O FT de ontem traz a habitual crónica de Janan Ganesh intitulada, "Can liberals be trusted with liberalism?"
"There is now some data to support the anecdotal impression that woke-ism at its most censorious peaked a few years ago. I wish those of us in the liberal centre could take a bow. But who led the resistance when it was hardest? Single-issue feminists. Rightwing free speech zealots. Political casuals with a radar for humbug.
Not all liberals deserted. Malcolm Gladwell and others signed a Harper's Magazine letter about creative freedom when that took some fibre. But don't let's pretend this was typical of the wider caste. Newspaper websites have search engines. Our successors will be able to look up what passed for the bien pensant "position" circa 2020."
Isto acontece-me muitas vezes... fazer conexões que não lembram ao diabo.
Ao longo dos últimos anos tenho lido muita coisa sobre couro artificial, sobre napas, para substituir o couro natural, tudo por causa do ambiente e do metano emitido pelo gado. Quando li os primeiros artigos vi longos elogios ao couro artificial e lembro-me de ficar perplexo. Não sei porquê não escrevi nada aqui no blogue, daí a ligação ao texto de Janan Ganesh.
Depois de reles estagiário na Sonae o meu primeiro trabalho foi o de engenheiro de produto, não confundir com gestor de produto, naquilo que hoje é conhecido por TMG Automotive. Desenvolvíamos e produzíamos napas, couro artificial, para a indústria automóvel. BTW, ainda hoje acho que é talvez o melhor trabalho do mundo, o de engenheiro de produto.
Porque ficava perplexo? Porque eu sei a quantidade de químicos que têm de ser misturados numa pasta (plastisol) para poder produzir uma napa:
- Cloreto de polivinilo (PVC) - O polímero base utilizado para criar o couro artificial. Proporciona estrutura e durabilidade. Normalmente utiliza-se mais do que um tipo de PVC, pois juntam-se duas camadas: a camada de superfície e a camada expandida.
- Plastificantes - Ftalatos - Estes produtos químicos tornam o PVC flexível e macio, imitando a maleabilidade do couro natural.
- Estabilizantes - Os estabilizantes previnem a degradação do PVC causada pelo calor, luz ultravioleta e oxidação durante o processamento e utilização.
- Cargas - Carbonato de cálcio, sílica, argilas - As cargas reduzem o custo e melhoram as propriedades mecânicas, como a resistência à tracção e a durabilidade do couro artificial.
- Corantes/Pigmentos - Dióxido de titânio (para branco), óxidos de ferro, negro de fumo, pigmentos orgânicos - Estes conferem a cor desejada e o aspeto estético ao couro artificial.
- Agentes de Expansão - Azodicarbonamida, bicarbonato de sódio - São utilizados para criar uma estrutura suave e espumosa no couro artificial, imitando a sensação almofadada do couro natural.
- Solventes - Ciclohexanona, metil-etil cetona (MEK), tolueno, acetona - São utilizados no processo de aplicação para dissolver o PVC e outros componentes para revestimento de suportes têxteis.
- Surfactantes e Emulsionantes - Lauril sulfato de sódio (SLS), polissorbatos - Utilizam-se no processo de emulsão para ajudar a estabilizar a dispersão de PVC, criando um revestimento suave.
- Agentes de Controlo de Espuma - Agentes antiespumantes à base de silicone - Estes produtos químicos são usados para controlar a formação de espuma durante o processo de fabrico, assegurando um acabamento suave.
- Absorventes de UV - Derivados de benzotriazol, Estabilizadores de Aminas Impedidas (HALS) - Protegem o couro artificial da degradação por UV, prevenindo descolorações e fissuras ao longo do tempo.
- Agentes Antimicrobianos - Exemplos: Aditivos à base de prata, piritiona de zinco, isotiazolinonas - São adicionados para prevenir o aparecimento de bolor, míldio e o crescimento de bactérias, que podem danificar o material e causar odores.
- Materiais de Suporte - Poliéster, algodão ou tecidos não tecidos - O material de suporte, embora não seja um produto químico, é um componente essencial que proporciona estrutura e resistência ao couro artificial.
E com isto fazem a napa, "amiga do ambiente", usada numa carteira ou numas botas, ... go figure.
Ainda há pouco mais de 18 meses escreviam-se apologias como esta The benefits of using artificial leather in fashion and lifestyle products.
Lembram-se da "mãe" do fast-fashion entrar no comboio da sustentabilidade? Eu lembro, de 2019, Are you prepared to walk the talk?
Agora vejam o que encontrei no Público de 17 de Setembro último, "Fast fashion: marcas globais usam cada vez mais tecidos poluentes, diz relatório". O artigo é basicamente sobre fibras têxteis sintéticas como os poliésteres. No final termina com:
"Como são baratos e versáteis, os têxteis à base de combustíveis fósseis continuam a ser extremamente requisitados pela indústria da moda."
O artigo começa com:
"Gigantes da moda como a Shein ou a Zara estão cada vez mais dependentes dos tecidos sintéticos, sugere um relatório da Fundação Changing Markets divulgado ao final do dia de ontem."
BTW, o PVC é o polímero menos dependente de combustíveis fósseis por causa da massa molecular do cloro, cerca de 35 vezes maior que a do hidrogénio.
Um texto mais lúcido sobre o tema é o que encontro no remate final de "Synthetic Leather Substitutes and Fast Fashion: Unraveling the Unhealthy Equation (Part 3)":
"This will involve looking at different technologies, practices, and approaches, such as ethical sourcing and circular economy principles, that can help create an ethical and sustainable leather industry."
BTW, os meus primeiros dias de trabalho de 2024 foram numa empresa que produz aguardente. Fiquei fascinado com o que um sector que existe há milhares de anos aprendeu sobre sustentabilidade. As quintas recolhem as uvas na vindíma, "pisam" as uvas. Enviam o cangaço para um destilador. Este separa as graínhas, que são valorizadas na produção de óleo, por exemplo. E produz vários tipos de aguardente com o resto. Produz ainda composto orgânico, o resíduo da destilação pode ser compostado, resultando num fertilizante orgânico valioso. E ainda, alguns destiladores podem extrair compostos úteis como ácido tartárico ou polifenóis antes da destilação. Os resíduos sólidos podem ser utilizados como biomassa para geração de energia.
As marcas de fast-fashion e o couro artificial fazem-me lembrar a estória de: