quinta-feira, dezembro 11, 2025

Curiosidade do dia

Um dia também cá chegaremos a isto "Palantir says college is no longer a reliable training ground—so it hired 22 high school students instead: ‘Skip the debt. Skip the indoctrination.’"

O programa, chamado Meritocracy Fellowship, oferece aos finalistas do secundário quatro meses de formação e inserção directa em equipas que trabalham em projectos reais da empresa, com clientes em áreas como saúde, defesa ou governo. 

Esses jovens começam a ganhar salário imediatamente — cerca de 5.400 USD/mês, segundo os termos iniciais — o que significa ganhar experiência real e rendimento, sem os custos e o tempo de um curso universitário. 

Para talentos com perfil técnico e motivação, é uma via “hands-on” que os põe rapidamente em contacto com tecnologia de fronteira. Isso pode ser mais relevante e útil em determinadas áreas tecnológicas do que uma formação teórica genérica na universidade.



As limitações fazem parte da estratégia — não são obstáculos à estratégia


No FT do passado dia 9 de Dezembro encontrei um artigo muito interessante, "Smartphone maker Nothing takes aim at Apples dominance".

O artigo de John Gapper (8 em cada 10 artigos de John Gapper são um must) analisa a Nothing, empresa fundada por Carl Pei (ex-OnePlus), que procura posicionar-se como uma alternativa relevante num mercado dominado pela Apple e pela Samsung. 

Apesar de ter pequena dimensão e recursos limitados, a Nothing tem crescido com produtos diferenciados, design arrojado e foco em atributos que os utilizadores realmente valorizam. O seu modelo combina identidade de marca forte, preços mais acessíveis e sensibilidade europeia no design, enquanto a produção é realizada na Índia e na China.

O artigo destaca que, embora o mercado global esteja maduro e a vantagem de Apple seja enorme, a Nothing encontrou nichos em que consegue competir: gama média, estética distinta, marketing eficaz e comunidades jovens em busca de alternativas. Porém, a limitação de escala, as margens reduzidas e as pressões regulatórias continuam a ser obstáculos sérios para a empresa.

Estratégia é sobre escolhas — e Nothing faz escolhas claras. Pei não tenta competir com a Apple em tudo, mas apenas onde consegue ganhar:
  • gama média,
  • estética distinta,
  • comunidade jovem,
  • design europeu,
  • funcionalidades "visíveis".
É a aplicação directa do princípio de Roger Martin: ganhar é escolher um campo de batalha onde se pode ganhar, não onde o rival é mais forte.

A Nothing sabe que não pode competir com Apple no ecossistema fechado e premium, nem com Samsung na escala de produção.

Logo, evita competir pelo preço (estratégia impossível face à China), e compete pela identidade da marca e pela experiência sensorial (Glyph UI).

Num mercado saturado, vence quem cria valor distinto, não quem tenta ser "igual, mas mais barato".

A competição relevante não é perfeita:
  • os consumidores não escolhem apenas specs, escolhem histórias, estética, tribo.
  • as empresas pequenas podem dominar um segmento mesmo num mercado dominado por gigantes.
A Nothing está a usar o nicho "anti-Apple" jovem e visual, como forma de explorar imperfeições de mercado.

Pei reconhece que tem:
  • menos dinheiro,
  • menos recursos,
  • menos talento disponível.
Mas as limitações fazem parte da estratégia — não são obstáculos à estratégia. Nada disto impede que a Nothing desenvolva um território próprio.

Material para reflexão nas PMEs:
"Our weakness is that we have less resources, but we do have speed and hopefully taste."

 






quarta-feira, dezembro 10, 2025

Curiosidade do dia

A decisão da Dinamarca de terminar a entrega de cartas, depois de uma queda de mais de 90% no seu volume, é mais do que uma nota curiosa sobre serviços postais. É uma lição de maturidade institucional.

 Os dinamarqueses olharam para uma mudança estrutural, profunda e irreversível, e fizeram aquilo que sociedades confiantes costumam fazer: adaptaram-se. Não fingiram que a realidade pode ser revertida por decreto. Não tentaram proteger modelos esgotados. Simplesmente aceitaram que o mundo mudou e alinharam o serviço público com o presente, para não hipotecarem o futuro.

Em Portugal, continuamos atolados no movimento contrário.

O caso recente da Vasp, que pondera abandonar a distribuição diária de jornais em vários distritos por causa da quebra de vendas e do aumento dos custos operacionais, é um exemplo cristalino dessa diferença cultural. A reacção da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) foi imediata: apelo ao Estado. Apelo a mecanismos. Apelo a meios. Tudo menos encarar a realidade. A associação alerta para o risco de "colocar em causa o direito à informação" e pede ao Governo que garanta a distribuição em todo o território, como se o problema fosse conjuntural e não o resultado de uma transformação profunda no consumo de notícias e na demografia. 

Nem uma reflexão sobre alternativas digitais. Nem uma palavra sobre novos modelos de negócio. Nem um incentivo à inovação. Apenas a exigência de que o Estado mantenha, a qualquer custo, uma estrutura que a própria economia já abandonou.

É aqui que o contraste com a Dinamarca ganha força: enquanto uns remodelam o futuro, outros tentam conservar o passado através de subsídios, obrigações e protecção administrativa. Até órgãos como a Rádio Observador, que se posicionam como liberais e pró-mercado, cedem, muitas vezes, a esta narrativa confortável: "se algo está a desaparecer, o Estado que resolva". É um socialismo suave, afectivo, que não se assume como tal, mas que protege práticas antigas por receio, nostalgia ou falta de imaginação.

O que está verdadeiramente em causa não é a Vasp, nem os municípios, nem os jornais. É a nossa incapacidade colectiva de aceitar que certos modelos deixaram de ser sustentáveis. A defesa do "direito à informação" não exige que se distribuam jornais impressos porta a porta em todo o país; exige, isso sim, que se garantam formas eficazes, modernas e economicamente viáveis de acesso à informação.

Precisávamos, talvez, da mesma coragem institucional que vimos na Dinamarca: reconhecer a mudança, redesenhar o serviço com base no presente e aceitar que nem tudo pode ser preservado. O apego aos direitos adquiridos é compreensível — mas tem um custo. E esse custo é o de um país que fica parado, cristalizado em modelos que já não respondem ao mundo em que vivemos.

A questão é simples e desconfortável: queremos o futuro ou queremos manter relíquias vivas por meio de transfusões públicas eternas?

A Dinamarca respondeu. Nós continuamos a hesitar.


Revisão pela gestão - um espaço para decidir, não para apresentar (parte IV)

Parte Iparte II e parte III.

A revisão pela gestão prevista na ISO 9001:2015 é, por definição, um espaço de avaliação, reflexão e decisão. No entanto, em muitas organizações, a reunião transforma-se numa sequência interminável de apresentações, gráficos, explicações técnicas e leituras de relatórios. O que deveria ser um momento de liderança estratégica converte-se num exercício de transmissão de informação — precisamente aquilo que não acrescenta valor quando se está a gerir um sistema da qualidade.

A ISO 9001 é muito clara: as entradas do 9.3.2 devem ser consideradas, isto é, analisadas, sintetizadas e preparadas antes da reunião. Num webinar sobre a revisão pela gestão, costumo dizer: "Meeting time is too expensive and should be used wisely." A reunião não existe para fazer apresentações; existe para tomar decisões.

E para que a reunião seja um espaço de decisão, há uma condição essencial: toda a informação deve ser distribuída com antecedência, e todos os participantes devem chegar à reunião tendo estudado essa informação. Isto é o que permite que o tempo colectivo seja usado para interpretar, decidir e orientar o futuro do sistema — e não para ouvir o que poderia ter sido lido antes.

Preparação prévia: o segredo para libertar a reunião. O ponto 2 do fluxograma lá em cima.

