terça-feira, junho 10, 2025

A lição suíça

No FT do passado dia 2 de Junho encontrei "The world's strongest currency is also super-competitive", um tema que me fascina há anos e anos. Recordo os tempos da troika e os que advogavam o regresso ao escudo porque é impossível ser competitivo com uma moeda forte. Sim, eu sei que não é facil, mas seguir por essa via coloca-nos no caminho da subida na escala de valor, coloca-nos no quadrante da competitividade à custa da produtividade, o quadrante da riqueza:


O artigo destaca como a Suíça, apesar de ter a moeda mais forte do mundo — o franco suíço —, mantém uma economia altamente competitiva, produtiva e orientada para a inovação. Contrariando a ideia de que uma moeda forte prejudica as exportações, a Suíça demonstra que qualidade, sofisticação tecnológica e valor acrescentado são chaves para o sucesso económico sustentável. A sua estrutura económica descentralizada, dominada por pequenas e médias empresas, permite-lhe resistir a choques externos, manter excedentes comerciais e liderar em sectores complexos e exigentes.
"It generates more than $100 in GDP per hour worked - that's more productive than any of the other 20 largest economies. Its decentralised political and economic system encourages the rise of small enterprises, which account for over 99 per cent of Swiss companies.
...
Harvard's Growth Lab ranks Switzerland first among major economies for the "complexity" of its exports, a measure of the advanced skills needed to produce them. And its exports range from chocolates and watches to medicines and chemicals - belying the notion that strong currencies kill factories.
...
Yet Switzerland also defies the assumption that a strong currency will undermine a nation's trading prowess by making its exports uncompetitive. Its exports have risen and are near historic highs both as a share of Swiss GDP (75 per cent), and as a share of global exports (near 2 per cent).
...
At 18 per cent of GDP, its manufacturing sector is one of the largest among developed economies. Over half its exports are "high-tech" - more than double the US level. Since advanced goods are more expensive, this has helped Switzerland keep its current account in surplus, averaging more than 4 per cent of GDP since the early 1980s."
Em Portugal, precisamos de fazer a mesma pergunta com honestidade: Vamos continuar a competir pelo preço mais baixo?

Ou vamos apostar em subir na escala de valor — com design, precisão, confiança, inovação e especialização?

O crescimento que se aguenta não vem da moeda. Vem do que pomos dentro do produto.

segunda-feira, junho 09, 2025

Curiosidade do dia


No Sunday Times de ontem, "Merz bemoans German inefficiency and looks to push his nation back to the grind":
""We need to work more and, above all, more efficiently in this country," Merz told the German parliament. [Moi ici: A Alemanha precisa de trabalhar mais e de forma mais eficiente]
...
"With the four-day week and work-life balance we will not be able to sustain our prosperity."
...
"The average working week in Germany is among the shortest in Europe, alongside those in France, Belgium and the Netherlands."
...
"According to Eurostat, the European Union's statistics agency, it is 34 hours..."
...
"Germany has among the lowest annual working hours in the OECD. The volume of work is going down, even though we have ever more workers."
...
"It is a notoriously tricky nut to crack, made especially difficult in Germany by the high burden of bureaucracy."
...
"We're still thinking backwards and looking to our manufacturing to save us, but we need to be looking forward to new technologies and industries," he said."
...
"We've been too complacent and comfortable. We can either become more ambitious and work more now, or we can continue with the status quo and see living standards decline."

Em Portugal o discurso público continua muitas vezes centrado em trabalhar menos horas, reduzir o esforço, repartir o que existe... mas sem falar seriamente de como criar mais.

O chanceler Friedrich Merz abriu um debate incómodo mas necessário: será sustentável o modelo de bem-estar e produtividade actual, se a economia não crescer mais e melhor? Em Portugal, essa pergunta raramente se coloca abertamente.

Falamos de "qualidade de vida", mas sem discutir produtividade, investimento ou valor acrescentado. Falamos de direitos, mas muitas vezes sem falar de deveres, esforço e criação de riqueza. O resultado? Um discurso político e mediático que prefere a ilusão do equilíbrio estável a encarar a exigência da ambição.

A Alemanha tem um problema de excesso de conforto. Portugal tem um problema de ausência de desconforto criativo.

Precisamos urgentemente de um debate maduro sobre o que significa crescer, como queremos gerar riqueza, e que nível de responsabilidade colectiva estamos dispostos a assumir para isso acontecer.

BTW, o governo alemão está focado na eficiência e competitividade e daí o foco no denominador, nas horas trabalhadas. Isso é importante, mas também é uma daquelas cenas tipo "É verdade, mas também é mentira". O foco deve estar acima de tudo, prioritariamente, na subida na escala de valor, não no aumento do volume puro e simples.

"In concentrating on all the trees, we lose sight of the forest"

 
"But here is what surprises me most: given the sophistication of firm strategies and the intensity of our work lives, I would expect to see impressive firm profitability at most companies and more-than-generous compensation packages for nearly everyone. I see neither. Take firm profitability: one-fourth of the firms included in the S&P 500 fail to earn long-term returns in excess of their cost of capital. In China, this traction is even higher, closer to one-third.

Think about it. How can it be that so many companies, their ranks filled with talented and highly engaged employees, have so little to show for so much effort? Why do hard work and sophisticated strategy lead to enduring financial success for some companies but not for others?
...
As our strategic initiatives multiply, something unforeseen happens. In concentrating on all the trees, we lose sight of the forest. In a profusion of activities, an overall direction, a guiding principle, is hard to see. Any promising idea is an idea that seems worth pursuing. In the end, common sense rules, and strategy loses much of its ability to steer our businesses. In this world, strategic planning becomes an annual ritual that feels bureaucratic and less than helpful in resolving critical issues. In fact, it is not difficult to find firms that have no strategy at all. In many others, it consists of an 80-page deck that is rich in data but short on insights, fabulous at listing considerations but of little help in actual decision-making. When I review companies' strategic plans, I often see a plethora of frameworks-many of them inconsistent with each other - but few guideposts for effective management. If the hallmark of a great strategy is its telling you what not to do, what not to worry about, which developments to disregard, many of today's efforts fall short."

Num tempo em que as organizações multiplicam iniciativas, frameworks e relatórios estratégicos com dezenas de slides, o que deveria ser claro torna-se confuso. Estratégia, que deveria ser bússola, é substituída por checklists de ambições desconexas.

O paradoxo é evidente: empresas com equipas talentosas e altamente envolvidas, com planos sofisticados e reuniões intermináveis... mas que não conseguem gerar rendibilidade sustentável. Nos EUA, 1 em cada 4 empresas do S&P 500 não cobre o seu custo de capital. Na China, é pior.

