terça-feira, janeiro 21, 2025

Curiosidade do dia

Lembram-se do que Martin Wolf escrevia no tempo da crise das dívidas soberanas? Pois ...

"Turn, turn, turn"

Ontem no FT escreveu "The UK government must make sure it isn't a confidence killer". Estranho, por cá ninguém fala disto mas os investidores na dívida soberana confiam menos no actual governo do que no governo de Liz Truss.

"Interest rates have risen across the G7. Even in Germany, the yield on the ultralong 30-year Bund rose by 290 basis points between January 15 2021 and January 15 2025. In the US, the rise was 300 basis points, and in France 350 points. Alas, the rise in UK yields was the highest in the G7, at 440 basis points.
...
In sum, UK yields on long-term debt have risen by more and reached higher levels than in peer countries. Yields on 30-year gilts were even 56 basis points higher than Italy's on January 15. Moreover, while UK yields had risen 78 basis points in the previous year, Italy's did not rise at all. That is embarrassing.
...
In brief, the UK's situation is fragile. The government needs to retain the confidence of its creditors. It is crucial not to adopt policies that raise doubts about its good sense. How taxes were raised in the Budget did just that. So, too, do regulatory developments, notably in the labour market. The government will have to toughen its stance on current spending in its coming review or consider higher taxes.
The UK must focus on resilience and growth. Panic is unnecessary, but the era of cheap borrowing is over. Policy has to respond."

Como não pensar em Janan Ganesh e Joaquim Aguiar.

Os tugas são assim

No DN do passado dia 20.01 li "Regular para confiar e criar uma agência para competir". Algumas notas sobre a mentalidade reinante em Portugal e, pelos vistos, na Europa:

"É preciso regular a utilização da IA para gerar confiança e apostar numa agência para competir a uma escala global." [Moi ici: A solução central para o avanço da Inteligência Artificial (IA) em Portugal é ... criar uma agência estatal]

"A regulação serve para que tenhamos confiança na inovação." [Moi ici: Portanto a regulação é o principal alicerce para o avanço tecnológico, ignorando que muitas vezes é a flexibilidade, e não a regulação, que permite o surgimento de soluções inovadoras. Dá a entender que a inovação depende, em primeiro lugar, de um edifício regulamentar]

"Defendeu a importância de o país criar uma Agência Nacional de Inteligência Artificial, 'uma espécie de hub de IA para formalmente criar condições para produzir tecnologia de base'." [Moi ici: A proposta de centralizar os esforços numa entidade estatal específica reflecte a dependência de uma solução hierarquizada e burocrática, em vez de apoiar mecanismos descentralizados de inovação liderados por startups, empresas privadas ou consórcios académicos]

Parece que a inovação precisa de um "selo CE" para funcionar. Afinal, que seria do mundo da IA sem uma agência nacional para decidir quem pode e quem não pode inovar? Porque, claro, os algoritmos precisam de supervisão burocrática antes de resolver problemas reais. É como sugerir que antes de inventar o avião era preciso aprovar o espaço aéreo. Há uma dependência quase paternalista da ideia de que só através da regulação será possível avançar, como se o caos da criatividade necessitasse de um manual de instruções e um carimbo de aprovação para ser considerado válido. A confiança, aqui, é algo que se regula, não algo que se conquista com resultados.

Na caminhada matinal desse mesmo dia li em "This Is Strategy" de Seth Godin

"127. The Five Steps to Widespread Change

It begins with a nucleus. This core group shares a desire. Perhaps they’re frustrated, left out, seeking something better or something new. They are not typical.

Offer that group connection, status, forward motion, opportunity, and insight. This feeling is often different from what the masses will eventually adopt.

Second, maximize the chances for a small win. Small wins are evidence of progress. They create group cohesion, commitment, and most of all give the nucleus something to point to.

Third, give the nucleus a way to talk about the work. What they say to the others is almost certainly not what you said to them. This requires an empathic leap, offering the next circle of people a story that resonates with their desires, not yours.

Fourth, create the likelihood of another win.

This stepwise process of story » action » cohesion can be repeated again and again. Momentum is often the only thing on offer. “This is happening—are you coming?” is more powerful than, “Let me explain all the facts about what is possible.”

Finally, establish new status roles, affiliation opportunities, and data exchange to codify a system going forward.

The infrastructure doesn't come first. In fact, it gets built much later, after people care enough about being part of the new system."

A diferença é gritante: enquanto em português falamos em criar uma agência com reuniões e comités para “gerar confiança”, com Seth Godin a ideia é simplesmente usar o que já existe para ganhar dinheiro e transformar mercados. É quase como Seth Godin dizer: "Enquanto vocês regulam, nós facturamos." Uma obsessão quase romântica com a regulação e a criação de estruturas burocráticas como panaceia para a inovação. Uma mentalidade que parece acreditar que a criatividade precisa de permissão, como se o progresso viesse após reuniões intermináveis e carimbos ministeriais.



segunda-feira, janeiro 20, 2025

Curiosidade do dia

Eu sei que é uma curiosidade de há quase 20 dias, mas tem ficado a remoer na minha mente.  

""I am increasingly convinced of something that we might call the Carter Rule: rich democracies need a crisis in order to change. It is almost impossible to sell voters on drastic reforms until their nation is in acute trouble."[Moi ici: A dificuldade de implementar reformas antes de uma crise]
...
There are no votes in preventive action. Few of us mean it when we urge governments to think long-term, to fix roofs while the sun is shining, and so on. [Moi ici: O custo político das reformas antes de uma crise ser óbvia. Os líderes que tentam reformar precocemente enfrentam oposição pública porque os custos são evidentes, mas os benefícios só aparecem a longo prazo]
...
If crisis isn't quite a sufficient condition for change, I suggest it has become a necessary one. This is even truer of high-income countries, where enough voters have enough to lose that even small tweaks to the status quo are provocative. [Moi ici: Mudanças radicais muitas vezes precisam de um colapso completo do status quo para serem aceites pelos eleitores]
...
"Britain now, like America in his time, is still a few years away from that moment in the life of nations when voters look around and say, at last, 'Enough.""
Trechos retirados de "Things have to get worse to get better" de Janan Ganesh e publicado no FT de 2 de Janeiro último.


Auditorias, auditores e desejos


Gostava que os auditores das entidades certificadores fossem mais exigentes no que diz respeito aos objectivos, planos, monitorização e acções correctivas. BTW, vejo tão poucas acções correctivas.

É inadmissível que uma organização apresente resultados sistematicamente abaixo dos objectivos e, ainda assim, não realize análises, investigações ou reflexões sobre as causas desses desvios. Saltar directamente para os objectivos do ano seguinte, sem aprender com os erros, é um ciclo vicioso que perpetua falhas. Como pode uma organização aspirar a resultados diferentes no futuro sem compreender o que falhou no passado?

Por exemplo:

Como auditor deparo-me com este cenário. Resultados abaixo dos objectivos ... e não há análise, não há investigação, não há reflexão e salta-se para objectivos do ano seguinte sem definir o que vai ser feito de forma diferente para aspirar a resultados diferentes.