A qualidade da revisão depende mais do trabalho realizado antes da reunião do que do que ocorre durante a reunião. O processo é simples:
  1. Os responsáveis preparam todas as entradas da cláusula 9.3.2, com análise, síntese e tendências, e não apenas dados brutos. Não afoguemos a gestão de topo em dados. Temos de lhes dar significado, não números.
  2. Esta informação é enviada com antecedência suficiente (muito difícil em Portugal).
  3. É solicitado (e exigido) que todos os participantes a estudem cuidadosamente.
  4. A agenda é construída não com tópicos, mas com perguntas que exigem decisões.
  5. A reunião discute apenas o que precisa ser decidido.
O grande erro é tentar "fazer tudo numa reunião": apresentar dados, explicar, analisar, interpretar e decidir (e até planear as acções que implementam as decisões). Quando isto acontece, a reunião torna-se pesada, longa e, muitas vezes, inconclusiva. A gestão vai para casa com resmas de slides; o sistema fica na mesma.

Há anos li que Jeff Bezos introduziu na Amazon uma prática famosa para lidar com um problema universal: pessoas que chegam às reuniões sem ter lido a documentação previamente. Em vez de transformar a reunião numa aula improvisada, Bezos instituiu os 15 minutos de silêncio no início de cada reunião estratégica.

Funciona assim:
  • A documentação é distribuída antes; todos deveriam lê-la.
  • Mas como alguns chegam “em branco”, a reunião começa com 15 minutos de silêncio absoluto.
  • Cada pessoa lê a documentação final novamente, desta vez sem interrupções.
  • Só depois se começa a discutir — e já em cima de informação partilhada.
É simples, eficaz e profundamente alinhado com o espírito da ISO 9001: todos têm acesso aos factos, todos têm entendimento comum e a reunião avança directamente para a tomada de decisões.

Este pequeno truque elimina dois problemas clássicos:
  • as reuniões que se tornam apresentações;
  • e os participantes que opinam sem conhecer os dados.
Adoptar esta prática numa revisão pela gestão é transformar a reunião num momento de inteligência colectiva e não num desfile de slides.

O valor real da revisão do sistema não está em apresentar informação; está em decidir: que processos precisam de ser repensados, que riscos aumentaram e exigem acção, que recursos são necessários, que prioridades mudaram, que lições do passado influenciam o futuro.

Quando a reunião se liberta de apresentações, cria espaço para perguntas difíceis, para interpretações cruzadas, para aprendizagem organizacional e, sobretudo, para decisões alinhadas com a estratégia e o contexto.

Uma revisão pela gestão que se limita a apresentar dados não cumpre o propósito da ISO 9001; uma revisão que produz decisões claras, responsáveis e prazos definidos cumpre-o plenamente.

A revisão do sistema é um dos raros momentos em que a organização pára para pensar. Não desperdiçar esse espaço com apresentações é um teste de maturidade. A liderança reúne-se para tomar decisões estratégicas, não para ouvir.



terça-feira, dezembro 09, 2025

Curiosidade do dia

Apesar do mérito conjuntural, lamento não poder acompanhar o senhor ministro neste entusiasmo.

Os dados obrigam-nos a uma leitura mais prudente — e, sobretudo, mais estrutural.

Segundo a Conta Satélite do Turismo de 2024, o consumo turístico no território económico já representa 16,6% do PIB, e o contributo total do turismo atinge 11,9% do PIB. Nunca o turismo teve tanto peso na economia portuguesa, ultrapassando largamente o período pré-pandemia, quando rondava os 8% a 9%. Estamos agora entre os países europeus mais dependentes deste sector, ao lado da Grécia e da Croácia.

Este desempenho é extraordinário. Mas é precisamente isso que deve preocupar-nos.

O turismo é, por natureza, um sector altamente volátil. Depende do rendimento e da confiança dos nossos principais mercados emissores, das condições geopolíticas globais, do preço dos combustíveis, das alterações climáticas, da estabilidade das companhias aéreas, da imagem internacional do país — e, como aprendemos em 2020, pode colapsar quase da noite para o dia.

Quando uma economia cresce sobretudo graças ao turismo, o PIB sobe, as estatísticas sorriem e as manchetes multiplicam-se. Mas, por baixo dessa superfície brilhante, instala-se uma fragilidade estrutural: a economia fica dependente de um único motor, que trabalha com combustível instável.

O turismo cria emprego, sim. Mas continua a ser um sector predominantemente de baixos salários, baixa produtividade e forte sazonalidade. Não é daqui que virá a transformação estrutural de que Portugal precisa há décadas: mais conhecimento, mais tecnologia, mais indústria sofisticada, mais inovação. Não é daqui que virão empresas com capacidade de pagar salários significativamente superiores à média nacional.

O verdadeiro problema não é o turismo estar a crescer — é o que não está a crescer ao mesmo ritmo. Os meus mastins dos Baskerville. A indústria transformadora continua frágil, o investimento empresarial teima em não convergir com o europeu, a produtividade avança ao ritmo de caracol e sectores de maior valor acrescentado continuam a ser excepção, e não regra.

Portugal não pode confundir a euforia conjuntural com a solidez estrutural.

Celebrar um bom ano económico é legítimo; mas construir uma economia resiliente exige outra conversa.

O turismo, por melhor que esteja, não pode ser o nosso desígnio económico. Não há país desenvolvido cuja prosperidade assente maioritariamente num sector tão exposto a choques externos. E quanto mais Portugal subir no turismo, maior será a queda quando o ciclo virar — e ele irá virar.

O ministro celebra o dia de hoje.

Eu preocupo-me com o dia de amanhã.

Portugal merece ambição, não conformismo. Merece uma estratégia económica que reduza a dependência de um sector vulnerável e que aposte, de forma séria, consistente e contínua, em sectores capazes de aumentar a produtividade, gerar conhecimento e criar valor duradouro.

O turismo é importante.

Mas não pode ser — e muito menos deve ser celebrado como — a solução para todos os nossos problemas económicos.

Enquanto essa distinção não for acompanhada de um verdadeiro caminho de transformação estrutural, lamento: não posso acompanhar o senhor ministro no seu regozijo.


Como um mural num zoo explica o funcionamento de uma economia saudável

A economia é uma continuação da biologia — agora nas quatro paredes de um zoo.

Há dias, no Zoo de Basileia, parei diante de um mural que parecia ter sido desenhado para ilustrar aquilo que escrevo há anos aqui no blogue: a economia é uma continuação da biologia.


Centenas de pássaros de todas as cores, a voar em direcções diferentes, acompanhados por quatro frases simples:

  • A evolução não tem objectivo.
  • A evolução precisa de diferenças.
  • A evolução baseia-se na selecção.
  • A evolução cria diversidade.

Enquanto lia estas frases, dei por mim a sorrir: estavam ali, naquele corredor do Zoo, os alicerces de Mongo, a metáfora que uso para explicar o novo mundo económico em que vivemos.

Primeiro: A evolução não tem objectivo → O fim do século XX

O mural afirma: "EVOLUTION HAT KEIN ZIEL - L'ÉVOLUTION N'A PAS DE BUT."

E isso ecoa directamente no que descrevo em "Por que apareceu o BSC? (I)". O século XX acreditava que a economia tinha um caminho único. Um pico dominante. A escala, a eficiência, a standardização. O fordismo como destino final do progresso económico.

Mas a biologia ensina exactamente o contrário: a evolução não segue um plano pré-definido. A adaptação acontece ao sabor do contexto. Ou seja, "nature evolves away from constraints, not toward goals".

Quando o ambiente muda, a população muda com ele — ou desaparece.

Na economia, acontece o mesmo. O velho paradigma de um único pico foi substituído por uma paisagem enrugada, cheia de nichos, na qual empresas diferentes servem clientes distintos.

É aqui que nasce Mongo.

Segundo: A evolução precisa de diferenças → A explosão de variedade

Outra frase do mural: "EVOLUTION BRAUCHT UNTERSCHIEDE - L'ÉVOLUTION A BESOIN DE DIFFÉRENCES"

Isto é puro Mongo.

No século XX, variedade era sinónimo de ineficiência; no século XXI, é a fonte da vantagem competitiva.