A explicação pode estar menos na execução e mais na ausência de direcção real. Perdeu-se a clareza sobre o que não fazer, o que deixar para trás, e que decisões não merecem atenção. O resultado? Estratégias que mais confundem do que orientam.

Mais frameworks nem sempre significam mais visão. Estratégia não é um repositório de boas intenções — é uma escolha deliberada, muitas vezes difícil, que implica renúncia e foco. E, acima de tudo, deve ser útil. Na semana passada numa reunião por Teams alguém levantava uma dor que sentia, mas teve a honestidade de dizer que também contribuía para a dor (a clássica competição do planeamento, produção, logística e comercial sobre prazos de entrega, eficiência e custos). Depois, ao fim da tarde, durante uma sessão de jogging oiço um podcast uma frase que se ajusta a tantas dores: "Não há soluções, só trade-offs". E a estratégia deve ser a bitola para negociar esses trade-offs, não o poder individual dos intervenientes.

Que papel desempenha a estratégia na sua organização? Está a ajudar a decidir? Ou apenas a decorar apresentações? 

Trechos retirados de "Better, simpler strategy : a value-based guide to exceptional performance" de Felix Oberholzer-Gee. 

domingo, junho 08, 2025

Curiosidade do dia

 
"Anyone who thinks it takes a right-wing populist to get tough on immigration hasn't taken note of Mette Frederiksen, says Daniel Johnson. Denmark's Social Democrat PM believes it's the poor who pay the price of mass migration and need protection from it. In 2016, her party voted in favour of a controversial "jewellery law", which obliges migrants to surrender their valuables as part of their contribution to the cost of asylum. And when her party vent on to gain office in 2019, it proceeded to pass laws that have given Denmark - among the most liberal of EU nations one of Europe's toughest migration regimes. Residence permits are now usually given to irregular migrants for one to two years; applicants must pledge to learn Danish; a "ghetto law" empowers the authorities to demolish social housing in areas where "parallel societies" have arisen. Frederiksen's "zero refugee" policy - the granting of asylum requests tell to a record low 864 last year- has proved popular: her party increased their share of seats in
2022. Keir Starmer take note: you can be of the Left but still take action to protect your nation's borders and cultural identity."

Publicado na revista The Week de 31 de Maio citando "How Denmark learnt to close its doors" de Daniel Johnson no The Daily Telegraph.

É verdade, mas também é mentira.



"Sem imigração, o País não cresce" — é verdade, mas também é mentira.

É verdade, como afirma Mário Centeno, porque Portugal enfrenta um inverno demográfico inevitável. A natalidade declina, a população envelhece e uma parte significativa dos jovens mais qualificados continua a emigrar. Sem imigração, faltaria gente para assegurar serviços, sustentar o sistema de pensões e manter activos diversos sectores económicos. Neste sentido, a imigração é um factor necessário de equilíbrio social e económico.

Mas é também mentira, se a frase for entendida como uma verdade absoluta ou como uma estratégia de crescimento estrutural. A imigração pode sustentar o nível de actividade, mas não garante, por si só, crescimento com valor. Um país não prospera apenas por aumentar o número de trabalhadores num modelo assente em baixa produtividade.

Como escrevi ontem em "Estabilidade bem gerida não é estagnação", o risco é confundirmos volume com sucesso. E isso conduz ao empobrecimento. Mais pessoas, nos mesmos sectores, com os mesmos salários baixos e a realizar as mesmas tarefas pouco qualificadas, apenas prolonga o problema — não o resolve.

Depois admiramos-nos com:
O que falta em Portugal é um crescimento mais denso em valor:
  • subir na cadeia de valor,
  • fazer diferente, não apenas mais,
  • investir em capital humano e tecnológico,
  • atrair e desenvolver actividades com maior produtividade por trabalhador.
Sem imigração, o sistema colapsa. Mas só com imigração, também não se cresce — apenas se adia o verdadeiro debate: que modelo económico queremos?

sábado, junho 07, 2025

Curiosidade do dia

Daqui "Now China's ultra-cheap EVs are scaring China":

"China's ability to make electric vehicles (EVs) cheaply has caused angst in countries with big carmakers, prompting governments to investigate China's subsidies for the sector and to erect trade barriers. Now, though, it is China's own government that is worrying about how cheap its producers' EVs are. The race to the bottom shows no sign of letting up, and the industry has become emblematic of some of the broader problems facing the economy.

On May 23rd China's biggest EV manufacturer, BYD, caused shockwaves when it slashed the cost of 22 electric and hybrid models. Now the starting price of its cheapest model, the Seagull, has fallen to a mere 55,800 yuan ($7,700). The move came just two years after BYD had originally unveiled the electric hatchback, at a then astonishingly low cost of 73,800 yuan.

The latest move triggered official concern about how low prices could go in the world's largest car market. On May 31st China's industry ministry told Xinhua, the state-run news agency, that "there are no winners in the price war, let alone a future."

...

there are 115 Chinese EV brands, according to Jato Dynamics, a research firm. Only a few, including BYD, make any money and are expected to survive in the long run. Brutal price wars are a common affliction across Chinese industries. By the end of last year's third quarter, nearly 25% of China's listed firms were in the red, more than double the proportion five years ago."

Estabilidade bem gerida não é estagnação


Um artigo interessante publicado pela Harvard Business Review, "Growth Isn't the Only Way for Companies to Create Value":

"It’s a basic goal of most companies: to grow revenue each year. But as globalization recedes, populations in many nations grow older (and buy less), and sustainability concerns lead more people to scrutinize the necessity of every purchase, companies are facing headwinds to growth. And while growth can be a particularly powerful differentiator in such a challenging context, it is also particularly risky. Pushing for growth at all costs can end up destroying value rather than creating it, through wasteful investments and diverting resources from the core strengths of the firm.

The question thus arises: How can companies build lasting value without growth?"

Um estudo de 20 anos sobre mais de 10.000 empresas da América do Norte, Europa e Japão identificou 172 empresas estáveis - com crescimento de receitas quase nulo, mas consistente. Estas empresas apresentaram retornos para os accionistas semelhantes à média do mercado, mas com menos 12% de volatilidade, maior longevidade (em média, quase 100 anos) e metade da probabilidade de perder 90% do seu valor.

Entre estas, 57 superaram mesmo o mercado. Embora sem um perfil único, partilham traços comuns: um em cada quatro tinha um dono com posição de controlo, sugerindo que o compromisso de longo prazo e a disciplina estratégica contam. Evitaram riscos típicos de crescimentos agressivos, como grandes aquisições — cuja taxa de fracasso ronda os 70-75%.

