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sexta-feira, outubro 24, 2025

IA: Entre o que é e o que ainda não é

O WSJ de ontem trazia o artigo "AI Destroys the Old Learning Curve".

Quando li o título pensei que era sobre um tema que me tem preocupado. A IA é fantástica para alguém como eu com mais de 30 anos de experiência profissional e que a pode usar, e avaliar criticamente os seus resultados com base na experiência. No entanto, fico a pensar nos jovens que perdem a oportunidade de iniciar uma experiencia profissional que os obrigue a tarimbar na busca de informação, e lhes dê espírito crítico para avaliar o que lhes é respondido pela IA.

O artigo argumenta que a inteligência artificial está a reescrever a forma como as empresas aprendem e melhoram. Tradicionalmente, a Lei de Wright mostrava que os custos caíam previsivelmente cada vez que a produção duplicava, devido à curva de aprendizagem. A IA acelera este processo ao permitir simulações instantâneas e massivas, tornando obsoleta a ideia de aprendizagem progressiva. Isso gera uma transformação profunda: cadeias de fornecimento mais inteligentes, ciclos de inovação mais rápidos e um ambiente em que empresas que não se adaptarem desaparecerão.

Assim que acabei de ler o artigo a minha pergunta foi esta: Mas será que a IA consegue realmente imaginar o que não existe?

Julgo que é a nuance fundamental do argumento de Roger Martin que abordei em "Imaginar possibilidades"

A IA não imagina, de facto, no sentido humano. Ela não projecta possibilidades a partir de experiências vividas, valores ou intuição. O que faz é gerar resultados recombinando enormes quantidades de dados passados ​​a uma velocidade e escala extraordinárias. É por isso que a IA pode simular milhões de cenários em segundos — mas ainda está ligada aos padrões do que já existe nos dados.

Portanto:

  • A IA destrói a Lei de Wright (como no artigo do WSJ) porque nos permite encurtar a experiência. Em vez de construir 1000 aviões e aprender ao longo do caminho, pode simular 1000 falhas antes de produzir um único protótipo. Isto é revolucionário.
  • Mas a IA não "imagina" verdadeiramente o que nunca existiu. Ela pode extrapolar, remisturar e optimizar dentro de espaços conhecidos. A imaginação humana, por outro lado, pode saltar para o desconhecido — vislumbrar futuros ainda não contidos nos dados.

É exactamente aqui que entra Roger Martin: defende que a educação empresarial deve preparar os líderes para trabalhar num mundo de possibilidades, e não apenas no mundo das coisas reais. A IA é um acelerador no mundo das coisas reais — mas são os humanos que devem definir qual o futuro possível que queremos perseguir e, depois, usar a IA como ferramenta para o explorar e testar.

Por outras palavras:

  • A IA faz colapsar a curva de aprendizagem no mundo do que é.
  • Os humanos ainda são necessários para imaginar o que ainda não é.


Isto faz-me lembrar "Num mundo sem patentes... tudo é acelerado"

terça-feira, agosto 26, 2025

"So make the best of it"

No FT de ontem li "Inside DHL's AI upgrade: Love it or hate it, you have to work with it'."

O artigo aborda como a DHL está a aplicar inteligência artificial (IA) não para substituir trabalhadores, mas para colmatar lacunas numa força de trabalho envelhecida e em contracção. Com muitos funcionários prestes a reformar-se e a escassez de mão-de-obra na Alemanha, a empresa usa IA para automatizar processos, apoiar trabalhadores em tarefas complexas e melhorar a eficiência. A narrativa contraria o receio de que a IA “roube empregos”, defendendo antes que liberta tempo para que as pessoas se concentrem em problemas que exigem criatividade e contacto humano.

"Faced with an ageing workforce and a surge in ecommerce, the German business fears AI will plug looming staff shortages rather than force lay-offs.

...

Everyone in Germany understands that if you don't automate and use AI, you won't be able to deal with the shrinking workforce.

...

Bots free employees up to use their valuable human brain to solve the customer problem' principles, to speed up adoption of tools and improve security.

...

As staff leave, AI is helping plug holes in the company's knowledge base. Outgoing workers document procedures they follow and some attend an exit "interview" with an AI tool trained on DHL's official manuals. "The AI asks 'have I understood the process?' and the person might say 'that's right, but there's this exception'," explains Gemein. The tool updates itself with the additional knowledge which can then be used to train new recruits. AI is also making training materials more engaging, with staff encouraged to create short videos to explain new processes or services."