Tal como no estudo das toutinegras de MacArthur — cinco espécies a viver na mesma árvore, sem competir directamente — também as empresas modernas só prosperam quando ocupam nichos distintos.

Hoje, a economia recompensa quem cria diferenças reais: novos atributos, novas experiências, novas linguagens, novas tribos. É uma verdadeira explosão câmbrica na área empresarial.

Terceiro: A evolução baseia-se na selecção → Deixar morrer para deixar nascer

O mural diz: "EVOLUTION BERUHT AUF AUSLESE - L'ÉVOLUTION REPOSE SUR LA SÉLECTION".

E aqui surge o ponto que tantos evitam discutir.

Se a economia é um ecossistema, a selecção é inevitável.

No blogue tenho escrito muito ao longo dos anos sobre este tema: se não deixamos as empresas morrer, impedimos a evolução. Por isso, enquanto alguns publicam isto no Twitter para criticar Milei, eu encontro motivos para o elogiar:

Recursos prisioneiros de zombies habituados a viver de apoios e benesses são libertados para que sejam utilizados pela economia do futuro.

Subsidia-se o zombie — e bloqueia-se o surgimento da nova espécie.

Mantém-se o incumbente ineficiente — e impede-se a subida da produtividade.

Confunde-se estabilidade com sobrevivência — quando a verdadeira lei biológica é adaptação.

Tal como na natureza, ecossistemas artificiais que evitam a selecção acabam por se tornar frágeis e improdutivos.

Quarto: A evolução cria diversidade → O futuro pertence aos muitos, não aos poucos

No mural lê-se: "EVOLUTION SCHAFFT VIELFALT - L'ÉVOLUTION CRÉE LA DIVERSITÉ"

E isto descreve exactamente o mundo económico contemporâneo.

Costumo escrever sobre a explosão de variedade, de múltiplos picos competitivos, de nichos que não existiam ontem e que surgem amanhã.

As empresas já não vivem todas na mesma serra; vivem numa cordilheira imensa, com picos separados por vales profundos. Cada pico simboliza uma proposta de valor distinta.

Tal como os pássaros do mural, cada empresa voa na sua direcção, criando padrões emergentes que nenhum planeador central conseguiria antecipar.

O mundo não regressa à homogeneidade — acelera rumo à diversidade.

O mural do Zoo é Mongo. E Mongo é o mural do Zoo.

Enquanto observava aqueles pássaros coloridos, percebi que o Zoo tinha conseguido numa imagem aquilo que tento explicar com palavras:

A economia muda sempre.

Não há objectivo final.

A diversidade é inevitável.

A selecção não perdoa.

A adaptação é a única constante.

E o novo mapa competitivo é uma paisagem viva, dinâmica, imprevisível.

A economia é biologia — por outros meios.

E a biologia está escrita naquela parede do zoo, à vista de todos.


segunda-feira, dezembro 08, 2025

Curiosidade do dia

 

Esta frase: "Não podemos dizer que houve falhas, porque tudo ACONTECEU num momento em que há uma mudança de turno na enfermagem..." é tão absurda!!!

Estive no estrangeiro. O homem já se demitiu? Foi demitido?

Cheira-me a alguém a arranjar aliados para uma futura situação em que precise. Tipo: “You scratch my back, and I'll scratch yours.”

Dizer que “não podemos falar de falhas porque tudo aconteceu durante a mudança de turno” é inverter completamente a lógica da segurança. Justamente porque há mudanças de turno, os processos críticos têm de estar blindados, com redundâncias, verificações independentes e responsabilidades claras. A transição entre equipas é sempre um momento vulnerável — e, por isso mesmo, não pode ser usada como desculpa; deve ser tratada como um risco conhecido e controlado.

Isto faz-me lembrar o caso verídico de um hospital inglês onde o doente acamado numa certa cama, a um determinado dia da semana, morria sempre — até se descobrir que a funcionária da limpeza desligava o ventilador para ligar o aspirador. A solução não foi “culpar a hora da limpeza”, e sim repensar o sistema, os dispositivos, os procedimentos e a formação. BTW, quem foi ao tribunal foi quem não deu formação.

E qualquer pessoa que já tenha visitado uma fábrica da indústria química sabe isto bem: na mudança de turno, nada fica sem controlo. As rondas são feitas, os equipamentos críticos são verificados e a passagem de informação é tratada com rigor quase militar. Porquê? Porque se alguém disser "estávamos em mudança de turno", pode já não haver instalação… nem trabalhadores. A segurança não espera.

Quando a segurança depende de uma pessoa estar “no sítio certo à hora certa”, o problema não é a pessoa — é o sistema. E quando um sistema permite que um bebé desapareça num hospital, a única atitude séria é investigar o processo, não proteger a narrativa. A mudança de turno é um facto inevitável; a falta de controlo, essa sim, é falível e deve ser corrigida.




 

Revisão pela gestão - preparar tudo, rever só o necessário (parte III)


Preparar tudo, discutir só o necessário: a lógica da cláusula 9.3.2

Quando a norma diz que a revisão pela gestão deve ser “planeada e realizada tendo em consideração” um conjunto alargado de entradas, está a pedir algo muito concreto: todas as entradas devem ser preparadas, analisadas e disponibilizadas à gestão antes da reunião. 

No momento da preparação da revisão, a organização deve produzir informação clara, bem analisada e bem pensada sobre tudo o que a norma lista na cláusula 9.3.2: auditorias, desempenho de processos, satisfação do cliente, reclamações, acções correctivas, adequação de recursos, contexto externo e interno, partes interessadas, riscos e oportunidades, entre outros. Este trabalho é obrigatório e independente do que será discutido, ou não, na reunião. Pode fazer parte de um relatório para a revisão do sistema.

Mas uma coisa é preparar informações sobre tudo; outra, muito diferente, é discutir tudo em reunião.
É aqui que muitas organizações desperdiçam tempo e energia — confundem a obrigação de preparar informação com a de ocupar a agenda. O resultado é uma revisão pesada, longa, dispersa e quase sempre improdutiva.

A ISO 9001 não exige isso. A norma pede que as entradas sejam consideradas; não diz que todas devem ser tratadas oralmente, nem que todas exigem decisão.

A solução inteligente: preparar 100%, discutir 20%. A prática mais eficaz — e totalmente conforme com a norma — é a seguinte:
  • Preparar toda a informação prevista na cláusula 9.3.2 num relatório para a revisão do sistema;
  • Analisar, sintetizar, apresentar tendências e disponibilizar tudo à gestão de topo antes da reunião.
Este trabalho garante a conformidade documental e permite que a gestão tenha uma visão completa do sistema. Depois, vem a preparação da agenda. E a informação do relatório deve ser utilizada para construir a agenda de forma selectiva

A agenda não deve ser uma lista de tópicos — deve ser uma lista de perguntas que exigem decisões.
Se um item foi analisado no relatório e não requer mudança, acção ou decisão, não precisa de ocupar tempo de reunião.

É apenas registado no relatório como "considerado sem necessidade de acção".

Há que concentrar a reunião apenas no que exige direcção, decisão ou mudança.

Depois, na acta da reunião registam-se que entradas geraram decisão — e quais não.

A norma exige evidência de consideração, não debate de cada parágrafo da cláusula 9.3.2. Registar que um item foi analisado (no relatório) e não exige acção é plenamente conforme — e, de facto, é uma boa prática.

Esta abordagem cria as condições para melhores reuniões de revisão, porque evita  que fiquem reduzidas a um exercício de “checklist” sem reflexão real. Ao separar claramente "informação que deve ser preparada" de "informação que deve ser debatida", a organização protege o tempo da gestão de topo e aumenta a qualidade das decisões.

A revisão deixa de ser uma descarga de dados e passa a ser um momento estratégico, onde a gestão responde a perguntas como:
  • O que precisa de mudar no sistema para continuar eficaz e adequado?
  • Que riscos se tornaram críticos este ano?
  • Que capacidades precisamos para o próximo ciclo?
  • Que processos deixaram de servir o futuro?
Não esquecer: A norma obriga-nos a olhar para tudo, mas não a discutir tudo. A organização cumpre a ISO 9001 quando prepara e analisa todas as entradas da cláusula 9.3.2, documenta que foram consideradas, selecciona para a reunião apenas os pontos que exigem decisões e centra a agenda em perguntas que obrigam a agir.