Recordo um charuto ... em "A lição dos nabateus", o texto é do autor de "Strategy and the Fat Smoker", David Meister se a memória não me atraiçoa.

"Many businesses facing low growth prospects react by seeking to acquire new customers—often at high cost—but stable outperformers are more likely to maximize value from existing customer relationships. They do this by shifting from physical products with declining demand to asset-light services and software. This approach not only deepens customer ties but also improves margins and lowers asset intensity.

...

This path is most common in asset-heavy industries undergoing digital transformations or in IT companies becoming more service-oriented. More broadly, it may offer an interesting path for businesses facing commoditization or pressure from competitors.

...

Mature businesses are often tempted to rely on a strong brand image while cutting costs. However, enhancing quality can be a more sustainable path to value creation, enabling firms to establish a difficult-to-erode position and improve their gross margins.

...

While we observed this strategy most commonly among consumer businesses, it may be relevant to many companies operating within a niche—whether due to product uniqueness or specialized expertise. By becoming irreplaceable, these businesses can strengthen their pricing power and move upmarket, whether they produce luxury goods or industrial components.

...

When revenue growth is out of reach, balance sheet expansion offers another alternative to create value. Stable outperformers often grow their asset base through vertical integration to control a larger share of the profit pool and increase their value added. This approach also helps them build a unique asset portfolio that strengthens their differentiated value propositions and competitive moats.

...

This strategy is most prevalent in asset-intensive sectors such as industrials, utilities, and materials—but any business with an already-differentiated product and significant market share facing cost pressures from suppliers may find vertical integration a compelling path to value creation.

...

The strategies and success of stable outperformers show that growth is not the only path to value creation.


However, company leaders should bear in mind that, while the stable companies we identified could sustain outperformance over decades, their levers may be exhausted at some point: Margins cannot be increased beyond 100% and dividend volatility cannot fall below zero. Pursuing a strategy of stability does not absolve leaders from having to continue to explore and revisit growth opportunities as conditions evolve."

Quando o crescimento das vendas é limitado, não é necessário entrar numa corrida cara por novos clientes. Mais valor pode ser criado a partir das relações existentes, através de serviços, software ou melhorias da qualidade, pode ser um caminho mais sustentável e rentável.

Além disso, investir em diferenciação real — seja por integração vertical, especialização ou excelência operacional — ajuda a reforçar as margens e a evitar a erosão competitiva. Para as PME, isto traduz-se em resistir à tentação de cortar custos cegamente e, em vez disso, apostar em serem insubstituíveis no seu nicho.

Em suma: estabilidade bem gerida não é estagnação — é uma estratégia activa, disciplinada e orientada para o longo prazo.

sexta-feira, junho 06, 2025

Curiosidade do dia


No passado dia 13 de Março, nesta "Curiosidade do dia" escrevi:
  • "Concordam com o aumento da despesa militar até aos 4% do PIB?
  • De onde virá o dinheiro? O que será cortado?"
Agora temos "Rutte propõe oficialmente a Estados-membros da NATO gastos militares de 5% do
PIB":
""Vou propor um plano de investimento global que totalizará 5% do PIB [produto interno bruto] em investimento na defesa: 3,5% do PIB para gastos puros com Defesa com base nos custos globais para atingir os novos objetivos de capacidade que os ministros acabaram de acordar e 1,5% do PIB anual em investimentos relacionados com a defesa e a segurança, como infraestruturas e indústria", disse Mark Rutte, numa conferência de imprensa após uma reunião dos ministros da Defesa da Aliança
Atlântica."

I told you so. 

"to build brand first, distribution second"

Há cerca de 15 anos escrevi sobre os frangos Purdue.

A história dos frangos Purdue é sobre sair da lama pegajosa da comoditização. Nos anos 70, na América, todos os frangos tinham de exibir um selo veterinário — garantia de que estavam legais e próprios para consumo. Resultado: nas prateleiras, eram todos iguais. E quando tudo parece igual, o critério passa a ser só um — o preço. E aí, é a guerra do cêntimo.

A Purdue recusou-se a alinhar nessa dança. Em vez de competir por eficiência cega, decidiu diferenciar-se. Cuidou da qualidade, trabalhou a marca, e — mais ousado ainda — comunicou directamente com o consumidor final fez o by-pass à distribuição das cadeias de supermercados grandes. Apontou aos olhos de quem compra e disse: o nosso frango é diferente. E explicou porquê.

Enquanto os outros vendiam a peso, a Purdue vendia com história, com nome, com cara. Criou valor percebido. Não ficou à espera que o distribuidor ditasse o preço — escolheu canais que valorizavam o que tinha para oferecer.

E quando fez bem o trabalho de casa, adivinha? Os distribuidores vieram bater-lhe à porta. Porque o consumidor já tinha escolhido. Porque eficácia, quando bem feita, atrai. Porque nem tudo se resolve com tabelas de Excel.

Já agora, também posso recordar o desastre de quem não segue essa via, "Especulação à volta da carne de porco". Só foram precisos quase 5 anos para confirmar o que se adivinhava.

Recordo os frangos Purdue por causa de um artigo no The Times do passado dia 2 de Junho, "How I sold my first million cans ... by not Dashing":

"Supermarket shelves are often seen as the ultimate destination for a brand. They’re high-traffic real estate that let you say, “I’ve arrived”. When you’re a challenger brand, getting listed can feel like validation. But in our first two years at Dash, one of the best things that happened in our journey was that we didn’t go anywhere near a supermarket shelf. In fact, we sold nearly a million cans before a single customer could pick one up in a supermarket. Going this way wasn’t without its challenges. But it taught us something important. Success doesn’t depend on being available, it depends on being visible.

...

[Moi ici: Supermarkets] They’ve got legacy, trust and footfall. And when you’re a start-up, you really covet that kind of exposure. Big-name retailers are also tough, competitive environments. Incumbent brands often have the edge: their product may not be better than yours but they can outspend you, out-discount you and outmuscle you in conversations with buyers. You need more than a good pitch. So from day one we focused on building a brand, not just shifting stock. In our first nine months we had boots on the ground, literally. We were a small team essentially of travelling salespeople, spending our days traipsing around London, rain or shine, with heavy rucksacks full of cans. We knocked on the doors of coffee shops and delis, dropping off samples and trying to convince anyone who’d listen. We worked seven days a week, clocked at least 20,000 steps a day and got used to hearing “no”.

...

