Pensei que já tinha escrito aqui no blogue sobre o meu último desafio como funcionário de uma empresa. No entanto, pesquisei e concluí que não.
Não é fácil, ou melhor não é agradável escrever sobre fracassos.
Estávamos em 1993. A empresa onde eu trabalhava fabricava circuitos impressos. Uma empresa que no espaço de três meses passou a produzir num dia o que costumava produzir em vários meses, literalmente. Era uma empresa que fabricava circuitos impressos para projectores de slides, para retroprojectores, para umas máquinas fotográficas alemãs baratuchas, fabricados em Taveiro, ao lado do que é hoje o estádio Sérgio Conceição. Exacta, acho que era o nome dessa marca.
Na altura, fabricavam-se autorádios de uma marca alemã em Braga. Esses autorádios incorporavam circuitos impressos fabricados na Alemanha. A certa altura, o fabricante alemão, que pertencia ao mesmo grupo da fábrica de Braga, teve de fechar a fábrica para uma série de investimentos e manutenções. À boa maneira alemã ambas as fábricas planearam a paragem com stocks para a fábrica portuguesa que continuaria a laborar. As empresas põem e os clientes dispõem. A Audi resolveu fazer uma actualização qualquer de emergência e a fábrica de Braga não tinha stock, nem possibilidade de receber da Alemanha o novo circuito impresso. Então, para não falhar com a Audi, descobrem a fábrica onde eu trabalhava e fazem uma encomenda. Aproveitam a onda e fazem mais uma e mais outra.
Para a fábrica de Braga foi uma experiência interessante, por uma vez eram eles que mandavam, por uma vez não tinham de aturar um fornecedor alemão que mandava neles (recordar os clientes prisioneiros nos ecossistemas).
Não sei se a coisa surgiu naturalmente ou se foi forçada por Braga. Numa visita do cliente Audi à fábrica de Braga ele refere que reparou que os autorádios estavam melhores em termos de desempenho, que tinham investigado e percebido que os circuitos impressos vinham de outro fornecedor. Um parêntesis, se olharem para um circuito impresso ele tem sempre a marca do fabricante. E a bomba! A Audi queria que de agora em diante os circuitos impressos para os seus autorádios viessem daquele fornecedor.
O certo é que passado algum tempo, por causa da Audi, por causa dos preços, por causa da relação de poder que Braga ganhava, a minha fábrica começou a trabalhar mais e mais para Braga. BTW, a fábrica alemã acabou por ser desmontada e vendida para a Malásia.
Para a minha fábrica foi uma experiência agridoce, investimento em máquinas, os trabalhadores à conta das horas extra, abandonavam as suas motos e compravam Seats e Opels todos kitados. Mês após mês a produção ia aumentando.
Basicamente, fabricar um circuito impresso passa por:
- Fazer furação por CNC em placas de fibra de vidro com camada de cobre
- Electroquimicamente, metalizar furos
- Passar foto da rede de ligações para a superfície da placa de fibra de vidro
- Proteger o cobre superficial que deve ser protegido
- Quimicamente comer o cobre a mais na superfície
- Pintar através da técnica de serigrafia a placa com tinta protectora deixando apenas à vista os pontos onde na linha de montagem se fará soldadura de componentes
- Secar a tinta numa estufa
- Mergulhar a placa num banho de solda a mais de 400 graus centígrados
- Realizar teste eléctrico para detectar cortes ou curto-circuitos nas placas
- Embalar e enviar
Havia sempre alguns problemas de qualidade. Linhas partidas, curtos, maus acabamentos visuais, mas nada que não fosse detectado internamente.
E a produção continuou a aumentar. Lembro-me que os trabalhadores ficavam doentes por excesso de horas extra, até choravam por não poderem trabalhar, alguns pareciam zombies. Lembro-me do dono da empresa não conseguir aumentar a potência eléctrica da fábrica. Dizia que alguém queria receber dinheiro por isso e ele não queria pagar. Assim, depois de vários apagões, instalou-se uma espécie de UPS, um gerador a gasóleo para alimentar a fábrica durante os apagões.
E a produção ia aumentando mais e mais.
Então começa a aparece um defeito novo.
Continua.
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