É a combinação de rigor documental e foco estratégico que transforma uma revisão pela gestão numa ferramenta de liderança — e não num ritual anual de apresentação de dados.



domingo, dezembro 07, 2025

Curiosidade do dia

Retratos do mundo actual retirados do The Times de 3 de Dezembro passado:

"Sensitivity protected

Workers who are sensitive to rejection and criticism can sue for disability discrimination, an employment tribunal ruled. Ryan Toghill who has "rejection sensitivity" — an intense response to perceived criticism, disapproval or rejection — as a side-effect of his ADHD successfully sued Lidl for unfair dismissal in Cardiff."


"Gen Z fears office chat more than AI

...

A third of Gen Z believe mental health days should be a standard workplace benefit as polling reveals they worry more about human interaction than artificial intelligence.

Topping the list of anxieties were working with unknown people (42 per cent), having to make small talk (38 per cent), anxiety about using the phone (30 per cent) and having to get up early (28 per cent). Young people were more concerned about office interactions than losing their jobs because of AI." 

O que isto diz dos pais que criaram esta geração? 



Chocolate - Inovar é mudar de quadrante, não só de produto (parte III)

Nos últimos dias li três histórias que, apesar de vindas de mundos diferentes, contam exactamente a mesma transformação profunda: o chocolate artesanal da Amazónia, o azeite premium e o café de especialidade em Paris.

Três produtos banais — cacau, azeitona, café — que deixam de competir pelo centro e passam a competir pelos nichos. É Mongo em estado puro.

O New York Times do passado dia 3 de Dezembro publicou o artigo "Helping the Amazon With Chocolate" que descreve o novo movimento de chocolate “bean-to-bar” dentro da floresta. Pequenos produtores deixam de vender cacau barato para exportação e passam a transformá-lo em chocolates premium, com frutos, sementes e técnicas locais.

O cacau não mudou. Mudou o significado.

Mudou o quadrante. É passar do quadrante 1 para o quadrante 4: novo produto, novo mercado, nova narrativa — e margens muito superiores.

Tal como escrevi sobre o burel:

“O tecido não mudou. Mas o que se fazia com ele, sim.”

O cacau também não mudou. Mas agora transforma-se em:

  • barras com frutos amazónicos,
  • chocolates com cumaru,
  • lotes com terroir de comunidades indígenas,
  • narrativas de biodiversidade, cultura e responsabilidade.

É exactamente o espírito Mongo: não competir pelo centro, mas criar picos próprios — sabores únicos, histórias únicas, processos únicos.

No azeite premium acontece o mesmo. Não é produzir mais; é produzir diferente. Identidade, narrativa, embalagem, edições limitadas, infusionados, storytelling — tudo aquilo que transforma azeite numa experiência.

O que Paris fez ao café é uma lição de Mongo: não há “o melhor café”. Há mil pequenos picos, cada um com o seu terroir, o seu método, a sua tribo de gosto. O consumidor já não quer um café — quer o seu café.

Em todos estes casos, o valor aparece quando se abandona o centro. Quando se escolhe um nicho, uma história, um sabor, uma identidade.

Mongo não é moda; é a nova estrutura dos mercados onde há abundância.

Quanto mais indiferenciados os produtos, mais valioso se torna o acto de os diferenciar.

A Amazónia, Paris e Trás-os-Montes têm mais em comum do que parece: descobrir que o futuro não está na massificação, mas na especialização. Não é produzir mais barato.

É produzir com significado, é produzir diferente, com história, com identidade, com coragem de escolher um pico e aprofundá-lo.

sábado, dezembro 06, 2025

Curiosidade do dia




Revisão pela gestão - questões em vez de tópicos (parte II)

Uma revisão pela gestão eficaz começa muito antes da reunião ter lugar. Começa pelo modo como a agenda é construída. A ISO 9001 exige decisões informadas, análise crítica e foco no futuro — mas muitas agendas continuam a ser meras listas de tópicos, como "Auditorias", "Reclamações", "Indicadores" ou "Objectivos". Tópicos assim não dizem nada sobre o porquê de cada ponto estar ali (parece que estão ali apenas porque fazem parte da cláusula 9.3.2), nem sobre o que se espera decidir. Resultado: reuniões longas, dispersas, reactivas e pobres em conclusões.

Há um modo simples e poderoso de transformar tudo isto: escrever a agenda como perguntas, não como tópicos. A diferença parece subtil, mas tem um efeito profundo na clareza, na participação e na tomada de decisão.

As perguntas exigem clareza de propósito. Um tópico como "Indicadores do processo comercial" não revela o motivo da discussão. Mas uma pergunta como "Que decisões devemos tomar sobre o desempenho do processo comercial no último ano?" esclarece de imediato o objectivo. A equipa deixa de vaguear. O foco impõe-se.

Uma pergunta dá direcção; um tópico apenas apresenta uma intenção vaga.

As perguntas definem o tipo de conversa esperado. Quando a agenda apresenta apenas tópicos, ninguém sabe se o propósito é informar, analisar, discutir ou aprovar. As perguntas eliminam a ambiguidade:
  • “Que riscos precisamos considerar antes de aprovar este objectivo?”
ou
  • “Que opções temos para resolver esta não conformidade recorrente?”
Assim, todos chegam à reunião preparados para o nível de reflexão adequado.

As perguntas aumentam a participação. Perante um tópico abstracto, muitos adoptam a atitude passiva do "vamos ver o que acontece". As perguntas fazem o contrário: obrigam o cérebro a procurar uma resposta e, por isso, convidam à participação. Gera-se um contributo mais rico, mais concentrado e mais colectivo.

Perguntas puxam pela inteligência da equipa; tópicos deixam a inteligência adormecida.

As perguntas encurtam reuniões e evitam dispersões. Cada ponto pode ser encerrado com uma simples verificação: "Respondemos a esta pergunta?"

Se sim, avança-se. Se não, clarifica-se o que falta. Desta forma, evitam-se divagações, repetições e discussões paralelas — aquelas que transformam uma revisão pela gestão numa maratona sem rumo.

As perguntas revelam pressupostos escondidos. Uma lista de tópicos raramente obriga alguém a explicitar o raciocínio. Uma pergunta, pelo contrário, impõe a exposição das premissas.

Um exemplo simples:
Tópico — “Recursos e orçamento”
Pergunta — “Quais são as limitações reais de recursos para o próximo ano e que pressupostos estamos a fazer?”
A segunda formulação torna visível aquilo que a primeira esconde. E só quando se revelam os pressupostos é possível tomar boas decisões — exactamente o que a ISO 9001 exige.

Exemplos práticos na ISO 9001. Aqui fica uma tradução directa para o contexto da revisão do sistema pela gestão:





sexta-feira, dezembro 05, 2025

Curiosidade do dia

A propósito deste artigo publicado no JdN, "Vendas da dinamarquesa Jysk em Portugal sobem 35% para 60,6 milhões de euros".

Este artigo é um bom exemplo para explicar os custos de oportunidade.

Portugal tem tradição no fabrico de mobiliário. Faz sentido a uma empresa portuguesa fabricar mobiliário para Portugal? 



Só se for para nichos com preços mais elevados.

A Jysk posiciona-se claramente no segmento preço-acessível (value-for-money), comparável à IKEA ou Conforama. Ou seja, opera no chamado segmento mid-low. Os clientes-alvo da Jysk são:

  • Consumidores sensíveis ao preço;
  • Famílias que procuram mobiliário funcional, acessível e rápido de comprar;
  • Jovens em primeiras habitações; 
Não é marca de design premium, não é marca artesanal e não vende mobiliário de gama alta. O seu posicionamento é volume, preço competitivo, rotação rápida e logística eficiente.

Onde é que a Jysk compra os seus produtos? Ásia e Europa de Leste (sobretudo na Polónia em grandes produtores de mobiliário plano).