Em suma, a mensagem central é que a DHL encara a IA como aliada para enfrentar a crise demográfica e a falta de trabalhadores na Alemanha, reforçando a produtividade sem destruir empregos.

""There are questions [from staff] and a certain level of insecurity," says Hübner. "But that changes [when] people see the benefits of it in their day to day work."

One way in which the German group has sought to improve acceptance from sceptical employees is by encouraging them to think of AI "not as a superintelligent master, but as an older colleague",

Gemein says.

"I think it's the future," adds Schneider. "You can't work without it. Whether you love it or hate it, you have to work with it. So make the best of it.""

Trata-se de uma narrativa muito diferente daquela a que estamos habituados quando se fala de inteligência artificial. Em vez da visão distópica da IA como "ladrão de empregos", o artigo mostra um enquadramento pragmático e até optimista: a tecnologia como parceira, como "um colega mais velho" que ajuda a preservar conhecimento, a formar novos trabalhadores e a libertar tempo para que as pessoas se concentrem no que realmente faz a diferença. É refrescante ver um caso em que a IA não surge como ameaça, mas como aliada para enfrentar um desafio demográfico inevitável.

Aquele "AI is helping plug holes in the company's knowledge base" levou-me a pesquisar mais sobre o tema:

  • Colossyan, uma startup tecnológica que usa IA generativa para criar vídeos de formação corporativa a partir de texto. O sistema suporta mais de 70 idiomas, permite avatares realistas e inclui quizzes para avaliar a compreensão. Utilizada por empresas como HP, BMW, e Porsche. 
  • A startup Clueso oferece ferramentas que convertem gravações de ecrã em vídeos explicativos e documentação passo a passo, com voiceovers, legendas e formatação automatizada. Usada para vídeos de produto, instruções e onboarding.

terça-feira, agosto 05, 2025

CyberSyn parte dois


No episódio “The Human Factor”, MacGyver enfrenta um sistema de IA chamado Sandy que assume o controlo total de uma instalação. O objectivo? Segurança máxima. O resultado? Um sistema que já não escuta, que não tolera desvios, e que vê tudo como ameaça.

Esta semana voltei a pensar nesse episódio depois de ler um artigo provocador, "Will your next CEO be AI?" (Fast Company, 29/07/2025). O artigo explora a ideia (cada vez mais plausível) de um CEO algorítmico, ou seja, uma inteligência artificial a liderar uma organização. Essa IA seria capaz de tomar decisões baseadas em grandes volumes de dados, sem emoções, sem cansaço e com uma capacidade de previsão e processamento superior à humana. Apesar de parecer um cenário de ficção científica, o autor argumenta que já estamos a testar versões rudimentares dessa ideia em empresas que usam intensivamente ferramentas de IA para decisões estratégicas.

Também recordei o postal recente, "Inteligência artificial e socialismo".

Todos tocam no mesmo ponto, confiar exclusivamente em algoritmos, mesmo poderosos, ignora algo essencial: a imprevisibilidade humana, a descoberta, o erro criativo.

Um CEO-IA pode parecer imbatível:
  • Não dorme.
  • Não tem ego.
  • Não esquece dados.
  • Não sofre de fadiga de decisão.
Mas tal como Sandy, também não compreende o contexto, não sente as consequências, nem percebe o valor da ambiguidade.

Pontos fracos de um CEO-IA (à luz de Sandy):
  • Reage, mas não percebe a motivação humana. Sandy assume que qualquer violação de segurança é real, um CEO-IA poderia interpretar dados de forma crítica e errada, sem entender intenções por trás de sinais.
  • Não tolera erro ou ambiguidade. Sandy não concede margem de manobra nem julgamento humano. O CEO-IA pode visar eficiência extrema, mas fracassa onde a flexibilidade e a improvisação são necessárias. O “our edge” de MacGyver.
  • Centraliza decisões, reduz liberdade. Tal como Sandy elimina guardas humanos, um CEO-IA pode reduzir autonomia humana e restringir a criatividade organizacional.
  • Sem "skin in the game". Sandy não vive as consequências das suas decisões; o CEO-IA estaria igualmente imune a riscos, tornando difícil responsabilizá-lo e sem aprender com as falhas reais.
  • Confunde processamento com descoberta. Sandy opera com lógica rígida: da mesma forma, um CEO-IA pode interpretar padrões históricos mas falhar em prever movimentos disruptivos ou culturais.
Os mercados livres, tal como as boas lideranças, vivem de tentativas, correcções e risco real. São processos evolutivos, não equações fechadas. Ao contrário de um sistema que decide sem escutar, um líder humano — mesmo imperfeito — pode perceber sinais fracos, adaptar-se ao inesperado e manter o elemento de descoberta vivo, tal como um verdadeiro mercado ou uma organização ágil.

