chama, cabe-nos a nós estar preparado para aceitar ou não o desafio.



Azeite, outra vez - Inovar é mudar de quadrante, não só de produto (parte IV)

Parte IParte II e Parte III.

Mais um exemplo de mudança de quadrante com azeite. No The Times de ontem li o artigo, "Growers rush to produce the UK's first extra virgin olive oil":

"Last year ValleRuan on the Roseland peninsula in Cornwall was the first to sell English olive oil with its Winter Press virgin product sold at £15 for 250ml. 

...

But the trees had survived temperatures as low as minus 7C, which researchers say should have killed them. [Moi ici: E lembrei-me das oliveiras de Murça, por exemplo]

...

The English Olive Company, in small batches of 250ml bottles for £20 each. Each batch has sold out within 30 minutes.

...

Hoyles suggested the less ripe English olives had an unexpected advantage over their Mediterranean rivals - a high polyphenol content, which is believed to offer extensive health benefits."

A história deste azeite inglês mostra como se sobe na escala de valor sem infraestruturas gigantes nem tradição secular:

  • microprodução ➡️ exclusividade
  • origem inesperada ➡️ narrativa diferenciadora
  • processamento artesanal ➡️ autenticidade percebida
  • preço alto ➡️ posição premium 
  • cliente curioso ➡️ disposição para pagar mais
O artigo mostra que, apesar do Reino Unido não ter tradição, está a nascer um micro-nicho de azeites artesanais, com forte identidade local e um posicionamento claramente premium.

Ou seja: criação de valor pela diferenciação, não pela eficiência de custos. Relembro a história do suíço que produzia azeite no Alentejo.



sábado, dezembro 13, 2025

Curiosidade do dia

Neste postal de 2020, "Não é agradável escrever sobre fracassos (parte I)" recuo a 1993(?):

"Na altura, fabricavam-se autorádios de uma marca alemã em Braga. Esses autorádios incorporavam circuitos impressos fabricados na Alemanha. A certa altura, o fabricante alemão, que pertencia ao mesmo grupo da fábrica de Braga, teve de fechar a fábrica para uma série de investimentos e manutenções. À boa maneira alemã ambas as fábricas planearam a paragem com stocks para a fábrica portuguesa que continuaria a laborar. As empresas põem e os clientes dispõem. A Audi resolveu fazer uma actualização qualquer de emergência e a fábrica de Braga não tinha stock, nem possibilidade de receber da Alemanha o novo circuito impresso. Então, para não falhar com a Audi, descobrem a fábrica onde eu trabalhava e fazem uma encomenda. Aproveitam a onda e fazem mais uma e mais outra.

Para a fábrica de Braga foi uma experiência interessante, por uma vez eram eles que mandavam, por uma vez não tinham de aturar um fornecedor alemão que mandava neles (recordar os clientes prisioneiros nos ecossistemas).

Não sei se a coisa surgiu naturalmente ou se foi forçada por Braga. Numa visita do cliente Audi à fábrica de Braga ele refere que reparou que os autorádios estavam melhores em termos de desempenho, que tinham investigado e percebido que os circuitos impressos vinham de outro fornecedor. Um parêntesis, se olharem para um circuito impresso ele tem sempre a marca do fabricante. E a bomba! A Audi queria que, de agora em diante, os circuitos impressos para os seus autorádios viessem daquele fornecedor.

O certo é que passado algum tempo, por causa da Audi, por causa dos preços, por causa da relação de poder que Braga ganhava, a minha fábrica começou a trabalhar mais e mais para Braga. BTW, a fábrica alemã acabou por ser desmontada e vendida para a Malásia."

 Lembrei-me disto ao ler "Samsung (Mobile) não consegue comprar chips à... Samsung". A Samsung Mobile (a divisão que faz os telemóveis Galaxy) está, neste momento, incapaz de comprar chips essenciais à sua própria divisão de semicondutores dentro do grupo Samsung. Por isso, tem de recorrer a outro fornecedor.

Imaginei um cenário em que a Samsung Mobile descobre que tem vantagens, pode não ser custo, em recorrer a um fornecedor exterior definitivamente.

O que destrói valor em organizações grandes raramente é a falta de tecnologia, ou a falta de dinheiro, ou a falta de talento. O que destrói valor é a falta de alinhamento, os silos que não falam, os incentivos que empurram cada equipa para direcções opostas, as decisões tomadas com informação parcial, as práticas políticas internas que sabotam a visão conjunta.

A certa altura há menos fricção em recorrer a um fornecedor externo do que a uma empresa do mesmo grupo.



Revisão pela gestão - elevar a qualidade da informação (parte V)

Parte Iparte IIparte III e parte IV.

