sábado, setembro 27, 2025

Calçado e têxtil - uma directiva transformacional!!!



Eu sei que é fim de semana e que muita gente ao fim de semana desliga, mas o mundo continua a girar.

Amigos do calçado e do têxtil, já olharam para a Directiva (UE) 2025/1892 do Parlamento Europeu e do Conselho de 10 de setembro de 2025 que altera a Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos? 

Acreditem, esta directiva para o têxtil e para o calçado é transformacional (vai mudar modelos de negócio, produtos e custos).

Por exemplo:
  • Responsabilidade alargada do produtor obrigatória: terá de financiar recolha, triagem, reutilização e reciclagem dos produtos colocados no mercado.
"(22) Em conformidade com o princípio do poluidor-pagador, referido no artigo 191.°, n.° 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), é essencial que os produtores que disponibilizem pela primeira vez no mercado no território de um Estado-Membro determinados produtos têxteis, relacionados com os têxteis e de calçado assumam a responsabilidade pela gestão dos mesmos na fase de fim de vida
...
(34) Os produtores deverão ser responsáveis pela criação de sistemas de recolha de todos os produtos têxteis, relacionados com os têxteis e de calçado usados e em fase de resíduo, bem como pela garantia de que os mesmos são posteriormente sujeitos a triagem para reutilização, preparação para reutilização e reciclagem," 

  • Taxas moduladas: pagam mais se os produtos não forem concebidos para circularidade; pagam menos se incluírem fibras recicladas, forem reparáveis e duráveis. 
"(39) Além do mais, a modulação de taxas de responsabilidade alargada do produtor é um instrumento económico eficaz para incentivar uma conceção de têxteis mais sustentável que, por seu lado, conduzirá a uma melhor conceção, que esteja em consonância com os princípios da circularidade. A fim de proporcionar um forte incentivo à conceção ecológica, tendo simultaneamente em conta os objetivos do mercado interno e a composição do setor têxtil, onde predominam as PME, é necessário harmonizar os critérios para a modulação das taxas de responsabilidade alargada do produtor com base nos parâmetros de conceção ecológica mais pertinentes,"

  • Proibição do fast/fashion como modelo dominante: pressão regulatória contra ciclos curtos de produção/consumo. 
"(40) As práticas industriais e comerciais, como a moda rápida e ultrarrápida, influenciam a duração da utilização do produto e a probabilidade de um produto se tornar um resíduo devido a aspetos não necessariamente relacionados com a sua conceção, e baseiam-se frequentemente na segmentação do mercado. Tais práticas poderão fazer com que o produto seja descartado prematuramente, antes mesmo de chegar ao fim da sua vida útil potencial, o que resulta num consumo excessivo de produtos têxteis e, consequentemente, numa produção excessiva de têxteis em fase de resíduo. A fim de identificar melhor essas práticas e permitir a ecomodulação das taxas de responsabilidade alargada do produtor, os Estados-Membros poderão considerar critérios como a largura da gama de produtos, entendida como o número de referências de produtos oferecidas para venda por um produtor, com limiares definidos por segmento de mercado, a frequência das ofertas, entendida como o número de referências de produtos por segmento de mercado oferecido para venda por um produtor num determinado período, ou os incentivos à reparação, entendidos como a probabilidade de o produto ser reparado com base no seu rácio de custos de reparação ou na prestação de um serviço de reparação pelo produtor."

  • Necessidade de redesenhar processos: inclusão de fibras recicladas, maior transparência na cadeia de fornecimento.
"(30) Além disso, a atual gestão de têxteis em fase de resíduo é ineficiente em termos de recursos, está desalinhada da hierarquia dos resíduos e conduz a danos ambientais, 
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A responsabilidade alargada do produtor relativamente a produtos têxteis, relacionados com os têxteis e de calçado tem como finalidade assegurar um elevado nível de proteção do ambiente e da saúde na União, criar uma economia de recolha, triagem, reutilização, preparação para reutilização e reciclagem, em especial a reciclagem de fibras em novas fibras, bem como dar incentivos para que os produtores assegurem que os seus produtos sejam concebidos de acordo com os princípios da circularidade.
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(31) e o apoio à investigação e ao desenvolvimento para a conceção ecológica de têxteis que não contenham substâncias que suscitam preocupação."
  • Risco para PMEs: encargos administrativos e financeiros elevados, mitigados se se associarem a organizações coletivas de RAP.
"(25) Tais regras deverão ainda ser mais pormenorizadas e harmonizadas para evitar a criação de um mercado fragmentado suscetível de ter um impacto negativo no setor, em especial nas microempresas e nas PME, 
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(43) Uma vez que as PME compõem 99% do setor têxtil, é conveniente procurar reduzir, tanto quanto possível, os encargos administrativos decorrentes da aplicação de um regime de responsabilidade alargada do produtor"
Sim, eu sei, para muitos o copo está meio vazio e isto vai ser mais custos. A alternativa é abraçar a mudança e ver que oportunidades podemos encontrar ou desenvolver com esta novidade. Por exemplo, a directiva liga as contribuições financeiras à qualidade do design dos produtos: quanto mais alinhados com os princípios da circularidade, menos pagam as empresas. Na prática, isto traduz-se em:
  • Durabilidade: fabricar peças que resistam mais tempo ao uso, evitando descartes prematuros. 
  • Reparabilidade: facilitar a substituição de componentes (fechos, botões, solas, palmilhas) e disponibilizar peças de reposição ou serviços de reparação.
  • Uso de materiais reciclados: integrar fibras recicladas de qualidade, promovendo uma economia de ciclo fechado.
Para as PMEs portuguesas, muitas das quais já têm reputação internacional em qualidade e detalhe, esta exigência pode transformar-se numa vantagem competitiva: reforçar o posicionamento "premium" e diferenciar-se da produção de baixo custo asiática e não só.

Riscos fortes para as fábricas que dependem de ciclos de moda curta (fast fashion ou private label com colecções rápidas), elas vão sentir um choque. A própria directiva penaliza este modelo, associando-o a sobreprodução e desperdício. Quem continuar a apostar em quantidade, baixa durabilidade e colecções aceleradas verá os custos regulatórios disparar e enfrentará barreiras acrescidas na exportação.
Por outro lado, fábricas que se posicionem em nichos de qualidade, reparação, segunda vida e circularidade podem ganhar espaço:
  • Criando linhas de produtos "eco-premium" com selo de sustentabilidade.
  • Firmando parcerias com marcas que valorizam durabilidade e reparabilidade.
  • Explorando novos modelos de negócio (aluguer, retoma, revenda em segunda mão).
Ou seja, a directiva pode ser vista não apenas como um custo adicional, mas como um filtro de mercado: quem estiver preparado para competir pelo valor, pela sustentabilidade e pela inovação terá mais hipóteses de crescer.

Recordo o recente "Anichar, ao vivo e a cores" sobre as reparações.


Ainda acerca da reciclagem têxtil:
Isto já vai demasiado longo, vou escrever um outro postal sobre as oportunidades e riscos relacionados com esta directiva.

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