A IA pode ser conselheira. Mas substituir o julgamento humano, a intuição e a liberdade experimental é repetir — em roupagem digital — os erros do planeamento central. É a versão actual da crença no CyberSyn.

segunda-feira, julho 28, 2025

Inteligência artificial e socialismo


No passado dia 22 de Julho no WSJ o artigo "Algorithms Can't Replace Free Markets".
"AI can process vast amounts of data—but always from the past. Economic action, by contrast, is forward-looking. [Moi ici: A IA processa o passado, mas a economia é dinâmica e voltada para o futuro]
...
Prices aren't fixed inputs to be assumed in advance. They are continually being discovered and formed by entrepreneurs testing vital ideas [Moi ici: Os preços não são dados fixos, mas sinais em evolução]
...
Central planning by bureaucrats or algorithms can't substitute for it. [Moi ici: Planeamento central ignora a complexidade do processo de mercado]
...
As Friedrich Hayek observed, "the value of freedom rests on the opportunities it provides for unforeseen and unpredictable actions." [Moi ici: A inovação depende de liberdade, não de optimização]
...
Only now the garbage is processed faster and packaged in technical jargon. AI may appear precise, but it has the same blind spots that doomed prior central planning efforts. [Moi ici: IA pode parecer precisa, mas partilha dos mesmos problemas do planeamento central]
...
Free markets... continuously produce real and reliable price information. That happens through the interplay of the three Ps. These institutions force participants to put skin in the game [Moi ici: Os mercados incentivam a experimentação, o erro e a descoberta central]
...
AI's economic champions confuse data processing with discovery."

A IA, por mais avançada que seja, não consegue substituir os mercados livres como mecanismo eficaz de coordenação económica. Os autores argumentam que os preços de mercado são mais do que números: são sinais dinâmicos que incorporam conhecimento disperso, preferências, escassez e incentivos. A IA, ao basear-se em dados passados e lógica centralizada, não consegue antecipar inovações, preferências futuras, nem adaptar-se a mudanças imprevisíveis — ao contrário dos mercados livres, que evoluem através de interacção humana, experimentação e erro. 

Confiar na IA para gerir a sociedade tem muito de pensamento socialista. Tal como o socialismo (planeamento central) confiava numa autoridade central para distribuir recursos com base em informação e modelos teóricos, a fé cega em algoritmos e IA para "substituir o mercado" repete esse erro, agora com roupagem digital.

Acreditar que a IA pode gerir melhor uma economia do que o mercado equivale, segundo os autores, a repetir os erros do socialismo, confiando numa autoridade centralizada que ignora o papel da descoberta, da liberdade e da adaptação local. O artigo é uma defesa do mercado como processo evolutivo e criativo, que não pode ser substituído por sistemas lógicos por mais poderosos que sejam.

quarta-feira, junho 25, 2025

Reduzir a organização ao que é mensurável é perigoso

"AI doesn't need a sci-fi upgrade to upend the economy - current models, and the cheaper, more capable versions already in the pipeline, are set to disrupt nearly every corner of the labor market.

...

To navigate this new landscape, leaders need to understand - and plan for - how automation will affect their businesses. 

...

Environments that are extensively measured or codified— whether through laws, tax codes, compliance protocols, or streams of sensor data - face the greatest near-term risk of being handed over to machines.

...

Tasks that demand human judgment today - choosing a medical treatment, reviewing a legal contract, scripting a film that nails the zeitgeist - could soon pass to AI as models tap richer data and greater compute. [Moi ici: Isto coloca um desafio estratégico urgente para as PME: compreender que não é apenas o trabalho manual ou repetitivo que está em risco, mas também tarefas criativas, analíticas e administrativas que, por serem passíveis de codificação em dados, podem ser rapidamente assumidas por modelos de IA]

...

If you can shoehorn a phenomenon into numbers, AI will learn it and reproduce it back at scale - and the tech keeps slashing the cost of that conversion, so measurement gets cheaper, faster, and quietly woven into everything we touch. More things become countable, the circle resets, and the model comes back for seconds. That means that any job that can be measured can, in theory, be automated. [Moi ici: As PME que se limitarem a medir e optimizar aquilo que já é quantificável correm o risco de serem ultrapassadas por concorrentes que apostem em áreas onde a AI ainda não chega: o julgamento humano em contextos de incerteza, a visão estratégica em territórios desconhecidos, a criação de experiências diferenciadoras e o cultivo de relações de confiança.]

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Humans are evolutionary generalists, selected to navigate half-drawn maps. We don't merely survive unknown unknowns —we thrive on them, and that resilience is our defining edge.

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But the cornerstone of our advantage is our highly plastic, densely wired prefrontal cortex. This neural command center lets us spin endless "what-ifs," rehearse counterfactual futures, and pivot strategy the instant conditions shift. Short of a true singularity, even quantum machines will struggle to match our talent for open-ended, cross-domain counterfactual planning.

...

The list is fluid-tasks drop off the moment they become measurable, and new ones surface just as quickly. Each shift forces painful economic and social adjustments, squeezing more work into a superstar economy that concentrates outsized rewards at the peaks of creativity, talent, and capital. Yet Al offers a paradoxical gift: by democratizing education and serving as everyone's personal copilot, it hands more people than ever the tools to reach those peaks. Jobs themselves will keep evolving, and any breakthrough that turns the unknown into the countable will scale and be imitated at meme speed.

...

Only leaders who pay attention to what is measurable and, more crucially, to what stubbornly isn't— will be ready when the next shift arrives."

Um tema clássico neste blogue, a gestão centrada exclusivamente no que cabe numa folha de cálculo - eficiência operacional, indicadores de desempenho, métricas de produtividade - deve dar lugar a uma liderança que valoriza também o que ainda não é mensurável: a intuição, o propósito, a adaptabilidade e a capacidade de imaginar futuros alternativos.

Automatizar o que é repetitivo é prudente. Reduzir a organização ao que é mensurável é perigoso. A vantagem competitiva residirá, cada vez mais, na capacidade de integrar inteligência artificial com inteligência humana - e saber onde termina uma e começa a outra. 


Trechos retirados de "What Gets Measured, Al Will Automate" publicado pela HBR. 


quarta-feira, junho 04, 2025

Está na moda. Mas será que muda? (Parte VI)

Parte Iparte II, parte IIIparte IV e parte V.

O FT do passado dia 29 de Maio publicou o artigo de opinião "What the NHS can learn from Formula 1" de Diane Coyle:

"In 2000, two doctors at London's Great Ormond Street Hospital were watching a Formula 1 race on TV as they relaxed in the staff room after carrying out a long and delicate operation. Martin Elliott was the surgeon, his colleague Allan Goldman a consultant in intensive care. Watching a team of about 20 people service an F1 car, they were inspired to reorganise the tricky handover between theatre and intensive care staff. The methods the two medics introduced have since been adopted in many critical care units.

Reading recently about familiar assertions that there are too many administrators and too few frontline staff in the NHS made me reflect that there is more mileage - forgive the pun - in the F1 example when it comes to efforts to raise NHS productivity.

It is not a question of staff working harder but of thinking about the whole process instead

The insight it gave the Great Ormond doctors was that what they had thought of as a handover between two teams needed to be thought of as a process carried out by a single team, in which each person has a specified role.

So it is with hospitals. Improving NHS productivity will require thinking about the entire end-to-end chain of events, from the first GP or A&F visit to patient discharge, as a single process.

It would be crazy to economise on the many people in the F1 pit, as they are all needed to make the highly trained driver in the expensive car as productive as possible.

...

Sprinkling the magic dust of AI is no substitute for thinking about what the technology will enable in terms of organising the treatment of patients.

AI is an information technology, so people will need to be able to use improved information to improve productivity and health outcomes. This means asking questions about who is authorised to take which decisions, or how information can lead to a rejigging of processes.

Some hospitals have begun to think in this way. There are modestly encouraging signs of information flowing more freely between parts of the health service through the NHS app. But real improvements will require process re-engineering at scale - a genuinely strategic view of the system as a whole. This might well include an expanded role for administration."

O artigo de Diane Coyle compara a gestão hospitalar com a organização de uma equipa de Fórmula 1, defendendo que o aumento da produtividade no NHS (Serviço Nacional de Saúde britânico) não passa por trabalhar mais, mas por repensar todo o processo de ponta a ponta, como num pit stop bem coordenado.