As empresas portuguesas de mobiliário não conseguem competir com as Jysks deste mundo, não têm nem escala nem custos. Tentar servir o mercado português é suicidário. É preferível apostar em servir clientes estrangeiros dispostos a pagar por um artigo mais caro.

Se as empresas portuguesas tentarem fabricar para competir com a JYSK no mercado interno, acabam por abdicar da alternativa onde realmente possuem vantagens competitivas. Em vez de produzirem para mercados internacionais dispostos a pagar mais, para compradores profissionais (contract, hospitality, corporate), para nichos de design, para mobiliário técnico e personalizado, para peças de madeira maciça com maior valor acrescentado ou para pequenas séries por encomenda onde a flexibilidade e a proximidade ao cliente contam, estariam a usar a sua capacidade produtiva num segmento onde não têm escala nem custos para vencer.

O custo de oportunidade é enorme: perdem margens, perdem energia, perdem tempo e perdem talento — tudo para disputar um mercado onde estruturalmente não podem ganhar. Esses recursos poderiam ser canalizados para caminhos muito mais promissores: desenvolver marcas próprias de gama média-alta, exportar com preços superiores, investir em design, fortalecer a fileira, criar valor acrescentado, inovar em materiais e acabamentos e conquistar mercados onde Portugal já é reconhecido e valorizado.

Parece simples, mas Paulo Portas e muitos, muitos, muitos não percebem.

A fábrica é o lugar onde a inovação se torna real

Em Outubro de 2021, em "Moi ici: Let that sink in deep!!!", citei Reinert:

"The logic that died with the Berlin Wall was that it is better to have an inefficient manufacturing sector than not to have a manufacturing sector at all, and such an approach has led to falling real wages in many countries in Eastern Europe, Asia, Africa and Latin America."

No passado dia 28 de Novembro o FT publicou o artigo "Is China winning the innovation race?". O artigo mostra que a China está a aproximar-se rapidamente — e em alguns domínios já a ultrapassar — dos EUA e da Europa na corrida global pela inovação. A chave desta transformação não está apenas no volume de investimento, mas num foco estratégico muito dirigido a tecnologias aplicadas ao sector produtivo: inteligência artificial industrial, robótica, baterias, automóvel eléctrico, semicondutores e tecnologias habilitadoras.

"For decades, China has been the world's factory and companies have tapped into a low-cost labour force with few protections and cheap, dirty energy. The country's scale - as a manufacturing base and as a consumer marketlured almost all the world's biggest multinationals. But the underlying technology was retained by companies from the US and Europe.

Now China's research and development prowess is allowing it to compete, and potentially beat, the west."

A China não compete através de ciência "pura" mais avançada, mas através de uma combinação poderosa: urgência nacional, execução disciplinada, grande escala de ensaios e uma interligação estreita entre investigação, indústria e política pública. O país transformou o seu enorme aparelho produtivo num "laboratório" onde as tecnologias são rapidamente testadas, aperfeiçoadas e difundidas.

"The focus has built deep advanced manufacturing ecosystems around scaling and integrating into the real economy rather than 'blue sky' science."

Aqui está uma diferença decisiva: a inovação chinesa "encosta-se" à fábrica, ao produto e ao mercado.

O artigo também sugere que a Europa e os EUA perderam velocidade: excesso de burocracia, ciclos longos de decisão, fuga de talento e menor ligação entre ciência, engenharia e chão de fábrica. Enquanto isso, a China investe de forma contínua, planificada e alinhada com objectivos industriais concretos — e está a colher resultados.

"Sonia Ederstal, the head of Scania's China R&D division, says the environment for innovation in China is *completely different" to the west. She points to the truckmaker's quest to introduce autonomous driving functionality as an example. "We have been trying to do this in Sweden, in the US, everywhere," she says. "Within one year [in China] we were able to integrate the software into our vehicle and make it run completely in that mode.""

É preciso recuperar uma verdade fundamental: as fábricas não são símbolos do passado; são infra-estruturas do futuro. São o lugar onde o conhecimento se transforma em produtividade. Onde uma ideia se transforma num produto. Onde o progresso científico se transforma em riqueza concreta.

E, sobretudo, são o lugar onde a inovação se torna real.

Reinert explicou isto repetidamente: um país que perde o seu sector industrial perde, inevitavelmente, a sua capacidade de aprendizagem e de crescimento. O que o artigo do Financial Times mostra é que a China fez exactamente o oposto: reforçou as suas fábricas, aproximou-as da I&D e usou-as como motores de aceleração tecnológica.

O resultado está à vista.

Estar junto da fábrica muda tudo. Há algo profundamente transformador em estar fisicamente presente numa fábrica. Quem passa tempo no chão de fábrica vê o que nenhum relatório consegue mostrar:

  • as limitações da tecnologia aplicada
  • as oportunidades escondidas
  • a criatividade dos operadores
  • os constrangimentos da cadeia de abastecimento
  • o impacto real de pequenas melhorias
  • o valor do conhecimento tácito
  • a velocidade com que se aprende quando se fabrica

É por isso que as empresas que inovam estão sempre, de uma forma ou de outra, próximas da produção. Porque não se inova de longe.


quinta-feira, dezembro 04, 2025

Curiosidade do dia

No The Times do 1º de Dezembro este artigo "Exodus of UK citizens driven by eastern Europeans going home".

Uma evidência do que se passa na Polónia, Roménia e Reino Unido em termos económicos traduz-se no comportamento de muitos polacos e romenos no Reino Unido:
"An exodus of UK citizens is being driven by tens of thousands of eastern Europeans moving home after gaining citizenship or taking British partners with them.
Poland and Romania recorded the highest increase in the number of British people moving from the UK in the past four years, according to United Nations data.
In total, central and eastern European countries reported an increase of more than 100,000 British citizens among their populations."
Mateus 10, 14.

 

Revisão pela gestão - vamos todos subir à varanda?



Em Maio de 2024 descobri uma metáfora que tenho usado muitas vezes:
"The biggest obstacle we face when we're dealing with conflict isn't what we think it is. We usually think it's the 'other' sitting across from us at the table — a difficult individual, organization or nation. But I've found the biggest obstacle to getting what I want in any situation is even closer than that: It's me. It's us. It's on our side of the table.
The problem lies with our natural human tendency to react - to act and speak without thinking, in ways that are contrary to what we want to achieve. As the old saying goes, 'When you are angry, you will make the best speech you will ever regret. Either we attack or avoid, which doesn't solve the problem, or we accommodate and give in.
The secret is to do the opposite, which is where the metaphor of going to the balcony comes in. It means pausing and taking a step back from the situation. I counsel people to imagine themselves standing on a balcony overlooking a stage on which the conflict in question is taking place. The balcony is a place of calm, control and perspective. It's a place where you can see the bigger picture. Doing this work within ourselves is the key precondition for getting to yes for all involved."

Uma revisão pela gestão (cláusula 9.3 da ISO 9001) eficaz exige exactamente aquilo que quase nenhuma organização faz: subir à varanda (balcony) antes de entrar no detalhe. A metáfora de William Ury ajuda a traduzir o espírito da ISO 9001 porque descreve o movimento essencial que a norma pede — ganhar distância para ver o sistema como um todo. Sem varanda não há visão; sem visão não há gestão.

Na varanda vê-se o "bigger picture". E é precisamente isso que as cláusulas 4.1, 4.2 e 9.3.1 solicitam: começar por observar o contexto externo, as partes interessadas, as tendências de mercado, a tecnologia emergente, os riscos que crescem e as oportunidades que despontam. 

Uma revisão pela gestão não pode começar no ruído das não conformidades e dos indicadores; tem de começar com perguntas que levantem a cabeça da organização: O que mudou à nossa volta? O que é que o mercado nos está a dizer? O que realmente aprendemos sobre os nossos clientes nos últimos doze meses? Quando esta perspectiva não existe, a revisão reduz-se a um relatório anual — e perde o seu poder transformador. Ficamos presos no passado.