A revisão pela gestão é, em teoria, um dos momentos mais importantes do sistema de gestão: o processo em que a organização pára para pensar, interpretar o que aconteceu, aprender e ajustar o rumo.

Na prática, porém, demasiadas revisões transformam-se num ritual burocrático, saturado de tabelas, valores soltos e apresentações intermináveis — precisamente aquilo que não ajuda uma equipa de gestão a decidir.

Uma revisão eficaz depende, acima de tudo, da qualidade da informação que se prepara e inclui no relatório.

E a qualidade da informação melhora drasticamente quando se fazem duas coisas bem: trazer narrativas e usar dados visuais que revelam tendências.

A maioria das revisões falha porque as pessoas chegam à reunião "armadas" com as tabelas incluídas no relatório.

Mas números sozinhos são mudos: mostram sintomas, não causas.
A gestão precisa de explicações, não apenas de valores.
Uma narrativa bem construída responde a quatro perguntas simples:
  • O que aconteceu realmente?
  • Por que aconteceu?
  • O que aprendemos?
  • O que vamos fazer diferente? É preciso fazer diferente?
Os gráficos mostram que o indicador subiu ou desceu; a narrativa explica porquê — e é essa explicação que sustenta decisões responsáveis.

Narrativas transformam a revisão de um exercício de contabilidade num momento de aprendizagem organizacional. Os números informam; as narrativas esclarecem.

Um livro que muito me influenciou nos anos 90 foi  “Keeping Score - using the right metrics to drive world-class performance” de Mark G. Brown. Nesse livro, nunca mais esqueci, o autor lista três erros fatais na apresentação de resultados:
  • usar tabelas em vez de gráficos;
  • mostrar apenas o último valor; e
  • ignorar metas ou referenciais.
Os três erros têm um denominador comum: apagam o contexto.
E sem contexto, a revisão pela gestão transforma-se numa lotaria emocional — no estilo "herói num mês, enforcado no seguinte". Uma montanha-russa de emoções:


As tabelas podem ser precisas, mas são péssimas para revelar padrões.
Em contrapartida, um gráfico bem construído mostra em segundos aquilo que uma tabela nos esconde em minutos:
  • tendência;
  • sazonalidade;
  • variação;
  • estabilidade ou instabilidade do sistema; e
  • relação entre indicadores.
Os indicadores são apresentados num dashboard. E um dashboard eficaz deve caber num único olhar — nunca num interminável scrolling, como Stephen Few explica de forma magistral. O recurso a sparklines permite mostrar o essencial — tendência, ponto actual, variação — numa linha discreta, elegante e compacta. Esta técnica permite ver o conjunto completo de indicadores num único ecrã ou numa folha A4. É aqui que se cumpre o ideal de Few: simultaneidade de visão, o momento em que começamos a ver relações, não apenas valores.

O que deve conter cada indicador apresentado na revisão?
  • 12-24 meses de histórico.
  • Limites, metas ou referencias.
  • Linha de tendência.
  • Relações com outros indicadores.
  • Simplicidade visual: menos cor, mais sinal.
Este ponto é crítico: demasiadas cores transformam-se em ruído. A famosa "árvore de Natal" não ilumina decisões — apenas cansa a vista. Substituir os semáforos verdes/vermelhos por uma paleta mais neutra (pastel?) aumenta a legibilidade e reduz distracções.

Sem tendência, não há entendimento; sem entendimento, não há boas decisões.

A última síntese visual indispensável para uma revisão de qualidade é a carta de controlo — a ferramenta que impede a organização de cair na “bipolaridade militante” (herói/enforcado).

As cartas de controlo individuais (I-charts) revelam três informações essenciais:
  • Se a variação é aleatória ou estrutural.
  • Se o processo está estável ou instável.
  • Se vale a pena agir… ou se devemos deixar o sistema trabalhar.
Sem cartas de controlo, cada subida ou descida parece um acontecimento sobrenatural — um verdadeiro raio disparado do alto do Olimpo.


Mas a carta diz-nos a verdade que muitos gestores não querem ouvir: “O processo só consegue dar isto. O resto é fantasia.”

E aqui entra a lição do funil de Deming:
  • agir sobre o ruído destrói a estabilidade;
  • agir sobre o sinal é a essência da melhoria.
Nenhuma organização melhora só porque viu números.

Melhora quando compreende o comportamento do seu sistema. Quando isto acontece, a revisão deixa de ser um conjunto de "slides para cumprir a norma" e passa a ser um momento estratégico de verdade.
E só então, nesse instante em que o sistema fala e a gestão escuta, começam as decisões que constroem o futuro.

sexta-feira, dezembro 12, 2025

Curiosidade do dia

 O artigo "The fall of a prolific science journal exposes the billion-dollar profits of scientific publishing" expõe um sistema científico que, tal como na fábula da galinha dos ovos de ouro, começou por ter algo valioso — revistas credíveis, revisão científica por pares, reputação construída ao longo de décadas — e acabou por destruir a própria fonte do valor ao tentar multiplicar os “ovos” demasiado depressa.