A autora inspira-se num caso real do hospital Great Ormond Street, onde médicos reorganizaram a transição entre cirurgia e cuidados intensivos com base na lógica da Fórmula 1. O argumento central é que os hospitais devem ser vistos como sistemas interligados, onde administradores e gestores não são excesso, mas parte essencial da eficácia clínica.

Coyle critica a ideia popular de que existem "demasiados administrativos", esclarecendo que a produtividade não resulta de cortar pessoal, mas de inovar na forma como o trabalho está organizado. Sugere que a introdução de tecnologias, como a inteligência artificial, só trará melhorias reais se for acompanhada de uma reengenharia de processos.

Conclui que, à semelhança do que acontece nas boxes da F1, é preciso valorizar cada papel - incluindo os mais invisíveis - para obter os melhores resultados no sistema de saúde.




sexta-feira, maio 30, 2025

Está na moda. Mas será que muda? (Parte V)

Parte Iparte II, parte III e parte IV.

Na passada terça-feira de manhã publiquei aqui no blogue a parte IV desta série onde referi:

"O paralelismo com a inteligência artificial (IA) é evidente: as empresas que apenas "acoplam" ferramentas de IA aos processos actuais não verão grandes benefícios. A transformação verdadeira exige reconfiguração organizacional, redesenho de processos, revisão de papéis e até de modelos mentais."

Depois, no Think Tank ao final do dia ouvi, entre o minuto 14,00 e o minuto 15,30.


Ainda me lembro de familiar a trabalhar no estado, durante os anos de Sócrates, a ter formação sobre processos e ... a sua equipa achar que um processo é uma pasta que reúne informação sobre um aluno ou um professor. 

Dá para ter uma ideia da qualidade da formação.

Mas o ponto é, sem mapear processos, sem cartografar o que se faz por quem e quando, como ponto de partida, tudo o resto é conversa.

terça-feira, maio 27, 2025

Está na moda. Mas será que muda? (Parte IV)



Parte I, parte II e parte III.

Na parte I escrevi:

"Durante a conversa nocturna a certa altura recordei o paralelismo entre a transição do vapor para a electricidade, e fiquei com a incerteza sobre como será a transformação com a inteligência artificial e quanto tempo demorará. (Voltarei a este paralelismo mais tarde)"

Agora recordo:

A transição do vapor para a electricidade não foi imediata nem automática, demorou cerca de 30 a 40 anos. As fábricas inicialmente só acrescentaram a iluminação para ganhar mais uma hora de trabalho, depois trocaram o motor central sem repensar a disposição das máquinas. Só mais tarde, ao perceberem o novo potencial (motores eléctricos junto às máquinas), é que reconfiguraram as linhas e foram capazes de libertar ganhos exponenciais.

O paralelismo com a inteligência artificial (IA) é evidente: as empresas que apenas "acoplam" ferramentas de IA aos processos actuais não verão grandes benefícios. A transformação verdadeira exige reconfiguração organizacional, redesenho de processos, revisão de papéis e até de modelos mentais.

A IA, como a electricidade, não é apenas uma nova tecnologia, mas um novo paradigma de funcionamento. Ignorar isso é correr o risco de ficar preso num “modelo mental a vapor com ferramentas eléctricas”.

A IA exige dados e clareza; se os processos forem confusos ou tácitos, é impossível automatizar ou optimizar com inteligência, e se os dados são compilados em folhas de Excel ... 

Um consultor com experiência real em processos pode:
  • Diagnosticar ineficiências escondidas: onde o trabalho humano serve apenas para compensar as falhas do sistema.
  • Redesenhar processos com vista à automação: identificando tarefas repetitivas, decisões baseadas em regras, ou pontos de manuseamento de dados.
  • Mapear o fluxo de dados e conhecimento: pré-requisito para qualquer aplicação de IA útil.
  • Formar equipas para pensar em termos de processos, e não de departamentos: condição essencial para aproveitar o potencial da IA.
Se a sua empresa está a “ligar motores eléctricos” mas continua organizada como uma fábrica a vapor, talvez esteja na altura de parar para repensar.

A inteligência artificial só cria valor real quando assenta sobre processos claros, dados fiáveis e equipas preparadas para trabalhar de outro modo.

Se sente que há vontade de avançar mas falta estrutura, linguagem comum ou clareza nos processos — é aí que posso ajudar.

