Ontem numa caminhada matinal junto ao mar de Gaia ouvi Jordan Peterson interpretar psicologicamente a estória infantil “There’s No Such Thing as a Dragon” escrita por Jack Kent.
Um dia, o pequeno Billy Bixbee encontra um dragãozinho na sua casa. Ele conta à sua mãe, mas ela responde:
"Não existem dragões."
Então, de cada vez que o dragão aparece ou cresce, a mãe insiste que não existe, mesmo quando o dragão começa a ficar cada vez maior. Como ninguém o reconhece, o dragão vai crescendo... até se tornar gigante e levar a casa inteira com ele.
No final, quando finalmente aceitam que o dragão existe, ele encolhe novamente e volta a ser pequenino.
A história é uma metáfora sobre não ignorar os problemas. Quanto mais se ignora um problema - dizendo que "não existe" — maior ele se torna. Só quando é reconhecido e enfrentado é que pode voltar a uma dimensão controlável.
Já escrevi sobre isto aqui no blogue há uns anos. As empresas "ganham" um problema. Em vez de o enfrentarem, escondem-no, usam pensos rápidos, adiam, e o problema vai-se acumulando e crescendo. Quando finalmente têm de o solucionar, ele já está enorme.
Entretanto, durante a caminhada, chegaram as 8 da manhã e passei a ouvir o programa diário de Camilo Lourenço. A certa altura Camilo critica, e bem, o governo por causa disto "Governo afasta aumento do preço da água no Alqueva". Destacou o medo como o principal motivo para esta postura do governo. O medo, portanto, como outro factor que contribui para o crescimento dos problemas. Depois, falamos dos rinocerontes cinzentos.
Também ontem, mas no FT, li "Volkswagen embodies the challenge ahead for European industry", de Arno Antlitz (chief financial officer e chief operating officer do Grupo Volkswagen). O autor analisa os desafios profundos enfrentados pela indústria automóvel europeia, com a Volkswagen como caso emblemático, e argumenta que os problemas não se limitam a uma empresa, mas são reflexo de um problema estrutural mais vasto: o declínio da produtividade na Europa face a rivais como os EUA e a China. A resposta não pode ser apenas investimento — é preciso uma transformação estrutural profunda que envolva reformas laborais, adaptação tecnológica, novas parcerias globais e uma mudança de mentalidade nas empresas e nas políticas da UE.
"Carmakers' woes reflect a deeper, long-term issue: Europe's widening productivity gap.
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Over the past 25 years, labour productivity growth in the US has outpaced that of Europe by at least a percentage point on average per year.
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But one thing has become clear: investment alone is not enough. Structural reform must come first - both at Volkswagen and in the EU. Without changing how we work, build and organise, even the boldest investments will fall short. Industrial competitiveness depends on core efficiency.
Priority reforms for the EU include more flexible labour markets and smarter regulation that supports rather than stifles innovation. It also means being pragmatic: securing access to critical raw materials and adopting technology partnerships where speed matters more than self-sufficiency.
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"Profit" should not be something we need to excuse. It is the foundation for a sustainable business model and for securing jobs and prosperity."
O artigo detalha uma série de decisões tomadas no interior da Volkswagen.
Tal como na história do dragão, o erro não foi o dragão aparecer. O erro foi fingir que ele não existia. Tal como na indústria europeia, o problema não é a produtividade ter caído — o problema é ter-se partido do princípio de que isso não era estrutural.
Nota 1: Aliás, dá para perceber que este tipo de agricultura é um enorme embuste, vive de: subsídios comunitários, água subsidiada, combustível subsidiado e imigrantes baratos."
Nota 2: "A mesma associação frisa ainda que a rentabilidade das explorações produtoras de culturas anuais (milho, tomate, hortícolas e forragens) "seria posta em causa". E calcula que nestes casos, seguindo a posição do gestor da EDIA, a água passaria a representar um encargo de 20% a 35% do custo direto da produção por hectare." Um modelo agrícola que cresce sustentado em ilusão e dívida pública, um dragão que se alimenta de défices pagos pelos “saxões do costume” — os contribuintes. Ao impedir que os sinais reais de preços e custos façam o seu papel, estamos a adiar a transformação necessária para tornar a agricultura mais resiliente, mais produtiva e mais adaptada ao contexto de escassez hídrica em que vivemos. Tal como na história do dragão de Billy Bixbee, quanto mais o ignoramos, maior ele se torna. Até ao dia em que já não cabe na casa.
Nota 3: Não gosto que, como Erik Reinert tantas vezes sublinha, Arno Antlitz use indistintamente os termos produtividade e competitividade (parece que é típico de alemão). São duas coisas que podem ser completamente diferentes como ilustra a figura que se segue:

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