terça-feira, agosto 05, 2025

Curiosidade do dia



A propósito da amamentação de filhos em idade escolar, ontem no The Times apareceu um artigo chamado "Rip up the benefits system and start again", fez-me lembrar a notícia algures sobre o uso da formação profissional como um artifício para obtenção de visto e legalização de imigrantes. 

O artigo do The Times defende que o actual sistema de apoios sociais no Reino Unido, em particular o esquema de mobilidade financiado pelo Estado (Motability), está desajustado e é insustentável. O autor argumenta que não basta fazer pequenos ajustes: é necessário repensar todo o sistema desde a base. A expansão contínua da elegibilidade, combinada com abusos e percepções de injustiça, está a colocar pressão sobre o contribuinte e a minar a viabilidade do modelo. O autor do artigo reconhece que há sofrimento genuíno, mas insiste que não se pode continuar a usar o Estado como amortecedor universal contra todas as dificuldades da vida.
"Let me set out how we got to a situation in which one fifth of all new car sales in Britain are Motability cars... The mobility allowance that was introduced in 1976 started at £5 per week (more than £40 at today's prices) and has crept up to the present rate for "enhanced" impairment to mobility: £77.5."
"TikTok influencers boast about how you can get a new car virtually free; online critics mock a scheme to benefit "bed-wetting boy-racers"; the benefit is available for acquiring even BMWs and Ford Mustangs..."
Parece que muitos beneficiários do esquema Motability conseguem obter carros novos a cada três anos, pagos com dinheiro público. Influenciadores do TikTok mostram como se pode conseguir um carro praticamente grátis.
"The scheme now has set about allowing people with anxiety, dyslexia, severe acne and a Manchesterian syndrome to claim. Hundreds of thousands of people receive the enhanced mobility award on PIP (personal independence payment) for mental health conditions, learning difficulties and skin conditions to get around."
Inicialmente pensado para quem tinha dificuldades de mobilidade severas, o programa agora abrange condições psicológicas comuns como ansiedade e dislexia. O termo "mobilidade reduzida" foi estendido a ponto de perder clareza e critério.
"Motability cars' use for the purposes beyond transporting the disabled..."
"Online critics mock a scheme to benefit "bed-wetting boy-racers"; the benefit is available for acquiring even BMWs and Ford Mustangs..."
A lógica do sistema perdeu-se. Os beneficiários continuam a receber apoios mesmo quando usam esses recursos para outros fins (ex. carros potentes para jovens com "problemas de mobilidade").

Segundo o autor, é necessário um reset, não apenas cortes. Cortar e reformar aos poucos não basta - é necessário "arrancar o sistema pela raiz" e construir algo novo e justo.

O estado tentou tornar-se responsável por todos os azares humanos, e isso é impossível. O excesso de direitos e compensações dilui o apoio a quem realmente precisa.


Acerca de "reset", lembrem-se desta previsão no final. Aqui, aqui e aqui também.



CyberSyn parte dois


No episódio “The Human Factor”, MacGyver enfrenta um sistema de IA chamado Sandy que assume o controlo total de uma instalação. O objectivo? Segurança máxima. O resultado? Um sistema que já não escuta, que não tolera desvios, e que vê tudo como ameaça.

Esta semana voltei a pensar nesse episódio depois de ler um artigo provocador, "Will your next CEO be AI?" (Fast Company, 29/07/2025). O artigo explora a ideia (cada vez mais plausível) de um CEO algorítmico, ou seja, uma inteligência artificial a liderar uma organização. Essa IA seria capaz de tomar decisões baseadas em grandes volumes de dados, sem emoções, sem cansaço e com uma capacidade de previsão e processamento superior à humana. Apesar de parecer um cenário de ficção científica, o autor argumenta que já estamos a testar versões rudimentares dessa ideia em empresas que usam intensivamente ferramentas de IA para decisões estratégicas.

Também recordei o postal recente, "Inteligência artificial e socialismo".

Todos tocam no mesmo ponto, confiar exclusivamente em algoritmos, mesmo poderosos, ignora algo essencial: a imprevisibilidade humana, a descoberta, o erro criativo.

Um CEO-IA pode parecer imbatível:
  • Não dorme.
  • Não tem ego.
  • Não esquece dados.
  • Não sofre de fadiga de decisão.
Mas tal como Sandy, também não compreende o contexto, não sente as consequências, nem percebe o valor da ambiguidade.

Pontos fracos de um CEO-IA (à luz de Sandy):
  • Reage, mas não percebe a motivação humana. Sandy assume que qualquer violação de segurança é real, um CEO-IA poderia interpretar dados de forma crítica e errada, sem entender intenções por trás de sinais.
  • Não tolera erro ou ambiguidade. Sandy não concede margem de manobra nem julgamento humano. O CEO-IA pode visar eficiência extrema, mas fracassa onde a flexibilidade e a improvisação são necessárias. O “our edge” de MacGyver.
  • Centraliza decisões, reduz liberdade. Tal como Sandy elimina guardas humanos, um CEO-IA pode reduzir autonomia humana e restringir a criatividade organizacional.
  • Sem "skin in the game". Sandy não vive as consequências das suas decisões; o CEO-IA estaria igualmente imune a riscos, tornando difícil responsabilizá-lo e sem aprender com as falhas reais.
  • Confunde processamento com descoberta. Sandy opera com lógica rígida: da mesma forma, um CEO-IA pode interpretar padrões históricos mas falhar em prever movimentos disruptivos ou culturais.
Os mercados livres, tal como as boas lideranças, vivem de tentativas, correcções e risco real. São processos evolutivos, não equações fechadas. Ao contrário de um sistema que decide sem escutar, um líder humano — mesmo imperfeito — pode perceber sinais fracos, adaptar-se ao inesperado e manter o elemento de descoberta vivo, tal como um verdadeiro mercado ou uma organização ágil.

