terça-feira, outubro 15, 2024

Curiosidade do dia

"Long hours, low pay, not much job security and rude customers — why would anyone work in retail? Spare me the gloom.
I was never happier than when I worked in London's department stores between the ages of 17 and 20.
Warm memories washed over me when I read this week that Ted Decker, CEO of Home Depot, plans to make senior managers work an eight-hour shift in their stores each quarter of the year. The idea is that white-collar employees should "truly understand the challenges and opportunities our store associates face every day".
To which I say, well done, Ted."

Leio isto e penso nos transportes públicos. A gestão de transportes públicos é, muitas vezes, vista de uma torre de marfim, distante das realidades diárias dos utentes. Quando os gestores tomam decisões a partir de gabinetes, sem experiência directa dos desafios enfrentados no terreno, há o risco de se tornarem cegos ao que realmente corre mal. Tal como Ted Decker, CEO da Home Depot, decidiu que os gestores da sua empresa devem trabalhar periodicamente nas lojas para compreender os desafios do pessoal da linha da frente, esta abordagem deveria ser aplicada aos gestores dos transportes públicos.

Os gestores que não utilizam os serviços que coordenam deixam acumular situações absurdas e ineficiências que afectam directamente os "clientes". Quem gere transportes públicos deveria ser obrigado a usar regularmente os autocarros, comboios, metros ou eléctricos que administra, sentindo na pele os atrasos, as "latas de sardinha", a falta de conforto, a falta de segurança e as falhas de comunicação. Só assim poderão perceber o verdadeiro impacte das suas decisões (ou da falta delas) no dia-a-dia dos passageiros.

Ao experienciar estas falhas de forma directa, poderiam perceber que o atraso de cinco minutos, no papel, representa para um passageiro a perda de uma reunião importante, ou que um aumento do preço do bilhete sem melhoria do serviço é visto como um desrespeito. A ausência deste contacto directo leva à acumulação de problemas que parecem pequenos, mas que afectam profundamente a confiança dos cidadãos nos sistemas de transporte.

Tal como Ted Decker quer que os seus gestores "compreendam verdadeiramente os desafios e as oportunidades", quem gere os transportes públicos precisa de ver de perto como é que o seu serviço pode melhorar. Só vivendo a realidade dos utentes, os gestores poderão encontrar soluções eficazes e práticas para os problemas do quotidiano, evitando que pequenas falhas se tornem grandes absurdos.

 

Trecho retirado de "Bliss was it in that dawn to be in retail" no FT do Sábado passado. 

Again: O contrário de uma estratégia é outra estratégia.


No FT do passado dia 14 encontrei este artigo "Nike tries to get back in the race as sneaker sales gather pace". 

Outro artigo sobre o dia-a-dia de empresas e negócios onde encontramos lições sobre estratégia na senda do postal "O contrário de uma estratégia é outra estratégia".

O artigo discute algo que há anos e anos é assunto entre os empresários de calçado: a casualização cada vez maior da sociedade tem impulsionado a procura de calçado desportivo. E o que é interessante é que perante esta evolução do contexto a Nike enfrenta uma quebra nas vendas, enquanto outras marcas estão a prosperar.

Retalhistas como a Foot Locker e a Designer Brands estão a oferecer cada vez mais uma selecção mais ampla de calçado desportivo, com marcas como Hoka, New Balance e On a ganharem popularidade. 

A Nike tomou a decisão de focar a sua estratégia no DTC, nas vendas diretas ao consumidor, o que levou a uma menor dependência dos parceiros retalhistas. Agora, está a reconsiderar a decisão. Outras marcas estão a capitalizar a mudança da Nike, oferecendo calçado inovador e uma gama mais ampla de produtos para satisfazer as diversas necessidades dos clientes.

Qual foi a decisão estratégica da Nike?
A Nike tomou a decisão estratégica em 2017 de migrar para um modelo directo ao consumidor (DTC), reduzindo a sua dependência dos retalhistas tradicionais e cortando laços com o que chamou de “retalho medíocre”. Concentrou-se nos canais de vendas online e directas, acreditando que poderia controlar melhor a experiência do cliente e aumentar a rentabilidade. No entanto, após a pandemia, a empresa percebeu que esta abordagem tinha sido exagerada e começou a perder quota de mercado à medida que os hábitos de consumo regressavam às compras físicas no retalho. A Nike está agora a tentar seduzir os seus parceiros de retalho para recuperar o terreno perdido.

Os concorrentes da Nike aproveitaram a sua mudança de estratégia DTC e:
  • Expandiram a sua presença nas lojas de retalho: Marcas como a Hoka, New Balance e On preencheram o espaço de prateleira deixado pela Nike em cadeias como a Foot Locker. Diversificaram as suas ofertas, juntando o desempenho atlético com a moda, atendendo à crescente procura por calçado versátil e elegante.
  • Focaram-se na inovação e na expansão das linhas de produtos. Os concorrentes lançaram calçado que combina a tecnologia de desempenho com a versatilidade estética, atraindo uma gama mais ampla de consumidores que os utilizam para fins diversos. 
Simplificando, podemos dizer que a Nike olhou para o contexto e imaginou algo e optou por uma estratégia, e os seus concorrentes olharam para o mesmo mundo viram algo de diferente, porque o seu contexto interno é diferente, e optaram pela estratégia contrária. Again: O contrário de uma estratégia é outra estratégia.

Escolher uma estratégia é como fazer uma aposta numa corrida de cavalos. Por mais correcta, conceptualmente, que seja uma estratégia é sempre uma aposta, não há garantias de sucesso. Nota: mesmo quando se tem sucesso, é sempre temporário.

A mudança da Nike para o DTC foi inicialmente vista como inovadora, mas tornou-se uma desvantagem quando as preferências dos consumidores voltaram às compras nas lojas físicas. A lição aqui é que as empresas precisam de se manter adaptáveis ​​e receptivas às mudanças no comportamento do consumidor. Os concorrentes da Nike, ao manterem e melhorarem as relações com os retalhistas, conseguiram capitalizar a reduzida presença da Nike no retalho. Talvez isto realce a importância de diversificar os canais de distribuição e de não depender demasiado de um apenas.

Os concorrentes concentraram-se no desenvolvimento de calçado que não fosse apenas tecnologicamente avançado, mas também versátil, permitindo aos consumidores usá-los tanto para fins desportivos como casuais. Isto mostra o valor da inovação dos produtos e do atendimento às crescentes necessidades dos clientes. Embora o DTC possa ser altamente lucrativo, o passo em falso da Nike mostra que equilibrar os canais online e de retalho é essencial para manter uma forte presença no mercado e adaptar-se às mudanças na forma como os consumidores preferem fazer compras.

segunda-feira, outubro 14, 2024

Curiosidade do dia


A canção sobre a Mrs Robinson de Paul & Garfunkel incluía este trecho:

"Where have you gone, Joe DiMaggio? 

A nation turns its lonely eyes to you. 

Woo, ooh, ooh"

Quando li, "Governador do Banco de Portugal está preocupado com o aumento da despesa permanente do Estado":

"Nós temos em 2024 o aumento da despesa pública maior que temos registado desde 1992. O aumento da despesa permanente cria, um momento cíclico tão vantajoso como o que temos hoje, cria problemas para o futuro", disse Mário Centeno, Governador do Banco de Portugal."

Comecei a trautear: 

"Where have you been, Ronaldo das Finanças?" 

O contrário de uma estratégia é outra estratégia

Há anos aprendi com Roger Martin que se o contrário de uma estratégia é estúpido então não estamos perante uma verdadeira estratégia. Por exemplo:

"A nossa estratégia passa por satisfazer os clientes cumprindo os prazos de entrega"

Qual o contrário desta estratégia?

"A nossa estratégia passa por não satisfazer os clientes e não cumprir os prazos de entrega."

Este contrário é irracional, uma vez que nenhuma empresa conscientemente escolheria não satisfazer os clientes ou falhar prazos de entrega como parte de sua estratégia. Isso indica que a afirmação original também não reflecte uma verdadeira escolha estratégica, pois o contrário não é uma alternativa viável. 

Por isso gosto da frase: Mais vale ser rico e com saúde do que pobre e doentio, porque mostra que estratégia a sério é sobre fazer trade-offs. E que quando se opta por uma coisa também se abdica de algo com valor, e isso custa. Por isso, é que o contrário não é estúpido e outras empresas podem fazer essa escolha.

Há dias encontrei um pequeno artigo no FT que ilustra bem esta lição sobre estratégia "Hays seeks deals to raise profile on high street".

A Hays Travel é uma agência de viagens que adquiriu centenas de lojas da Thomas Cook após a sua falência em 2019. Cinco anos depois, e segundo Irene Hays, presidente e proprietária, a empresa está "a florescer" apesar do cepticismo inicial em relação ao negócio. A Hays Travel adquiriu 19 lojas da Miles Morgan Travel em Maio de 2023, aumentando a sua rede para quase 500 pontos de venda. Reparem, estamos em 2024, vendas online por todo o lado e... uma agência de viagens opta por reforçar a sua rede de lojas físicas.

No caso da Hays Travel, a escolha de adquirir pontos de venda físicos, mesmo numa era dominada por transacções online, foi claramente uma decisão estratégica baseada na compreensão profunda do comportamento do consumidor e do mercado. Enquanto muitos concorrentes migraram para modelos exclusivamente online, a Hays Travel apostou no atendimento presencial e no valor da interacção humana, especialmente em situações complexas como cancelamentos e eventos imprevistos (erupções vulcânicas, greves, etc.). 

Esta é a essência da estratégia como escolha: uma empresa deve decidir onde e como competirá com base nas suas capacidades e no entendimento do ambiente. Outra empresa pode decidir tomar a opção contrária e também ter sucesso.

Quando vivia em Estarreja fiz várias viagens aos Estados Unidos e Japão sempre através de uma agência de viagens local, a Turvela. Impressionante o nível de serviço. Recordo um caso contado por um colega da empresa onde trabalhei. Ele estava na Suíça, no aeroporto e recebeu uma mensagem da Turvela sobre a alteração do seu voo ainda antes da funcionária da companhia aérea que estava no balcão ser informada (embora isso também nos leve para os "unacountability sinks"). Por isso, percebo como uma loja física pode atrair pessoas que sofrem de ansiedade

Esta escolha da Hays faz-me recordar a minha crítica a esta mensagem:


"Quem não aposta no "cheaper" e no "cost", aposta na interacção, aposta na co-criação, aposta noutro mindset... eu diria, "Every visit customers have to make are an opportunity for interaction and co-creation""

A Hays optou por manter e expandir sua presença física, acreditando que os clientes que enfrentam desafios de viajar valorizam a ajuda pessoal de um agente. Este tipo de estratégia pode ser visto como uma decisão consciente de não competir no espaço puramente digital, comoditizado, mas sim destacar o que a empresa faz de melhor — fornecer apoio humano especializado. O crescimento contínuo da empresa, tanto em vendas como em número de clientes, reforça que essa foi uma escolha estratégica eficaz, até ao momento (sempre até ao momento, sempre transiente).

A estratégia da Hays Travel, embora inicialmente vista com cepticismo por alguns, foi uma resposta consciente às necessidades dos consumidores e ao contexto do mercado. Em vez de seguir o modelo de corte de custos e eliminação de lojas, como muitas outras agências de viagens fizeram, Hays seguiu na direcção oposta, apostando numa combinação de presença física e suporte humano especializado.

"Hays Travel, which will announce its full-year results on Wednesday, posted group revenue of £457mn, up 8 per cent from the previous year, while recording a pre-tax profit of £73mn, a 43 per cent surge based on customers travelling more often.

The average individual expenditure also rose by 9 per cent to £1,087, following a 30 per cent jump the previous year."

E ainda:

"Nearly 90 per cent of bookings come through retail outlets for Hays Travel, which is based in Sunderland in the north of England. It has the largest number of travel shops in the UK, though it only started taking online bookings last year." 

domingo, outubro 13, 2024

Curiosidade do dia

Li isto e vieram-me logo à cabeça os agricultores, os produtores de leite, os empresários ...



Unreasonable hospitality - parte VII

 
"I made teaching part of our culture.
The spirit of collaboration that came out of the ownership program was inspiring to all of us, but asking someone to take over an entire department was an enormous commitment. So when John Ragan began a weekly meeting called Happy Hour, dedicated to the wine, beer, and cocktails on our menu, we encouraged the team to step in and give presentations of their own.
A onetime presentation was much less of an obligation than taking over an ownership program—and it was fun, because the people who worked for us loved food and wine.
...
Those Happy Hours had an important side benefit. Normally, classes in a restaurant are led by the managers, not the staff, but as more and more members of the hourly team led classes, they acted more like leaders.
I wanted to push this one step further.
I've already said I believe the most important moment of leadership each day in a restaurant is the pre-meal meeting, when the manager steps out to teach and inspire and get the team aligned before service. Once a week on Saturdays, we took the responsibility of leading that meeting away from the managers and gave it to a member of the team.
...
Leading Saturday pre-meal gave our hourly employees the chance to step into a role ordinarily filled by managers. They were contributing not only to the education of the team, but to their inspiration. And asking the team to run these meetings and present at Happy Hour had yet another unexpected benefit: everyone became more comfortable with public speaking.
...
We saw an enormous difference in the team in the months after they started leading Happy Hours and Saturday pre-meals. I loved the way they talked to guests: after all, taking an order, helping a guest make a decision about wine, or spieling a course are all forms of public speaking. They had more authority when giving instructions to their colleagues during service, too.
But the real shift was intangible; they began carrying themselves differently.
...
Giving the team more responsibility than they expected had an amazing impact - the more responsibility we trusted them with, the more responsible they became."
Liderar uma PME é muito mais do que gerir operações ou alcançar metas financeiras, aliás estas são uma consequência do que se faz a montante. É também sobre criar um ambiente onde os trabalhadores possam florescer, ultrapassar expectativas e assumir responsabilidades que, à partida, nem imaginariam. E eu a recordar algumas empresas que põem gente senior a fazer o trabalho de alguém que faltou porque formar outros para essa função seria prepará-los para "serem caçados pela concorrência."

Imaginem o impacte de transformar a rotina diária, dando aos trabalhadores a oportunidade de se destacar, de partilhar conhecimento, de liderar iniciativas. Não só se vê o crescimento das suas capacidades técnicas, mas também o seu desenvolvimento humano, a sua confiança e a sua autoridade natural no desempenho das funções.

Ao confiar nos trabalhadores mais responsabilidades do que eles próprios esperam, a recompensa é tremenda: eles tornam-se mais autónomos, mais confiantes, mais comprometidos. O espírito de colaboração e a sensação de pertença que daí advém transforma a dinâmica de uma empresa e eleva a bitola do serviço prestado aos clientes internos e externos.

Se eu pensar num mapa da estratégia, tudo isto é sobre o investimento feito nas pessoas que vão operar os processos da perspectiva interna.

Trechos retirados do livro "Unreasonable hospitality: the remarkable power of giving people more than they expect" de Will Guidara.


sábado, outubro 12, 2024

Curiosidade do dia

Quando precisarem de um desenho para perceber por que é que o IRC precisa de baixar lembrem-se disto:

A tendência em Portugal é criticar quem fabrica "Renaults", esquecendo que quem fabrica "Renaults" faz o melhor que pode e sabe. Pena é o silêncio, daí os Baskerville, sobre a razão porque os fabricantes de "BMWs" não aparecem.

BTW, lembrem-se do espaço de Minkowski, as posições anteriores limitam a gama de possíveis posições futuras.

Exportações - primeiros 8 meses de 2024



Olho para o quadro e parece que estou no Mar dos Sargaços tantas colunas com o sinal =. 

Há algumas melhorias na evolução do valor homólogo, continuam negativos mas menos negativos, por exemplo:

  • vestuário,
  • plásticos, 
  • cerâmica,
  • calçado,
  • animais vivos.

Uma quebra com um impacte grande, embora de apenas 0,7%, é a dos automóveis.

5 sectores em Agosto de 2024 apresentaram o valor mais baixo de exportações mensais desde Janeiro de 2023:

  • vestuário,
  • cerâmica,
  • cortiça,
  • ferro fundido,
  • automóveis. 


sexta-feira, outubro 11, 2024

Curiosidade do dia

Para reflexão:


Há quase um mês escrevi ""empresas que não há" - espero que seja um bom sinal", depois escrevi Vivemos o tempo incipente dos "47 dias".

Bom, praticamente mais de metade do último Think Tank está alinhado com aquele outro título: Não são elas que precisam de Portugal, Portugal é que precisa delas:

A conspiração do algoritmo

Quando um leão mata uma gazela não classificamos o evento como bom ou mau, desejável ou evitável. Já quando olho para o desempenho de uma organização costumo usar uma imagem: o sistema conspira.

Por exemplo, aqui:
"Temos então de mergulhar e perceber o que na realidade actual conspira para que tenhamos o desempenho actual e não o desempenho futuro desejado."

Ou aqui:

"o sistema de relações de causa-efeito que conspira para termos os resultados actuais e não os resultados futuros desejados" 

Terminada a leitura de livro "Unreasonable hospitality: the remarkable power of giving people more than they expect" de Will Guidara (ainda tenho mais comentários a fazer acerca do que li), iniciei a leitura de "The Unaccountability Machine" de Dan Davies. Hoje, no capítulo 3 sublinhei:

"An organisation does things, and it systematically does some things rather than others. But that’s as far as it goes. Systems don’t make mistakes – if they do something, that’s their purpose. But it also works the other way round. Systems don’t have inner desires, so they don’t do things intentionally either. There’s just a network of cause and effect. We might think they’re conspiring, but they’re working within structures that made the outcome inevitable. Or we might see everything as a terrible cock-up, but we don’t understand that the outcome was the inevitable result of the way the system works."

E recordo daqui:

"Olhar para a evolução do desempenho ao longo de um período, olhar para o somatório de ocorrências. Será que faz sentido olhar para os eventos como azares que ocorrem, ou como produtos naturais, expectáveis, previsíveis, decorrentes da forma como uma empresa planeia e desenvolve a produção, compra, trata os seus trabalhadores e cuida dos seus equipamentos.

É nestas circunstâncias que falo da conspiração da realidade"

Para nós humanos que fazemos julgamentos sobre os resultados da empresa parece uma conspiração, mas é um produto perfeitamente normal, daí a referência a Artur Jorge como treinador do Benfica.

E recuo a 2006 aqui:

"Porque não ver estes desperdícios como manifestações visíveis, de um sistema de causas interrelacionadas que conspiram para gerar o desempenho actual."

Por isso, chamar a esta realidade de "conspiração do algoritmo" não é apenas uma metáfora. É uma forma de dizer que o sistema, como um algoritmo bem treinado, gera os resultados que foram programados pelas nossas decisões anteriores. Tal como Artur Jorge justificava os empates e derrotas do Benfica como "perfeitamente normais", nós também devemos entender que muitos dos resultados da organização são consequências lógicas do que se colocou em marcha. A questão não é se o sistema conspirou contra nós; é percebermos que ele apenas cumpriu o seu papel, seguindo o que nele foi inscrito, sem intenções nem desejos próprios. E se não gostamos dos resultados, temos de mudar de sistema.



quinta-feira, outubro 10, 2024

Curiosidade do dia

Há anos que penso e escrevo aqui que os políticos puseram-se a falar do ambiente porque era algo lá muito à frente e, assim, não corriam o risco de serem desmentidos pela realidade.

Só que as coisas começaram há alguns anos e a hora de cobrar vai chegando. Acontece que a maioria já não está no poder e os outros não são relevantes. Por exemplo, recordo:

Na política temos demasiados exemplos de medidas que impactam negativamente a vida dos cidadãos, mas que por questões ideológicas, são forçadas e implementadas. Agora está a chegar o payback time de algumas dessas medidas relativamente ao ambiente.

No FT de ontem, "Costs of the green transition loom large for Europe's manufacturers":

"A Norwegian car dealership weighing selling petrol or diesel cars next year, a Swedish industrial start-up urgently needing fresh capital despite having raised an eyewatering $15bn already, the poor uptake for heat pumps across Europe this year.

They may be three seemingly disparate news items, but together they offer signs of the struggles that some European business leaders report over the green transition of industry. They worry that Europe's policymakers are ill prepared for just how expensive the shift is likely to be for the continent, pointing to hundreds of billions of euros in investments and subsidies that are needed.
...
"I don't think European governments have woken up at all to the realisation of just how expensive this will all be."

No WSJ de ontem "Green Hydrogen's Cost Is Steep, Study Says" [Moi ici: Esta não têm desculpa, basta atentar na Cp do hidrogénio]:

"A Harvard University study casts doubt on the viability of hydrogen as a fuel in the U.S. The researchers say the costs of producing, moving and storing the gas are higher than they are for using fossil fuels and removing carbon from the atmosphere afterward.

...

"The argument made is that hydrogen is expensive now but [production] costs will come down," said Roxana Shafiee, postdoctoral researcher at the Harvard University Center for the Environment who led the study. "If you look at the value proposition as a whole, there is no way [it's cost effective]. It has to be cost competitive." Hype around hydrogen and in particular green hydrogen, which is made through renewable energy, cooled this year, as rising costs and low interest from energy producers and heavy industry put a number of projects on hold.

...

"The hype was so strong that it was expecting hydrogen to deliver in 10 years what LNG has not been able to achieve in 50 years, nor nuclear, which has hardly achieved half of this progress in 70 years," said Pierre-Etienne Franc, CEO of Hy24, a clean-hydrogen specialist investment manager. "People are getting realistic with what it takes to deliver a significant new energy wave-the last needed to make the transition work.""

Portanto, antes de nos deixarmos levar por mais uma série de previsões alarmistas e promessas de revoluções tecnológicas que vão "mudar o mundo", talvez seja melhor ser mais cuidadoso. Lembrem-se: quando alguém promete salvar o mundo, especialmente se isso só vai acontecer daqui a muitos anos, há sempre um bom motivo para questionar se não será mais uma "fake news" política. Afinal, palavras bonitas e visões utópicas são mais fáceis de vender do que soluções práticas e viáveis. 


Quem diria? Talvez a minha avó


O artigo "Income Inequality: One Way to Reduce It Is to Work More", de Tyler Cowen, publicado na Bloomberg, discute o impacto de trabalhar mais horas na redução da desigualdade de rendimentos. Cowen sublinha que, embora muitas análises se concentrem em mudanças estruturais e reformas políticas para abordar a desigualdade de rendimentos, um factor-chave muitas vezes esquecido é .... o papel do horário de trabalho.

Os pontos principais incluem:
"Economists from Princeton, Vanderbilt and the Federal Reserve Bank of St. Louis have estimated just how much hard work contributes to inequality in lifetime earnings. While the answer depends on context, they arrived at an average for the US workforce: About 20% of the variance in lifetime earnings can be explained by differences in hours worked."

...

"Another crucial point is that those who work harder do so because they want to. There can be different kinds of heterogeneity in ability, including in learning capability or initial human capital. But in the researchers’ model, 90% of the variation in earnings due to hard work comes from a simple desire to work harder." 

Trabalhar mais não só aumenta directamente o rendimento, como também desenvolve o capital humano – competências e experiência que aumentam a produtividade ao longo do tempo. O artigo observa que entre um terço e metade dos rendimentos adicionais provenientes do trabalho mais árduo provêm do desenvolvimento deste capital humano.

No artigo Cowen compara a situação nos EUA com a da Europa, onde as horas de trabalho são muito mais regulamentadas. Tais regulamentos, embora visem proteger os trabalhadores, podem limitar as oportunidades para aqueles que desejam trabalhar mais ganharem mais. Esta diferença afecta a desigualdade global de rendimentos, uma vez que os trabalhadores europeus têm menos flexibilidade para aumentar os seus rendimentos através de trabalho extra.

Por fim, o artigo reconhece que o trabalho árduo por si só não é uma solução abrangente para a desigualdade de rendimentos. Muitos trabalhadores com baixos rendimentos trabalham arduamente, mas enfrentam dificuldades devido a outras barreiras, como a falta de educação, as responsabilidades de cuidados infantis ou as oportunidades de carreira limitadas. 

quarta-feira, outubro 09, 2024

Curiosidade do dia

Há tempos escrevi aqui sobre os investimentos em chips na Europa.

Entretanto, mão amiga fez-me chegar:

  • Intel shelves French, Italian chip investments

"Promised investments for France and Italy won't materialize after Intel reported $7B in losses from its manufacturing business last year. The company has quietly halted several European investment plans after racking up huge losses, a blow to Europe's microchip ambitions. 

...

The focus is now on eastern Germany, where Intel intends to build a €30 billion microchip factory complex that will work closely with a €4.6 billion plant to be built in Wroctaw, Poland. However, production at the main plant won't start before late 2028 at the earliest, and the German government hasn't yet formally sought EU approval for a subsidy package for the Magdeburg plant."

  • EC approves TSMC Germany plant

 "The European Commission has approved 5 billion euros in German state aid to build a microchip plant in Dresden for the European Semiconductor Manufacturing Company (ESMC), a joint venture led by TSMC along with European firms Robert Bosch, Infineon, and NXP each taking a 10% stake.

The biggest state subsidy granted to date under the EU Chips Act, and Germany's first, the project will start production in 2027 and is expected to cost 10 billion euros in total to build."

Unreasonable hospitality - parte VI


Li os trechos que se seguem no livro "Unreasonable hospitality: the remarkable power of giving people more than they expect" de Will Guidara:

 ""It Might Not Work" Is a Terrible Reason Not to Try

I'm not going to lie: it's much easier to not share ownership—at least to start. (This is the "It's quicker to do it myself" problem.) But refusing to delegate because it might take too long to train someone will only get in the way of your own growth. [Moi ici: Quando numa organização o líder pensa "se for eu a fazer, será mais rápido e melhor", mesmo que seja verdade, o que nem sempre é, isso cria um gargalo, o líder torna-se um ponto de estrangulamento. Delegar permite que a empresa cresça, pois liberta o gestor para focar-se em decisões estratégicas e no desenvolvimento do negócio]

...

And while it does take more time to fix someone else's mistake than to do it yourself in the first place, these are short-term investments of time with long-term gains. [Moi ici: Delegar é um investimento de tempo que trará ganhos futuros - uma equipa mais competente e preparada, capaz de assumir responsabilidades e contribuir directamente para o sucesso da empresa]

...

Often, the perfect moment to give someone more responsibility is before they're ready. Take a chance, and that person will almost always work extra hard to prove you right." [Moi ici: A delegação não precisa de esperar que alguém esteja completamente preparado. A confiança depositada num colaborador muitas vezes resulta num esforço extra para justificar essa aposta. Para os dirigentes das PME, isso implica que devem dar espaço para o crescimento da equipa, confiando nos colaboradores antes de eles estarem "perfeitos", o que fortalece a lealdade e desenvolve novas competências]

Recordo com alguma dor esta cena:

"Então com empresas familiares é muitas vezes doloroso ... A única pessoa que pode dedicar tempo a isto está a conduzir um empilhador para arrumar paletes, ou está a substituir um operário especializado que está de baixa... e quem pensa no futuro da empresa? Quem encara de frente o monstro da erosão competitiva?" 

Quandos os pais não preparam os filhos para a sucessão e fazem deles uns eternos "Grover McStraggle" é uma tragédia à espera de acontecer:

Basta a lei da vida abrir a porta do armário com a morte ou incapacitação dos pais.

Como dirigente de pessoas, delegar, vencer o medo de delegar, foi das coisas que me fizeram sentir mais recompensado.

Parte VParte IVParte IIIParte II e Parte I.

terça-feira, outubro 08, 2024

Curiosidade do dia

 


Eu vou contar um segredo ao ...


"Numa análise ao impacto da proposta de aumento do salário mínimo na economia nacional e regional, João Teixeira defende que a subida "de forma muito expressiva pode contribuir para o aumento da produtividade dos trabalhadores".

"Sentindo que têm um rendimento maior, os trabalhadores podem ter níveis de produtividade maiores e induzir um maior crescimento económico""

As pessoas não percebem que quando avançam com estes argumentos estão, na prática, a corroborar aqueles "patrões" que dizem que a produtividade não sobe porque os trabalhadores são malandros e não se esforçam o suficiente?

Ou seja, a motivação salarial é suficiente para fazer aumentar a produtividade. Come on! É este o tipo de aumento de produtividade que Portugal precisa?

João Teixeira defende que um aumento "muito expressivo" do salário mínimo irá, magicamente, transformar o trabalhador médio num exemplo de produtividade. Porque claro, nada diz "vou ser 200% mais eficiente hoje" como uns euros extra no final do mês. Esqueçamos, por um momento, todos os estudos que mostram que a produtividade é função de factores como formação, liderança, tecnologias de suporte, e processos bem desenhados. Segundo esta lógica, bastaria aumentar o salário para resolver o problema. 

Afinal, para quê perder tanto tempo com formações de liderança, KPIs e metodologias Lean, se um simples aumento de ordenado resolve tudo?

Eu vou contar um segredo ao João Teixeira, " a subida [Moi ici: do salário] "de forma muito expressiva pode contribuir para o aumento da produtividade dos trabalhadores"? Sim, pode. Como? Eliminando as empresas que não podem pagar esses salários. Os despedidos vão para o desemprego. As empresas que restam fazem aumentar a produtividade agregada sem que precisem de aumentar a sua própria produtividade.

Olhar para o aumento da produtividade resultante da motivação ou de se fazer melhor o que já se fazia é fixar a atenção no dedo. Olhar para a necessidade de aumentar a produtividade à custa de se fazerem coisas diferentes do que se faz actualmente é fixar a atenção na Lua.

Trecho retirado de "Aumento do salário mínimo pode melhorar a competitividade" no Açoriano Oriental de 6 de Outubro de 2024.

Recordo de 2021, "Se não fosse triste, era cómico!!!

segunda-feira, outubro 07, 2024

Curiosidade do dia



"El plan consta de una serie de iniciativas concretas para combatir problemáticas donde los hombres están sobrerrepresentados y en las que determinadas normas culturales desempeñan un papel negativo. «Una política moderna de igualdad tiene que ver tanto con los hombres como con las mujeres», ha afirmado la ministra danesa de Igualdad, la liberal Marie Bjerre. «No hemos reconocido suficientemente que cuando la salud de los hombres es peor, cuando los chicos abandonan más a menudo el sistema educativo, cuando los hombres acaban más a menudo en la adicción y la falta de vivienda, y cuando se suicidan más a menudo, también está relacionado con su género y con las expectativas que se depositan en ellos».
...
Resulta llamativo que esta iniciativa danesa haya contado con un apoyo casi unánime en el Parlamento, tanto de la derecha como de la izquierda. En España, un proyecto en la misma linea de la presidenta de la Comunidad de Madrid, la popular Isabel Díaz. Ayuso, ha sido tachado de «actitud de extrema derecha absolutamente trumpista, peligrosa, frívola, irresponsable y negacionista» por parte de la ministra de Igualdad, la socialista Ana Redondo. Diaz Ayuso ha anunciado para 2025 la apertura de un centro de atención integral para hombres víctimas de violencia sexual."

Trecho retirado de "Dinamarca implanta un plan para combatir la desigualdad masculina"



Unreasonable hospitality - parte V

Li os trechos que se seguem do livro "Unreasonable hospitality: the remarkable power of giving people more than they expect" de Will Guidara e sorria a recordar estórias que o meu parceiro das conversas oxigenadoras me contou sobre as suas reuniões diárias no chão de fábrica.

"When initiating change, I look for the best lever, whatever will allow me to transmit the most force with the least amount of energy. And there's no better lever than a daily thirty-minute meeting with your team.
...
A daily thirty-minute meeting is where a collection of individuals becomes a team. In fact, I firmly believe that if every dentist's office, insurance company, and moving company had a daily thirty-minute meeting with their team, customer service as we know it would profoundly change.

At EMP, the way we ran our pre-meal meetings set a tone that was at least as important as what we said. Attendance was mandatory. The meetings started on time, at eleven and five, and lasted exactly thirty minutes. For the first year, I ran every single meeting myself, both lunch and dinner, Monday through Friday. I wanted the team to see me, and to know I was accessible and accountable to them, and consistent-that I'd do exactly what I'd said I would do, when I'd said I would do it.

In the restaurant's previous iteration, pre-meal had been exclusively devoted to the items on the plate or in the glass: here is the main ingredient, here's how long it was aged for, here's what it's served with, and this is how you pour the sauce tableside.
This basic transfer of information was vitally important, especially because so much was changing. 
...
Done right, a pre-meal meeting fills the gas tank of the people who work for you right before you ask them to go out and fill the tanks of the people they're serving.
Communicating consistent standards, with lots of repetition, was important; a good manager makes sure everyone knows what they have to do, then makes sure they've done it - that's the black-and-white part of being a leader. But a huge part of leadership is taking the time to tell your team why they're doing what they're doing, and I used pre-meal to get into that why.

I spoke to the spirit of the restaurant and to the culture we were trying to build. I used those meetings to inspire and uplift the team and to remind them what we were striving for. Those thirty minutes were our time to celebrate the wins, even the small ones, a time to publicly acknowledge when someone on the team was crushing it.

Our meetings followed the same template every day, so everyone knew exactly what to expect. We'd start with housekeeping ("Thursday's the last day to make changes to your health insurance; call Angie if you've got questions"). Then I'd move into a quick riff on a topic that had inspired me. It could be an article I'd read about another company or a service experience I'd had somewhere else.
...
In order to become a team, we needed to stop, take a deep breath, and communicate with one another."

Este tipo de reuniões diárias pode ser um poderoso alicerce para PMEs que buscam alinhamento interno, formação contínua e maior consciência colectiva. Implementar um encontro de trinta minutos por dia com a equipa pode transformar um grupo de pessoas numa equipa verdadeiramente coesa e motivada.

Imagine começar cada dia ou turno com uma reunião estruturada, onde não só se passam informações práticas e logísticas, mas também se reafirma o propósito da empresa, se celebram pequenas vitórias e se realça a importância do trabalho de cada membro da equipa. Para as PMEs, este espaço diário é uma oportunidade de reforçar a formação técnica e de manter todos cientes das metas e valores da empresa, criando um sentimento de pertença.

Essas reuniões podem servir como momentos estratégicos para formações rápidas, alertas de actualizações importantes (seja de legislação, produtos ou processos) e para garantir que todos na organização estão alinhados. Além disso, é uma excelente forma de gerar accountability de forma acessível e consistente. Assim, todos sabem o que se espera e têm um fórum aberto para expressar dúvidas ou preocupações.

PMEs que adotam esta prática podem experimentar um salto na eficácia operacional, maior satisfação dos colaboradores e, por consequência, um aumento na satisfação dos clientes. 

Parte IVParte IIIParte II e Parte I.

domingo, outubro 06, 2024

Curiosidade do dia





Tão interessante!

Enquanto as corporações gritam:

- Feed me!

No mundo privado, assistimos a um ajuste da anterior realidade à realidade actual e futura.








O velho, o rapaz e o burro



O FT de ontem traz a habitual crónica de Janan Ganesh intitulada, "Can liberals be trusted with liberalism?"
"There is now some data to support the anecdotal impression that woke-ism at its most censorious peaked a few years ago. I wish those of us in the liberal centre could take a bow. But who led the resistance when it was hardest? Single-issue feminists. Rightwing free speech zealots. Political casuals with a radar for humbug.
Not all liberals deserted. Malcolm Gladwell and others signed a Harper's Magazine letter about creative freedom when that took some fibre. But don't let's pretend this was typical of the wider caste. Newspaper websites have search engines. Our successors will be able to look up what passed for the bien pensant "position" circa 2020."

Isto acontece-me muitas vezes... fazer conexões que não lembram ao diabo. 

Ao longo dos últimos anos tenho lido muita coisa sobre couro artificial, sobre napas, para substituir o couro natural, tudo por causa do ambiente e do metano emitido pelo gado. Quando li os primeiros artigos vi longos elogios ao couro artificial e lembro-me de ficar perplexo. Não sei porquê não escrevi nada aqui no blogue, daí a ligação ao texto de Janan Ganesh.

Depois de reles estagiário na Sonae o meu primeiro trabalho foi o de engenheiro de produto, não confundir com gestor de produto, naquilo que hoje é conhecido por TMG Automotive. Desenvolvíamos e produzíamos napas, couro artificial, para a indústria automóvel. BTW, ainda hoje acho que é talvez o melhor trabalho do mundo, o de engenheiro de produto.

Porque ficava perplexo? Porque eu sei a quantidade de químicos que têm de ser misturados numa pasta (plastisol) para poder produzir uma napa:

  1. Cloreto de polivinilo (PVC) - O polímero base utilizado para criar o couro artificial. Proporciona estrutura e durabilidade. Normalmente utiliza-se mais do que um tipo de PVC, pois juntam-se duas camadas: a camada de superfície e a camada expandida.
  2. Plastificantes - Ftalatos - Estes produtos químicos tornam o PVC flexível e macio, imitando a maleabilidade do couro natural.
  3. Estabilizantes - Os estabilizantes previnem a degradação do PVC causada pelo calor, luz ultravioleta e oxidação durante o processamento e utilização.
  4. Cargas - Carbonato de cálcio, sílica, argilas - As cargas reduzem o custo e melhoram as propriedades mecânicas, como a resistência à tracção e a durabilidade do couro artificial.
  5. Corantes/Pigmentos - Dióxido de titânio (para branco), óxidos de ferro, negro de fumo, pigmentos orgânicos - Estes conferem a cor desejada e o aspeto estético ao couro artificial.
  6. Agentes de Expansão - Azodicarbonamida, bicarbonato de sódio - São utilizados para criar uma estrutura suave e espumosa no couro artificial, imitando a sensação almofadada do couro natural.
  7. Solventes - Ciclohexanona, metil-etil cetona (MEK), tolueno, acetona - São utilizados no processo de aplicação para dissolver o PVC e outros componentes para revestimento de suportes têxteis.
  8. Surfactantes e Emulsionantes - Lauril sulfato de sódio (SLS), polissorbatos - Utilizam-se no processo de emulsão para ajudar a estabilizar a dispersão de PVC, criando um revestimento suave.
  9. Agentes de Controlo de Espuma - Agentes antiespumantes à base de silicone - Estes produtos químicos são usados para controlar a formação de espuma durante o processo de fabrico, assegurando um acabamento suave.
  10. Absorventes de UV - Derivados de benzotriazol, Estabilizadores de Aminas Impedidas (HALS) - Protegem o couro artificial da degradação por UV, prevenindo descolorações e fissuras ao longo do tempo.
  11. Agentes Antimicrobianos - Exemplos: Aditivos à base de prata, piritiona de zinco, isotiazolinonas - São adicionados para prevenir o aparecimento de bolor, míldio e o crescimento de bactérias, que podem danificar o material e causar odores.
  12. Materiais de Suporte - Poliéster, algodão ou tecidos não tecidos - O material de suporte, embora não seja um produto químico, é um componente essencial que proporciona estrutura e resistência ao couro artificial.

E com isto fazem a napa, "amiga do ambiente", usada numa carteira ou numas botas, ... go figure.

Ainda há pouco mais de 18 meses escreviam-se apologias como esta The benefits of using artificial leather in fashion and lifestyle products.

Lembram-se da "mãe" do fast-fashion entrar no comboio da sustentabilidade? Eu lembro, de 2019, Are you prepared to walk the talk?

Agora vejam o que encontrei no Público de 17 de Setembro último, "Fast fashion: marcas globais usam cada vez mais tecidos poluentes, diz relatório". O artigo é basicamente sobre fibras têxteis sintéticas como os poliésteres. No final termina com:

"Como são baratos e versáteis, os têxteis à base de combustíveis fósseis continuam a ser extremamente requisitados pela indústria da moda."

O artigo começa com:

"Gigantes da moda como a Shein ou a Zara estão cada vez mais dependentes dos tecidos sintéticos, sugere um relatório da Fundação Changing Markets divulgado ao final do dia de ontem." 

BTW, o PVC é o polímero menos dependente de combustíveis fósseis por causa da massa molecular do cloro, cerca de 35 vezes maior que a do hidrogénio. 

Um texto mais lúcido sobre o tema é o que encontro no remate final de "Synthetic Leather Substitutes and Fast Fashion: Unraveling the Unhealthy Equation (Part 3)":

"This will involve looking at different technologies, practices, and approaches, such as ethical sourcing and circular economy principles, that can help create an ethical and sustainable leather industry."

BTW, os meus primeiros dias de trabalho de 2024 foram numa empresa que produz aguardente. Fiquei fascinado com o que um sector que existe há milhares de anos aprendeu sobre sustentabilidade. As quintas recolhem as uvas na vindíma, "pisam" as uvas. Enviam o cangaço para um destilador. Este separa as graínhas, que são valorizadas na produção de óleo, por exemplo. E produz vários tipos de aguardente com o resto. Produz ainda composto orgânico, o resíduo da destilação pode ser compostado, resultando num fertilizante orgânico valioso. E ainda, alguns destiladores podem extrair compostos úteis como ácido tartárico ou polifenóis antes da destilação. Os resíduos sólidos podem ser utilizados como biomassa para geração de energia.

As marcas de fast-fashion e o couro artificial fazem-me lembrar a estória de:



sábado, outubro 05, 2024

Curiosidade do dia


Volto ao relatório Draghi. 

Recordo esta reflexão recente.


Relaciono as palavras de Phil Mullan sobre produtividade e destruição criativa com:

Os postais recentes sobre deixar as empresas morrerem.
A velha citação de Maliranta:
"It is widely believed that restructuring has boosted productivity by displacing low-skilled workers and creating jobs for the high-skilled."

Mas, e como isto é profundo:

"In essence, creative destruction means that low productivity plants are displaced by high productivity plants." Por favor voltar a trás e reler esta última afirmação. Quanto mais protegerem os incumbentes mais dificultam o aparecimento de empresas produtivas.
E o grande finale:
"As creative destruction is shown to be an important element of economic growth, there is definitely a case for public policy to support this process, or at least avoid disturbing it without good reason. Competition in product markets is important. Subsidies, on the other hand, may insulate low productivity plants and firms from healthy market selection, and curb incentives for improving their productivity performance. Business failures, plant shutdowns and layoffs are the unavoidable byproducts of economic development."
E a outra de NN Taleb:
"Systems don’t learn because people learn individually –that’s the myth of modernity. Systems learn at the collective level by the mechanism of selection: by eliminating those elements that reduce the fitness of the whole, provided these have skin in the game."

Unreasonable hospitality - parte IV

Há dias encontrei esta citação no livro "Unreasonable hospitality: the remarkable power of giving people more than they expect" de Will Guidara.

No capítulo 18, "Improvisational Hospitality" o autor descreve como nasceu e se desenvolveu o programa Legends. Um programa dedicado a criar experiências que ficam na memória dos clientes. 

"I hear this a lot: "Well, of course you could afford to pull those tricks at an expensive restaurant."

And I always think: Are you sure you can afford not to?

It's true-these gifts cost money, in labor if nothing else. But I'm my dad's son, and I reviewed the Dreamweaver line item in the P&L every month with an eagle eye. There was never any question: given the word-of-mouth marketing this bought us with our guests and the excitement this kind of gift-giving created among the team, the program was worth every penny.

[Moi ici: Segue-se agora o trecho que merece reflexão. É disto que falo quando penso na doença anglo-saxónica, quando menciono os Muggles, quando penso em "optimismo não documentado"] Anyway, as a leader, you can't rely solely on your spreadsheets. You have to trust your gut-and what you feel when you're in the room with people, giving and receiving these gifts. Is there a traditional return on investment with a program like this? No. Am I confident that each dollar I spent here did as much or more than the ones I spent on traditional marketing? Absolutely."

Um convite para:

  • Confiar na importância de criar experiências memoráveis para os clientes.
  • Pensar para além das folhas de cálculo para não perder a visão geral. Uma dependência excessiva da análise pode levar a decisões que reduzam os custos em detrimento da satisfação dos clientes ou da motivação dos trabalhadores, o que pode prejudicar o negócio a longo prazo.
  • Pensar em evitar decisões tomadas unicamente com base em projecções financeiras, sob pena dos líderes tornarem-se avessos ao risco, evitando abordagens inovadoras que podem produzir ganhos a longo prazo. As PME, em particular, precisam de se manter flexíveis e abertas a estratégias criativas que as possam ajudar a competir e a crescer.

Recordo este postal sobre a Viarco - "Nós fazemos as contas ao contrário"


Parte IIIParte II e Parte I.

sexta-feira, outubro 04, 2024

Curiosidade do dia

2008 - Tanta despesa para "fazer o país crescer". Não terá consequências?

Maldita troika e maldita austeridade!


2018 - Reduzir a dívida à custa de cativações. Não terá consequências?


O SNS não dá confiança nem serve os utentes.

2024 - Tanto dinheiro para tantas corporações. Não terá consequências?




Unreasonable hospitality - parte III

Há dias escrevi este postal, "Preocupante" onde sublinhei acerca de um retrato das PME em Portugal:

"O estudo conclui ainda que 33% das empresas não usam ou usam muito pouco análises de dados para tomar decisões importantes na empresa."

Vou citar mais uns trechos de "Unreasonable hospitality: the remarkable power of giving people more than they expect" de Will Guidara.

"Where do the highest-paid people in the company work? In the restaurants themselves, or in the corporate offices? That says a lot about how the company is run.

...

In restaurant-smart companies, members of the team have more autonomy and creative latitude. Because they tend to feel a greater sense of ownership, they give more of themselves to the job. They can often offer better hospitality because they're nimble; there aren't a lot of rules and systems getting in the way of human connection. But those restaurants tend not to have a lot of corporate support or oversight-the systems that make great businesses.

Corporate-smart companies, on the other hand, have all the back-end systems and controls in areas like accounting, purchasing, and human resources that are needed to make them great businesses, and they're often more profitable as a result. But systems are, by definition, controls-and the more control you take away from the people on the ground, the less creative they can be, and guests can feel that. Restaurant-smart companies can be great businesses, and corporate-smart companies can deliver great hospitality. But their priorities are different, in ways that fundamentally affect the guests' experience.

...

whatever terrifying statistic you've heard about how many restaurants fail in the first year has a lot more to do with the people who open restaurants without understanding the business part of the business."

Para as PME, estar atento ao contexto não é apenas uma vantagem, é uma questão de sobrevivência. Num mundo onde dados e decisões informadas fazem toda a diferença, ignorar a importância da análise de informação é ficar para trás. Para crescer e inovar, é essencial combinar autonomia e criatividade no terreno com o suporte e sistemas robustos que sustentam negócios bem sucedidos. Não basta ser excelente no que se faz – é preciso também entender o negócio por trás do negócio e antecipar oportunidades. O futuro pertence a quem está preparado.

Está a ser a melhor leitura deste ano. Um livro para decisores no mundo empresarial.

Parte IIParte I.

quinta-feira, outubro 03, 2024

Curiosidade do dia

 


"Tribunal declara prescrição de 11 crimes do processo BES/GES. Salgado vê cair três crimes"

Oh! Não estava nada à espera.

De liana em liana

A vida empresarial é este saltar de liana em liana sem pôr os pés no chão. Quem acredita que a liana actual (estratégia) é eterna ou morre, ou pede um apoio, ou uma protecçãozinha ao papá-estado.

Primeiro algo para contextualizar. Uma citação escrita aqui em 2007:

"What was the best strategy in the end? What Lindgren found was that this is a nonsensical question. In an evolutionary system such as Lindgren’s model, there is no single winner, no optimal, no best strategy. Rather, anyone who is alive at a particular point in time, is in effect a winner, because everyone else is dead. To be alive at all, an agent must have a strategy with something going for it, some way of making a living, defending against competitors, and dealing with the vagaries of its environment.