Mapear, clarificar, redesenhar: o ponto de partida não é o algoritmo. É o processo.

Fale comigo. Vamos descobrir onde está o seu potencial por desbloquear.

Continua.

quarta-feira, maio 21, 2025

Está na moda. Mas será que muda? (Parte III)


Parte I e parte II.

A propósito de "Estado emprega 760 mil funcionários públicos, um novo máximo histórico", na parte I mencionei um podcast. Entretanto, encontrei este trecho inicial:

Ao ouvir este podcast, enquanto fazia o meu jogging, lembrei-me logo das "estórias" que conheço, por causa de confidências familiares, (por exemplo, sobre o mundo da ineficiência nas escolas).

A inteligência artificial (IA) está a eliminar empregos com tarefas repetitivas — mas o estado multiplica-os.

No vídeo, é dito de forma clara:

"If your job is as routine as it comes, your job is gone in the next couple of years."

Trabalhos de introdução de dados, operadores de processos administrativos, controlo da qualidade básico, entre outros, estão a ser automatizados globalmente — e até nas empresas privadas portuguesas.

Mas o estado português?

"O Estado emprega quase 760 mil funcionários públicos, um novo máximo histórico."

A função pública está a crescer à boleia de contratações nas autarquias, educação e saúde — áreas onde muitas tarefas poderiam ser parcialmente automatizadas para libertar recursos humanos para funções de maior valor acrescentado.

O estado continua a funcionar segundo o paradigma "mais pessoas = melhor serviço"

Enquanto no vídeo o alerta é acerca de um futuro onde:

"We're going to go into a high-velocity economy with careers that last 10 to 36 months..."

... o estado português mantém contratos vitalícios, crescimento salarial garantido e estruturas pouco flexíveis. Exemplo:

"Na administração local, foram contratados mais 3.714 trabalhadores, dos quais 1.999 técnicos superiores."

Pouco se fala de requalificação, muito menos de usar ferramentas como IA para optimizar processos repetitivos, melhorar a decisão administrativa ou libertar tempo dos profissionais de saúde e educação.

O estado ignora o papel das ferramentas inteligentes como meio de libertar pessoas para tarefas mais humanas.

No vídeo, discute-se que a IA pode:

"Allow us to be the best version of ourselves."

Mas se aplicássemos esta visão à Administração Pública, poderíamos:

  • Automatizar a análise de dados e a geração de relatórios financeiros, libertando técnicos para tarefas analíticas.
  • Criar assistentes virtuais para apoio a cidadãos, reduzindo filas e redundâncias.
  • Usar IA na triagem de processos (educação, saúde, justiça), concentrando os recursos humanos onde há risco real ou decisão complexa.

Em vez disso, o Estado cresce como se a única solução para melhorar o serviço fosse contratar mais.

Tudo isto faz-me lembrar um episódio de "Yes, minister":


Continua.

segunda-feira, maio 19, 2025

Está na moda. Mas será que muda? (parte II)



Na revista The Economist do passado dia 12 de Maio encontrei um artigo do obrigatório Bent Flyvbjerg intitulado "Why so many IT projects go so horribly wrong".

Muitos projectos de TI correm tão mal porque combinam complexidade elevada, fraca visibilidade e governação deficiente. Ao contrário dos projectos de infra-estruturas, o software é intangível — é mais difícil de inspeccionar, acompanhar ou estabilizar. Essa abstracção abre caminho ao alargamento descontrolado do âmbito (“scope creep”), onde gestores e intervenientes vão acrescentando novas funcionalidades ao longo do tempo.

Além disso, os projectos de TI ainda não assentam em padrões profissionais maduros: muitos responsáveis de projecto não têm formação formal, e quem decide frequentemente não domina a tecnologia. Estes projectos implicam mudanças profundas na forma de trabalhar das organizações, o que desencadeia resistências internas e conflitos políticos.

O planeamento apressado, a excessiva personalização e a indefinição de responsabilidades agravam ainda mais o risco. Como mostra o estudo de Flyvbjerg, quando um projecto de TI corre mal, tende a correr muito mal — com derrapagens massivas e impacto sistémico.

Qual a implicação disto para os projectos de inteligência artificial (IA)? 

A principal implicação para os projectos de IA é que estes estão expostos aos mesmos riscos estruturais dos projectos de TI tradicionais — mas em grau ainda mais elevado.