We’d always been digitally savvy, and during the pandemic, when stores were closed, habits were changing, and people were spending more time online, our investment in a direct-to-consumer approach paid off. We poured effort into our website, customer experience, content and data. To this day we still have much higher than average direct-to-consumer numbers. In fact, 55 per cent of our total sales are online. We also got smart about how and where we showed up. We did giveaways at high-profile events like festivals that helped us build awareness and relevance, whether we moved ten cans or a hundred. We were present, even if we weren’t (yet) physically on a supermarket shelf. 

...

key lesson — to build brand first, distribution second — is one we now apply to every new market we enter.

...

You need people to understand what your product is and why it matters before they see it for the first time. That way, the first sighting is less speculation and more tipping point. I’m proud that today Dash is stocked in supermarkets across the UK. It means more people can discover our product and what we stand for. But if we hadn’t invested in building the brand early on, no retailer would have had a reason to list us. And no customer would have had a reason to pick us up."

A história dos frangos Purdue e o percurso da marca Dash convergem num ponto essencial: a marca antecede o mercado. Ambas recusam a lógica do “estar disponível” como sinónimo de sucesso, e escolhem o caminho mais difícil — mas mais sólido — da construção de identidade e valor percebido antes da massificação da distribuição.

No caso da Purdue, nos anos 70, o mercado dos frangos era uma monocromia legalizada: todos com selo veterinário, todos iguais aos olhos do consumidor. A Purdue decidiu ser diferente, não no papel, mas na cabeça das pessoas. Investiu em qualidade, falou com o consumidor final, deu cara ao frango — e só depois vieram os distribuidores.

A Dash, quase 50 anos depois, faz o mesmo com latas de água com gás e fruta. Em vez de correr para o altar dos supermercados, fez-se presente sem estar presente: caminhou, falou, entregou amostras, ouviu recusas, aprendeu. Só depois — quando já havia marca — é que procurou prateleiras.

Ambas perceberam algo que muitos ainda não digeriram: ser visível é mais importante do que ser disponível. A Purdue sabia que um frango com cara vale mais do que dez com selo. A Dash aprendeu que uma lata com história faz mais sentido do que mil empilhadas sem ninguém saber porquê.

E há mais: ambas mostram que a tentação de acelerar a distribuição sem maturidade de marca é perigosa. A Dash caiu nessa armadilha num mercado internacional — foi para a prateleira antes de ir para a cabeça do consumidor. Pagou o preço. A Purdue evitou-a, e colheu os frutos.

No fundo, é a diferença entre fazer eficiência para encaixar num sistema, ou fazer eficácia para moldar esse sistema à nossa proposta. Como a Dash diz: “You won’t win by being available if you’re invisible.” E como a Purdue provou: quando és relevante, o mercado vem ter contigo. Não o contrário.

quinta-feira, junho 05, 2025

Curiosidade do dia


A propósito de "Associação de Jovens Empresários vende sede à Câmara do Porto para pagar contas e salários".

Não deixa de ser inspirador ver como a Associação Nacional de Jovens Empresários dá o exemplo... de tudo o que um jovem empresário não deve fazer.

Vender a sede por 4,3 milhões para pagar salários e fornecedores pode resolver o problema imediato mas levanta a pergunta inevitável: quando este dinheiro se esgotar, que venderão a seguir? Os computadores? A máquina de café? Os manuais de auto-ajuda da estante?

E depois há o saboroso toque de ironia no discurso: garantir liquidez para continuar a cumprir a missão de fomentar o empreendedorismo em Portugal... Ora, uma associação que não conseguiu ser sustentável serve de modelo a quem, exactamente? Talvez a missão tenha mudado discretamente para "ensinar pelo exemplo negativo".

Porque, se o objectivo é mostrar aos jovens empresários o que acontece quando se ignora a sustentabilidade do modelo de negócio, a ANJE está a ser exemplar. Falta apenas abrir um curso: "Como vender activos para adiar o inevitável — gestão de crise 101".

Nicho vs comoditização

Mão amiga enviou-me esta citação em linha com a mensagem deste blogue:


Num mundo saturado de produtos e propostas semelhantes, ser o melhor para poucos vale mais do que ser apenas mais um para muitos. A busca por volume num mercado indiferenciado conduz, quase inevitavelmente, a pressão sobre margens, concorrência por preço e comoditização. Ninguém ganha no longo prazo.

Por outro lado, liderar um nicho - mesmo pequeno - permite:

  • Definir as regras do jogo;
  • Cobrar preços premium;
  • Criar barreiras à entrada (o tal monopólio informal); e
  • Ser reconhecido como referência mundial num problema específico.

E numa economia global, um nicho pequeno em percentagem pode ser grande em valor absoluto. Ser líder global em algo que poucos fazem bem é muito mais defensável do que ser líder local num oceano de equivalentes.

Este princípio aplica-se a produtos, serviços, tecnologias e até pessoas: a especialização relevante vale mais do que a presença generalista.

Em resumo: o valor vem do foco, não da dispersão. E quem lidera um nicho... raramente compete por preço.

quarta-feira, junho 04, 2025

Curiosidade do dia

Recordar este esquema que uso há anos:
O que acontece a uma sociedade onde sectores competitivos não têm produtividade elevada?

Aquele quadrante inferior direito, o empobrecimento.

Portanto, nada que destoe de "Mais de um quinto dos trabalhadores do turismo, agricultura, pesca e construção vivem em risco de pobreza em Portugal". 


Estavam à espera de quê?



Está na moda. Mas será que muda? (Parte VI)

Parte Iparte II, parte IIIparte IV e parte V.

O FT do passado dia 29 de Maio publicou o artigo de opinião "What the NHS can learn from Formula 1" de Diane Coyle:

"In 2000, two doctors at London's Great Ormond Street Hospital were watching a Formula 1 race on TV as they relaxed in the staff room after carrying out a long and delicate operation. Martin Elliott was the surgeon, his colleague Allan Goldman a consultant in intensive care. Watching a team of about 20 people service an F1 car, they were inspired to reorganise the tricky handover between theatre and intensive care staff. The methods the two medics introduced have since been adopted in many critical care units.

Reading recently about familiar assertions that there are too many administrators and too few frontline staff in the NHS made me reflect that there is more mileage - forgive the pun - in the F1 example when it comes to efforts to raise NHS productivity.

It is not a question of staff working harder but of thinking about the whole process instead

The insight it gave the Great Ormond doctors was that what they had thought of as a handover between two teams needed to be thought of as a process carried out by a single team, in which each person has a specified role.

So it is with hospitals. Improving NHS productivity will require thinking about the entire end-to-end chain of events, from the first GP or A&F visit to patient discharge, as a single process.

It would be crazy to economise on the many people in the F1 pit, as they are all needed to make the highly trained driver in the expensive car as productive as possible.

...