A editora Elsevier, com margens de 38% e milhares de artigos publicados todos os anos, percebeu que quanto mais publicasse, mais lucrava. E ao transformar a ciência num negócio de volume, onde publicar vale mais do que validar — abriu a porta às irregularidades, peer reviews falsos, artigos medíocres e incentivos perversos. O resultado está descrito no próprio artigo: a queda de uma das revistas mais prolíficas do mundo, Science of the Total Environment, expulsa dos índices da qualidade por comprometer os seus critérios.

É aqui que entra o ditado “quem tudo quer, tudo perde”.

Ao tentar maximizar lucros e produtividade artificialmente, o sistema sacrificou aquilo que tornava a ciência valiosa: rigor, confiança, credibilidade. Como na fábula, o dono mata a galinha ao abri-la para tentar obter mais ouro — e descobre tarde demais que já não sobra nada.

Quando um sistema troca qualidade por quantidade, lucro imediato por reputação duradoura, acaba sempre por destruir aquilo que o tornava útil. A ganância corrói os alicerces, e quando percebemos, já não há ovos nem galinha.


Em Portugal, a conversa de café é a norma (parte V)

No passado dia 4 de Dezembro último, o FT publicou um artigo muito relevante para um certo tipo de conversas que costumamos ter aqui no blogue, "Traditional industries trail in Taiwan's AI boom".

O artigo descreve a profunda divergência económica dentro de Taiwan: enquanto o sector tecnológico — especialmente semicondutores e hardware ligados à inteligência artificial — impulsiona um crescimento económico impressionante e exportações recorde, as indústrias tradicionais enfrentam uma crise silenciosa.

"Taiwan is enjoying an artificial-intelligence-fuelled boom that pushed GDP growth above 8 per cent in the third quarter."

"Demand for Al hardware and electronics sent Taiwan's exports soaring 23 per cent year on year in the three months from July to September."

"But machinery and other traditional manufacturers have not been feeling much benefit."

Empresas de maquinaria, componentes mecânicos, têxteis, metalomecânica e outros sectores “não-tech” sofrem com três pressões simultâneas: custos em alta, encomendas em queda e competição feroz da China.

"All of our costs are going up. A lot of our customers have gone out of business."

"Higher input prices imposed by US president Donald Trump have eroded profitability."

"Some buyers of metal and electronics goods who previously showed strong demand... have paused forecasts."

"Traditional manufacturers... are suffering increasing competition from lower-cost rivals in China."

"Taiwanese manufacturers are facing rising competition from China."

Apesar de o PIB ter crescido mais de 8% no terceiro trimestre, muitos industriais afirmam que “a economia está má”porque não sentem qualquer benefício deste boom tecnológico. Os lucros concentram-se numa minoria de empresas de semicondutores, enquanto milhares de PME tradicionais atravessam um período de margens comprimidas, falta de investimento e deslocalização de clientes.

"The economy's pretty bad," Chung said recently in the packed, dusty aisles of his factory. 

"We don't feel any benefit."

"Taiwan's economy grew... 8.21 per cent year on year... but many manufacturers say they are struggling."

Por um lado, o desempenho dos líderes da formação de Flying Geeses:

"Taiwan's tech industry has proved a global powerhouse... TSMC produces almost 90 per cent of the world's most advanced semiconductors."

"Profit margins for Taiwanese tech companies are usually quite high..."

Por outro, o desempenho dos sectores tradicionais:

"Profit margins for Taiwanese manufacturers are usually quite low," Kan said.

"Our customers have gone out of business." 

"Manufacturers... are suffering increasing competition from lower-cost rivals in China."

"Some buyers... have paused forecasts, fearing that traditional manufacturers' difficulties... might weigh heavily."

"Taiwan's non-finance, non-technology business confidence index has fallen more than 53 per cent this year."

Há tantos ângulos para poder abordar este artigo e sobre o que ele significa. Por exemplo:

  • A divergência entre sectores de baixa e alta produtividade (Parte I)
  • A importância dos sectores estrangeiros e o efeito de spillover (Parte II)
  • A mudança da composição dos sectores e o papel do IDE (Parte III)
  • Os riscos de “zombies”, proteccionismo e apoios que atrasam a economia (Parte IV)
  • O papel do investimento estrangeiro transformacional - volto a 2022 ou a 2024.
Continua.