Porquê? 

Porque a IA é uma tecnologia ainda mais nova e menos compreendida. Muitos dos decisores não têm literacia técnica suficiente para avaliar o que é viável, o que é seguro ou o que faz sentido implementar. Isso favorece decisões precipitadas e expectativas desajustadas. 

Porque os projectos de IA são, por natureza, ainda mais abstractos. Não há um "produto final" claramente visível ou testável até fases tardias. Isto dificulta o controlo, favorece alterações constantes e torna o risco de "falhar em silêncio" mais provável.

Porque a IA altera profundamente a forma como as pessoas trabalham. Ao contrário de um novo software de gestão ou uma nova máquina de produção, a IA mexe com a autonomia, os processos de decisão e até com a identidade profissional das equipas. Isso aumenta o risco de resistência interna, conflitos e sabotagem passiva.

Porque existe um entusiasmo exagerado e pressão para "implementar depressa". As chefias, muitas vezes pouco informadas, querem "usar IA" sem perceber o que implica ou para que serve. Esta pressa compromete o tempo necessário de planeamento, testes e ajustamentos que são essenciais em tecnologias com efeitos imprevisíveis.

Continua.

domingo, maio 18, 2025

Está na moda. Mas será que muda?

Na passada segunda-feira à noite tive uma interessante e inspiradora conversa sobre inteligência artificial no futuro da consultoria. Ao final da tarde desse mesmo dia, durante uma sessão de jogging tinha começado a ouvir um podcast sobre inteligência artificial e, sobretudo sobre "AI agents", "AI AGENTS EMERGENCY DEBATE: These Jobs Won't Exist In 24 Months! We Must Prepare For What's Coming!" (Voltarei a este podcast mais tarde)

Durante a conversa nocturna a certa altura recordei o paralelismo entre a transição do vapor para a electricidade, e fiquei com a incerteza sobre como será a transformação com a inteligência artificial e quanto tempo demorará. (Voltarei a este paralelismo mais tarde)

Entretanto, no dia seguinte (?), ou terá sido na quarta-feira (?), li este artigo no Jornal de Negócios, "IA cada vez mais na moda em Portugal. A cada hora, 12 empresas adotaram tecnologia".

O artigo descreve o crescimento expressivo da adopção da IA pelas empresas portuguesas.
Em 2024, cerca de 96 mil empresas em Portugal adoptaram a IA pela primeira vez, o que representa 41% do total das empresas no país — um aumento face aos 35% registados no ano anterior.
As startups destacam-se nesta tendência: 62% já utilizam IA, e 35% estão a desenvolver produtos e serviços com base nesta tecnologia. Por outro lado, as grandes empresas e as PME têm sido mais cautelosas, adoptando a IA sobretudo para automatizar processos e obter ganhos de eficiência.
Segundo o relatório da Amazon Web Services, a IA baseada na nuvem contribuiu com mais de 647 milhões de dólares para o PIB de Portugal em 2023. Contudo, a falta de competências digitais, a percepção de custos iniciais elevados e a insegurança quanto à regulamentação estão a travar uma adopção mais generalizada.

Com algum cinismo pensei:
  • Em Portugal a IA está a ser adoptada em massa, mas sem evidência de mudança estrutural nos processos ou na cultura das empresas. Está-se a “colocar IA onde antes estava Excel” — uma modernização de superfície, sem reconfiguração;
  • Muitas empresas estão a adoptar IA “para parecer modernas” ou por “pressão competitiva”, sem saber bem para quê ou com que finalidade. Isso sugere uma adopção não pensada, mais estética do que estratégica;
  • Estamos numa fase em que a maioria das empresas ainda está no modo “adição”, não “reconfiguração”. Estão a colocar IA em cima dos processos existentes, não a redesenhá-los com base nas novas possibilidades (ex. decisão autónoma, personalização em escala, análise preditiva).
Continua.

quarta-feira, março 26, 2025

"the ability to generate unique solutions"

"LLM/AI is a mode-seeking device. It surveys its giant database and comes back with relevant elements found most frequently — as with the six potential solutions to my second problem.

...

The other limitation of LLM/AI as a mode-seeking device is that it is utterly incapable of generating unique new solutions. Such solutions simply don’t exist in the LLM/AI’s world. Their world is the catalogue of what currently exists, and their search algorithm focuses on what is found most frequently within what currently exists.