Sprinkling the magic dust of AI is no substitute for thinking about what the technology will enable in terms of organising the treatment of patients.

AI is an information technology, so people will need to be able to use improved information to improve productivity and health outcomes. This means asking questions about who is authorised to take which decisions, or how information can lead to a rejigging of processes.

Some hospitals have begun to think in this way. There are modestly encouraging signs of information flowing more freely between parts of the health service through the NHS app. But real improvements will require process re-engineering at scale - a genuinely strategic view of the system as a whole. This might well include an expanded role for administration."

O artigo de Diane Coyle compara a gestão hospitalar com a organização de uma equipa de Fórmula 1, defendendo que o aumento da produtividade no NHS (Serviço Nacional de Saúde britânico) não passa por trabalhar mais, mas por repensar todo o processo de ponta a ponta, como num pit stop bem coordenado.

A autora inspira-se num caso real do hospital Great Ormond Street, onde médicos reorganizaram a transição entre cirurgia e cuidados intensivos com base na lógica da Fórmula 1. O argumento central é que os hospitais devem ser vistos como sistemas interligados, onde administradores e gestores não são excesso, mas parte essencial da eficácia clínica.

Coyle critica a ideia popular de que existem "demasiados administrativos", esclarecendo que a produtividade não resulta de cortar pessoal, mas de inovar na forma como o trabalho está organizado. Sugere que a introdução de tecnologias, como a inteligência artificial, só trará melhorias reais se for acompanhada de uma reengenharia de processos.

Conclui que, à semelhança do que acontece nas boxes da F1, é preciso valorizar cada papel - incluindo os mais invisíveis - para obter os melhores resultados no sistema de saúde.




terça-feira, junho 03, 2025

Curiosidade do dia

Na segunda-feira, durante a conversa com o meu parceiro das conversas oxigenadoras, dei comigo a recordar esta estória de 2008. Vou transcrevê-la na íntegra:

"O DN de hoje publica o artigo "Médico espanhol fez 234 cirurgias em seis dias", assinado por Roberto Dores.

Gostava de saber, preto no branco, quais os argumentos que levam a Ordem dos Médicos a manifestar indignação.

A taxa de pacientes com complicações pós-operatórias é superior ao normal no país, ou no hospital?

A taxa de intervenções cirúrgicas ineficazes é superior ao normal no país?

Este trecho "Os preços praticados são altamente concorrenciais, tendo sido esta a solução encontrada pelo hospital para combater a lista de espera. O paciente mais antigo já aguardava desde Janeiro de 2007, tendo ultrapassado o prazo limite de espera de uma cirurgia. No ano passado chegaram a existir 616 novas propostas cirúrgicas em espera naquela unidade de saúde. Os sete especialistas do serviço realizaram apenas 359 operações em 2007 (cerca de 50 por médico num ano). No final do ano passado, a lista de espera era de 384, e foi entretanto reduzida a 50 com a intervenção do médico espanhol. " faz pensar.

Como melhorar o processo? No limite pode-se acabar com o processo e sistematizar temporadas espanholas no hospital.

"As 234 cirurgias realizadas no Barreiro, por um total de 210 mil euros" ... conclusão, para quê ter 7 especialistas a tempo inteiro? Quanto custam ao contribuinte?

Como melhorar este nível de produção (359 operações em 2007)?

A continuar assim, sem mexer no processo, mais qualidade (rapidez para os pacientes) é mais caro.

Há um mundo de poupanças, um tesouro por recuperar, se houvesse capacidade de subordinar tudo nos hospitais ao cumprimento da sua missão...

Adenda: Se cada um dos 7 especialistas a tempo inteiro custar mensalmente ao hospital cerca de 5000 euros (entre salário, segurança social e...), então: 7 x 5000 € x 14 = 490 000 €. Como os 7 especialistas produzem anualmente 359 operações, cada operação custa ao hospital 1365 €.

Cada operação feita pelo médico espanhol custa 897 €.

Se o hospital descontinuasse o contrato com os 7 especialistas e contratasse o médico espanhol 2 temporadas por ano, iria poupar 70000 € e realizar 468 intervenções, ou seja mais 109 que actualmente.

Já sei que uns vão-me chamar economicista mas..."

Vinte anos depois, descobrimos que afinal a solução não era importar espanhóis hiperprodutivos, mas sim criar uma verdadeira indústria nacional de produção cirúrgica ao Sábado — com tarifa premium, claro. Chamemos-lhe “cirurgia gourmet”: paga-se mais, mas é feita com a calma e o foco que só o fim-de-semana proporciona.




A coragem de dizer não

No WSJ do passado Sábado, 31 de Maio, encontrei o artigo "HSBC Quits Smaller American Businesses".

O HSBC decidiu encerrar a sua divisão nos EUA dedicada a pequenas e médias empresas, numa medida que faz parte de um esforço estratégico mais amplo para concentrar operações onde tem maior vantagem competitiva. A decisão levou ao despedimento de 40 funcionários e afectou cerca de 4.400 clientes com receitas até 50 milhões de dólares.

A maior parte destes clientes são empresas domésticas norte-americanas, e não filiais de grupos internacionais. O banco está a apoiar a transição destes clientes para outros prestadores, embora vá manter alguns através de outras equipas.

A decisão do HSBC ilustra de forma clara o princípio defendido por Terry Hill

"the most important orders are the ones to which a company says 'no'"

Quando uma organização tenta servir demasiados segmentos sem clareza estratégica, acaba por diluir os seus recursos e a sua eficácia. Ao sair do segmento das PME norte-americanas - onde a sua proposta de valor não se distinguia claramente — o HSBC está a dizer: "este não é o nosso tipo de cliente-alvo".

Como recorda Seth Godin no artigo "Um acto de renúncia" o sucesso também vem da coragem de dizer não. Renunciar pode ser um acto de inteligência estratégica, não de fraqueza:

"Não existe estratégia sem foco, e não existe futuro sólido sem escolhas conscientes. Quando se opta por não querer ser tudo para todos, abre-se espaço para ser algo indispensável para aqueles que mais importam."

Foco não é estreitamento - é precisão. E nesse sentido, o HSBC dá-nos uma lição de disciplina estratégica.

A decisão do HSBC é rara. Não é nada fácil ver empresas com esta clareza de foco e coragem de execução. Dizer "não" a clientes com dinheiro, com negócios sérios e aparentemente rentáveis, contraria os instintos de crescimento imediato que dominam tantas organizações. Requer visão de longo prazo, confiança no próprio posicionamento e, sobretudo, disciplina para resistir à tentação de agradar a todos. É precisamente essa dificuldade que faz com que tantas empresas permaneçam reféns da dispersão e da ambiguidade estratégica.

segunda-feira, junho 02, 2025

Curiosidade do dia


No jornal Sunday Times de ontem em "Vax fatigued' NHS staff shun flujab":
"Doctors, nurses and other frontline NHS staff are shunning the flu vaccine in ever-greater numbers, with almost nine in ten staff at one of England's largest hospital trusts unvaccinated last winter.
...
"A lot of people were kind of bullied, almost, in a positive sense, to get the first Covid dose in the UK. It was very successful but there was this sense of control and people have said in our studies they resented taking that vaccine.""

"Comprar" tempo quando a estratégia falha


Há dias o site da HBR publicou este artigo, "How to Rescue a Failing Strategy". 

O artigo defende que nestes tempos que vivemos, tempos de incerteza (guerras comerciais, inflação, flutuações cambiais, tecnologia, tarifas) podem deitar por terra planos estratégicos, mas não devem paralisar a gestão. Em vez de procurar a perfeição, as empresas devem rever rapidamente a estratégia e adoptar quatro "no-regrets moves" que aumentam flexibilidade, protegem receitas e criam opções:
  • Protect liquidity and increase financial flexibility - "In times of disruption or distress, cash is king. It's a shield against a cash crunch and a sword that can be used to seize opportunities. ... Two quick actions can make a big difference in a company's cash position: better forecasting and aggressive improvements in working capital management." - Faz-me recordar o regresso de Jobs à Apple.
  • Improve the fitness of your commercial organization - "“Facing a downturn, companies often retrench rather than attack. In fact, they should do both, with high-impact, high-speed programs to improve customer acquisition and retention."
  • Embrace your most profitable customers - Uma pedra de toque deste blogue. “Identify those customers and market segments that are the most profitable—and don’t take your eye off them… these are the customers you must ardently work to win, keep, and expand. ... Smart long-term strategy is best built knowing which channels, customers, and segments are most profitable for you."
  • Strengthen risk management and cybersecurity - "It’s urgent to audit your cyber defenses… That should include an initiative to begin, dust off, or level-up third-party risk management (TPRM). ... The last thing you need now is a serious risk that materializes out of nowhere; 
Estas acções não substituem uma estratégia renovada, mas "compram tempo" e mantêm a empresa guiada por uma "bússola" de quatro pontos: caixa, eficácia comercial, clientes e risco.
"These initiatives cannot substitute for strategy. If your strategy has been sideswiped or totaled, you still need to repair or replace it. But these four moves will buy you time, create options, and protect you against the worst."

domingo, junho 01, 2025

Curiosidade do dia

 


"Among European countries with Catholic roots, France wears its religion lightly. A secular state by law since 1905, the country bans conspicuous religious symbols in state schools, town halls and other official buildings. Less than 5% of its people attend a religious service every week, compared with 20% in Italy and 36% in devout Poland. Yet France, of all places, is witnessing an unexpected surge in Catholic fervour.

At Easter 10,384 adults were baptised, a jump of 46% on last year and nearly double the number in 2023. This was the highest since France's Conference of Bishops began such records 20 years ago. At 7,404, the number of teenagers baptised this Easter was more than double the figure in 2023, and ten times the one in 2019. France is not the only European country to report an upsurge in adult baptisms. Austria and Belgium this year also reported a big rise, but to a tiny total of 240 and 536 respectively. It is the scale and context that make the trend in France so arresting."

Trechos retirados de "France's improbable adult baptism boom" publicado na revista The Economist do passado dia 29 de Maio.

Há objectivos e objectivos



Outro trecho da conversa entre Sinek e Simon no "Diary of a CEO"  desta feita sobre o grau de dificuldade dos objectivos.

Este excerto é uma crítica directa à prática comum, mas profundamente limitadora, de definir metas fáceis só para garantir uma boa figura no relatório anual, na revisão do sistema, na próxima staff meeting.

Simon Sinek recusa essa lógica. Ele defende o contrário: ter ambições maiores do que as nossas capacidades actuais. E não o faz por romantismo, mas por realismo estratégico. 

Falhar a 80% de uma meta ousada é, para ele, mais valioso do que alcançar com sucesso uma meta da treta. Recordar "Falhar espetacularmente bem o cumprimento das metas!"

Ora, nas organizações — sobretudo naquelas mais preocupadas com a gestão da imagem do que com a gestão do desempenho — há uma tentação frequente:
  • definir metas conservadoras;
  • planear com base no que já se sabe fazer;
  • apresentar resultados como “verdes” mesmo quando são irrelevantes; e
  • alimentar uma cultura onde o conforto vale mais do que o progresso.
Este trecho desmonta essa lógica. Recorda-nos que objectivos fáceis anestesiam a criatividade, inibem a aprendizagem e tornam as equipas mais pequenas do que poderiam ser.
"it's important to have dreams that are beyond your skills or your resources because that's where creativity comes from that's where resourcefulness comes"
A mensagem é clara: não se trata de glorificar o fracasso — trata-se de usar metas exigentes como alavancas para crescer, mesmo que isso implique ficar aquém. Porque fazer boa figura com metas pequenas não é sucesso. É apenas um fracasso bem disfarçado.

Recordar daqui:
"Num sistema de gestão não é pecado não atingir todas as metas concretas associadas aos objectivos. Por isso, sejam exigentes ao definir as metas. Não digo que estabeleçam metas impossíveis de atingir mas metas que, para serem atingidas, obriguem a melhorar mesmo."

Recordar daqui:

"Um indicador pode ser bom, mas ter um desafio de desempenho tão baixo que acaba por estar sempre no verde. Vem-me logo à cabeça uma empresa que em 2022 teve 8 reclamações, em 2021 teve 9 ou 10 reclamações, e que para 2023 propunha uma meta de não mais de 12 reclamações. O responsável da qualidade queria tudo verde." 

sábado, maio 31, 2025

Curiosidade do dia


Quando falo sobre o tema recordo sempre:
  • Mt 10, 14
  • Mc 6, 11
  • Lc, 9, 5

"An exodus of educated Italians searching for better opportunities abroad is exacerbating the economic strain of a rapidly ageing labour force, the governor of the Bank of Italy has warned.

Fabio Panetta said Italy must take more action to retain its human capital - and ensure young people are productively employed to support growth. "Attractive employment opportunities need to be created for the many Italians who leave the country in search of better prospects," said Panetta yesterday.

About 156,000 Italians left the coun try last year for Germany, Spain, the UK and elsewhere, a 36.5 per cent increase over those who emigrated in 2023.