Subir à varanda também serve para sair da defensiva. Enquanto estamos "no palco", a tendência natural é reagir, justificar, encontrar culpados ou transformar decisões estratégicas em discussões operacionais. A ISO 9001 pede o contrário: decisões baseadas em factos, análise serena, foco no sistema. Na varanda, os dados deixam de ser munição e passam a ser informação neutra. Deixa-se de perguntar "quem errou?" e passa-se a perguntar “o que este resultado revela sobre o nosso sistema?” É um deslocamento subtil, mas decisivo: transforma a revisão num exercício de aprendizagem, não num tribunal interno. Na varanda, os dados iluminam; no palco, os dados queimam.

Da varanda nasce outra disciplina essencial: decidir. A revisão pela gestão não existe para "fazer o ponto da situação" (e meu Deus, como isto é comum); existe para orientar o futuro do sistema. Ury lembra-nos que só quando observamos o padrão e afastamos o ruído é que a decisão se clarifica. E é isso que a cláusula 9.3.3 pede: quais mudanças do sistema são necessárias? Que riscos exigem resposta? Que capacidades precisamos desenvolver? Que processos precisam de ser redesenhados? Quando a gestão sobe à varanda, deixa de ver indicadores soltos e passa a ver o sistema vivo que eles descrevem. O papel da revisão não é recolher números; é decidir o próximo passo.

A varanda ainda cria espaço para pensar em interesses, e não em posições. Uma posição é "temos muitas reclamações". Um interesse é "os nossos clientes estão a sentir falhas num momento crítico do seu ciclo produtivo". As posições discutem-se; os interesses resolvem-se. Este movimento, de sintomas para causas e de posições para intenções, é o que torna uma revisão verdadeiramente orientada para a melhoria contínua. Na varanda, deixamos de discutir quem tem razão e passamos a descobrir o que é importante.

Por fim, a varanda abre o horizonte: tira a gestão do curto prazo e coloca-a no futuro. Uma revisão feita no palco fica presa nos volumes do ano ou do trimestre, nas reclamações recentes, nas urgências do dia a dia. Mas a varanda devolve perspectiva. E a pergunta central da ISO 9001 reaparece com força: está o nosso sistema preparado para o futuro? É na varanda que surgem questões raras, mas essenciais: o nosso modelo de processos continua adequado? Temos competências para as tecnologias que vêm aí? O que os nossos clientes valorizarão daqui a dois anos? Estamos a monitorizar o que é relevante ou apenas o que é fácil de medir? Estas perguntas são as que distinguem uma revisão burocrática de uma revisão estratégica. Gestão de topo sem varanda é gestão de curto prazo.

No fundo, a metáfora de William Ury sintetiza o que a ISO 9001 pretende: uma revisão pela gestão que observa o sistema como um todo, e não o palco de cada problema isolado. Talvez a melhor forma de começar qualquer revisão seja mesmo dizer explicitamente: 

- Antes de discutirmos os indicadores, vamos todos subir à varanda.

 

quarta-feira, dezembro 03, 2025

Curiosidade do dia


Há coisas incríveis, ouvi este podcast onde Rory a certa altura fala sobre o medo de arriscar nas empresas :

“most people in business… aren't really interested in enriching the business… They're more motivated by the idea of justifying their own existence within the organization… defensive decision making…”
“there's a huge asymmetry between upside gains and downside risk… you make a cock-up, you lose your job… you have a multi-million dollar idea, you get a pat on the back…”

there are huge biases if you're interested in blame avoidance as the principal motivation.”
“it doesn't matter how bad the consequences of your decision, if the decision appeared to be made rationally… you have a get-out-of-jail card.”

Depois, no mesmo dia à noite na cama li "Risk Savvy" de Gerd Gigerenzer e no capítulo 3 encontro:

"Risk aversion is closely tied to the anxiety of making errors. If you work in the middle management of a company, your life probably revolves around the fear of doing something wrong and being blamed for it. Such a climate is not a good one for innovation, because originality requires taking risks and making errors along the way. No risks, no errors, no innovation. Risk aversion is already fostered in schools, where children are discouraged from finding solutions to mathematics problems themselves and possibly making errors in the process. Instead, they are told the answer and tested on whether they can memorize and apply the formula. All that counts is learning for the test and making the smallest number of errors. That's not how to nurture great minds. I use the term "error culture" for a culture in which one can openly admit to errors in order to learn from them and to avoid them in the future."


Azeite - Inovar é mudar de quadrante, não só de produto (parte II)

Parte I.

Antes de mais quero chamar a atenção para o impacte da subida do preço nas contas de uma empresa. Um impacte tremendo em que muitos empresários à primeira não acreditam. A maioria quer que lhes façam as contas, querem ver com os seus próprios olhos. Recomendo "Aumentar preços (Parte III)".

Também recomendo "Pregarás o Evangelho do Valor" para ver o impacte de mexer no preço, para cima ou para baixo, no lucro com perda ou ganho de clientes.

Quando uma PME considera a hipótese de dar um salto para o quadrante 3 ou 4 tem medo. Por isso, recomendo uma reflexão para o gráfico deste postal "Ousar olhar para o nicho - o poder dos números":

Ontem o The Times trazia este artigo "Booming sales suggest olive oil gifts are no flash in the pan". 

O artigo destaca a ascensão do azeite de alta qualidade como presente de Natal sofisticado, substituindo bebidas alcoólicas como opção popular entre os consumidores. A mudança de hábitos de consumo, associada à valorização da gastronomia, da autenticidade e da longevidade dos produtos, está a impulsionar fortemente as vendas de azeites premium, trufados ou infusionados. A tendência reflecte um maior interesse por alimentos duráveis, saudáveis e de identidade forte — e oferece oportunidades claras para os produtores que saibam posicionar-se nesse segmento.

Quando se pensa em aumentar o rendimento agrícola só se vê a hipótese clássica: aumentar a produção, ou seja, continuar no quadrante 1 (ver Parte I). Recordar "Subsídio para um ministro (parte II)"

E saltar para o quadrante 4? 

"Spotting a bottle-shaped present under the Christmas tree once meant a welcome addition to one's drinks cabinet. Now it is increasingly likely to mean a foodie treat, such as expensive olive oil.

Mazen Assaf, an olive oil sommelier and founder of The Olive Oil Guy, said that shoppers were finally becoming as interested in the quality of oils as they were about their choice of wine.

Sales of his limited-edition bottles (costing £21 for 250ml) rose 598 per cent last Christmas, he said, and this year are on track to surpass that.

...

Nourished Communities, which offers "superior category" cold-pressed oils made from koroneiki — the "king" of Greek olives — has also enjoyed a sales boom this year. 

...

Earnings at MasWorth, which produces oils at its family groves across Greece, have grown from £200,000 five years ago to nearly £3 million and it says that pre-Christmas gift shipments have increased fourfold.

Panos Manuelides, the founder of Odysea oils, which are produced in the Peloponnese region of southern Greece, said that sales of his shimmering gold tins are up 56 per cent on last year."

A mensagem é inequívoca: o azeite premium consolidou-se como presente gastronómico valorizado. Está a acontecer primeiro no Reino Unido, mas a dinâmica vai espalhar-se — e Portugal tem vantagens naturais para acompanhar esta tendência.

Assim, mais do que promover o aumento da produção massificada de azeite, muitas vezes recorrendo à produção intensiva que gera azeites de pior qualidade (teor inferior de polifenóis), decidir começar a fazer o caminho para o quadrante 4 (há bocado escrevi "saltar" e talvez não seja a melhor palavra).

O primeiro passo para entrar no quadrante 4 é definir claramente a identidade do azeite. Cada produtor precisa de saber — e de ser capaz de explicar — o que torna o seu azeite especial. A variedade usada, a altitude e o tipo de solo, o clima, o momento da colheita, o método de extracção e, sobretudo, o teor de polifenóis, que é decisivo nos mercados premium, formam a base dessa identidade. Sem esta clareza, é impossível construir valor.

A seguir vem a história. O mercado premium não compra apenas azeite; compra significado. A história da família, o olival de onde vem cada lote, o ano da colheita, a raridade de uma variedade ou a autenticidade de uma região são elementos que transformam um produto agrícola numa experiência cultural. É por isso que as edições limitadas, quando têm uma narrativa sólida por trás, funcionam tão bem: comunicam exclusividade e dão ao consumidor a sensação de estar a adquirir algo único. (Quando penso em história, recordo sempre uma pequena casa com as suas osgas, junto à N 221 depois de Barca D'Alva e a caminho de Freixo de Espada à Cinta, o calor, as vinhas, as amêndoeiras e o Douro).

Depois, é preciso pensar deliberadamente na embalagem. No quadrante 4, a embalagem deixa de ser um recipiente e passa a ser parte integrante do produto. Uma garrafa elegante, uma lata com design cuidado, elementos visuais inspirados no mundo do vinho ou dos perfumes, rótulos que explicam porque é que aquele azeite é realmente premium — tudo contribui para elevar a percepção de valor. Em última análise, o objectivo é simples: que o azeite pareça um presente e não um produto de mercearia.

A partir daqui torna-se natural desenvolver uma gama pensada para oferecer. Garrafas mais pequenas, caixas de presente, kits de degustação, edições numeradas ou azeites infusionados — trufado, picante, limão, alecrim — ajudam a tornar o azeite numa experiência. O consumidor moderno aprecia diversidade e novidade; quer experimentar, comparar e surpreender alguém com algo distinto.

Mas nada disto funciona sem educação. Tal como o vinho, o azeite premium precisa que o consumidor perceba o que está a comprar. Notas de prova, sugestões de harmonização, fichas técnicas simples, vídeos curtos sobre degustação, explicações acessíveis sobre polifenóis ou pequenas provas comentadas fazem uma diferença enorme. Quanto mais o consumidor entende, mais valor atribui — e mais está disposto a pagar. Volto à Parte I: Mudar de roupa no escuro, talvez seja importante, mas ninguém nota.

A estratégia também implica reposicionar a forma como se vende. Um azeite de quadrante 4 não tem lugar em canais indiferenciados. Ganha vida nas plataformas de retalho gourmet, nas lojas especializadas, nos mercados urbanos mais exigentes, em parcerias com chefs, em clubes de assinatura inspirados no modelo do vinho, no e-commerce directo ou nas propostas de hotéis boutique e cabazes corporativos. São estes canais que valorizam estética, história e exclusividade.

Por fim, o Natal deve ser encarado como uma “super-sazonalidade”. É a grande janela anual em que o azeite premium pode brilhar. Campanhas específicas, embalagens natalícias, fotografias inspiradas em luxo e tradição, storytelling associado à época, pré-vendas lançadas no início do Outono e parcerias com marcas de chocolate, vinho ou queijos artesanais criam um ecossistema que potencia vendas e visibilidade. No Reino Unido, esta época já é o principal motor de crescimento dos azeites premium — e não há razão para que os produtores portugueses não aproveitem o mesmo movimento.

Talvez seja uma forma de ultrapassar a Lei dos Rendimentos Decrescentes na Agricultura.

terça-feira, dezembro 02, 2025

Curiosidade do dia



Um tema que me preocupa é o da externalização de custos. Lucros privados e problemas ambientais e sociais para as comunidades. 

Recordo o que sugeri sobre o Chile aqui.

Três artigos e um tema em comum:
  • No NYT de 20 de Outubro passado - How Chile Embodies A.I.'s No-Win Politics.
  • No FT de 1 de Dezembro passado - Pockets of resistance to data centres grow across US (complementado por "The Data Center Resistance Has Arrived")
  • No Público de 1 de Dezembro passado - Mega-projectos para Sines precisam de "muita energia, muita água e muitas pessoas" (sempre imaginei que a água para arrefecer o Data Center viria do Atlântico, mas depois de ler o artigo fiquei com dúvidas)
A promessa económica chega sempre antes da conta ambiental
Chile:
No Chile, o artigo do NYT descreve a enorme pressão sobre a água e a energia, especialmente em Santiago e nas zonas áridas do país. A Google consome volumes de água equivalentes ao consumo de milhares de famílias, e novos projectos implicariam retirar 228 litros por segundo numa zona semidesértica. Isto gera contestação social, protestos e pressão política. 

EUA:
O FT mostra exactamente o mesmo: aumento de consumo energético, pressão na rede, necessidade de upgrades pagos pelos contribuintes e receio quanto ao preço da electricidade.

Sines:
Em Sines vê-se o mesmo padrão:
  • enorme consumo de energia
  • enorme consumo de água
  • necessidade de reforçar infra-estruturas públicas
  • impacto em habitação, mobilidade, serviços públicos, saúde e escolas
A diferença?
Em Portugal, o debate começou depois dos compromissos assumidos e da obra iniciada. O presidente da câmara de Sines parece o bastonário da ordem dos médicos, agem como os últimos a saber, quando são os que têm a obrigação maior de pensar para lá do que se vai jantar logo à noite.
 
As populações descobrem tarde, e sentem que lhes esconderam dados cruciais
Chile:
As populações dizem que “não sabiam que um data center consome tanta água” até verem o estado dos terrenos e as fichas ambientais. Há sensação de opacidade. 

EUA:
Nos condados da Geórgia, o FT relata salas cheias de cidadãos surpreendidos pelo impacto real — custos de upgrades da rede, possível aumento das tarifas e impacto no solo. O artigo refere que há mais de 20 anos que os democratas não ganhavam lugares a nível estadual. Pelo menos 2 foram eleitos com base na oposição ao status quo. É como ir a um jantar, a maioria dos convidados é abstémio, mas depois, como a conta é a dividir por todos, têm de pagar os vinhos e os digestivos premium com que que uns free-riders se lambuzaram.

Sines:
No Público, a narrativa é idêntica:
  • só agora se percebe que é necessária água em volumes colossais
  • só agora se discute habitação para milhares de novos trabalhadores
  • só agora se reconhece pressão sobre escolas, saúde, estradas, ambiente
  • As consequências aparecem depois. A contestação nasce do atraso na verdade.
Governação reactiva: só se gere depois de acontecer
Este é talvez o padrão mais universal dos três textos.
  • No Chile, só após os protestos surgiu a proposta de realocar os data centers para o norte.
  • Nos EUA, só após as queixas sobre as tarifas a regulação passou a questionar o modelo.
  • Em Sines, só agora, quando as obras avançam, se reconhece a magnitude dos impactes ambientais, habitacionais e sociais.
Ou seja:
Os governos atraem o investimento primeiro e fazem as perguntas difíceis depois.

O desafio para Sines é o mesmo do Chile e dos EUA: como acolher o futuro sem destruir as condições que o tornam possível.
Isso só se resolve com:
  • planeamento antecipado
  • diálogo honesto
  • limites ecológicos claros
  • contrapartidas reais, e 
  • governação com olhos a 20 anos e não a dois

BTW, se a esquerda clássica não andasse tão preocupada com as questões identitárias, talvez tivesse muito mais sucesso; capital de protesto não falta.

BTW, no caso de Sines até me faz lembrar Bent Flyvbjerg:
"The commitment fallacy (If you want to win a contract or get a project approved, superficial planning is handy because it glosses over major challenges, which keeps the estimated cost and time down, which wins contracts and gets projects approved. But as certain as the law of gravity, challenges ignored during planning will eventually boomerang back as delays and cost overruns during delivery. By then the project will be too far along to turn back)"

Inovar é mudar de quadrante, não só de produto

A economia, ao contrário do que muitos pensam, não se move em revoluções constantes. Move-se em equilíbrios pontuados; longos períodos de estabilidade, interrompidos por mudanças rápidas e profundas. O termo é emprestado da biologia evolutiva: durante muito tempo, nada muda; depois, tudo muda de repente.

As empresas, embaladas por esse falso conforto, tendem a adormecer no quadrante onde sempre estiveram:

Quadrante 1

Produto actual, mercado actual. 

O que fazemos. Para quem o fazemos.

Mas quando o mundo muda - por novos concorrentes, novas exigências dos clientes, novas regulações ou rupturas tecnológicas - é preciso decidir para onde saltar:


Saltar para o Quadrante 3: novo mercado, mesmo produto
Em 2012, numa feira transmontana, uma artesã queixava-se de não vender colchas de linho. Talvez o problema não fosse o produto, mas sim onde o tentava vender. Na altura escrevi:
“Talvez precisasse de frequentar outras feiras, noutros países. Talvez precisasse de divulgar os seus produtos na internet. Talvez precisasse de os expor nas quintas de turismo rural que florescem no Verão entre a Beira-Alta e Trás-os-Montes.”
É o salto clássico para o quadrante 3: procurar nova procura sem mudar a essência da oferta.

Saltar para o Quadrante 4: novo produto, novo mercado
Em 2013, contei a história da transformação do burel de Manteigas. Um tecido rústico, tradicional, reinventado por uma designer belga e apresentado ao mundo com uma nova linguagem, um novo design e novas funções.
O tecido não mudou. Mas o que se fazia com ele, sim.
Passou-se de cobertores a design. De Manteigas ao Japão.
Foi um salto de quadrante — e de ambição — sem perder autenticidade.

E o Quadrante 2? Novo produto, mesmo cliente?
Aqui o caminho é menos claro. Algumas hipóteses:
  • Um produtor de fruta que muda para práticas biológicas, sem o cliente se aperceber.
  • Um fabricante que melhora a fórmula do seu produto, mantendo a marca e a embalagem.
Mas, sem educar o cliente, provar a vantagem e reconfigurar a percepção, esse salto tende a ser invisível. É mudar de roupa no escuro: talvez seja importante, mas ninguém nota.

E quando se tenta, por exemplo, vender um vinho mais caro ao mesmo cliente, sem convencê-lo da diferença, arrisca-se o insucesso.

Não basta mudar o produto. É preciso mudar a percepção.

Por isso, sair do quadrante 1, em qualquer direcção, quase sempre implica:
  • mudar de canais,
  • mudar a comunicação,
  • mudar a equipa comercial, e
  • mudar a forma como o cliente vê o produto.
Especialmente se falarmos de PMEs, que não podem competir em preço, é essencial que a mudança traga valor percebido e margens maiores.

O problema do equilíbrio pontuado é este: quando o abalo chega, já é tarde para começar a pensar.
Mais vale preparar o salto enquanto ainda se tem margem para o fazer em segurança.

Amanhã, um exemplo com azeite.

segunda-feira, dezembro 01, 2025

Curiosidade do dia

O exército persa, ao serviço de Xerxes I, depois de derrotar os espartanos no desfiladeiro das Termópilas, avançou pela Grécia adentro e saqueou e incendiou Atenas.

Entretanto, os atenienses tinham-se refugiado numa frota de 200 navios na ilha de Salamina. Temístocles, poucos anos antes, convencera a cidade a construir essa frota de embarcações rápidas e modernas.

Xerxes I, em vez de prosseguir com a invasão da Grécia como pediam os seus chefes militares, decidiu eliminar os refugiados atenienses — afinal, a guerra iniciara-se quando Atenas financiara rebeliões em cidades sob domínio persa, na costa da actual Turquia. Avançou então para Salamina. Os gregos escolheram o terreno da batalha naval, e a geografia favoreceu-os: os 200 navios atenienses derrotaram uma armada persa muito superior em número. A invasão da Grécia terminou ali, pois a logística do exército persa ficou profundamente comprometida.

Cerca de vinte anos depois, Temístocles foi ostracizado em Atenas. Xerxes I já morrera. No trono estava Artaxerxes I. Apesar de pender sobre Temístocles um prémio pela sua cabeça, este resolveu apresentar-se voluntariamente diante de Artaxerxes, que achou a situação insólita. Nem se sabe se terá concedido a Temístocles a recompensa que prometera a quem o capturasse.

Artaxerxes perguntou-lhe qual seria a melhor forma de lidar com os atenienses, que não cessavam de fomentar revoltas no seio do império persa — a mais recente ocorria no Egipto.

Temístocles aconselhou-o a fomentar guerras entre as cidades-estado gregas, de modo a que se ocupassem em disputas entre si e deixassem de intervir nos assuntos persas.

O império persa gozou, assim, de trinta anos de relativa paz, à custa da Guerra do Peloponeso, seguida da Guerra de Corinto. Primeiro financiou os espartanos contra os atenienses; depois, os atenienses contra os espartanos.

Ao provocar desunião entre os rivais, um poder externo garante influência sem recorrer à força directa.

Curiosamente, esse padrão repete-se ao longo da história, com impérios a financiarem facções rivais, a explorarem ressentimentos locais e a manipularem equilíbrios frágeis — da Antiguidade ao século XXI. Mudam os nomes e os mapas, mas a lógica mantém-se.

É um lembrete de que, apesar de toda a nossa sofisticação tecnológica e organizacional, os humanos continuam, em grande parte, movidos pelas mesmas dinâmicas de poder, orgulho e rivalidade. Talvez seja por isso que a história, tantas vezes, rima.


Ainda mais especulação (parte II)

Na Parte I, a propósito da decisão da H&M de subir na escala de valor, a conclusão era clara: quando o mercado aperta por baixo, permanecer no meio deixa de ser uma opção. A única saída é subir — mais qualidade, mais margem, menos dependência do volume.

Mas há uma diferença importante entre empresas e sectores.

Uma empresa pode tomar essa decisão. Um sector dificilmente a consegue comunicar. Porque subir na escala de valor não é apenas fazer melhor — é fazer menos.

Menos unidades, mais valor por unidade. Menos capacidade industrial necessária. Menos horas-máquina. Menos infraestruturas.

É uma escolha estratégica que tem implicações estruturais: parte da capacidade existente deixa de ser útil. E, para algumas empresas, isso não é um caminho — é uma ameaça.

Quando olhamos para qualquer sector, encontramos sempre perfis muito diferentes: empresas que vivem de valor acrescentado e outras que vivem da intensidade produtiva; algumas orientadas para séries curtas, outras para volume; umas querem complexidade, outras querem escala. Falar de “subida de valor” é fácil em abstracto, mas difícil quando se considera o impacto real sobre cada uma destas realidades.

Quando uma empresa sobe na escala de valor, decide o seu próprio destino. Quando um sector sobe na escala de valor, altera o destino de muitos. E entre esses muitos haverá sempre quem não consiga acompanhar.

É por isso que, a nível sectorial, a subida de valor é sempre falada em tom abstracto:

  • “reposicionamento”,
  • “modernização”,
  • “competitividade”,
  • “futuro sustentável”.

Mas raramente se assume a consequência estrutural: subir significa que algumas empresas terão de sair.

É por isso que, no plano sectorial, este tema é sempre tratado com cautela. Uma associação empresarial representa todos — inclusive aqueles que não conseguirão acompanhar uma subida de valor. Como dizer publicamente que o futuro exigirá fábricas mais especializadas, mas inevitavelmente menos fábricas? Como afirmar que a estrutura industrial se irá concentrar, quando isso ameaça directamente alguns dos associados?

Nenhuma associação quer abrir esta frente. É compreensível.

Mas isso não elimina o dilema: quando um sector sobe, não sobe inteiro.

Sobe a parte capaz de competir por cima.

A outra parte, mais cedo ou mais tarde, fica para trás.

E isto coloca-nos perante a pergunta que raramente é formulada de forma explícita:

- Queremos um sector maior, mas mais pobre? Ou um sector mais pequeno, mas mais rico e sustentável?

A H&M tomou a sua decisão. Para uma empresa, é uma escolha estratégica. Para um sector, é um campo minado. Portugal, em vários sectores, vive este dilema em silêncio.

Mas a pergunta é inevitável, e chega sempre mais cedo do que parece:

- Estamos dispostos a aceitar as consequências reais de subir na escala de valor?

Ou apenas gostamos da ideia — desde que nada mude onde dói?