A IA pode ser conselheira. Mas substituir o julgamento humano, a intuição e a liberdade experimental é repetir — em roupagem digital — os erros do planeamento central. É a versão actual da crença no CyberSyn.

segunda-feira, agosto 04, 2025

Curiosidade do dia





Lia-se no aviso à população que garantia que estavam “reunidas as condições de segurança para levar a cabo esse espectáculo”.

Acontece que, afinal, não estavam reunidas as ditas "condições de segurança". Foram registados cinco focos de incêndio no perímetro do lançamento do fogo de artificio em Marinhais, ontem às 23h30.
 

Fonte



China, Europa e tarifas



Mão amiga mandou-me ontem uma DM no Twitter com esta "provocação":

Quanto mais se sobe na escala das ordenadas:

  • Mais alto o número, maior o grau de sobreposição entre os sectores de exportação com vantagem comparativa entre a China e o país europeu. As variações entre 2000 e 2023 mostram como mudou a competição directa com a China ao longo do tempo, ou seja, em quantos sectores os países europeus enfrentam concorrência chinesa mais directa.

Eu digo que os europeus estão demasiado focados na competitividade e quando isso acontece é preciso ter cuidado com a 1ª Lei da Teoria dos Jogos: "Lesson #1: Do not play a strictly dominated strategy". Vai lhes acontecer o mesmo que a nós, Portugal, a seguir à entrada da China na OMC.

Não é a competitividade que nos salva, é a subida na escala de valor, é o aumento da produtividade. Como isso não acontece de um dia para o outro, ainda vamos ver a União Europeia a fazer o mesmo que Trump, propor a aplicação de tarifas aos produtos chineses. 

No seu livro "How Rich Countries Got Rich... and Why Poor Countries Stay Poor", Reinert mostra que quase todos os países que hoje são desenvolvidos usaram tarifas alfandegárias para proteger as suas indústrias - incluindo o Reino Unido, os EUA, a Alemanha e o Japão. 

Escrevi isto acima. Depois, pesquisei na internet e cheguei a este artigo do BCE, "Why competition with China is getting tougher than ever" de onde sublinho:

"Euro area manufacturers must adapt to this evolving landscape, not least because the sector employs over 20 million people and makes up 15 percent of euro area GDP. Embracing innovation, investing in sustainable and energy-efficient technologies, and enhancing supply chain resilience [Moi ici: este foi o grande truque português, não foi infelizmente através de marcas mas sobretudo rapidez, flexibilidade] are steps that can help bolster competitiveness. Additionally, strategic market diversification and closer collaboration within the euro area could help mitigate the risks posed by the external challenges. Furthermore, policymakers should aim at developing a fair and level playing field [Moi ici: ou seja, tarifas. Talvez com outro nome, para salvar a facefor the trade links with China."

domingo, agosto 03, 2025

Curiosidade do dia

Por cá só vamos acordar quando a "Tragedy of the Commons" nos atingir em cheio:

Imagem retirada do The Times do passado dia 1 de Agosto.


Já vi uma cena parecida na ponte D. Luís no Porto em frente à muralha fernandina.



Melhorar o retorno da certificação ISO 9001 (parte VII)


Sou um grande fã do podcast "The rest is history" com Tom Holland e Dominic Sandbrook. Aqui estou como eles, começam uma série com a ideia de fazer 5 episódios, mas depois acabam por fazer 7 ou 8 por que as conversas são como as cerejas. Pensava que esta etapa se fazia em meio postal e se calhar vai precisar de 3!!!

Tribos e famílias são diferentes das empresas. Tribos e famílias focam-se no seu interior — reforçam laços, protegem os seus membros, e sobrevivem para si mesmas. As empresas, pelo contrário, existem para servir o exterior. A sua razão de ser está fora de portas — nos clientes que escolhem servir e no valor que conseguem co-criar para eles.

Quando não se é claro sobre quem são os clientes-alvo corre-se o risco de estar a trabalhar para um fantasma estatístico, o cliente médio ... que não existe:


Quando não se é claro sobre quem são os clientes-alvo corre-se o risco de os ver como um substantivo colectivo vago, como a "miudagem" no recreio. É preciso olhar os clientes olhos nos olhos. OLHOS NOS OLHOS!
"you must think of your customer or potential customer in the singular - as one living and breathing person. That person you can get to konow, and you can develop a close relationship with him or her.
Knowing your customer - fully understanding his or her needs, preferences, and prejudices - is vital to creating a robust and effective growth strategy for your business. Quite simply, you'll have a much better chance of selling your product or service to someone you know and understand.
...
When you get well beyond the customer's demographics, you'll understand her or his habits, needs, and goals. Then and only then, you can define your target customer in human terms and determine how best to grow your business with him or her.
...
I've found it quite helpful to form a mental picture of the customer I'm trying to sell to, wheter or not I can actually sit across the table from the person.
...
I always look (metaphorically) into my customer's eyes and formulate virtual questions."

É preciso evitar o que Seth Godin chama tratar os clientes como as baleias "saboreiam" o plancton

A clareza sobre quem se pretende servir e com que proposta de valor é essencial. Clientes não são todos iguais — nem sequer vagamente parecidos. Alguns querem o símbolo de prestígio e exclusividade de um Rolex (Parte VI). Outros querem a fiabilidade acessível de um Casio. Tentar agradar a ambos com o mesmo sistema de gestão da qualidade é o caminho certo para não agradar verdadeiramente a nenhum.