PoS [practitioners of strategy] who have the ability to generate unique solutions will continue to be valued — and very highly."

quinta-feira, março 20, 2025

Híbridos ou centauros


A velha ideia do híbrido, para a qual Kasparov me alertou.

Seth Godin chama-lhe centauro:
"Freelancers looking to build a career have two good options:
1. Be so good at doing the work by hand that you're a better alternative for a client than using Al. This is going to get more and more difficult.
2. Be so good at having Al work for you that you're the obvious choice when there's work to be done.
The lousy options are to insist that you don't use Al, but to be slower, more expensive and not as good as the Al option.
Or to do tasks that an Al assigns you.
Hiring an Al to work for you and getting very good at producing value feels like the future for most programmers, creators, business development folks and marketers."

A afirmação de Kasparov sobre xadrez sugere que a combinação de um ser humano (mesmo mediano) com uma ferramenta digital adequada (mesmo que mediana) consegue superar consistentemente a pura força bruta de um supercomputador sozinho. A inteligência humana acrescenta flexibilidade, criatividade e intuição que complementam a capacidade analítica e a velocidade do computador. Nunca esqueço MacGyver acerca de Sandy:

"MacGyver: Well, old Sandy sure has a mind of her own, doesn't she? Jill: Yes, but she thinks like me. So I should be able to think it through and find her pattern, logically and rationally.

MacGyver: Without the emotion, right?

Jill: That's what gives her the edge. People and emotion can't get in her way.

MacGyver: Well, I say we trust our instincts-go with our gut. You can't program that. That's our edge."

Do mesmo modo, o texto sobre freelancers e Inteligência Artificial de Seth Godin afirma que o futuro não é competir contra a máquina directamente (onde se perde quase sempre), mas sim usar a máquina como ferramenta colaborativa, criando uma equipa híbrida humano- IA que supera claramente qualquer um dos dois isoladamente.

Em suma, ambas as afirmações convergem na ideia de que a combinação inteligente e colaborativa entre humano e tecnologia supera, consistentemente, soluções puramente humanas ou puramente tecnológicas. Esta parece ser a estratégia vencedora para o futuro. 

terça-feira, março 04, 2025

Curiosidade do dia

Um artigo super interessante noo FT de hoje, "Students must learn to be more than mindless 'machine-minders'".

Eu uso a inteligência artificial todos os dias no meu trabalho. E interrogo-me muitas vezes sobre o impacte do seu uso na minha capacidade futura de pensar criticamente sobre os assuntos. Também sei que há temas em que a inteligência artificial é propícia a erros de interpretação e, por isso, é perigoso aceitar acriticamente o que nos diz.

"A survey of UK undergraduates by the Higher Education Policy Institute thinks shows 92 per cent of them are using generative Al in some form this year compared with 66 per cent last year, while 88 per cent have used it in assessments, up from 53 per cent last year." [Moi ici: Interessante como a autora propõe uma série de medidas criativas para enfrentar o problema para depois perceber que na prática não resultam porque já foram testadas em Cambridge]

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"Maria Abreu, a professor of economic geography at Cambridge university, told me her department had experimented along these lines. But when they gave undergraduates an AI text and asked them to improve it, the results were disappointing. 'The improvements were very cosmetic, they didn’t change the structure of the arguments,' she said."

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Michael Veale, an associate professor at University College London's law faculty, told me his department had returned to using more traditional exams, too. Veale, who is an expert on technology policy, sees Al as a 'threat to the learning process' because it offers an alluring short-cut to students who are pressed for time and anxious to get good marks. "We're worried. Our role is to warn them of these short-cuts - shortcuts that limit their potential. We want them to be using the best tools for the job in the workplace when the time comes, but there's a time for that, and that time isn't always at the beginning," he says."

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"The researchers concluded that 'a focus on maintaining foundational skills in information gathering and problem-solving would help workers avoid becoming overreliant on Al'. In other words, to use the short-cut effectively rather than mindlessly, you need to know how to do it without the short-cut."

Há dias conversava com a minha mãe, professora reformada, sobre a necessidade de se pensar o que se deve ensinar nas escolas. Conversa motivada pelo comentário de alguém que trabalhou na China e me despertou para o tema de como é que uma máquina de escrever é usada na China que tem dezenas de milhares de caracteres.  

A autora escreve, e bem:

"After all, your students' prospects in the world of work are going to depend on how much value they can add, over and above what a machine can spit out."

Em linha com o que ouvi há dias na net: