quinta-feira, outubro 03, 2024

De liana em liana

A vida empresarial é este saltar de liana em liana sem pôr os pés no chão. Quem acredita que a liana actual (estratégia) é eterna ou morre, ou pede um apoio, ou uma protecçãozinha ao papá-estado.

Primeiro algo para contextualizar. Uma citação escrita aqui em 2007:

"What was the best strategy in the end? What Lindgren found was that this is a nonsensical question. In an evolutionary system such as Lindgren’s model, there is no single winner, no optimal, no best strategy. Rather, anyone who is alive at a particular point in time, is in effect a winner, because everyone else is dead. To be alive at all, an agent must have a strategy with something going for it, some way of making a living, defending against competitors, and dealing with the vagaries of its environment.

Likewise, we cannot say any single strategy in the Prisioner’s Dilemma ecology was a winner. Lindgren’s model showed that once in a while, a particular strategy would rise up, dominate the game for a while, have its day in the sun, and then inevitably be brought down by some innovative competitor. Sometimes, several strategies shared the limelight, battling for “market share” control of the game board, and then an outsider would come in and bring them all down. During other periods, two strategies working as a symbiotic pair would rise up together – but then if one got into trouble, both collapsed.

We discovered that there is no one best strategy; rather, the evolutionary process creates an ecosystem of strategies – an ecosystem that changes over time in Schumpeterian gales of creative destruction."

Agora, dois artigos que encontrei na imprensa recentemente.

Primeiro, no último Dinheiro Vivo, o artigo "8beaufort. Hamburg Lonas de velas velhas ganham nova vida em sapatilhas". O que retiro dele?

Clientes-alvo - um nicho de mercado:
  • A 8beaufort. Hamburg actua no nicho do calçado sustentável, com um foco em consumidores conscientes das questões ambientais. A marca diferencia-se ao utilizar velas de barcos recicladas para criar as suas sapatilhas, posicionando-se no segmento premium de calçado ecológico.
Vantagens competitivas:
  • A principal vantagem competitiva é o foco na sustentabilidade, usando velas descartadas e coletes salva-vidas para fabricar produtos únicos, o que ajuda a reduzir o desperdício e a poluição marinha.
  • A fabricação em Portugal reforça o compromisso da marca com a redução da pegada de carbono, já que evita o envio de materiais para a Ásia e cria uma cadeia de produção mais eficiente.
  • O uso de lonas de velas e outros materiais reciclados oferece aos clientes um produto exclusivo, com uma história de impacto ambiental positivo, o que pode atrair consumidores premium dispostos a pagar preços mais altos (159 a 249 euros).
  • A marca procura afirmar-se como uma escolha sofisticada para consumidores que buscam produtos sustentáveis e de alta qualidade.
Riscos:
  • A marca depende da aceitação dos consumidores no mercado de calçado sustentável, que, embora em crescimento, ainda pode ser limitado em comparação com mercados tradicionais de moda.
  • O posicionamento premium pode limitar a base de consumidores, especialmente em tempos de crise económica.
  • A recolha de materiais reciclados, como as velas, pode ser um desafio em termos de consistência no fornecimento. A dificuldade em obter matéria-prima suficiente ou de qualidade pode afectar a produção.
  • O mercado de moda sustentável tem atraído cada vez mais marcas, o que pode aumentar a competitividade e pressionar a 8beaufort.Hamburg a continuar a inovar para se diferenciar.
Acerca dos clientes-alvo recordo o que escrevi relativamente à APICCAPS. Eu aposto nisto:
"O sector do calçado vai encolher, e vai ter de subir ainda mais na escala de valor, ou seja, vai ter de anichar e trabalhar para segmentos de muito maior valor acrescentado, luxo mesmo talvez."

A APICCAPS aposta nisto:

"Para não concorrer pelo preço baixo, as fábricas portuguesas terão de assegurar encomendas de gama alta, moda e luxo, ou gamas específicas como o calçado técnico. Para isso, é fundamental ter capacidade de resposta a grandes encomendas. O que, por sua vez, obriga a repensar a forma como se trabalha." 

Isto faz-me lembrar o Mario Draghi e o seu "Whatever it takes", mas o anónimo da província sou eu. Ninguém quer falar do "encolhimento". 

O outro artigo encontrei no WSJ, "This Garment Maker Is Finding New York Manufacturing Is Back in Style". Pensei nas empresas de vestuário portuguesas que estão a ter um ano negativo a nível de exportações, e nos potenciais concorrentes que estão a conquistar o mercado de proximidade (nearshoring). Claro que quando não se olha para o contexto ... acredita-se que o que nos trouxe até aqui, continuará a levar-nos até ao fim do arco-íris. E não é só quota de mercado, mas também margens e preços.

A Ferrara Manufacturing sediada em New York é uma empresa de vestuário focada numa estratégia de nearshoring e fabricação local, concentrando-se na produção de roupas nos Estados Unidos, tanto para marcas quanto para contratos militares. A empresa busca capitalizar a crescente procura por produtos fabricados localmente, impulsionada por preocupações com cadeias de fornecimento globais, com sustentabilidade e com condições de trabalho.

Nicho de mercado - A empresa actua em dois nichos principais:

  • Produzir peças de luxo, como casacos de caxemira, para consumidores que valorizam a produção local e a qualidade premium.
  • Contratos militares e produtos "made in America": A Ferrara Manufacturing também serve o mercado de produtos militares dos EUA e de exportação para países como Japão e Coreia do Sul, onde há procura por itens únicos e feitos nos Estados Unidos.

Vantagens competitivas:

  • A produção doméstica torna a empresa uma escolha atraente para marcas que buscam diminuir riscos associados a longas cadeias de fornecimento internacionais e a reduzir tempos de entrega.
  • A empresa destaca-se ao oferecer uma cadeia de produção transparente, com benefícios para os trabalhadores, o que vai ao encontro das exigências das marcas que querem mostrar responsabilidade social.
  • Além do mercado interno, a Ferrara Manufacturing possui uma vantagem competitiva ao servir consumidores no exterior, especialmente no Japão e na Coreia do Sul, que valorizam e estão dispostos a pagar por produtos exclusivos feitos nos EUA.
  • O fornecimento para o sector militar oferece estabilidade e um fluxo constante de receita, diferenciando a Ferrara de empresas que dependem exclusivamente do mercado de consumo

Riscos:

  • Fabricar nos EUA tem custos mais altos em comparação com a produção em mercados com mão de obra mais barata. Isso pode impactar a competitividade de preços, especialmente no mercado de consumo em massa.
  • A empresa depende fortemente de dois nichos: produtos premium e contratos militares. Qualquer retracção na procura  por produtos de luxo ou mudanças nos contratos governamentais pode impactar as suas receitas.
  • A procura crescente por transparência e sustentabilidade, embora seja uma vantagem competitiva, também pode pressionar a empresa a manter altos padrões, o que pode aumentar os custos e reduzir a margem de lucro.
  • A produção premium pode ser afectada por flutuações económicas que impactem o poder de compra dos consumidores, tanto nos EUA quanto nos mercados internacionais.
Ontem, na minha leitura matinal de "Unreasonable Hospitality" de Will Guidara fixei esta frase de Jay-Z: 
“I believe you can speak things into existence.”
O futuro é construído sobre oportunidades, não sobre cortes nos custos. Reduzir custos pode comprar algum tempo, mas é a capacidade de identificar e agir sobre novas possibilidades que garante crescimento e sustentabilidade. O mundo empresarial está em constante transformação; o sucesso pertence àqueles que estão atentos ao contexto e preparados para inovar. Ficar preso à estratégia actual é o mesmo que ficar para trás. 

Não percamos as oportunidades que emergem – olhemos para o mercado e para os desafios como portas para o futuro, não como muros ameaçadores.

A frase de Jay-Z é importante porque o futuro não é intrinsicamente bom ou mau, é o que a nossa cabeça faz dele. Se ele mete medo, de certeza que vai ser mau.

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