Hoje, o contexto é ainda mais exigente. Já não basta servir bem um cliente. A criação de valor é cada vez mais uma construção colectiva, uma orquestra em que colaboram fornecedores, distribuidores, parceiros logísticos, reguladores, financiadores, e até concorrentes. Chamar a isto cadeia de valor é já insuficiente. É uma rede de valor, onde as relações são cada vez menos lineares e cada vez mais interdependentes. É um verdadeiro ecossistema.

Estamos em pleno passo 2, ou seja, "Inocular orientação estratégica através da política", reparem como para trabalhar a cláusula 5.2 da ISO 9001 temos de olhar para as cláusulas 4.1, 4.2, 5.1.2, 9.1.2, tudo em interacção.

Por isso, quando quero ajudar uma empresa a formular uma política da qualidade com verdadeira orientação estratégica, faço perguntas simples, mas que raramente têm respostas consensuais e claras. E é aí que começa o trabalho:

As perguntas que usamos para inocular estratégia na política da qualidade:
  • Quem somos e o que fazemos? (Identidade e missão operacional — deve ser mais do que um slogan genérico, deve dar resposta à primeira parte da cláusula 5.2.1 a) "is appropriate to the purpose and context of the organization and supports its strategic direction;". Temos de passar no "teste do corrector")
  • Quem servimos? (Quem são os clientes-alvo. Não todos os que aparecem, mas os que escolhemos servir. Nunca esquecer quais são as encomendas mais importantes.)
  • O que procuram e valorizam esses clientes? (Qual é a proposta de valor? Velocidade? Prestígio? Baixo custo? Personalização? Simplicidade? Consistência? Eu tenho dificuldades aqui porque o verdadeiramente difícil é ter foco. Facilmente caímos no erro de seleccionar 9 ou 10 ou 12 "features", o difícil é focar em 3 ou 4)
  • Quem nos ajuda a servir? (Que partes interessadas precisamos que colaborem connosco para maximizarmos o valor a co-criar no ecossistema em favor dos clientes-alvo? E por que quererão colaborar connosco? Estamos a falar de fornecedores, técnicos, parceiros, etc.)
  • Quem nos limita ou pode restringir o serviço? (Que entidades reguladoras, que restrições contratuais, limitações técnicas ou legais. Podemos transformar a limitação ou restrição em algo a nosso favor, ou em favor do nosso ecossistema?)
  • Em que temos de ser mesmo bons para cumprir essa promessa de valor e assegurar essa colaboração? (Estas são as nossas prioridades de desempenho, os nossos critérios de sucesso. Servem de matéria-prima para dar resposta à cláusula 5.2.1 b) "provides a framework for setting quality objectives;"
Estas perguntas não substituem a política da qualidade — mas estruturam-na. Dão-lhe propósito. Evitam que seja apenas mais uma afirmação genérica sobre “cumprir requisitos” e “melhorar continuamente”, como milhares de exemplos disponíveis no Google. 


A política não serve para impressionar auditores; serve para alinhar a organização em torno de um foco comum e de uma proposta de valor concreta.

Vou dar um exemplo de aplicação das perguntas. Há dias no LinkedIn vi que a Jofebar está à procura de alguém para gerir o sistema da qualidade. Não conheço a Jofebar, nunca conversei com quem tenha trabalhado na empresa, mas com base em artigos de jornal tenho escrito sobre ela:
Com base nestes postais e na informação no seu site, vou aplicar as minhas perguntas para escrever uma política da qualidade. Para não abusar demasiado vou usar um outro nome, vou-lhe chamar Vitrumo.
Na Vitrumo, desenvolvemos e fabricamos sistemas de caixilharia e janelas minimalistas com elevada exigência técnica e estética. A nossa identidade está ancorada na capacidade de transformar conceitos arquitectónicos ambiciosos em soluções construtivas fiáveis, belas e precisas.

Servimos principalmente arquitectos e clientes exigentes no segmento da construção premium internacional. Estes valorizam a sofisticação técnica, a liberdade criativa e a fiabilidade na execução — e é esse o desafio que orienta o nosso sistema de gestão da qualidade.

Trabalhamos em estreita colaboração com fornecedores especializados, equipas de montagem, parceiros de engenharia e agentes reguladores, e valorizamos especialmente o contributo dos arquitectos enquanto motores de inovação estética e funcional.

Para garantir a confiança de todas as partes interessadas relevantes e cumprir a promessa que fazemos aos nossos clientes, comprometemo-nos a:
  • Dominar os materiais, as tecnologias e os processos com rigor e flexibilidade, assegurando que cada projecto é tratado como único.
  • Desenvolver soluções inovadoras que respeitam os requisitos normativos e técnicos, sem comprometer a liberdade artística dos projectistas. 
  • Montar cada sistema com a mesma atenção ao detalhe com que foi concebido. 
  • Melhorar continuamente o nosso sistema de gestão da qualidade como ferramenta para alinhar os nossos métodos com a nossa visão estratégica: sermos líderes em sofisticada personalização técnica.
Esta política é o espelho do nosso compromisso com a qualidade — não como fim burocrático, mas como expressão coerente da forma como escolhemos competir.

Olhemos agora para a cláusula 5.2.1 da ISO 9001:2015. Damos resposta a todos os requisitos? 

Penso que sim. Reconheço, no entanto, que um auditor menos flexível talvez gostasse de tornar mais explicíto o compromisso "c) includes a commitment to satisfy applicable requirements;." Pediria para incluirmos mais uma alínea a dizer: "Comprometemo-nos a satisfazer os requisitos aplicáveis, incluindo os legais, regulamentares e contratuais."