At just under 191,000, the total number of people who left Italy in 2024 - including 35,000 long-term foreign residents, mainly Romanians returning home - was at the highest level in a quarter of a century, according to Italy's official statistics agency, Istat.

...

Panetta said one factor driving people overseas was that real wages in Italy are currently below the levels they were in 2000, pushed down by the inflationary impact of the post-pandemic period."

Itália está semelhante:

A geração do Maio de 68 é uma desgraça.

Trechos retirados do FT de hoje em "Italy's exodus of young talent worsens population squeeze".  

Inovação vs tamanho



Este trecho do podcast levanta uma questão recorrente mas sempre pertinente: porque razão são, tantas vezes, as empresas pequenas mais inovadoras do que as grandes?

De forma quase caricatural — mas não menos verdadeira — Sinek descreve o paradoxo:

As empresas grandes têm dinheiro, talento e acesso aos mercados... e, mesmo assim, são das organizações menos inovadoras do planeta.
As pequenas empresas, sem recursos, sem notoriedade e a operar em condições de mercado adversas, conseguem frequentemente apresentar ideias disruptivas.
Resultado: as grandes compram as pequenas quando querem inovar. Não criam, adquirem inovação.
A explicação que Sinek propõe é particularmente interessante:
"I think the reason is because when you're small your ambitions are bigger than the resources you have to achieve those ambitions. Every small business has outsized ambitions"
Ou seja, a inovação nasce não do conforto, mas da tensão entre o desejo e a limitação. A pequena empresa está numa espécie de estado de sobrevivência visionária: precisa de provar que merece existir, de conquistar espaço, e para isso tem de ser criativa, rápida, audaz — até irracional. As suas aspirações parecem, por vezes, “objectivamente estúpidas” quando comparadas com os meios que tem... e, no entanto, algumas conseguem.

Nas empresas grandes, pelo contrário, o excesso de recursos tende a gerar inércia. Os processos são mais rígidos, a aversão ao risco é maior, a ambição já foi convertida em controlo — e quando a inovação ameaça destabilizar o status quo, é mais fácil ignorá-la ou comprá-la do que cultivá-la.

Este trecho é um excelente ponto de partida para discutir o papel da escassez como catalisador de criatividade, e da abundância como âncora da repetição.

Ou, dito de forma provocatória: as ideias nascem da falta, não do excesso.

sexta-feira, maio 30, 2025

Curiosidade do dia

Em 2018, a Payless ShoeSource, uma retalhista norte-americana de calçado a preços acessíveis, realizou uma campanha de marketing invulgar para desafiar percepções sobre valor e marca no sector da moda.

A Payless criou uma loja fictícia de luxo chamada "Palessi" num centro comercial para o segmento alto em Los Angeles, ocupando o espaço anteriormente utilizado por uma loja da Armani. A loja foi meticulosamente decorada com manequins dourados, uma estátua de anjo e expositores elegantes para simular uma boutique de designer, ver o vídeo abaixo. Foram também criadas uma presença online e contas em redes sociais para dar credibilidade à marca inexistente. 

A empresa convidou cerca de 60 influenciadores de moda para a inauguração da loja, apresentando os sapatos como criações do fictício designer italiano "Bruno Palessi". Os calçados, na realidade, eram produtos da Payless, normalmente vendidos entre $20 e $40, mas foram etiquetados com preços até $645.

Os influenciadores elogiaram a qualidade e o design dos sapatos, descrevendo-os como "elegantes" e "sofisticados", sem suspeitar da verdadeira origem dos produtos. Alguns chegaram a pagar centenas de dólares por pares que, na verdade, eram modelos económicos da Payless. Após as compras, a empresa revelou a verdadeira identidade dos sapatos, reembolsou os participantes e permitiu que ficassem com os produtos.

A iniciativa visava demonstrar que a percepção de valor está frequentemente mais associada à marca e à apresentação do que à qualidade intrínseca do produto. A campanha gerou ampla cobertura mediática e discussão nas redes sociais, destacando como o branding pode influenciar significativamente as decisões de compra dos consumidores. 

Mais informação aqui

Para reflexão por quem anda entretido com tarifas alfandegárias sobre a Temu ou a Shein.

Está na moda. Mas será que muda? (Parte V)

Parte Iparte II, parte III e parte IV.

Na passada terça-feira de manhã publiquei aqui no blogue a parte IV desta série onde referi:

"O paralelismo com a inteligência artificial (IA) é evidente: as empresas que apenas "acoplam" ferramentas de IA aos processos actuais não verão grandes benefícios. A transformação verdadeira exige reconfiguração organizacional, redesenho de processos, revisão de papéis e até de modelos mentais."

Depois, no Think Tank ao final do dia ouvi, entre o minuto 14,00 e o minuto 15,30.


Ainda me lembro de familiar a trabalhar no estado, durante os anos de Sócrates, a ter formação sobre processos e ... a sua equipa achar que um processo é uma pasta que reúne informação sobre um aluno ou um professor. 

Dá para ter uma ideia da qualidade da formação.

Mas o ponto é, sem mapear processos, sem cartografar o que se faz por quem e quando, como ponto de partida, tudo o resto é conversa.

quinta-feira, maio 29, 2025

Curiosidade do dia

Em Outubro de 2010 escrevi em "Qual é o recurso mais escasso?":

"Pobre indústria têxtil ... acorrentada a uma associação que ainda não viu a luz, que ainda não percebeu que as empresas portuguesas não podem competir com o Paquistão, não por causa do Paquistão, mas por causa da qualidade de vida dos operários portugueses na indústria têxtil e por causa da saúde económica das empresas têxteis portuguesas.

Enquanto não virem a luz vão continuar a comportar-se como um animal acossado a um canto, entretido a defender-se de um tsunami e a desperdiçar a oportunidade de mergulhar num mundo diferente, no mundo da moda, do speed-to-market, da flexibilidade, da diferenciação, do alto valor acrescentado..."

Em Março de 2013 escrevi ""Por que é que calçado e têxtil têm tido desempenhos tão diferentes?""

Agora estamos em 2025 e continuam distraídos a defender o passado com "Têxtil português exige taxa de 20 euros aplicada àscompras na Temu e Shein". O mundo gira, a moda reinventa-se, a inteligência artificial escreve editoriais — mas a indústria têxtil portuguesa continua firmemente agarrada à bóia do proteccionismo. Desta vez, não é contra o tsunami. É contra a Temu e a Shein. Sim, em vez de nadar, pedem ao Estado que baixe a maré: “Exigimos uma taxa de 20 euros sobre compras nestas plataformas!”

Pensem bem: quando Trump ameaçou erguer barreiras alfandegárias, não faltou quem gritasse contra o proteccionismo retrógrado e as taras do nacionalismo económico. Mas eis que, no conforto da indústria nacional, se ergue a mesma bandeira, agora bordada em pano doméstico e com um selo de “urgência estratégica”.

Talvez um dia percebam que o inimigo não está na China — está na cronologia. E que competir com o século XXI usando argumentos do século XX tem tanto futuro como uma linha de produção a vapor no meio de um desfile da Paris Fashion Week.

Outra vez a treta do "erro humano"

No FT do passado dia 22 de maio encontrei esta peça de horror: "M&S blames human error' for hack":

"Chain says breach came via supplier and warns of £300mn hit to profits

Marks and Spencer expects a £300mn hit to operating profits this year from a cyber attack caused by "human error", as the retailer warned disruption to its online operations would last until July. M&S said yesterday it expected to halve the hit to profits from the attack, which has severely disrupted its business and led to the theft of customer data, through "management of costs, insurance and other trading actions". The cyber attack forced the retailer to shut down its online clothing business for more than three weeks, left it unable to stock its food stores adequately and wiped almost €750mn from its market capitalisation. M&S disclosed for the first time last week that some personal customer data had been stolen.

Chief executive Stuart Machin declined to say whether M&s had paid a ransom to the hackers and said the attack was a consequence of "human error", rather than weakness in its IT systems or cyber defences.

"Threat actors only have to be lucky once, and we didn't leave the door open, so this wasn't anything to do with underinvestment," he added.

Machin confirmed that cyber criminals accessed its systems through socalled social engineering tactics via a third-party supplier, where criminals trick IT staff into changing passwords and resetting authentication processes to gain access. He declined to name the supplier that was compromised."

Recordo sempre um postal de 2006, "Erro humano", mas também estes outros de 2013 e 2018.

É simplesmente doentia a argumentação do CEO da M&S:

Trata-se de um "human error" de um fornecedor - Trava-se a análise no nível mais visível; é cómodo que a acção de investigação cesse a esse nível base. A organização nega a dimensão sistémica; trata-o como acidente isolado a eliminar.

"Threat actors only have to be lucky once, and we didn't leave the door open, so this wasn't anything to do with underinvestment," - Reforça a ideia de azar e exonera a própria estrutura ("não há sub-investimento"), escudando a instituição.

A narrativa pára na porta do fornecedor “culpado” e liberta a organização da introspecção dolorosa que perguntaria, por exemplo:

  • Que lacunas no on-boarding e monitorização de terceiros permitiram o acesso privilegiado?
  • Que controlos de zero-trust ou autenticação multifactor falharam?
  • Porque é que a resposta à intrusão demorou semanas em vez de horas?
  • O equilíbrio entre rapidez de transformação digital e segurança está a ser correctamente ponderado?

Enquanto a justificação de “erro humano” for suficiente para apaziguar accionistas e opinião pública, a cultura de responsabilização individual continuará a impermeabilizar a organização contra a autocrítica sistémica. Só quando a frequência ou a gravidade das quebras se tornar “inaceitável” é que acontecerá a verdadeira reinvenção dos processos. Até lá, ficar-se-á pela gestão de danos – remédio rápido – em vez da cura profunda. Ao tornar o erro explicação suficiente a organização protege-se do incómodo de questionar o sistema. Para evitar reincidências de grande impacto, a organização terá de transitar do ciclo de controlo do quotidiano (apagar incêndios) para o ciclo de melhoria – redesenhar processos, tecnologia e cultura. Caso contrário, a próxima “aspirina” poderá não chegar para baixar a febre.

quarta-feira, maio 28, 2025

Curiosidade do dia

 

Produtividade? Nunca esteve no horário — esteve no recibo. A grande lição do SNS é que o cérebro humano não atinge o pico da concentração às 9 da manhã com café, mas sim ao fim de 35 horas, quando começa a facturar à parte. Afinal, não trabalhamos melhor com menos horas... trabalhamos melhor com mais euros por hora.

Esqueçam a "semana de quatro dias" e a ladainha da flexibilidade: o segredo da motivação não está na gestão do tempo, mas na gestão do suplemento remuneratório. 

O que Rui Tavares não percebeu é que a produtividade não nasce do bem-estar, mas da perspectiva de um acréscimo salarial após o expediente. Estamos, portanto, perante uma revolução epistemológica: o "burnout" não se cura com descanso, cura-se com avenças.

Talvez esteja na hora de repensarmos os modelos de gestão pública: que tal transformarmos todo o horário normal em horário extraordinário? É a única forma garantida de salvar o SNS... e quem sabe, a economia. 

Há automação e automação

Há cerca de um mês publiquei "Fábricas robotizadas? Só se for para montar iPhones, não sapatos". Nele argumentei que a automatização industrial só faz sentido económico quando a produção é altamente repetitiva e pouco variável. A robotização exige estabilidade, previsibilidade e grandes volumes para compensar o investimento. Quando há complexidade, personalização ou variabilidade — como no caso do fabrico de calçado - as máquinas falham em substituir o trabalho humano especializado. 

O artigo era sobre o caso da Nike e o insucesso dos seus projectos de automatização nos EUA, dando muito mais informação sobre os motivos da sua decisão, algo que a Adidas nunca revelou.

Entretanto, na semana passada no WSJ li "Shoemaker Leans on Automation To Expand Its U.S. Production". O artigo é sobre a Keen, um fabricante de calçado nos EUA, e oferece um contraponto interessante à experiência da Nike e da Adidas com a automatização — e permite explorar com mais nuance o tema da viabilidade da produção automatizada em indústrias com uma forte componente manual.

A Keen vai abrir uma nova fábrica no Kentucky que quase duplicará a sua capacidade de produção nos EUA, apostando fortemente na automatização para tarefas repetitivas, enquanto mantém uma parte significativa da produção na Ásia. A automatização será apenas na execução de tarefas básicas, porque continuará a manter trabalhadores humanos para as tarefas mais especializadas.

Podemos fazer o contraponto entre a Keen e a Adidas/Nike:

Keen plans to rely heavily on automation at its new facility, using machinery to handle mundane, repetitive tasks while employing human workers to handle more precise work.” [Moi ici: Tal como Nike e Adidas descobriram, a Keen parece ter aprendido pela observação: automatiza o que é possível (tarefas repetitivas), mas não tenta substituir o saber manual nas partes críticas da produção. Assim, evita o “conto da automatização total” e opta por uma automação parcial, bem aplicada — não substitui, complementa]

A eficiência não está em eliminar o humano, mas em combinar humano + robôt de forma complementar.

Claro que a "senhora gorda" ainda não cantou e apesar de tudo também esta experiência pode vir a falhar.