Por exemplo:

Gostaria de ver os auditores a pedir para ver análises rigorosas do contexto como parte integrante do ciclo de melhoria contínua. Estas análises devem identificar factores que contribuíram para os resultados reais actuais e avaliar as condições internas e externas que podem ajudar ou dificultar o cumprimento dos objectivos futuros. Sem esta base, os objectivos para o próximo período não passam de meros números ou intenções desconectadas da realidade operacional da organização.

Gostava de ver uma análise do contexto para determinar factores que contribuiram para os resultados reais obtidos. Sem perceber o que falhou, como poder aspirar a resultados melhores no futuro?

Por exemplo, para uma empresa que trabalha na fileira automóvel na Europa:
Gostava de ver uma análise do contexto para determinar factores que podem ajudar ou dificultar o cumprimento dos objectivos para o futuro.

Por exemplo:

Depois, gostava de ver planos de acção para atingir os objectivos. Recordar a dopamina e o evitar planos de acção da treta.

Os auditores têm a responsabilidade de elevar o padrão das organizações ao questionar e desafiar a superficialidade na definição de objectivos, na análise dos desvios e na ausência de acções correctivas. Sem esta exigência, as certificações tornam-se um exercício meramente burocrático, em vez de um catalisador para a verdadeira melhoria.

A certificação não deve ser apenas um carimbo; deve ser uma garantia de que a organização está empenhada em melhorar, aprendendo com os seus erros e adaptando-se para enfrentar os desafios futuros com mais eficácia.

Já agora, a propósito deste tipo de objectivos:

Definir como objectivo "zero acidentes" pode parecer ambicioso e louvável à primeira vista, mas quando essa meta é repetidamente falhada, ano após ano, revela-se uma abordagem ineficaz e até contraproducente. Este tipo de objectivo irrealista tende a desvalorizar os verdadeiros esforços de melhoria e pode gerar frustração entre os trabalhadores. Além disso, cria um clima em que a organização evita enfrentar a realidade dos acidentes, tratando-os como falhas morais em vez de oportunidades para aprender e melhorar.

Estabelecer metas realistas e baseadas em dados concretos não significa aceitar os acidentes como inevitáveis, mas sim reconhecer que a redução sustentável de acidentes exige foco em causas específicas, medidas concretas de prevenção e melhoria contínua. Um objectivo mais realista e progressivo — como a redução percentual anual de acidentes ou a eliminação de determinados tipos de falhas — é mais eficaz. Este tipo de abordagem promove uma cultura de segurança genuína, onde os trabalhadores são encorajados a identificar riscos e propor soluções, em vez de temerem represálias ou encobrirem problemas para proteger uma meta impossível.

Persistir em objectivos como "zero acidentes" apenas porque parece "bem" ou politicamente correcto é negligente. Não se trata de abdicar da segurança total como aspiração, mas sim de construir um caminho sólido, passo a passo, para a alcançar. A integridade e o compromisso estão na honestidade com os desafios e na adopção de estratégias eficazes para os superar.

domingo, janeiro 19, 2025

Curiosidade do dia

"Para dar uma ideia, na 42, entre Lisboa e Porto, hoje em dia temos 1000 alunos, somos a maior escola de Engenharia de Software do país. Até agora, temos tido 100% de empregabilidade. Em média, os nossos alunos quadruplicam o salário desde a entrada à saída. E custa, por ano, por aluno, um quarto do que custa uma escola tradicional, como o [Instituto Superior] Técnico ou a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

Quanto é que custa, por aluno? Custa 1500 a 2000 euros, por ano. É muito eficiente."

"Acho que não podemos garantir nada, obviamente. Tentamos assegurar o financiamento para os próximos poucos anos. Mas vivemos, em primeira análise, da boa vontade das pessoas, das empresas e das fundações que acreditam em nós, que acreditam que aquilo que fazemos tem impacto. E uma coisa que eu acho muito importante: temos encontrado uma quantidade de pessoas, de empresas, de fundações, com uma generosidade incrível, muito preocupadas com o futuro da Educação no país e dispostas a financiá-lo e a contribuir de muitas maneiras. Sobretudo um pais como o nosso, que tende a ser muito cínico em relação a estas coisas todas, acho que é extraordinário que isto aconteça.

...

Nos últimos cinco anos, desde que saímos de lá e lançámos a 42 e agora o TUMO, já conseguimos donativos de 25 milhões de euros. Isto são verbas importantes, mostram que temos uma sociedade que, apesar de ja ser sobrecarregadissima de impostos - que depois são muitíssimo mal utilizados tantas vezes -, está disposta a fazer um investimento adicional na qualidade da Educação. Isto é a sociedade civil, isto é o nosso país. Devemos ter orgulho nestas empresas, nestas pessoas e nestas fundações."

Recordar a primeira Escola Comercial Oliveira Martins. Outubro de 2012 - Convém levar o racional até ao fim

Isto acontecerá em muitos, muitos sectores além da Educação, como na Saúde.

Trechos retirados de "PRR tinha muito dinheiro para a Educação avançada em termos digitais, mas estava todo pré-reservado

O guia narrativo

 


"Just as a river is a lake with a current, a strategy is only possible when we consider time. As time moves forward, we find different conditions, different options, and different challenges. Our strategy is the narrative for how we will engage with our project over time."

Para as PMEs, esta reflexão é particularmente relevante, uma vez que enfrentam, quase sempre, mercados altamente competitivos e em constante transformação. O planeamento estratégico para uma PME não deve ser encarado como um documento rígido, mas como um "guia narrativo", que evolui à medida que a empresa se adapta às circunstâncias. Isto é essencial para responder rapidamente a mudanças no mercado, aproveitar tendências emergentes e gerir recursos limitados de forma eficiente, sem se perder em contradições ditadas pelo pensamento do momento. Sim, convém que as diferentes tácticas façam parte de um padrão de fundo coerente.

Trecho retirado de "What is Strategy" de Seth Godin.

sábado, janeiro 18, 2025

Curiosidade do dia


Há tempos li, ou ouvi num podcast, algo que não sabia e que me ajudou a perceber vários episódios com o outro sexo.

Quando um homem diz uma coisa que o preocupa é porque quer resolver essa coisa. Quando uma mulher diz uma coisa que a preocupa é porque quer ser ouvida.

Isto fez-me lembrar uma cena com uma familiar há alguns anos. Ela queixava-se de falta de auto-estima. Eu ouvi, passei por uma livraria, comprei um livro de um autor reconhecido sobre o tema e, cheio de boas intenções ofereci o livro... Ooops!!! Penso que nunca o abriu.

Recordei-me disto tudo por causa das discussões políticas em torno do enconsto à parede na tal rua do Martim Moniz. Os políticos parecem mulheres, falam, falam, falam sobre o tema, mas não é para resolver nada é só para se fazerem ouvir. Faz falta algum com pensamento à homem.

O meu conselho: Pedir à polícia o manual de procedimentos e ler o que está previsto, qual é a boa prática que deve ser seguida quando se tem X suspeitos para "processar"?

Exportações 11 meses de 2024





O número de setas para cima baixou consideravelmente. Ou seja a velocidade de recuperação das exportações face a 2023 diminui em alguns casos e até ficou mais negativa noutros como por exemplo no mobiliário. O calçado continua a recuperar, recordo do mês passado:
"O calçado aos seis meses caía 15% agora já só cai 7%."

Agora já vai nos 6,4%. 

As exportações de fruta em Setembro, Outubro e Novembro foram as mais altas de sempre nos últimos quase 24 meses.a atingirem o valor mais alto dos últimos mais de 20 meses, o anterior recorde tinha sido em Setembro passado. Recordes mensais de quase 24 meses para as aeronaves.

Valores mensais mais baixos dos últimos 23 meses para animais vivos e ferro fundido.

Ao ler "Crise no automóvel castiga exportações dos têxteis, metalomecânica e componentes" tenho uma opinião menos negativa. Por exemplo:
"Setores como o têxtil, vestuário, calçado, mobiliário, cerâmica, moldes e vidro, já sentem um abrandamento da procura, agravado pela crise nas duas maiores economias." [Moi ici: Desde o final do primeiro semestre de 2024 que o panorama tem vindo a melhorar. Por exemplo, os pásticos caíam 5,7% agora já só caem 0,4%. A cerâmica caía mais de 7% agora já só cai cerca de 1%]
Outro tema relevante no artigo citado:
"Além do travão na procura externa, Rafael Alves Rocha nota que "as empresas têm sido pressionadas pela subida dos encargos financeiros, em resultado do elevado nível das taxas de juro, que só a partir de meados de 2024 começaram a descer dos máximos históricos que atingiram em 2023"." [Moi ici: A imprensa internacional tem relatado vários casos de empresas conhecidas a sofrer agora o impacte da subida das taxas de juro. Por exemplo a Orsted]
Por fim:
"O responsável identifica, porém, sinais de esperança: "Há sinais de que a fase mais baixa do ciclo já terá sido ultrapassada, permitindo perspetivas de alguma recuperação da atividade económica". "Dito isto, é certo que o setor suscetível de sofrer mais dificuldades será a indústria transformadora, por ser o mais vulnerável à conjuntura externa", reconhece." [Moi ici: Já o escrevemos no ponto da situação de Setembro e de Outubro. É olhar para o tamanho relativo do sol e da nuvem nas respectivas ilustrações]



sexta-feira, janeiro 17, 2025

Curiosidade do dia

Outra cena ...

Leio isto e recordo logo 2009 e "The Predator State":

"predators suck the capacity from government and deplete it of the ability to govern. In the short run, again, this looks like simple incompetence, but this is an illusion. Predators do not mind being thought incompetent: the accusation helps to obscure their actual agenda."

Esta preciosidade "'MeToca', la app de tareas del hogar de Irene Montero, retirada tras fracasar estrepitosamente":

"La aplicación 'MeToca', impulsada por Irene Montero y de Ángela Rodríguez Pam para imponer un reparto equitativo de las tareas domésticas, ha sido retirada un año después de su lanzamiento tras fracasar y costar 211.750 euros. Los datos son sonrojantes: desde su aparición en 2023, la aplicación solo ha obtenido 10.000 descargas y las opiniones en las distintas plataformas de Apple y Google son realmente negativas, concretamente 1,5 sobre 5 estrellas.

Los críticos de la aplicación se han centrado en el pobre diseño, su poca funcionalidad y la ausencia de privacidad. En concreto, los usuarios han señalado la falta de consentimiento expreso para el tratamiento de datos personales. Pero lo que más ha indignado a los españoles ha sido el alto coste de la aplicación."





Quando destapam a careca

Em "Crise no automóvel castiga exportações dos têxteis, metalomecânica e componentes" apanhei  Rafael Alves Rocha, director-geral da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) a dizer:

"Outra dificuldade, diz, é a escassez de mão-de-obra que afeta a generalidade dos setores, assim como o "agravamento dos custos laborais unitários resultante de aumentos salariais significativamente acima dos ganhos de produtividade, no contexto da referida escassez de mão-de-obra"."

Espera aí, a fase não encerra uma contradição? 



Sim, e está relacionada com as paletes de imigrantes e a minha incompreensão sobre o por que a esquerda não percebeu isto e abandonou os trabalhadores.

Por um lado, é mencionado que há escassez de mão de obra, o que indica que as empresas enfrentam dificuldades para preencher vagas disponíveis. Em contextos assim, é comum que os salários aumentem, pois as empresas competem para atrair os poucos trabalhadores disponíveis.

Por outro lado, o argumento sugere que os aumentos salariais são desproporcionais em relação aos ganhos de produtividade, o que agrava os custos laborais unitários. Esta queixa, no entanto, pode ser considerada contraditória, pois, num cenário de escassez de mão de obra, é expectável que:

  • As empresas aumentem os salários para atrair e reter trabalhadores.
  • Os ganhos de produtividade possam não acompanhar imediatamente os aumentos salariais, especialmente se a força de trabalho disponível for mais escassa ou menos qualificada.

E esta é a beleza da teoria dos "Flying Geese". Com a teoria a funcionar, as empresas incapazes de pagar melhores salários ou fecham ou deslocalizam-se, e a produtividade do país aumenta. Quando a teoria não funciona, quem se deslocaliza são os melhores trabalhadores, ou os mais formados, ou os com mais iniciativa, mais atitude, e as empresas zombies não morrem, e a produtividade do país encalha e o país como um todo empobrece.

A contradição surge porque se a escassez é real, as empresas não têm muitas alternativas senão aceitar os custos mais elevados de mão de obra, e culpar os aumentos salariais ignora que esse fenómeno é um efeito natural da dinâmica do mercado de trabalho.

Em resumo

A "contradição" é mais uma tensão inerente ao mercado de trabalho: é difícil conciliar salários competitivos para atrair mão de obra em tempos de escassez com a exigência de ganhos de produtividade imediatos. 

quinta-feira, janeiro 16, 2025

Curiosidade do dia

"According to the surveyed executives, the fastestgrowing job roles by 2030, in percentage terms, tend to be driven by technological developments, such as advancements in Al and robotics and increasing digital access (See section 2.2). Leading the fastest growing jobs list are roles such as Big Data Specialist, Finlech Engineers, Al and Machine Learning Specialists and Software and Applications Developers (Figure 2.2).

...

By contrast, respondents expect the fastestdeclining roles to include various clerical roles, such as Cashiers and Ticket Clerks, alongside Administrative Assistants and Executive Secretaries, Printing Workers, and Accountants and Auditors. Broadening digital access, Al and information processing technologies, and robots and autonomous systems are the primary drivers for this decline. Aging and declining working-age populations and slower economic growth also contribute to the decline in clerical roles."


Fonte: The Future of Jobs Report 2025

 

Um acto de renúncia



Há tempos escrevi sobre este item 111, "Choose Your Customers and Choose Your Future", do último livro de Seth Godin "What is Strategy".

Os items que se seguem são:
  • 112 - Choose Your Competition and Choose Your Future.
  • 113 - Choose the Source of Validation and Choose Your Future
  • 114 - Choose Your Distribution and Choose Your Future
O acto de escolher é, por definição, um acto de renúncia. Quando se escolhe um público, um mercado, uma fonte de validação ou um canal de distribuição, automaticamente está a deixar-se outros de lado. Mas é exactamente isso que torna uma estratégia poderosa. A clareza nas escolhas permite investir energia e recursos onde realmente importa, construindo uma base sólida para o êxito.

Não existe estratégia sem foco, e não existe futuro sólido sem escolhas conscientes. Quando se opta por não querer ser tudo para todos, abre-se espaço para ser algo indispensável para aqueles que mais importam.

O segredo do êxito está nas escolhas – e a coragem de fazê-las define quem se será amanhã.

Recordar de 2008: As encomendas mais importantes são as que se rejeitam.

quarta-feira, janeiro 15, 2025

Curiosidade do dia

No JdN de hoje ler "Uma nacionalização sem razão que pode custar 564 milhões de euros" sobre o desastre da Efacec para os contribuintes:

""A nacionalização da Efacec foi realizada sem fundamentação, técnica e independente, do interesse público". Bastou esta frase para o Tribunal de Contas arrasar por completo a intervenção do Estado na empresa, salientando que não houve um único objetivo desta operação que tenha sido alcançado." 

Leio isto e recordo logo 2009 e "The Predator State":

"predators suck the capacity from government and deplete it of the ability to govern. In the short run, again, this looks like simple incompetence, but this is an illusion. Predators do not mind being thought incompetent: the accusation helps to obscure their actual agenda."

Continuando:

"Foi durante o Governo de António Costa que a Efacec foi alvo de uma medida de nacionalização, resgatando a empresa anteriormente detida por Isabel dos Santos. Esta intervenção foi feita "sem validar as alegações da administração da Efacec de esta ser uma empresa estratégica nacional, viável e economicamente sustentável, numa situação de dificuldade provisória".

À data, a explicação para a intervenção foi a necessidade de "viabilizara continuidade da empresa, garantindo a estabilidade do seu valor financeiro e operacional e permitindo a salvaguarda dos cerca de 2.500 postos de trabalho", explicou a ministrada Presidência, Mariana Vieira da Silva. Mas, na realidade, nada disso aconteceu: "não foi evitada a deterioração da situação financeira e comercial da Efacec, não foi estabilizado o seu valor financeiro e operacional e não foram salvaguardados os postos de trabalho", diz a entidade agora presidida por Filipa Urbano Calvão."

Recordar "Lives of quiet desperation" (parte Il)  mas claro sou só um anónimo da província. Lembram-se da quantidade de comentadores, estilo Manuel Carvalho do Público, a louvar a nacionalização e a justificar a sua bondade?

Outra autópsia à distância

Quando comecei a usar este blogue em 2004 pensei que seria uma espécie de base de dados para pesquisar e acessar material das formações e workshops. 

Julgo que foi com postais como este "Autópsia de uma estratégia, feita à distância (parte I)" e este outro "Autópsia de uma estratégia, feita à distância (parte II)" em Outubro de 2007 que comecei a ver o blogue de outra maneira.

Ontem, no WSJ li "Skechers' Focus on Casual Shoes Pays Off" e voltei a recordar estas autópsias feitas à distância.

Para destacar a importância de uma estratégia bem definida, é essencial observar como a Skechers adaptou a sua abordagem para competir com gigantes do sector, como a Nike e a Adidas, concentrando-se na compreensão do seu público-alvo e na diferenciação. Again, estratégia não é sobre como vencer a concorrência, mas sobre como ganhar a preferência dos clientes-alvo.

"Nike has superstars. Hoka has tapped into hardcore runners. Tech bros are willing to pay up for On shoes. Skechers thrives on retirees looking for comfortable kicks and families looking for something more affordable for their children."​

A Skechers compreendeu claramente que "Nike has superstars" e que competir directamente no segmento da alta performance e com grandes celebridades não seria a sua estratégia mais eficaz. Em vez disso, a empresa optou por abordar mercados negligenciados, posicionando-se como uma marca de calçado acessível e confortável, perfeita para "retirees looking for comfortable kicks and families looking for something more affordable for their children." Este foco ajudou a Skechers a estabelecer uma ligação directa com consumidores que procuravam qualidade e conforto a preços acessíveis.

"Skechers shifted in recent years into the performance arena to fill what its leaders see as openings left by Nike and others.

The business got a boost from Nike's decision during the pandemic to exit from many retailers that catered to lower-income consumers and focus on selling directly to consumers. 

Nike also cut back on styles that sold for less than $100."

Além disso, a empresa percebeu a oportunidade de capitalizar sobre as lacunas deixadas pelos seus concorrentes. Evitar o confronto directo. Enquanto a Nike cortou estilos que custavam menos de $100, a Skechers decidiu expandir a sua linha para atrair consumidores de rendimento baixo e médio. Como mencionado, "Skechers shifted in recent years into the performance arena to fill what its leaders see as openings left by Nike and others." Esta adaptação demonstrou a capacidade da empresa em identificar nichos de mercado e aproveitar lacunas estratégicas deixadas pelos seus concorrentes.

"It is on track to net $10 billion in revenue by 2026, without achieving the coolness status that can juice demand for a brand.

Skechers did it by capturing parts of the market that are largely neglected by its competitors."

Outro ponto de destaque foi o uso de inovação acessível, como a linha de Slip-ins, que permitiu à Skechers criar produtos diferenciados sem a necessidade de "achieving the coolness status that can juice demand for a brand." Em vez de competir directamente pelo prestígio, a empresa focou-se em oferecer valor prático, tornando-se a terceira maior empresa de calçado do mundo em vendas.

"Skechers does work with designers, street artists and celebrities, but executives said they don't rely on projects that are limited releases because they don't think limited releases generate the same hype and awareness as they do for other brands.

"That's not really our consumer," said Vandemore, the finance chief. "That's not what somebody's looking for us to do.""

Estes exemplos ilustram como compreender os consumidores-alvo, aliada a uma estratégia focada na diferenciação, pode gerar resultados expressivos, mesmo num mercado dominado por gigantes. Ter clareza sobre "who your customer is" e sobre "what holes exist in the market" é essencial para que as empresas possam prosperar num ambiente competitivo.

Há uns 5/6 anos durante aqueles dias em que o chão está molhado aconteceram-me várias coisas com o calçado que me levaram a olhar para as solas com um outro cuidado. 

Primeiro, cuidado com calçado barato, com solas pouco flexíveis e que rapidamente sofrem micro fissuras por onde a humidade entra e, qual papel mata borrão, é absorvida pelas meias gerando uma sensação de desconforto e o receio de apanhar uma constipação.

Segundo, cuidado com solas que não geram atrito suficiente e que, quando as condições se proporcionam - chão molhado e branco das passadeiras, facilitam quedas.

Decidi pesquisar solas que me dessem garantias e foi assim que cheguei às botas da Skechers. Um par durou-me 3 Invernos, ainda o tenho e uso de vez em quando, depois outro, que estou a calçar agora, e isso levou-me aos slip-ins. Hoje, tirando as sapatilhas que só uso para correr, todo o resto do calçado é da Skechers.

Para as empresas de calçado em Portugal: Portugal tem uma longa tradição de excelência no fabrico de calçado, mas o futuro exige mais do que qualidade técnica. É hora de as empresas portuguesas explorarem como uma estratégia bem definida pode transformar a produção numa vantagem competitiva.

Seja mais do que um fornecedor. Observe como empresas como a Skechers construíram um império focando-se no que os concorrentes negligenciaram: acessibilidade, conforto e inovação prática. Mesmo sem se concentrar em tendências passageiras ou celebridades, a Skechers tornou-se uma das maiores marcas mundiais.

E se as suas solas não fossem apenas solas, mas soluções para problemas do consumidor final? Questione-se: quem é o cliente-alvo dos seus clientes? Que falhas existem no mercado que podem ser aproveitadas? Como pode a sua experiência contribuir para estratégias diferenciadas?

terça-feira, janeiro 14, 2025

Curiosidade do dia

No JdN de hoje, "Inflação nos serviços praticamente não arrefeceu em 2024", onde se pode ler:
"De acordo com os dados finais divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) nesta segunda-feira, o ano passado fechou com uma taxa de inflação média nos serviços de 4,2%. Esta evolução representa apenas um ligeiro abaixamento do ritmo de subida de preços face ao que verificou em 2023, quando a inflação média anual dos serviços atingiu 4,6%. Em comparação, a inflação média anual no cabaz de bens já quebrou de 4,3% para 1,2%.
Está em causa a parte do consumo nacional que vai da educação à saúde e transportes, passando pela restauração, cabeleireiros, viagens, espetáculos e outros serviços da cultura, alojamento, seguros, serviços financeiros ou reparações, por exemplo."
Este fim de semana uma familiar queixou-se que a cabeleireira tinha aumentados os preços. 
Eu respondi, se o salário mínimo cresceu alguém tem de o pagar. 
A familiar retorquiu algo como: Ah! mas ela trabalha sozinha, não tem empregadas.
Ao que eu rematei: Come on, tem o salário dela.

Se os salários sobem acima do aumento da produtividade os preços têm de aumentar, logo a inflação aumenta.

Foi Eric Reinert que me chamou a atenção a sério para a diferença entre a agricultura e muitos serviços face à indústria no que diz respeito à produtividade:
  • Na indústria, a produtividade pode ser aumentada significativamente por meio de economias de escala, mecanização, automação e inovação tecnológica. Um trabalhador pode produzir muito mais unidades de um mesmo bem ao longo do tempo, sem que isso necessariamente exija muito mais esforço físico ou tempo.
  • Em sectores como cabeleireiros, restaurantes ou saúde, o trabalho é altamente dependente do tempo e da interacção humana. Um cabeleireiro pode atender, por exemplo, apenas um cliente de cada vez, e o tempo necessário para cortar o cabelo não pode ser reduzido drasticamente sem comprometer a qualidade do serviço. BTW, recordar o efeito ou doença de Baumol.

"Choose Your Customers and Choose Your Future"

Praticamente desde o início deste blogue que chamamos a atenção para a importância da determinação dos clientes-alvo. Determinação é a palavra porque deve ser uma escolha consciente. Não se pode ser tudo para todos:

"Every project has customers. It might be the patients your non-profit serves, or your donors. It might be the person who walks into the coffee shop to deal with you when you're working as a clerk, or it might be your boss.
As the song says, "You've got to serve somebody." When we choose our customers, we embrace their worldview and the system they are part of. Their budgets become our budgets. Their priorities become ours as well. [Moi ici: Muitas empresas não percebem que têm de escolher os clientes que devem servir, não devem considerar que todo o tipo de clientes deve ser servido]
Customers can be a choice. We can be passive and take what we get, or we can choose to be active and seek out the customers we'd like to work with. [Moi ici: Muitas empresas permanecem passivas, aguardando que os clientes as procurem, sem perceberem que, ao serem activas, podem atrair os clientes mais adequados aos seus objectivos estratégicos. Esta mudança exige um esforço deliberado de comunicação e posicionamento no mercado.] It used to be simple. The customer walked into your shop and gave you money. There was a retail storefront, a way of getting the word out, and the customer, You no longer have to take all orders or simply wait for who's next. Instead, we have a chance to send a message and let potential customers know who we're there for. [Moi ici: Na era digital, as empresas têm ferramentas para definir a sua mensagem e atrair os clientes certos. Não precisam de ser generalistas - recordar Bruce Jenner - nem de aceitar todos os pedidos. Uma mensagem clara e focada nos valores da empresa ajuda a segmentar e a captar clientes alinhados]
Here are some of the choices that customers and clients dictate:
  • The price
  • Support and service
  • Exclusivity
  • Co-creation
  • Durability
  • The status it brings
  • Public persona of the brand
  • Sustainability [Moi ici: Cada tipo de cliente exige adaptações estratégicas. Por exemplo, um cliente que valoriza exclusividade espera um serviço personalizado, enquanto um cliente focado em sustentabilidade quer garantias claras sobre o impacte ambiental. Escolher o cliente certo é alinhar estas exigências com o que a empresa pode oferecer sem comprometer os seus valores ou margens]
...
We often get stuck in a customer loop, dancing ever faster for the customers we have instead of spending time and resources replacing these folks with the customers we'd like to have instead. [Moi ici: Muitas empresas focam-se em satisfazer os clientes que já têm, mesmo quando estes não são os mais lucrativos ou estratégicos, o que impede o crescimento a longo prazo. Rever a carteira de clientes regularmente e investir em novos perfis pode ser mais rentável]
The best way for a freelancer to succeed is to find better customers. Better customers that pay more, demand more, and spread the word as well. Better customers aren't always easy to find, which is why the more common and convenient approach is to take what you can get.
You can choose your customers, and train and reward the ones you'd like to keep. By rewarding some behaviors over others, by keeping some promises but not making others, by having standards, you get the audience you deserve.
...
The customers you pay attention to - and those you fire—change the way you spend your days (if you're not firing customers, you're surrendering your future to whoever walks in the door). [Moi ici: Há clientes que consomem desproporcionalmente tempo e recursos sem trazer o retorno adequado. Aprender a "despedir" clientes pouco rentáveis ou desalinhados é essencial para garantir o foco nos clientes estratégicos e no futuro da empresa. Conhece a curva de Stobachoff da sua empresa?]
You can identify and reward the customers you'd like to spend your days with. You have the freedom and power to do this if you choose.
It's not easy to persuade someone to want what you want.
It's much more productive to find people who already want to go where you'd like to take them."

Trechos retirados de "This is strategy" de Seth Godin.

segunda-feira, janeiro 13, 2025

Curiosidade do dia

 


"The Future of Jobs Survey asked employers how advances in nine key technologies are transforming their business. Of the nine technologies, three stand out as being expected to have the greatest impact. Robots and autonomous systems are expected to transform 58% of employers' businesses, while energy generation and storage technologies are expected to transform 41%. But it is artificial intelligence (Al) and information processing technologies that are expected to have the biggest impact - with 86% of respondents expecting these technologies to transform their business by 2030 (Figure 1.2)."


Nem nem

Ontem no JN li "Jovens desempregados e sem estudar aumentam no Norte e no Alentejo". Não acham interessante?

Por que é que é preciso imigração? Porque não há gente para trabalhar...

Muitos empregos disponíveis estão em sectores que exigem baixa qualificação (agricultura, construção civil, limpeza, trabalho sazonal no turismo), que podem não ser atraentes ou adequados para jovens portugueses, que frequentemente aspiram a trabalhos mais qualificados. Os imigrantes, muitas vezes, estão mais dispostos a aceitar empregos que os jovens locais evitam, seja por falta de interesse, más condições de trabalho ou baixos salários. 

Logo, não há qualquer estímulo para melhorar as condições de trabalho nesses sectores (salários, estabilidade, protecção) para torná-los mais atraentes aos jovens locais.

No artigo lê-se:

"O Norte e o Alentejo foram as regiões do país onde o número de jovens entre os 16 e os 34 anos que não estudam nem trabalham mais se agravou entre 2022 e 2023, com subidas de 12% e de 15%, respetivamente.

...

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o Norte tem 73 mil jovens sem qualquer vínculo laboral ou ao mundo escolar. Os especialistas apontam o aumento da imigração, o abrandamento das exportações e os custos do Ensino Superior como potenciais causas para a situação na região."

Vamos admitir que os jovens não estão disponíveis para trabalhar em certos sectores por causa dos salários que são pagos e tornam impossível uma vida independente dos pais. Qual a solução?

Focar em atrair investimentos para sectores de alto valor acrescentado, que podem criar empregos qualificados para jovens locais. BTW, a lição irlandesa, again.

domingo, janeiro 12, 2025

Curiosidade do dia

"We examined the productivity effects of a generative artificial intelligence (AI) technology, the assistive chatbot ChatGPT, in the context of midlevel professional writing tasks. In a preregistered online experiment, we assigned occupation-specific, incentivized writing tasks to 453 college-educated professionals and randomly exposed half of them to ChatGPT. Our results show that ChatGPT substantially raised productivity: The average time taken decreased by 40% and output quality rose by 18%. Inequality between workers decreased, and concern and excitement about Al temporarily rose. Workers exposed to ChatGPT during the experiment were 2 times as likely to report using it in their real job 2 weeks after the experiment and 1.6 times as likely 2 months after the experiment."

Trecho retirado do abstract de "Experimental evidence on the productivity effects of generative artificial intelligence" (versão não revista aqui

Isto é só o começo.

Acerca de gargalos e "políticos"

A revista MIT SMR do Inverno de 2025 traz um pequeno artigo, "Improve Workflows by Managing Bottlenecks", que à partida parece não trazer nada de novo, mas depois percebe-se que afinal tem algo de interessante.

Há poucos dias, numa reunião numa empresa, este tema surgiu de forma muito pertinente — um desafio que, curiosamente, também atormenta políticos e gestores públicos. Perante um problema, a solução mais tentadora costuma ser atirar dinheiro para cima dele, na esperança de que os recursos financeiros resolvam tudo. O que frequentemente acontece é o cenário clássico: o dinheiro gasta-se, mas o problema persiste — e, em muitos casos, agrava-se.

O ponto crucial é que muitos dos problemas enfrentados, seja em empresas ou na política, não têm origem na falta de recursos, mas sim nos procedimentos e sistemas implementados. No entanto, mudar processos, embora seja a solução mais eficaz, é muitas vezes politicamente sensível e delicado. Por isso, optar por "fazer de conta" que se está a agir ao despejar mais dinheiro no problema é a saída fácil. Mas fácil não significa eficaz.

A reflexão aqui é simples, mas poderosa: antes de alocar mais recursos, é essencial analisar se o verdadeiro estrangulamento não está na estrutura ou nos procedimentos existentes. Por vezes, mudanças estratégicas no desenho do sistema ou na descentralização de tarefas podem ser a chave para resultados muito melhores.

"Bottlenecks are a common source of frustration in organizations. ... When leaders encounter a bottleneck, they may dedicate resources to addressing it only to find that the process in question is still stalled by other bottlenecks.

...

Bottlenecks manifest as tasks that are stalled for one of two reasons: because they depend on the output of other tasks that have not been completed, or because the resources required to complete the task are not available. 

Task bottlenecks frequently occur as teams wait for approvals from legal or compliance departments, for example. Resource bottlenecks happen when there is a lack of resources necessary to complete a task or process - say, if a construction project has only one crane available and there are competing demands to use the crane.

Task bottlenecks may emerge when more time is needed to complete the activity than has been budgeted, even if all necessary resources are available. While resource bottlenecks can be solved by investing in more resources, task bottlenecks cannot necessarily be solved by simply throwing more resources at the problem. [Moi ici: Atirar dinheiro para cima de problemas, uma solução demasiado frequente. Depois, o dinheiro gasta-se e o problema cresceu. Recordo um postal de Maio de 2020 - "Quando tem um problema, saca da carteira e compra uma máquina!"]

...

Task bottlenecks are dependent on two factors in a work system: centralization and complexity. Centralization refers to the degree to which a work system contains tasks that serve as connecting mechanisms between other tasks in a sequence, creating dependencies between activities, or, more specifically, the extent to which many activities within a system flow into or out of a few other tasks in the system.

...

Although centralization tends to create more bottlenecks, it can have benefits such as the ability to deploy resources efficiently, ensure consistency in quality, and coordinate efforts across multiple groups to achieve a shared goal. To evaluate these trade-offs and choose the appropriate level of centralization, managers also need to take the complexity of the activity system into consideration.

Complexity is determined by the number of tasks in a work sequence before it repeats. [Moi ici: Ainda esta semana li algures haver uma correlação entre a frequência de monitorização de um projecto e a sua propensão para atrasos. Periodicidades maiores levam a desvios maiores e mais frequentes. Algo que também recordo do livro "How Big Things Get Done" de Bent Flyvbjerg e Dan Gardner, quando falam em módulos menores e independentes] ... As sequences become longer, there is a greater chance that any given task in the cycle may fail to be completed, resulting in a greater ripple effect that will impact the entire cycle of activities by lengthening the time it will take to restart the cycle. Complexity rises when there is more variability in the tasks within the cycle, with some more difficult than others, resulting in a varied likelihood of task completion."

Resumindo:

Para gargalos de processo:

  • Tarefas de alta complexidade: Quando o trabalho é complexo e envolve muitas tarefas semelhantes, a descentralização permite maior eficiência. 
  • Tarefas de baixa complexidade: Para tarefas simples e repetitivas, é mais eficiente centralizar o trabalho, reduzindo custos operacionais e evitando redundâncias desnecessárias.
Para gargalos de recursos:

  • Fungibilidade: Refere-se à capacidade de um recurso ser usado para diferentes tarefas. 
  • Slack (margem de recurso, buffer): Representa a disponibilidade de recursos prontos para uso em momentos de necessidade. 
  • Combinação necessária: A melhor performance ocorre quando uma empresa tem simultaneamente recursos fungíveis e slack suficiente.
  • Custo de recursos inactivos: Ter muitos recursos inactivos aumenta os custos, pelo que é crucial equilibrar a disponibilidade com a aplicabilidade prática.
E agora? Pense nos seus próprios desafios, na sua empresa ou na sua área de responsabilidade. Há estrangulamentos que podem ser resolvidos sem mais investimento, apenas com uma reformulação inteligente dos processos? O convite é claro: antes de recorrer a soluções rápidas e dispendiosas, desafie o status quo, questione os procedimentos e procure alternativas que abordem o cerne do problema. O impacte pode ser transformador.

O artigo inclui ainda esta figura:



sábado, janeiro 11, 2025

Curiosidade do dia

Preparem-se para mais jogos psicológicos no futuro próximo. Agora vai ser a vez dos media televisivos.

No FT de hoje em "Morgan talks up his solo YouTube future after buying out Murdoch".

Piers Morgan vai transferir-se para o YouTube com o seu canal "Piers Morgan Uncensored" após deixar a sua carreira na televisão tradicional, procurando agora um público mais jovem, maior alcance global e maior controlo do que pode ou não abordar e quando. Morgan acredita que o modelo tradicional de redes lineares está em declínio e será substituído pelo consumo de média em plataformas digitais como YouTube e redes sociais nos próximos 10 anos. O canal de Morgan já tem milhões de subscritores e transmite entrevistas com líderes mundiais e celebridades, como Volodymyr Zelenskyy e Benjamin Netanyahu, ampliando o seu apelo global.

Acerca do futuro das televisões Piers Morgan tem esta opinião:

"Linear network stuff is just dead now. It'll take a while to die, but it's dead. I can guarantee you, in 10 years' time none of them will exist.

...

Everything is going away from legacy media to personal brand media. Some of the biggest stars in the world are not attached to any networks or newspapers like they used to be when I grew up.

...

Thanks to the internet and social media, [they] work for themselves.

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More people watched the US election in America on YouTube in terms of results, analysis and opinions than watched cable or broadcast for the first time ever.

....

Online creator-led shows have become increasingly influential, with many media pundits crediting shows such as The Joe Rogan Experience for mobilising the younger, 'bro-culture' voters for Trump.

...

These influencers’ shows garner millions of listeners as podcasts and YouTube videos, and billions more as clips across social media.

...

You can do an interview with conventional TV but where are you going to get that kind of audience? It’s the future."

Estão já a imaginar o filme... 

Num futuro próximo, veremos os média tradicionais vestirem a pele de pobres vítimas indefesas, que choram em uníssono enquanto lamentam o ataque impiedoso dos malvados criadores de conteúdo das redes sociais. Estes vilões, armados apenas com câmaras, microfones e ideias próprias, ousaram roubar a audiência que, por direito divino, pertencia às veneráveis redes de televisão e jornais impressos.

Sem outra escolha, os média tradicionais recorrerão aos verdadeiros heróis da nação: os políticos. Com discursos emocionados e dramáticos sobre o perigo da "desinformação" e a "fragilidade da democracia", clamarão por resgates urgentes, não em aplausos, mas em fundos públicos arrancados diligentemente dos bolsos dos contribuintes.

E assim, entre subsídios para "preservar a integridade jornalística" e novos impostos para "combater as notícias falsas", os velhos titãs da comunicação reinventar-se-ão, não como inovadores, mas como os mais eficazes colectores de esmolas do século XXI. Afinal, que seria do futuro sem esta aliança heróica entre a nobreza mediática e a benevolência tributária? 

Os otários aka cabeças de melão


Ontem li um artigo trágico-cómico, "Call to monitor second jobs at four-day week council":

"South Cambridgeshire District Council (SCDC) started a trial in January 2023 where workers do 100% of their work in 80% of their hours - with no reduction in pay. [Moi ici: Quatro dias de trabalho na semana]

...

According to SCDC's website, the purpose of the extra day off was for staff to 'recover and re-energise' in preparation for a 'more intense' four-day working week." [Moi ici: Uma desculpa um bocado esfarrapada]

...

A council that has implemented a four-day working week has been asked to monitor employees working second jobs on their paid day off.

...

The health and wellbeing survey carried out in 2024 by Robertson Cooper found that 16% of workers had taken on other paid work during their extra day. This compares with 1% in 2023 when the trial first began.

...

Independent councillor Dan Lentell has put forward a motion to highlight a survey which revealed that a number of workers had taken on other additional paid work.

...

Mr Lentell's motion [...] asks the council to introduce 'appropriate monitoring and reporting mechanisms!

...

The motion said there should be 'clear guidelines' prohibiting staff from doing other jobs during their paid day off that 'could conflict with council duties or undermine public trust!

...

The authority asked council officers not to take on additional paid work on their nonworking day, but instead encouraged them to do things like caring responsibilities, volunteering, and use it for their personal wellbeing."

Ah, que bela sátira do nosso tempo! Num mundo onde os trabalhadores camarários têm a "benção" de trabalhar apenas quatro dias por semana, somos convidados a aplaudir este prodígio do "progresso" laboral. Afinal, recebem o mesmo salário por menos horas e ainda ganham um dia extra para "recarregar baterias". Parece o paraíso na terra, certo? Pois bem, não tão depressa.

Descansar, cuidar de si, ou mesmo fazer algum voluntariado altruísta? Não, nada disso! Muitos optam por... trabalhar mais. Sim, usam o dia de folga, que deveria ser o apogeu do bem-estar, para se dedicarem a trabalhos extra e aumentar os seus rendimentos. Afinal, saúde financeira também é bem-estar, não é verdade? É claro que quem paga esta maravilha — os contribuintes aka os otários, ou trouxas — fica encantado com esta dupla produtividade dos seus impostos.

E, como se o absurdo já não fosse suficiente, entra o capítulo que parece tirado diretamente de "O Caminho para a Servidão", de Friedrich Hayek. Agora discutem seriamente monitorizar como estes funcionários utilizam o seu tempo livre. Só falta o legislador de plantão a definir que, nas suas horas livres, os trabalhadores devem meditar, tricotar ou plantar árvores, sempre em prol do "bem comum". Imagine-se o espetáculo distópico de um funcionário sendo advertido por usar o tempo livre de forma "inapropriada".

No fundo, este episódio é um tributo à ironia dos tempos modernos: uma política "progressista" que se revela uma confusão de privilégios mal geridos, controlo excessivo e uma boa dose de cinismo. Porque nada diz "inovação" como criar um problema e depois propor um comité para o resolver.

Os contribuintes líquidos são os otários, os cabeças de melão, que suportam a festa. Parabéns!

sexta-feira, janeiro 10, 2025

Curiosidade do dia



No dia 7 de Janeiro passado no Twitter perguntei: 
pergunta sincera, sem ironia, vocês lembram-se do PS ser compra a privatização da banca? e contra a abertura da televisão à iniciativa privada?

Tinha acabado de ler no FT desse mesmo dia, "Diagnosis Shift regarded as evolution rather than revolution":

"Sir Keir Starmer has vowed to make "better use" of the private health sector to help clear a huge backlog of patients waiting for treatment in England.

Using private sector capacity to reduce waiting lists is not a new idea but the prime minister's "new agreement" to expand the relationship between the NHS and private groups is designed to encourage the independent sector to take on more complex patients and utilise excess capacity.

There has been a steady shift towards the NHS paying private providers for medical treatment in recent years. The sector now delivers about 10 per cent of all NHS elective care in England, up from 7 per cent five years ago, according to analysis by the Financial Times."

Lá chegaremos, primeiro à direita e depois à esquerda. 

Portugal, Netflix e produtividade

Ainda ontem, na "Curiosidade do dia", voltei a usar a metáfora:

"ninguém diz ao filho de 5 anos que a festa de Natal do seu jardim-escola foi uma valente porcaria."

Comecei a usar essa metáfora em Fevereiro de 2024 em "Outra coisa que me faz espécie". Lista completa do seu uso: aqui.

A metáfora "ninguém diz ao filho de 5 anos que a festa de Natal do seu jardim-escola foi uma valente porcaria" encapsula a dificuldade cultural e emocional de confrontar realidades desconfortáveis ou mediocridades com honestidade brutal. Ela descreve a tendência de evitar críticas directas, especialmente em contextos onde há a expectativa de proteger ou encorajar aqueles que ainda não atingiram a maturidade — seja emocional, profissional ou estrutural. É uma forma de ilustrar que a complacência e o elogio vazio podem perpetuar estagnação e inacção, em vez de fomentar crescimento e evolução.

No contexto de Portugal e da produtividade empresarial, a metáfora aponta para uma necessidade urgente: abandonar a retórica de conforto e assumir a verdade sobre o desempenho económico. O país não conseguirá alcançar a produtividade média europeia suportado em empresas que operam em sectores pouco produtivos, dependentes de baixos custos ou desprovidas de inovação ou marca/design. A ilusão de que as coisas podem melhorar com soluções simplistas — como formações isoladas, subsídios ou reduções pontuais de impostos — é semelhante ao sorriso amarelo dos pais na festa escolar: confortável, mas ineficaz.

Portugal precisa de uma política económica - que tenha coragem de encarar os desafios estruturais de frente. Isso significa:

  • Deixar empresas improdutivas morrerem: Recursos escassos devem ser alocados a projectos com potencial real de retorno e crescimento. Persistir em salvar empresas que não conseguem competir internacionalmente apenas perpetua a mediocridade e reduz a eficiência do tecido empresarial.
  • Atrair empresas com capital e know-how de alta produtividade: A experiência irlandesa mostra que o salto de produtividade não ocorre apenas melhorando o existente, mas atraindo novas empresas e sectores que transformam a economia estruturalmente. Numca esquecer os números deste postal "Em Portugal, a conversa de café é a norma (parte II)"
  • Aceitar a dor da transição: A transição será desconfortável, com perdas inevitáveis. Mas a longo prazo, um "metabolismo económico" saudável — onde empresas novas substituem as antigas e recursos são realocados de forma eficiente — é essencial.

Confrontar o "filho de 5 anos" com a verdade pode parecer cruel, mas é um acto de maturidade colectiva. É o único caminho para abandonar a postura complacente de "China da Europa" do passado e construir um futuro onde Portugal seja produtivo, capaz de alcançar o nível médio de desenvolvimento económico europeu.

Ontem, durante a caminhada matinal li mais uma série de textos do último livro de Seth Godin, "This is strategy", a certa altura apanho isto:

"93. When Did Netflix Become Netflix?

Netflix began as a DVD rental company. Ubiquitous red envelopes and a huge selection were the hallmarks of their early success.

After they defeated Blockbuster and had the market to themselves, Reed Hastings and Ted Sarandos made a strategic decision to shift the future of the company to streaming movies and original programming. And they communicated this commitment in a very simple way:

They stopped inviting the DVD leadership team to meetings. [Moi ici: Percebem o significado crítico desta decisão? Percebem a coragem que a suporta?]

Even though DVD rentals were all of their profit and most of their revenue, they knew that having these powerful voices in the room would ultimately lead to compromises designed to defend that line of business.

Our next move is often something that decreases the value of our previously hard-won assets."

Isto está a ficar longo 😬😬😬 ...  

A metáfora do "filho de 5 anos na festa de Natal do jardim-escola" e o exemplo da transição estratégica da Netflix estão intrinsecamente ligados por um princípio comum: a coragem de abandonar o conforto do status quo e confrontar a realidade para permitir a evolução e o crescimento.

No caso da produtividade empresarial em Portugal, como na história da Netflix, o apego a modelos existentes — empresas de baixo valor acrescentado, dependentes de custos baixos ou métodos ultrapassados — funciona como a "DVD leadership team" nas reuniões da Netflix. Essas estruturas, ainda que responsáveis por sustentar parte da economia actual, limitam a visão e o potencial de transformação necessária para competir em mercados globais.

A decisão estratégica de Reed Hastings e Ted Sarandos de excluir a "DVD leadership team" das reuniões não foi apenas prática, mas simbolicamente poderosa. Eles reconheceram que, para avançar, era essencial abrir espaço para ideias alinhadas com o futuro, mesmo que isso significasse sacrificar o presente. Da mesma forma, Portugal precisa deixar morrer (deixar morrer não é o mesmo que matar) empresas ou modelos que não têm futuro, para realocar recursos e criar espaço para negócios inovadores, especializados e de maior produtividade.

Essa transição não é fácil, seja para empresas, seja para economias. Envolve perdas, dor, mudanças e resistência, mas é a única forma de garantir um "metabolismo económico" saudável, em que novas empresas possam surgir e substituir as antigas. Como Seth Godin aponta, o próximo passo frequentemente reduz o valor dos activos conquistados no passado, mas essa é a essência da inovação e do progresso.

Enquanto continuarmos a bater palmas para a festa do jardim-escola, ou a insistir em proteger o que é pouco produtivo, não conseguiremos criar um futuro economicamente vibrante. Portugal precisa da coragem de encarar as suas limitações, tal como a Netflix o fez, abandonando estratégias de curto prazo para abraçar uma visão ousada e transformadora.