Acham mesmo que em termos práticos há diferença entre isso e "Desenvolver soluções inovadoras que respeitam os requisitos normativos e técnicos, sem comprometer a liberdade artística dos projectistas. "?

Agora pensem no papel desta política da qualidade para alinhar, para:
  • orientar os trabalhadores nas decisões a tomar no dia-a-dia;
  • explicitar aos decisores quais as prioridades a seguir.
Na parte VIII avançamos para a etapa 3 "Estabelecer verdadeiros objectivos" 

No capítulo 11 do meu livro "Balanced Scorecard - Concentrar uma organização no que é essencial" escrevo:

Ou será que a etapa 3 é "Modelar a empresa como um verdadeiro conjunto de processos interactuantes"?


A parte VIII sairá apenas após o dia 15 de Agosto e esclarecerá que rumo seguir.

sábado, agosto 02, 2025

Curiosidade do dia


As queixas dos produtores de uva do Douro, as queixas do produtores de vinho portugueses, as queixas dos produtores de vinho franceses, as queixas dos produtores de champanhe, as queixas dos produtores de vinho alemães.

E os ingleses?

Ontem no The Times em "British winemaker toasts a sales rise":
"England's biggest winemaker has reported sparkling double-digit sales growth for the first half of the year, boosted by new international partnerships and strong off-trade performance."
Será que os players tradicionais olham para isto e procuram perceber o que está a mudar?

Melhorar o retorno da certificação ISO 9001 (parte VI)

Parte I, Parte II, Parte IIIParte IV e Parte V.


OK, a empresa decidiu que precisa de outro sistema de gestão, um que esteja alinhado com a estratégia da empresa.

No final do século passado, primeiros anos deste século, tive oportunidade de começar a trabalhar de acordo com a metodologia que estou a apresentar nesta série de postais. Nessa altura, início do choque chinês, o trabalho começava quase sempre por reformular a estratégia, construir uma estratégia nova porque a anterior, mesmo que apenas implícita, já não estava a funcionar e isso via-se pelos resultados financeiros, perda de clientes, perda de margens. O primeiro caso nem foi por causa dos chineses, foi por causa dos concorrentes turcos atraírem um conjunto de marcas escandinavas, habituadas a produzir as suas peças têxteis em Portugal, por causa dos seus preços mais baixos.

2º Inocular orientação estratégica através da política

Consideremos o exemplo que se segue:

As empresas que geram cada um desses produtos têm o mesmo SGQ? Têm as mesmas prioridades? Claro que não.

Comecemos pelo contexto interno e externo (claúsula 4.1). Especulo:

Continuemos com as partes interessadas (cláusula 4.2). Continuo a especular:


Por exemplo, as diferenças entre as partes interessadas da Rolex e da Casio traduzem-se directamente em escolhas distintas dentro dos SGQ. Por exemplo, a nível de gestão de fornecedores:


Recordo a diferença entre as bolas pretas, azuis e vermelhas. Diferentes estratégias, diferentes escolhas, diferentes arranjos organizacionais.

Agora foquemos a nossa atenção na política da qualidade. Quando olhamos para uma política da qualidade vêmos claramente essas escolhas, essas diferentes de partes interessadas e de contexto? 

Acabei de ir ao Google e escrever "quality policy example" encontrei logo este exemplo (primeira imagem que me aparece):

Vamos lá descascar este exemplo:
"Your Company will consistently provide products and services that meet or exceed the requirements and expectations of our customers. We will actively pursue ever improving quality through programs that enable each employee to do their job right the first time and every time."
Fica claro quais são os "requirements and expectations of our customers"?
Fica claro quais são os clientes-alvo?
Fica claro quais são os nossos produtos e serviços?

A resposta às perguntas é: Não!


Vamos aplicar o teste que aprendi com Roger Martin. Vamos negar a política da qualidade do exemplo:

"Your Company will not consistently provide products and services that meet or exceed the requirements and expectations of our customers. We will not actively pursue ever improving quality through programs that enable each employee to do their job right the first time and every time."

Esta versão parece absurda, é absurda — ninguém a adoptaria ou defenderia. E é exatamente esse o ponto. Se uma afirmação se torna absurda quando negada, então o original não era uma estratégia — era um lugar-comum. 

Se pesquisarem o Google e pedirem exemplos de políticas da qualidade vão ficar inundados por declarações que não têm qualquer componente estratégica pois estão cheias de lugares-comuns:

  • Não têm escolhas - Tentam ser tudo para todos.
  • Não têm foco - "Consistentemente", "atingir ou superar", "todas as vezes" são aspirações.
  • Sem alternativas consideradas - Descrevem a perfeição como padrão, sem reconhecimento de limites, riscos ou prioridades.
  • Acordo universal - Ninguém argumentaria contra... o que as torna sem sentido em termos de diferenciação.
E como é a política da qualidade da sua empresa? É clara quanto às escolhas? Proporciona foco? Considera alternativas? 

Na parte VI vou descrever o racional que uso para ajudar uma empresa a formular uma política da qualidade com estratégia inoculada.

Atenção!!! Não estou a dizer que o exemplo de política da qualidade acima não cumpre os requisitos da ISO 9001, estou a dizer que não tem utilidade para alinhamento estratégico por falta de clareza, por estar cheia de lugares-comuns. Embora não consiga ver como é que a cláusula 5.2.1 a) "is appropriate to the purpose and context of the organization and supports its strategic direction" é respeitada com o template acima. 

sexta-feira, agosto 01, 2025

Curiosidade do dia

As empresas de automóveis ocidentais acusam os concorrentes chineses. As acusações insinuam subsídios estatais, práticas desleais de concorrência e a “ameaça” à indústria local.

