No Financial Times do passado dia 9 encontrei um artigo particularmente revelador: "Chinese rivals seize on Apple’s AI struggles". Não tanto pelo que diz sobre smartphones — isso é o pretexto — mas pelo que expõe sobre como vantagens históricas se transformam, silenciosamente, em fragilidades.
Durante anos, a maior força da Apple foi o seu ecossistema fechado. A integração quase perfeita entre hardware, software e serviços criou uma experiência difícil de igualar e, sobretudo, difícil de abandonar. Essa dificuldade de saída funcionou como uma poderosa barreira competitiva. Mas vantagens construídas para contextos estáveis raramente sobrevivem intactas quando o contexto muda.
Na China, essa mudança tornou-se visível. A Apple tem tido dificuldades para lançar funcionalidades de inteligência artificial no maior mercado mundial de smartphones. O artigo nota que a empresa:
"struggles to provide artificial intelligence features"
num ambiente em que o regulador chinês
"has delayed the approval of Apple’s planned introduction of AI features because of geopolitical tensions with the US."
O problema, portanto, não é apenas tecnológico. É político, regulatório e, acima de tudo, estrutural.
Esse atraso criou um espaço que os fabricantes chineses souberam ocupar com pragmatismo. Huawei, Honor, Oppo ou Xiaomi não tentaram "bater" a Apple no seu próprio jogo; atacaram o ponto onde a Apple sempre foi mais forte. Estão a promover activamente aplicações que reduzem o custo de abandonar o iPhone. Como descreve o artigo, os fabricantes chineses:
"Chinese phonemakers are promoting apps that help users switch from the iPhone in a race to gain market share as Apple struggles to provide artificial intelligence features in the world's largest smartphone market."
Quando o valor incremental do ecossistema diminui, a fricção da mudança deixa de ser um travão — passa a ser apenas um incómodo temporário.
Há aqui uma diferença fundamental de abordagem. Enquanto a Apple avança de forma cautelosa, dependente de aprovações e de um modelo mais fechado, os fabricantes chineses estão a mover-se mais depressa e com maior abertura na integração da IA. Um analista citado é claro:
"Chinese smartphone vendors are clearly moving faster and with greater openness in AI development."
Essa velocidade traduz-se em funcionalidades práticas, aplicadas ao quotidiano, que tornam a inovação menos abstracta e mais tangível.
Os efeitos começam a medir-se. No caso da Honor, 37% dos compradores online do seu mais recente modelo de topo tinham migrado de dispositivos Apple usando essas ferramentas.
"Li said that 37 per cent of online buyers of Honor's latest flagship phone, the Magic V5, had switched from Apple devices using these tools. "We've been effective in attracting high-end Apple users," he said."
Isto não é narrativa de marketing; é conversão real num mercado ferozmente competitivo. Não por acaso, a Apple já deixou de liderar o mercado chinês, tendo sido ultrapassada por concorrentes locais.
"The country's smartphone market is highly competitive, with no company holding a share greater than 20 per cent. Apple, previously a market leader, was dethroned last year by Vivo, which commanded 18.5 per cent as of the third quarter of this year, according to Counterpoint Research.
Apple, Honor, Oppo, Xiaomi and Huawei each held between 13.6 per cent and 16.4 per cent in the third quarter."
Curiosamente, esta ofensiva não nasce de uma rejeição da Apple, mas de aprendizagem estratégica. O fundador da Xiaomi resume bem essa atitude ao afirmar que a Apple é "a truly great company", uma referência que deve ser estudada, comparada — e ultrapassada. O aluno aplicou a lição e virou-a contra o mestre.
Fora da China, o impacto ainda é limitado. Os próprios analistas reconhecem que estas novas funcionalidades ainda não fizeram mossa significativa na posição da Apple no segmento premium noutros mercados. Mas o risco mais profundo já se materializou: a erosão daquilo que sempre protegeu a Apple. Como conclui o artigo, esta estratégia está a permitir aos fabricantes Android
"really break the barrier of Apple’s closed ecosystems."
A história não é nova. Vantagens consolidadas tendem a cristalizar-se. Ecossistemas fechados protegem, mas também atrasam. Quando o ritmo do mercado acelera, quem depende da perfeição perde terreno para quem entrega progresso suficiente — mais cedo. E é nesse momento que até os muros mais sólidos começam, inevitavelmente, a abrir brechas.
%2013.33.jpeg)

Sem comentários:
Enviar um comentário