Likewise, we cannot say any single strategy in the Prisioner’s Dilemma ecology was a winner. Lindgren’s model showed that once in a while, a particular strategy would rise up, dominate the game for a while, have its day in the sun, and then inevitably be brought down by some innovative competitor. Sometimes, several strategies shared the limelight, battling for “market share” control of the game board, and then an outsider would come in and bring them all down. During other periods, two strategies working as a symbiotic pair would rise up together – but then if one got into trouble, both collapsed.

We discovered that there is no one best strategy; rather, the evolutionary process creates an ecosystem of strategies – an ecosystem that changes over time in Schumpeterian gales of creative destruction."

Agora, dois artigos que encontrei na imprensa recentemente.

Primeiro, no último Dinheiro Vivo, o artigo "8beaufort. Hamburg Lonas de velas velhas ganham nova vida em sapatilhas". O que retiro dele?

Clientes-alvo - um nicho de mercado:
  • A 8beaufort. Hamburg actua no nicho do calçado sustentável, com um foco em consumidores conscientes das questões ambientais. A marca diferencia-se ao utilizar velas de barcos recicladas para criar as suas sapatilhas, posicionando-se no segmento premium de calçado ecológico.
Vantagens competitivas:
  • A principal vantagem competitiva é o foco na sustentabilidade, usando velas descartadas e coletes salva-vidas para fabricar produtos únicos, o que ajuda a reduzir o desperdício e a poluição marinha.
  • A fabricação em Portugal reforça o compromisso da marca com a redução da pegada de carbono, já que evita o envio de materiais para a Ásia e cria uma cadeia de produção mais eficiente.
  • O uso de lonas de velas e outros materiais reciclados oferece aos clientes um produto exclusivo, com uma história de impacto ambiental positivo, o que pode atrair consumidores premium dispostos a pagar preços mais altos (159 a 249 euros).
  • A marca procura afirmar-se como uma escolha sofisticada para consumidores que buscam produtos sustentáveis e de alta qualidade.
Riscos:
  • A marca depende da aceitação dos consumidores no mercado de calçado sustentável, que, embora em crescimento, ainda pode ser limitado em comparação com mercados tradicionais de moda.
  • O posicionamento premium pode limitar a base de consumidores, especialmente em tempos de crise económica.
  • A recolha de materiais reciclados, como as velas, pode ser um desafio em termos de consistência no fornecimento. A dificuldade em obter matéria-prima suficiente ou de qualidade pode afectar a produção.
  • O mercado de moda sustentável tem atraído cada vez mais marcas, o que pode aumentar a competitividade e pressionar a 8beaufort.Hamburg a continuar a inovar para se diferenciar.
Acerca dos clientes-alvo recordo o que escrevi relativamente à APICCAPS. Eu aposto nisto:
"O sector do calçado vai encolher, e vai ter de subir ainda mais na escala de valor, ou seja, vai ter de anichar e trabalhar para segmentos de muito maior valor acrescentado, luxo mesmo talvez."

A APICCAPS aposta nisto:

"Para não concorrer pelo preço baixo, as fábricas portuguesas terão de assegurar encomendas de gama alta, moda e luxo, ou gamas específicas como o calçado técnico. Para isso, é fundamental ter capacidade de resposta a grandes encomendas. O que, por sua vez, obriga a repensar a forma como se trabalha." 

Isto faz-me lembrar o Mario Draghi e o seu "Whatever it takes", mas o anónimo da província sou eu. Ninguém quer falar do "encolhimento". 

O outro artigo encontrei no WSJ, "This Garment Maker Is Finding New York Manufacturing Is Back in Style". Pensei nas empresas de vestuário portuguesas que estão a ter um ano negativo a nível de exportações, e nos potenciais concorrentes que estão a conquistar o mercado de proximidade (nearshoring). Claro que quando não se olha para o contexto ... acredita-se que o que nos trouxe até aqui, continuará a levar-nos até ao fim do arco-íris. E não é só quota de mercado, mas também margens e preços.

A Ferrara Manufacturing sediada em New York é uma empresa de vestuário focada numa estratégia de nearshoring e fabricação local, concentrando-se na produção de roupas nos Estados Unidos, tanto para marcas quanto para contratos militares. A empresa busca capitalizar a crescente procura por produtos fabricados localmente, impulsionada por preocupações com cadeias de fornecimento globais, com sustentabilidade e com condições de trabalho.

Nicho de mercado - A empresa actua em dois nichos principais:

  • Produzir peças de luxo, como casacos de caxemira, para consumidores que valorizam a produção local e a qualidade premium.
  • Contratos militares e produtos "made in America": A Ferrara Manufacturing também serve o mercado de produtos militares dos EUA e de exportação para países como Japão e Coreia do Sul, onde há procura por itens únicos e feitos nos Estados Unidos.

Vantagens competitivas:

  • A produção doméstica torna a empresa uma escolha atraente para marcas que buscam diminuir riscos associados a longas cadeias de fornecimento internacionais e a reduzir tempos de entrega.
  • A empresa destaca-se ao oferecer uma cadeia de produção transparente, com benefícios para os trabalhadores, o que vai ao encontro das exigências das marcas que querem mostrar responsabilidade social.
  • Além do mercado interno, a Ferrara Manufacturing possui uma vantagem competitiva ao servir consumidores no exterior, especialmente no Japão e na Coreia do Sul, que valorizam e estão dispostos a pagar por produtos exclusivos feitos nos EUA.
  • O fornecimento para o sector militar oferece estabilidade e um fluxo constante de receita, diferenciando a Ferrara de empresas que dependem exclusivamente do mercado de consumo

Riscos:

  • Fabricar nos EUA tem custos mais altos em comparação com a produção em mercados com mão de obra mais barata. Isso pode impactar a competitividade de preços, especialmente no mercado de consumo em massa.
  • A empresa depende fortemente de dois nichos: produtos premium e contratos militares. Qualquer retracção na procura  por produtos de luxo ou mudanças nos contratos governamentais pode impactar as suas receitas.
  • A procura crescente por transparência e sustentabilidade, embora seja uma vantagem competitiva, também pode pressionar a empresa a manter altos padrões, o que pode aumentar os custos e reduzir a margem de lucro.
  • A produção premium pode ser afectada por flutuações económicas que impactem o poder de compra dos consumidores, tanto nos EUA quanto nos mercados internacionais.
Ontem, na minha leitura matinal de "Unreasonable Hospitality" de Will Guidara fixei esta frase de Jay-Z: 
“I believe you can speak things into existence.”
O futuro é construído sobre oportunidades, não sobre cortes nos custos. Reduzir custos pode comprar algum tempo, mas é a capacidade de identificar e agir sobre novas possibilidades que garante crescimento e sustentabilidade. O mundo empresarial está em constante transformação; o sucesso pertence àqueles que estão atentos ao contexto e preparados para inovar. Ficar preso à estratégia actual é o mesmo que ficar para trás. 

Não percamos as oportunidades que emergem – olhemos para o mercado e para os desafios como portas para o futuro, não como muros ameaçadores.

A frase de Jay-Z é importante porque o futuro não é intrinsicamente bom ou mau, é o que a nossa cabeça faz dele. Se ele mete medo, de certeza que vai ser mau.