Agora a BYD está a entrar no Brasil. Expandindo a sua presença industrial com fortes investimentos em fábricas e tecnologia - um movimento que incomoda os players tradicionais.

A marca tem ganhado visibilidade como alternativa real aos carros a combustão, com modelos acessíveis, desempenho competitivo e tecnologia própria.

Vai daí os players tradicionais (Toyota, Stellantis, Volkswagen e General Motors) resolveram escrever uma carta ao presidente do Brasil a pedir protecção.

A BYD resolveu responder-lhes "'Preguiçosos' e 'dinossauros': a dura resposta da BYD às montadoras" a páginas tantas lêsse:

"Agora, chega uma empresa chinesa que acelera fábrica, baixa preço e coloca carro elétrico na garagem da classe média, e os dinossauros surtam. Não foi por acaso que uma concorrente reduziu o valor de um modelo elétrico em mais de 100 mil reais depois da chegada da BYD. Por que antes custava tanto?", prossegue."

Alguém perguntou ao Grok:

Costumava ouvir Carlos Magno dizer, nos seus diálogos com Amaral Dias:

Um brasileiro é um português à solta.

Mais nada! 

Melhorar o retorno da certificação ISO 9001 (parte V)

Parte I, Parte II, Parte III e Parte IV.  

A minha intervenção começa depois de se reconhecer que se tem um problema. Eu não participo nesse reconhecimento porque não estou a trabalhar com a empresa. Tem de ser a gestão de topo ou alguém com pensamento para lá da certificação a dar o primeiro passo. Depois, assim que entro, ajudo a quantificar, a retratar o ponto de partida.


1º Reconhecer que se tem um problema

Muitas empresas não reconhecem que têm um problema, simplesmente ignoram-no. As outras podem reconhecer que os seus sistemas de gestão da qualidade têm um baixo retorno quando, apesar do esforço e dos recursos investidos, os benefícios obtidos são escassos, pouco visíveis ou não justificam o custo. Alguns sinais concretos que podem ajudar a identificar essa situação passam por:

  • Falta de impacte nos resultados do negócio: O SGQ não contribui para reduzir custos (rejeições, retrabalho, desperdício, falhas de serviço). Não se nota melhoria na satisfação ou fidelização dos clientes. Os indicadores estão todos "verdes", mas o desempenho do negócio está estagnado.
  • Os processos mantêm-se ineficazes ou mal desenhados: Persistência de retrabalho, erros e improvisações, mesmo em processos críticos. O SGQ não influencia a forma como os processos são planeados e operados. Falta de revisão real dos processos com base em dados e objectivos.
  • Sistema burocrático e afastado das operações: O SGQ é visto como um fardo documental e não como uma ferramenta de gestão. Documentos e procedimentos existem apenas para satisfazer a certificação. A equipa operacional não conhece nem usa os documentos do SGQ no dia-a-dia.
  • Falta de alinhamento com os objectivos estratégicos: O SGQ não ajuda a definir, a acompanhar ou a alcançar os objectivos estratégicos da empresa. A gestão de topo vê o SGQ como uma função de suporte, não como uma ferramenta de gestão. A melhoria contínua é tratada como obrigação e não como oportunidade.
  • Penso que o sinal mais forte é manter um sistema de gestão da qualidade e ao memo tempo ter um desempenho financeiro negativo ou indesejado. Este é o sinal que pode dar mais impulso à mudança. 
Recordo John Kotter e o seu "see, feel, change". Kotter argumenta que não basta apresentar dados racionais (factos, gráficos, análises) para convencer as pessoas a mudarem. É necessário criar uma experiência emocional que as leve a sentir a urgência da mudança — só então estarão preparadas para agir.

See - Ajudar as pessoas a verem a realidade atual de forma clara e concreta. Por exemplo, mostrar um vídeo de um cliente frustrado em vez de um slide com os números das reclamações.

Feel - Criar uma reação emocional: frustração, urgência, orgulho, empatia, vergonha, entusiasmo... qualquer emoção que ajude a quebrar a inércia.

BTW, por isso é que o meu avatar no Twitter, desde 2009, é:


A importância da sensação de urgência!

Change - A emoção despertada gera motivação e energia para agir — e não apenas para compreender intelectualmente a necessidade da mudança.

Decidir que se tem de mudar é difícil:

  • Tem de se vencer o falso conforto da conformidade. Mesmo quando os resultados são medíocres, o facto de a empresa ter um certificado em vigor cria uma ilusão de controlo e competência. A gestão de topo tende a confundir conformidade com eficácia. Assim, a certificação serve de escudo contra a necessidade de reconhecer falhas internas.
  • Tem de se vencer a cegueira organizacional. A gestão pode simplesmente não compreender o que deveria estar a ver. O sistema pode parecer invisível, irrelevante ou "entregue aos técnicos". Isso reforça a percepção de que não há problema — apenas "burocracia".
  • Tem de se vencer o ciclo vicioso da desvalorização. Quando a gestão desvaloriza o sistema, o sistema torna-se efectivamente irrelevante. Isso reforça o ciclo: ninguém o usa, ninguém o sente como útil — logo, ninguém reconhece que está mal.

