domingo, setembro 07, 2014

"Nós fazemos as contas ao contrário"

"“Temos uma fábrica antiga, disfuncional, com máquinas velhas, num mercado megacompetitivo dominado por multinacionais, como a Caran d’Ache, a Staedtler, ou a Faber-Castell, cujo produto final é mais barato do que o preço que nós pagamos por madeira."
Durante a primeira década do século XXI trabalhei em muitos projectos com este cenário. Empresas incapazes de competir de igual para igual com os Golias do vómito industrial. Alternativa? Mudar de mercado, escolher nichos de valor acrescentado, fugir para o terreno onde Golias não quer ou não pode estar.
"Se à fábrica, que “devia ter sido arrasada”, e às máquinas antigas “de suposta baixa produtividade e que afinal são altamente versáteis”, se juntarem residências de artistas em zonas do complexo fabril e o “conhecimento que existe aqui há um século”, de trabalhadores com décadas de experiência — “como se faz um lápis ou uma mina? Quais as matérias-primas e os comportamentos dessas matérias?”, diz Vieira — “se cruzarmos esses conhecimentos com tudo aquilo que é conhecimento artístico e turismo industrial”, a Viarco percebeu que podia criar produtos que ainda não existiam, fazer diferente das multinacionais, e, assim, acrescentar valor."
O trecho que se segue é tão familiar... quase diria que foi retirado deste blogue, a incapacidade dos crentes na folha de Excel, verdadeiros Muggles, Muggles mesmo,  de vislumbrar a magia do valor dos intangíveis:
"“Isto é um delírio”, diz José Vieira. “Quando falamos com doutores que querem números e vivem números e vomitam números, isto [a Viarco] faz-lhes muita confusão: do ponto de vista de negócio faz sentido, do ponto de vista das regras do mercado não faz sentido nenhum. Isto ‘tem de’ ser altamente produtivo: mas se isto for altamente produtivo, deixa de ser altamente versátil. Se pensar apenas numa lógica da rentabilidade, há muitos projectos que vão morrer à nascença. A pergunta é sempre: quantos vão vender? Eles estão habituados a fazer contas: isto vai custar tanto a produzir. Nós fazemos as contas ao contrário: desenvolvemos uma ideia, produzimos um protótipo, pegamos no produto e chamamos os artistas para o experimentar. Acham que vale a pena? Quando pagavam por isto? Depois do IVA, do preço do retalhista, do distribuidor que vai querer 40 ou 50%, quanto fica para a empresa?[Moi ici: O trecho que se segue é simplesmente deliciosoE as margens passam de ser aquela coisa manhosa, pequenita, de corta-unhas, para coisas muito mais interessantes: porque é aí que entra o lápis como ferramenta, entra o design, entra a relação do artista com o produto e entram as questões emotivas. São coisas que não podemos contabilizar — quanto custa produzir isto com esta margem de lucro — porque são coisas que não podemos meter numa folha de Excel.”  
Trechos retirados de "O segredo de um negócio de família é ser cem por cento profissional"
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O título foi tão mal escolhido... eu realçaria a paixão, a capacidade para ver para além da folha de cálculo, a agilidade. Falar em profissionais remete-me para agentes com a mentalidade de Spock... prisioneiros das folhas de cálculo, muito cumpridores das regras, mesmo quando o barco está a ir ao fundo continuam a tocar a música.

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