Antes de "ver", é preciso ajudar a questionar crenças enraizadas:
  • "Temos clientes fiéis, por isso o sistema funciona."
  • "Já somos certificados, não precisamos de mais."
  • "Os problemas são normais no nosso sector."
Estas narrativas anestesiam a vontade de reconhecer problemas. Conseguir estilhaçá-las  pode passar por:
  • Casos comparativos (benchmarking negativo).
  • Vozes internas ignoradas (clientes, colaboradores, técnicos).
  • Dados externos ou inesperados (clientes perdidos, crises reputacionais).
Um dos últimos trabalhos que fiz foi na origem desencadeado por um auditor externo que criticou o que viu. 

Reconhecer que se tem um problema não basta — é apenas o início. Depois de ver, sentir e aceitar que o sistema atual não tem impacte, é necessário decidir para onde se quer ir. E aqui entra a política da qualidade. A política é o veículo mais explícito da intenção estratégica dentro do SGQ. Se o sistema precisa de mudar, a bússola dessa mudança tem de ser redefinida. É por isso que o segundo passo não é começar a escrever procedimentos, mas inocular uma nova orientação estratégica na política - clara, diferenciadora e coerente com as escolhas reais da empresa.

Só com essa nova intenção tornada explícita — e compreendida — é que o sistema de gestão da qualidade pode deixar de ser um ritual de conformidade para passar a ser uma ferramenta de gestão.

Quando comecei a escrever pensei que as etapas 1 e 2 podiam fazer parte do mesmo postal, mas agora percebo que é melhor separar-las para evitar um texto demasiado comprido.

quinta-feira, julho 31, 2025

Curiosidade do dia

 
""Every second, France's debt rises by €5,000. Every second France is now the country with the highest public spending in the world. We must take responsibility; this is the last stop before the cliff."
Figures are indeed dire. French public debt has reached 113.7 per cent of GDP, amounting to €3.3 trillion, with €44.5 billion in interest paid last year, roughly the size of France's defence budget. As for France's deficit, it has skyrocketed to 5.8 per cent of GDP. Only Slovakia is doing worse in the whole of the Eurozone.
...
For the French, reality is a foreign concept, better left to Anglo-Saxons. France's public debt may reach catastrophic levels but we French refuse to change the way we live and to renounce all the perks of a very generous welfare system.
...
Just like the retirement age. All of our neighbours have raised it to 66, sometimes 70, simply to keep up with demographics. But the French won't hear of it and are clinging on to 60.
...
For the economist and Sorbonne professor François Facchini, an expert on France's public spending, what is needed is shock therapy and profound reforms."
São relatos como este que me convencem que algures no futuro vai ser criada uma guerra na Europa para poder ser criado um estado de excepção que permita fazer um reset dos "direitos adquiridos."

Como dizia o Camilo Lourenço esta manhã: A economia cresce 1,4% e a despesa do SNS cresce 10,8%, como é que isto pode ser sustentável?!

And by the way para os promotores do grátis:
"Facchini says. "When a public service is free, for instance in the health sector, demand will always get higher and higher, and the state will at some point need to ration it.""

Trechos retirados de "French in denial about the size of their debt - The bill is rising by €5,000 a second, but the public won't countenance an end to their perks" publicado no The Times de 30 de Julho último.

Uma obsessão saudável


Nunca tive uma miniatura Tamiya, mas namorei-as várias vezes durante a minha infância (nas montras do Bazar Paris). 

No NYT (edição internacional) do passado dia 28 de Julho encontrei o artigo "He brought perfection to plastic model kits."

O artigo é sobre a vida de Shunsaku Tamiya — que transformou uma pequena serralharia numa marca mundial de modelos plásticos — é uma poderosa ilustração do impacte transformador que uma pessoa apaixonada pode ter num produto, numa marca, numa empresa. 

Uma paixão autêntica pelo detalhe e pela excelência pode gerar produtos incomparáveis, que nem os concorrentes maiores conseguem igualar. As pessoas que sentem o produto vão mais longe do que os que apenas gerem o produto. A obsessão pela qualidade gera uma vantagem competitiva real.
"To make a miniature replica of a Porsche 911 that was perfect down to the shape and placement of the engine, he bought one of the expensive German sports cars... and disassembled everything that could be disassembled."
O que começa como uma obsessão pessoal pode, com consistência e convicção, transformar-se numa marca global com identidade distinta. A paixão cria coerência, e a coerência sustenta a confiança.
"He turned his family's plastic model business into a global brand."

A paixão leva ao estudo profundo. Isto distingue os verdadeiros criadores dos meros copiadores. Quem se importa realmente com o que faz vai mais fundo — e isso vê-se no produto/serviço. 

"He visited military museums around the world to research archives and take pictures of tanks, warships and aircraft... then memorized the details, recording them in a notebook afterward."

O mercado recompensa a autenticidade e o compromisso visível com a qualidade. A fidelidade nasce quando o cliente sente que está a comprar mais do que um produto — está a comprar a paixão de alguém por aquilo que faz.

quarta-feira, julho 30, 2025

Curiosidade do dia

O NYT de ontem trazia um artigo, "Citizen Scientists Are Helping to Fuel Ecology Research" que me fez recuar aos tempos iniciais da Quercus juntamente com o GEPFA de Portalegre (acho que era assim que se chamava) e o Centro Ecológico de Lisboa. Amadores a trocar cromos e a partilhar informação sobre observações ornitológicas: Que espécies, quantos casais nidificantes, quantas crias, onde? Até recordo um moço de Lisboa que começou a recolher informação nacional que voluntários lhe enviavam sobre animais mortos nas estradas.

O artigo descreve o crescente impacte da ciência "cidadã", especialmente através da plataforma iNaturalist, no avanço da investigação ecológica e biológica. Observações submetidas por utilizadores comuns têm sido integradas em mais de 5.000 artigos científicos revistos por pares, ajudando a identificar novas espécies, a rastrear alterações nos habitats, a documentar a presença de organismos invasores, e a estudar os efeitos das alterações climáticas.

O artigo destaca que este fenómeno está a transformar a forma como a ciência é feita, tornando-a mais participativa e distribuída. Com o aumento das capacidades dos smartphones, a recolha e partilha de dados naturalistas tem crescido exponencialmente, gerando uma base de dados global com milhões de registos úteis para investigadores de todo o mundo.

Curiosidade: Na Quercus isto acabou por gerar choques entre os "amadores" amantes da Natureza e os "profissionais, académicos de secretária, que nunca iam ao campo mas usavam a informação dos amadores para escrever "papers" sem reconhecerem a sua contribuição.

Existem dragões, podem crer.

Ontem numa caminhada matinal junto ao mar de Gaia ouvi Jordan Peterson interpretar psicologicamente a estória infantil “There’s No Such Thing as a Dragon” escrita por Jack Kent.

Um dia, o pequeno Billy Bixbee encontra um dragãozinho na sua casa. Ele conta à sua mãe, mas ela responde:

"Não existem dragões."

Então, de cada vez que o dragão aparece ou cresce, a mãe insiste que não existe, mesmo quando o dragão começa a ficar cada vez maior. Como ninguém o reconhece, o dragão vai crescendo... até se tornar gigante e levar a casa inteira com ele.

No final, quando finalmente aceitam que o dragão existe, ele encolhe novamente e volta a ser pequenino.

A história é uma metáfora sobre não ignorar os problemas. Quanto mais se ignora um problema - dizendo que "não existe" — maior ele se torna. Só quando é reconhecido e enfrentado é que pode voltar a uma dimensão controlável.

Já escrevi sobre isto aqui no blogue há uns anos. As empresas "ganham" um problema. Em vez de o enfrentarem, escondem-no, usam pensos rápidos, adiam, e o problema vai-se acumulando e crescendo. Quando finalmente têm de o solucionar, ele já está enorme.

Entretanto, durante a caminhada, chegaram as 8 da manhã e passei a ouvir o programa diário de Camilo Lourenço. A certa altura Camilo critica, e bem, o governo por causa disto "Governo afasta aumento do preço da água no Alqueva". Destacou o medo como o principal motivo para esta postura do governo. O medo, portanto, como outro factor que contribui para o crescimento dos problemas. Depois, falamos dos rinocerontes cinzentos.

Também ontem, mas no FT, li "Volkswagen embodies the challenge ahead for European industry", de Arno Antlitz (chief financial officer e chief operating officer do Grupo Volkswagen). O autor analisa os desafios profundos enfrentados pela indústria automóvel europeia, com a Volkswagen como caso emblemático, e argumenta que os problemas não se limitam a uma empresa, mas são reflexo de um problema estrutural mais vasto: o declínio da produtividade na Europa face a rivais como os EUA e a China. A resposta não pode ser apenas investimento — é preciso uma transformação estrutural profunda que envolva reformas laborais, adaptação tecnológica, novas parcerias globais e uma mudança de mentalidade nas empresas e nas políticas da UE.

"Carmakers' woes reflect a deeper, long-term issue: Europe's widening productivity gap.

...

Over the past 25 years, labour productivity growth in the US has outpaced that of Europe by at least a percentage point on average per year.

...

But one thing has become clear: investment alone is not enough. Structural reform must come first - both at Volkswagen and in the EU. Without changing how we work, build and organise, even the boldest investments will fall short. Industrial competitiveness depends on core efficiency.

Priority reforms for the EU include more flexible labour markets and smarter regulation that supports rather than stifles innovation. It also means being pragmatic: securing access to critical raw materials and adopting technology partnerships where speed matters more than self-sufficiency. 

...

"Profit" should not be something we need to excuse. It is the foundation for a sustainable business model and for securing jobs and prosperity."

O artigo detalha uma série de decisões tomadas no interior da Volkswagen. 

Tal como na história do dragão, o erro não foi o dragão aparecer. O erro foi fingir que ele não existia. Tal como na indústria europeia, o problema não é a produtividade ter caído — o problema é ter-se partido do princípio de que isso não era estrutural. 

Nota 1: Aliás, dá para perceber que este tipo de agricultura é um enorme embuste, vive de: subsídios comunitários, água subsidiada, combustível subsidiado e imigrantes baratos."

Nota 2: "A mesma associação frisa ainda que a rentabilidade das explorações produtoras de culturas anuais (milho, tomate, hortícolas e forragens) "seria posta em causa". E calcula que nestes casos, seguindo a posição do gestor da EDIA, a água passaria a representar um encargo de 20% a 35% do custo direto da produção por hectare." Um modelo agrícola que cresce sustentado em ilusão e dívida pública, um dragão que se alimenta de défices pagos pelos “saxões do costume” — os contribuintes. Ao impedir que os sinais reais de preços e custos façam o seu papel, estamos a adiar a transformação necessária para tornar a agricultura mais resiliente, mais produtiva e mais adaptada ao contexto de escassez hídrica em que vivemos. Tal como na história do dragão de Billy Bixbee, quanto mais o ignoramos, maior ele se torna. Até ao dia em que já não cabe na casa.

Nota 3: Não gosto que, como Erik Reinert tantas vezes sublinha, Arno Antlitz use indistintamente os termos produtividade e competitividade (parece que é típico de alemão). São duas coisas que podem ser completamente diferentes como ilustra a figura que se segue:


terça-feira, julho 29, 2025

Curiosidade do dia

 


"Japanese people are known for following rules diligently and obeying the social and legal norms. The same characteristics were on display by the locals when the toll system crashed in the country in April this year. As the system malfunctioned on some of the busiest roads, the vehicles were allowed to pass freely through the toll gates, with users urged to pay the fee later online. While most people would have gladly taken the free ride, 24,000 people paid the money later, highlighting the impeccable sense of civic duty of Japanese people."

Trecho retirado de "Japan's Toll System Crashes For 38 Hours, 24,000 Still Voluntarily Pay The Fees

"All big UK companies will be forced to report on how long they take to pay suppliers, as ministers seek to crack down on late payments.

Jonathan Reynolds, business secretary, is expected to publish a small business strategy in August that will lay out several measures designed to boost small and medium-sized enterprises, according to people familiar with the matter. The measures will include making companies with more than 250 employees disclose their payment performance in annual reports and giving audit committees greater responsibilities to make sure management addresses the subject. "The idea is that audit committees will put more pressure on executive teams and the rest of the boards to do the right thing. Because they are nonexecutives, they can take a more independent approach to best practice," said one person familiar with the plans.

This month the government laid draft secondary legislation in parliament that would force large companies to include information in their annual reports on how long it takes to pay suppliers."

Trecho retirado de "Big companies to put supplier payment times in their reports"

Melhorar o retorno da certificação ISO 9001 (parte IV)

Parte I, Parte II e Parte III. 

Por que é que a aplicação da abordagem por processos falha?

  • Foco excessivo em documentação e procedimentos. A norma é interpretada de forma literal, levando à criação de documentos redundantes apenas para "cumprir requisitos", o que torna o sistema burocrático sem melhorar verdadeiramente os processos.
  • Mapeamento superficial ou inadequado dos processos. Ignorar o mapeamento e a análise inicial dos processos existentes resulta em lacunas não identificadas. Sem compreender totalmente as sequências e interacções, não se definem responsáveis claros nem pontos de controlo eficazes.
  • Confundir departamentos com processos de negócio. Tratar funções departamentais isoladas como se fossem processos completos, em vez de gerir processos transversais que agregam valor do início ao fim. Ou seja, considerar Compras, Vendas e Produção cada um como um processo independente, sem mapear a ligação entre eles (como um pedido do cliente que atravessa várias áreas), o que impede a visão sistémica e a optimização do fluxo de trabalho.
  • Ossificação ou cristalização dos processos, o que leva à estagnação. Uma abordagem rígida, sem revisão contínua, deixa os processos estagnados no tempo. Dificulta-se a inovação e a adaptação a mudanças do mercado ou a requisitos dos clientes.

O que é que a abordagem sistémica à gestão pressupõe e falha na sua aplicação?

  • Não há relação entre os objectivos da empresa e os objectivos dos processos. Explico melhor, dizer que o somatório dos objectivos dos processos é igual aos objectivos da empresa é não considerar a emergência, uma propriedade fundamental dos sistemas e que o povo traduz por "o todo é mais do que a soma das partes". Ou seja, optimizar o todo, (a organização), implica subordinar alguns processos a outros, daí a clássica imagem dos silos e deste exemplo que uso há anos:


Lembro-me de exemplos de empresas em que o departamento de Comercial ganha vendas não lucrativas porque as vendas são boas para o bónus departamental, mesmo que não sejam lucrativas. O argumento é: isso não é problema meu!


Ou o departamento de Compras que alcança grandes bónus com as poupanças obtidas, enquanto o resto da empresa é atormentada por problemas de qualidade, atrasos ou erros dos fornecedores. O argumento é: isso não é problema meu!


Ou o departamento de Produção tão focado no cumprimento dos objectivos de eficiência que não se preocupa com os acordos com os clientes a nível de prazos de entrega. O argumento é: isso não é problema meu!


Ou o cliente que negociou uma entrega especial, pagou mais por ela, contratou uma equipa para receber e aplicar a entrega e, em seguida, ... já adivinharam, a entrega não é realizada porque o departamento da Logística é valorizado por minimizar os custos de envio e está à espera de mais encomendas para consolidar a entrega. Já sabem qual o argumento ... isso não é problema meu!


A abordagem sistémica à gestão pressupõe definir onde se quer chegar, perceber que existe uma coisa chamada obliquidade, e formular o caminho para lá chegar. Os resultados de hoje resultam dos processos actuais, se queremos resultados futuros diferentes temos de fazer alterações nos processos para criar os processos do futuro, processos diferentes dos processos actuais (pelos alguns deles serão diferentes).


A abordagem sistémica à gestão trabalha com a abordagem por processos através desta representação metafórica:


Os resultados da organização como um todo (Y) são fruto do trabalho realizado em alguns dos processos da organização (xi).

O subordinar alguns processos a outros depende da orientação estratégica, o tal ingrediente que a ISO 9001 não contempla.

Na Parte V desta série vamos abordar o reconhecimento do problema e a vertente da estratégia através da política do sistema de gestão:

segunda-feira, julho 28, 2025

Curiosidade do dia

"ao importarmos maciçamente gente indiferenciada sem qualificação profissional, estamos a alimentar um modelo baseado em empresas com baixíssimo valor acrescentado, fraquíssima produtividade e salários muito baixos."

Em sintonia com o que temos escrito aqui no blogue ao longo dos anos. Por exemplo:

Trecho retirado de "A imigração e a economia" de Luís Mira Amaral e publicado no caderno de Economia do semanário Expresso do passado dia 25 de Julho.