sexta-feira, outubro 10, 2025

Curiosidade do dia

 


A propósito de "Carneiro associa Passos a dias de "desesperança""

É quase cómico — ou trágico — ouvir quem esteve sempre colado ao PS, partido que deixou o país de joelhos perante a troika, vir agora posar como paladino da esperança. 

Curioso… Quem chamou a troika? Quem deixou o país de rastos antes de 2011?

É como o incendiário que acusa o bombeiro de não ter trazido água suficiente.

Eficiência versus resiliência


No WSJ no passado dia 7 de Outubro li "Fire at Plant Disrupts Auto Industry":
"A late-night fire leveled a key part of a New York aluminum plant in hours. Its absence is going to disrupt business at Ford Motor and other automakers for months to come.

The plant's operator, Atlanta-based Novelis, supplies about 40% of the aluminum sheet used by the auto industry in the U.S., according to industry analysts. Novelis said the Oswego, N.Y., plant has been knocked offline until early next year."

Quando a lógica dominante é escala + volume = menor custo unitário, as cadeias de fornecimento acabam inevitavelmente concentradas em poucos gigantes capazes de operar com produção massiva. Para os fabricantes, parece racional: o preço unitário baixa, as margens sobem, os accionistas ficam satisfeitos.

Mas o incêndio na fábrica da Novelis em Oswego, responsável por cerca de 40% do alumínio usado pela Ford e outros construtores, mostrou o outro lado da moeda. Uma falha localizada — neste caso, um incêndio no hot mill — foi suficiente para paralisar cadeias de produção globais durante meses. O que era visto como eficiência transformou-se em vulnerabilidade estrutural.

Já vimos esta mesma dinâmica nos semicondutores (durante a pandemia de COVID-19, a escassez global de semicondutores obrigou fábricas automóveis na Europa e nos EUA a suspender produção durante semanas) ou nas terras-raras: quanto mais se persegue o preço mais baixo, mais se concentra a produção, e mais frágil se torna todo o sistema. A dependência deixa de ser apenas económica e passa a ser estratégica. E os riscos de disrupção não se resolvem com inventários ou contratos de emergência.

A competição pelo preço conduz inevitavelmente ao gigantismo produtivo. Recordo uma unidade leiteira nos EUA com mais de 30 mil vacas numa única exploração. O crescimento reduz custos unitários, mas aumenta a exposição a falhas catastróficas — aquelas “fat tails” de que Nassim Taleb nos fala: eventos raros, mas devastadores.

É aqui que entra uma palavra quase esquecida, mas essencial: temperança.

Temperança não é recusar a eficiência, mas saber equilibrá-la com resiliência. É não ceder à obsessão pelo preço mais baixo, ignorando os riscos ocultos. É cultivar diversidade na cadeia de fornecimento, aceitar redundâncias saudáveis e resistir à sedução da escala infinita.

Interessante, esta manhã, durante a caminhada matinal ouvi:

quinta-feira, outubro 09, 2025

Curiosidade do dia


A propósito de "Contas sólidas escudam dívida portuguesa do risco de França" no JdN de hoje recuo a 2010. Vinha de Felgueiras, descia a A4 junto a Penafiel, e ouvia na rádio a voz de Rui Rio.

Recordo as declarações de Rui Rio, enquanto presidente da Câmara do Porto, entre 2009 e 2011. O município apresentava sucessivos excedentes, dívida controlada e facturas pagas em dia – uma situação financeira que muitos autarcas invejariam na altura. No entanto, quando as agências de rating baixaram o rating soberano de Portugal, o Porto foi imediatamente arrastado para baixo, independentemente da qualidade das suas contas.

Em 2010, a Fitch cortou o rating do Porto logo após rever em baixa o da República. Em 2011, depois da Moody’s ter colocado Portugal em “lixo”, Rui Rio recusou-se a renovar o contrato com a sua agência de rating, acusando-a de agir sem seriedade: não avaliava a realidade financeira do município, aplicava apenas um corte automático.

O caso é elucidativo. Não basta ter contas sólidas se a percepção externa – de investidores, agências de rating, mercados – se guia por critérios mais amplos, muitas vezes alheios ao esforço local ou nacional.
É esse o risco de acreditar no título de hoje. O Orçamento de Estado pode, de facto, apresentar números equilibrados, mas isso não garante imunidade face ao contexto europeu ou global.

As contas equilibradas são condição necessária, mas não são condição suficiente. Acreditar apenas em manchetes que falam em “escudos” pode ser confortável, mas é perigoso. A história ensina-nos que o verdadeiro teste surge sempre quando os ventos mudam – e nessa altura, são os alicerces estruturais, não os títulos de jornais, que fazem a diferença.

Nunca poderia ser escrito em Portugal


No WSJ do passado dia 6 de Outubro um artigo que julgo que nunca poderia ser escrito em Portugal, "Healthcare Is Becoming A DIY Project for Patients".

Por cá, um texto destes esbarraria logo em três muralhas intransponíveis: ordens profissionais com poder quase feudal, interesses económicos solidamente instalados e uma cultura de saúde paternalista que ainda acha que o paciente é uma criança incapaz de decidir se toma ou não uma aspirina.

Nos EUA, discute-se abertamente o inevitável: pacientes a gerir a própria saúde com tecnologia, inteligência artificial e comunidades digitais. Em Portugal, isso ainda soa a heresia. O médico continua a ser visto como o único guardião da verdade revelada, e qualquer tentativa de democratizar dados de saúde parece uma afronta pessoal.

"Healthcare is fast becoming a do-it-yourself project for patients.
With a shortage of doctors, long wait times for appointments and an increasing prevalence of chronic diseases such as diabetes earlier in adulthood, patients are taking a more active role in managing their own health.
Similar to the way workers who once depended on employers to oversee their retirement pensions were handed the reins with 401(k) plans, patients are shouldering responsibility for diagnosing their own symptoms, tracking their own medical data and even ordering their own lab tests.
...
"In the future, primary-care doctors could act more as expert consultants rather than paternalistic bosses to patients.""
Enquanto lá fora já é trivial comprar um teste da Quest Diagnostics, monitorizar o sono com um wearable, acompanhar o batimento cardíaco ao segundo ou até usar algoritmos de IA para prever sintomas antes de aparecerem, cá continuamos agarrados ao papelinho da prescrição médica, como se fosse um talismã contra o caos.

É claro que isto não está isento de riscos: diagnósticos mal interpretados, gadgets sem validação clínica, dados expostos a seguradoras e empresas de tecnologia. Mas também abre portas a algo impensável no nosso sistema: pacientes informados, autónomos, a colaborar com os médicos como parceiros — em vez de subalternos na sala de espera.

Por cá, ainda vamos fingindo que o modelo aguenta. Mas a verdade é que, entre listas de espera intermináveis, falta de médicos e doentes crónicos a multiplicarem-se, esta autonomia não será uma escolha — será uma inevitabilidade.

No fim, talvez também nós descubramos que o maior perigo não é o paciente assumir o controlo, mas sim insistir no contrário.

Até lá, vamos varrendo para debaixo do tapete. Afinal, como sempre, só nos mexemos quando o sistema colapsar.



quarta-feira, outubro 08, 2025

Curiosidade do dia

No JdN, "Salários mais elevados dependem do aumento da produtividade." Uma verdade de La Palice. 

Se a produtividade não cresce, como se podem aumentar os salários? 

Em vez de subir na escala de valor, fazer batota e baixar a fiscalidade, "Prioridade para o OE. Eliminar os cinco primeiros escalões de IRS". As empresas gastavam o mesmo e os trabalhadores sentiriam mais dinheiro no bolso.

Eu, que sou a favor de impostos mais baixos, fico sempre cheio de urticária quando não vejo associado a cortes nos impostos, cortes na despesa.

"Os salários têm vindo a subir, muito por causa dos sucessivos aumentos que têm sido implementados ao nível da remuneração mínima. As empresas reconhecem a necessidade de pagar mais aos trabalhadores, mas alertam que esse reforço da retribuição mensal precisa de estar alinhado com a produtividade. E não é isso que está a acontecer."

Muitas vezes fico com a impressão de que as empresas e as suas associações julgam que o aumento da produtividade tem de ser resultado do trabalho do governo de turno.

É a diferença entre subir na escala de valor e andar a correr atrás do jogo do gato e do rato


Tratados como Figos (Parte II e 3/4)

Parte I, parte II e parte (II e 1/2).

Eu bem quero avançar para a parte III, para descrever a composição em concreto da oferta da Matsukawa Rapyarn. Contudo, outras prioridades impõem-se.

O Jornal de Negócios publicou "Espanhola Nextil prestes a fechar compra de três têxteis em Portugal" o que despertou a minha curiosidade. Uma empresa têxtil espanhola quer comprar empresas em Portugal? Qual o segredo para o seu sucesso? Sobretudo agora que tantas empresas fecham.

A empresa tem origem em 1954, quando a Dogi abriu a primeira fábrica em El Masnou (Barcelona). Ao longo dos anos operou como Dogi International Fabrics, S.A., especializada no fabrico de tecidos elásticos para lingerie, swimwear e sportswear. Em meados da década de 2010, a marca alterou o nome para Nextil / Nueva Expresión Textil como parte de uma reestruturação estratégica e reorientação do negócio. 

Em 2009, a Dogi entrou em suspensão de pagamentos na sua parte espanhola, com dívidas substanciais, o que forçou uma recapitalização para garantir a continuidade da operação. 

A partir dessa crise, a empresa passou por uma profunda reestruturação:

  • Passou por uma reorganização dos negócios, focando-se nas unidades mais rentáveis e desinvestindo ou fechando as menos eficientes.
  • Transferiu a sua sede da Catalunha para Madrid em 2017, num contexto de instabilidade política catalã, alegando também optimização operacional e relações com investidores.
  • Unificou produção espanhola das unidades Dogi e Ritex em El Masnou, no novo centro que opera como NEFE (Nextil Elastic Fabrics Europe).
  • Em tempos mais recentes, sob nova liderança (César Revenga desde 2023), a Nextil conseguiu reverter prejuízos, reduzir dívidas e retomar a rentabilidade
  • A empresa está a expandir-se internacionalmente, com operações na Guatemala e crescente presença em Portugal para produção de vestuário de luxo.

Qual o modelo de negócio e posicionamento?

  • A Nextil opera hoje de modo verticalizado: desde o design do tecido até à confecção da peça.

  • Tem várias divisões de produto: luxo, desporto, banho, íntima e médica. Ou seja, nichos.

  • Nos seus objectivos estratégicos está a aposta na sustentabilidade e inovação, certificações como OEKO-TEX, GOTS, entre outras, e desenvolvimento de tinturaria sustentável (Greendyes) como diferencial.

Desafios actuais e oportunidades

  • A Nextil, como muitos grupos têxteis europeus, enfrenta forte concorrência global, especialmente da Ásia, onde os custos de produção podem ser muito mais baixos. Para contrabalançar, ela aposta em nichos de valor acrescentado, luxo e têxteis técnicos

  • Recentemente a empresa alcançou lucro após anos de perdas, o que indica que a reestruturação está a dar resultados.

  • Ambiciona atingir mais de 100 milhões de euros de facturação até 2026, diversificando produção fora de Espanha e focando-se em mercados estratégicos como os EUA.

  • Um ponto crítico será manter competitividade frente à pressão de custo, sem perder o foco em inovação, sustentabilidade e diferenciação.

A metamorfose da Dogi em Nextil mostra o dilema de muitas empresas têxteis europeias: a concorrência asiática empurra para baixo os preços, e a única saída viável é subir na cadeia de valor, apostando em inovação, sustentabilidade e especialização. É um percurso arriscado, cheio de contradições, mas inevitável se a indústria quiser sobreviver fora da lógica da simples competição por custo.

BTW, até sou capaz de imaginar uma ou duas destas empresas que a Nextil quer comprar.

Na parte III vamos ver o que faz a Matsukawa Rapyarn em concreto.

Na parte IV vamos fazer a comparação entre Portugal e o Japão.

terça-feira, outubro 07, 2025

Curiosidade do dia

"Germany has proposed raising the retirement age to 73 to prevent the collapse of the pension system."

Com tantos imigrantes recebidos, os alemães não conseguiram evitar aquilo que o BdP diz que salvará a SS portuguesa. BTW, o governo de Espanha, outro país que recebeu muitos imigrantes, só este ano teve de injectar 40 mil milhões de euros na SS.

Acho estranho que só a Dinamarca, os Países Baixos e a Alemanha, países que tradicionalmente não sabem fazer contas, apresentem saldos negativos da segurança social com os imigrantes.  

Parece que Mongo deixou de ser uma metáfora e tornou-se realidade


Há muitos anos que escrevo sobre Mongo, uma metáfora acerca da economia do futuro:
"As American shoppers buy less packaged foods, Big Food has leaned on a familiar excuse: It's the economy, stupid. True, inflation has forced some families to trade down to cheaper store brands, and stagnant wages have squeezed household budgets.

That explanation misses a crucial shift: middle- and high-income Americans are still splurging, just not on legacy labels. Their dollars are flowing to niche names with more cultural cachet, from fancy new protein bars to chewier candy. 

So-called insurgent brands now capture a wildly disproportionate share of growth. Though they make up less than 2% of food, beverage and household products, they drove nearly 39% of incremental category gains in 2024—more than double their share the year before, Bain & Co. research shows."

"They are losing budget-conscious noppers to private labels on price, and more-affluent ones to challengers on quality. Total food sales returned to growth in 2024, yet large-cap food makers' volumes are still falling,

...

Upstarts are grabbing share through nimble marketing, rapid product rollouts and the focus of having fewer things to sell.

...

Now more than ever, disruption is being accelerated by technological progress and eroding barriers to entry. Online retailers such as Amazon.com give small brands distribution without costly shelf space. Social media and influencers amplify founder-led stories for a fraction of the price of TV ads.

Lean teams also mean speed. A promotional decision that might take a mature brand six weeks "can take less than 10 minutes for an insurgent brand,"

Parece que Mongo deixou de ser uma metáfora e tornou-se realidade, e a batalha entre Big Food e insurgent brands é apenas mais uma prova disso.

As grandes empresas — Big Food — representam o modelo da homogeneização, da escala, do produto de massa para todos. Mas a realidade actual é Mongo: consumidores fragmentados, com gostos diferentes, identidades culturais variadas e disponibilidade para gastar em produtos que estejam alinhados directamente com os seus valores e estilos de vida.

Trechos retirados de "Startups Are Eating Big Food's Lunch" publicado no WSJ de 6 de Outubro.

segunda-feira, outubro 06, 2025

Curiosidade do dia


"For decades Europe did fine with its incremental-but-likely-topay-off innovation model. Century-old firms show there is still money to be made in developing a slightly better tyre or a faster train. But in recent years the rewards flowing to companies making bold bets have ballooned. Tech firms that pursued disruptive innovation have turned into trillion-dollar behemoths. None of them is in Europe. Nvidia, an American chipmaker, is worth more than the European Union's 20 biggest listed firms combined. Some of that may be a bubble whose popping may splatter American business. But lacking companies in such superstar sectors is one reason why output per hour worked by Europeans has slumped in comparison with America in recent decades." 

Trecho retirado de "How to crush innovation" publicado na revista The Economist do passado dia 4 de Outubro.

O artigo compara as diferenças entre a forma como empresas americanas e europeias lidam com despedimentos e reestruturações. Nos Estados Unidos, o processo é rápido, directo e com menor protecção social; já na Europa, é complexo, mediado por sindicatos, regulamentos e custos elevados. Essa dificuldade de despedir trabalhadores na Europa, apesar de parecer protectora, tem implicações negativas: reduz a atractividade de investimentos arriscados, dificulta a inovação e torna as empresas menos competitivas face às americanas.

""When firing is costly, as it is in most of Europe, employers are reluctant to invest in risky ventures," says Olivier Coste, a former EU official turned tech entrepreneur. Alongside Yann Coatanlem, another entrepreneur and economist, they have tracked the (often opaque) costs of corporate restructurings. An American firm shedding workers will incur costs equivalent to paying those sacked for seven months and be done with it. In Germany costs amount to 31 months of wages for each employee let go; in France 38 months. Beyond severance pay and sops to keep unions happy, the biggest expense is firms keeping unproductive workers on their books they would rather be rid of. New investments are delayed for years as dismissed employees are gradually replaced. American firms quickly pivot to new moon-shot opportunities; Europeans ones are stuck in the same old mire as they haggle with unions, due often to laws devised nearly a century ago."

Conhecemos as árvores pelos frutos. 

Tratados como Figos (parte II e meio)



Parte I e parte II.

No caderno de Economia do semanário Expresso deste fim de semana li o artigo ""A bola de neve ainda só está a começar a rolar.""

O artigo começa com uma extensa lista de encerramentos e falências no sector têxtil:

"A par da falência de pequenas texteis, como a Leansofi, Protagonist Cotton, Quimera, Linolito, Cleverfil, Summer Gather, Rosa Maria Batista Confeções e RS Bobinagem de Fios Têxteis (muitas delas com menos de 50 trabalhadores), grandes grupos, como a Polopiqué e a J. F. Almeida, enfrentam reestruturações. A Confiberica fechou na semana passada, a Têxtil André Amaral e a Storia di Moda K acabam de apresentar pedidos de PER, a Bedex foi alvo de um pedido de despejo. Na StampDyeing, na Pamtext e na Passos os trabalhadores encontraram as portas fechadas no regresso de férias. No Parlamento, o PCP denunciou pagamentos feitos com atraso na Tearfil e na Somelos e, no retalho, a Classe e Distinção (Mike Davis) entrou em PER com créditos de €17,5 milhões. Em 2025, segundo um levantamento feito pelo Expresso, já foram publicadas no portal Citius oito listas de credores da fileira têxtil, com montantes por pagar que ascendem a €190 milhões (dois desses processos são PER iniciados já em dezembro de 2024)."

Depois há três trechos que gostava de comentar aqui. Primeiro:

"As exportações têxteis ainda estão equilibradas, com uma queda de apenas 0,1% nos primeiros sete meses do ano, para €3,58 mil milhões, mas este "é um movimento em crescendo no Norte do país"."

Este trecho faz-me recuar a um gráfico que fiz em 2013 e que voltei a comentar em 2021:


 Então, comparava as exportações de 2012 com as de 2006. O valor era o mesmo, mas enquanto que em 2006 existiam 8000 empresas, em 2012 já só existiam 5000 empresas. E a evolução continua, o que é bom, significa mais produtividade: menos empresas e menos trabalhadores exportam o mesmo. Não porque cada empresa ou trabalhador produza mais unidades, mas porque produz unidades com maior valor acrescentado. Entretanto, aqui temos dados da evolução recente, não dos exportadores, mas do sector do ITV como um todo. Confesso que não estava a par do aumento do número de trabalhadores no sector entre 2013 e 2028. 

Segundo:

"Apesar de o número de desempregados estar a engordar, "as dificuldades em contratar continuam e há muitos empresários a queixar-se disso mesmo", comenta César Araújo, presidente da ANIVEC"

Estima-se que desde o Verão já se tenham perdido mais de mil postos de trabalho. E, no entanto, os empresários continuam a dizer que não conseguem contratar mão de obra. Como explicar esta contradição?

A resposta não é moral — não é porque os patrões sejam “sovinas”. A raiz é estrutural: o negócio não gera margens suficientes para pagar salários que garantam uma vida digna. O sector compete no espaço da comoditização, onde os preços são ditados por cadeias globais de fast fashion, e onde países como Marrocos, Turquia ou Bangladesh conseguem sempre oferecer custos mais baixos. Na documentação oficial das associações do sector não é isso que aparece. Por exemplo, no documento que linko acima pode ler-se "estratégia assente na inovação, qualidade e internacionalização, competindo através do seu valor e diferenciação." No entanto, vejam o dicurso do presidente da ANIVEC no terceiro trecho que cito mais abaixo

O dilema é antigo e está bem descrito na metáfora dos Flying Geese: os países mais avançados abandonam gradualmente os sectores de baixo valor acrescentado, que são ocupados por outros países em fase de desenvolvimento. O Japão já passou por isso: nos anos 1950 era campeão mundial do têxtil; hoje, restam apenas nichos altamente especializados e inovadores.

Em Portugal, repetimos o padrão:

As empresas que não conseguem subir na escala de valor fecham.

As que sobrevivem são mais pequenas, mais tecnológicas, mais diferenciadas, mas empregam muito menos gente. Estatisticamente, a produtividade média sobe, mas à custa de milhares de empregos perdidos.

Por isso, quando os empresários dizem que não conseguem contratar, o que querem dizer é que não conseguem pagar o suficiente para atrair trabalhadores num mercado onde existem alternativas. Tal como escrevi: “Por que é que um motorista de autocarro em Oslo ganha muito mais do que no Porto a fazer exactamente o mesmo? Porque, se não ganhasse mais, ninguém quereria ser motorista”

Não podemos ter ao mesmo tempo preços de Marrocos e salários de Alemanha. A única saída possível é anichar, diferenciar, subir na escala de valor. Sem isso, o sector continuará a definhar, como um fóssil vivo — resistente, mas cada vez mais deslocado numa sociedade que exige produtividade e rendibilidade.

Terceiro:

"comenta César Araújo, presidente da ANIVEC, certo de que, mais do que as tarifas de Donald Trump sobre a importação de bens, o quadro atual reflete a abertura da Europa à concorrência desleal de produtos asiáticos."

Recordo o que escrevi aqui em 2010 relativamente ao director-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal: "Arrepiante"

Na parte III vamos ver o que faz a Matsukawa Rapyarn em concreto.

Na parte IV vamos fazer a comparação entre Portugal e o Japão.

domingo, outubro 05, 2025

Curiosidade do dia

Na ISO 9001 de 2015, a cláusula 6.3 (Planeamento das alterações) era quase um lembrete de bom senso: “tenham cuidado para não estragar o que já funciona quando mexem no sistema”. Até aqui, nada de novo, quase como dizer a uma criança para não correr com a tesoura na mão.

Mas eis que chega agora a ISO/DIS 9001:2025 e a conversa fica mais séria. Agora não basta planear para que nada corra mal; é preciso pensar como se fosse um mini manual de gestão da mudança. Três palavrinhas ganham protagonismo: eficácia, comunicação e revisão. Traduzindo: não chega lançar a mudança — é preciso definir como se vai medir o sucesso, explicar às pessoas o que vai acontecer e, pasmem-se, voltar atrás para ver se correu bem e aprender com isso.

E se aplicássemos isto ao caso português da política de habitação, tão falada durante os anos de António Costa e da ministra Marina Gonçalves? A ideia do Mais Habitação era nobre: casas mais acessíveis, menos especulação, mais oferta pública. Mas, seguindo a lógica da ISO 9001:2015, o governo limitou-se a desenhar medidas, passar leis e distribuir responsabilidades. Cumpriu o guião.

Já pela lente da DIS 9001:2025, a coisa teria sido diferente:
  • Eficácia: antes de lançar o pacote, teria sido obrigatório dizer como se ia medir o sucesso. Número de casas acessíveis em cinco anos? Redução do preço médio das rendas em Lisboa e Porto? Sem estes indicadores, o risco é cair na tentação de dizer “a política está a funcionar” apenas porque existe.
  • Comunicação: em vez de anúncios apressados e respostas defensivas, teria sido preciso explicar antecipadamente aos investidores que incentivos iriam ter, aos municípios como encaixar isto nos seus planos locais e aos cidadãos que milagres instantâneos não existem.
  • Revisão: aqui é onde dói. A revisão, tal como a ISO a pede, teria de ser estruturada: ao fim de X, avaliar o que resultou, o que falhou, e corrigir o rumo. Em vez disso, o que tivemos foi uma espécie de “revisão pública” em directo nos telejornais, alimentada pelo descontentamento geral.
Resultado? O que era para aumentar a oferta acabou por desmotivar o investimento privado, os preços continuaram a subir e a confiança no programa foi-se desmoronando. Em linguagem ISO: falhou a eficácia, falhou a comunicação e falhou a revisão.

Moral da história? A ISO/DIS 9001:2025 acaba por ser quase uma lição prática para governos: não basta aprovar medidas, é preciso planear com rigor, medir com clareza e aprender com humildade. Se a cláusula 6.3 tivesse sido levada a sério em São Bento, talvez o Mais Habitação tivesse sido “mais” do que o nome prometia.

Como não recuar a 2007? Ou, 😬, 2006? Sim, 2006!

Ousar reinventar-se

Quando olhamos para o contexto actual que molda o desempenho das PME exportadoras portuguesas, deparamo-nos com um conjunto de factores internos e externos que não pode ser ignorado.

Internamente, destacam-se a dificuldade crescente em contratar trabalhadores e a pressão permanente de margens estreitas. Externamente, a lista é mais extensa e, diria, mais pesada:

  • Aumenta a dificuldade em exportar para os Estados Unidos;
  • Intensifica-se a pressão das empresas chinesas que procuram escoar noutros mercados o que deixaram de vender nos Estados Unidos;
  • Reforça-se a concorrência vinda de Marrocos e da Turquia; 
  • Agravam-se os custos das matérias-primas e da energia.

Tudo isto, e muito mais, cria um caldo propício ao desequilíbrio. O que funcionava até há pouco tempo em termos de modelo de negócio provavelmente já deixou de funcionar.

Perante este cenário, muitas lideranças decidem apostar na melhoria da eficiência, procurando preservar quota de mercado, rentabilizar e resistir a choques externos. 

A figura clássica que ilustra a evolução previsível de vendas e margens mostra exactamente isso: apostar apenas na eficiência é prolongar uma vida empresarial cada vez mais limitada, com cada vez menos graus de liberdade.

Qual o meu conselho? Subir na escala de valor!

Recentemente, li um artigo dedicado a empresas tecnológicas, mas que considero plenamente aplicável às PME: "Winning through the turns: How smart companies can thrive amid uncertainty":

""Where to play"— that is, the choice of which markets to compete in-—may be the most important decision a company can make. This is not a one-time decision; instead, it requires constant review and proactive action in response to changing circumstances. For example, in response to growing geopolitical risks and uncertainty, companies in industrials and electronics manufacturing industries are poised to reposition their portfolios to drive resilience and growth.

Our research shows that companies that "switch lanes," seeking opportunities in industry segments with higher momentum, delivered more than double the returns of companies that remained in their existing niches over the past decade. However, making such a switch is a bold move, which perhaps explains why fewer than 10 percent of companies opt to do so."

A lição é clara: permanecer apenas no "nicho conhecido" pode ser cómodo, mas é arriscado. O futuro pertence a quem ousa reposicionar-se, reinventar portfólios e explorar sectores com maior dinamismo.

E na sua empresa? Já pensou em como subir na escala de valor e reposicionar o seu negócio para não apenas resistir, mas prosperar?


sábado, outubro 04, 2025

Curiosidade do dia


Quase todos os dias, o FT traz novas notícias sobre empresas e instituições vítimas de ataques informáticos. Já não é um tema de futuro ou de especialistas: é uma realidade que afecta a economia mundial em toda a linha.

O caso mais recente é o da Asahi, gigante japonesa da indústria de bebidas, obrigada a parar produção devido a um ataque de ransomware. Mas a lista é longa e crescente:
  • A Jaguar Land Rover (JLR) sofreu um ataque que implicou milhões de libras em prejuízos e paragens na produção, com repercussões brutais na cadeia de fornecedores;
  • Hospitais em vários países tiveram de cancelar cirurgias e consultas, colocando em risco a saúde de doentes;
  • Escolas e universidades ficaram com sistemas bloqueados, impedindo aulas e o acesso a informação crítica;
  • Empresas de logística e transporte viram cadeias de abastecimento interrompidas;
  • No sector público, municípios e organismos governamentais têm enfrentado sequestro de dados e roubo de informação sensível.
Estes episódios mostram que a cibersegurança deixou de ser um tema reservado ao departamento de informática. É hoje uma questão de continuidade de negócio, reputação e confiança. Um ataque pode parar fábricas, afectar clientes e fornecedores, expor dados de cidadãos e, em alguns casos, comprometer vidas humanas.

O desafio para as organizações — públicas e privadas, grandes e pequenas — é encarar a cibersegurança não como custo, mas como investimento vital, tão necessário como o seguro de incêndio ou a manutenção das instalações. Exige cultura de prevenção, planos de resposta, formação dos colaboradores e uma governação clara de riscos digitais.

A pergunta é: a sua organização já está preparada para o inevitável?

P.S. - Agora parece que a Renault também foi atacada e roubados dados dos clientes.

Um fóssil vivo?

Na passada sexta-feira fui interpelado por um artigo, "Taiwan's Screws Helped America Build. Then Came Trump's Tariffs.", publicado no NYT. 

Sei que o Trump tem as costas largas, mas especulo que haja mais do que isso. É fácil arranjar um inimigo externo para desculpar o resultado das nossas acções ou omissões.

O artigo começa assim:

"Taiwan is world famous for making semiconductors and electronics. Its factories have mastered the intricate work of etching circuits onto silicon, churning out most of the world's supply of advanced computer chips.

The island is also a major source of another essential and often invisible component of everyday objects: screws. And most go to the United States, where they are used to build airports, backyard decks and bathroom cabinets.

Now, President Trump's 50 percent tariffs on steel and aluminum, which took effect in June, have left Taiwanese screw makers wondering how their businesses will survive the next few months. For the United States, Taiwan has been the No. 1 source of screws and metal fasteners like nuts and bolts for more than three decades, with China gaining ground as the second largest."

 Mais à frente leio:

"But since the steel tariffs took effect, Sheh Fung's orders have been down nearly 20 percent compared with the same time last year.

"Everything is in pause mode," Mr. Chen said. "A lot of our customers said, 'We'll see, but then we didn't receive many orders."

In August, Taiwan's exports of tech products like chips and artificial intelligence servers jumped more than 50 percent from last year as companies front-loaded shipments ahead of possible price increases. But nontech exports like screws slumped nearly 6 percent.

In addition to Mr. Trump's tariffs, a problem for exporters like Sheh Fung is the surge in Taiwan's currency. It has appreciated sharply against the U.S. dollar this year, a disadvantage for an export-driven economy.

...

Taiwanese manufacturers are also facing intense competition from screw makers in China. Lu Chu Shin Yee, one of Taiwan's largest screw companies, has been making steel products since 1965. Today, the company makes screws used in specialized applications like subway cars, high-speed trains and exhaust fans in data centers.[Moi ici: Cá está a tal subida na escala de valor]

Chinese companies often quote prices that are 30 to 50 percent lower than Taiwanese screw makers', [Moi ici: Cá está, não é tudo o Trump] said Karl Tsai, 61, the general manager of Lu Chu Shin Yee and son of the company's founder.

Taiwan's screw makers have faced mounting pressure from Chinese competitors for more than a decade. But the combination of Mr. Trump's tariffs and the currency appreciation has forced the industry to a tipping point. Profit margins are thinner for screw makers than computer chip makers. And factory owners said they also compete with Taiwan's chip sector for government support and workers."[Moi ici: A propósito da competição por trabalhadores recordo este artigo de Setembro de 2023 sobre o impacte de uma fábrica nova da TSMC numa região do Japão.]

Na minha ignorância pensava que este sector já não existia em Taiwan. Depois de uma primeira leitura veio-me à mente de estar perante um fóssil vivo. 

A indústria de parafusos e fixadores em Taiwan é, de certa forma, um fóssil vivo. Foi crítica durante décadas, um símbolo da capacidade industrial de base, mas hoje é um sector que enfrenta três pressões enormes:

  • Valor acrescentado limitado - ao contrário dos semicondutores, onde Taiwan lidera com inovação e margens elevadas, os parafusos são um produto comoditizado, com pouca diferenciação. As margens são finíssimas e vulneráveis a qualquer variação de custos (energia, matérias-primas, salários).
  • Concorrência feroz - a China e outros países conseguem oferecer preços 30 a 50 % mais baixos, com a mesma qualidade suficiente para a maioria dos clientes. Isto corrói a posição competitiva de Taiwan.
  • Mudança estrutural da economia - Taiwan já se projecta globalmente como hub de alta tecnologia (chips, IA, biotecnologia). Nesse contexto, uma indústria de baixo valor acrescentado parece deslocada, tanto pela percepção social como pela capacidade de atrair talento (trabalhar o aço inoxidável é mais duro e menos atractivo do que trabalhar numa "chip plant").

Ainda assim, chamar-lhe apenas um fóssil pode ser injusto. Esta indústria ainda emprega cerca de 1 em cada 8 pessoas em certas regiões, é parte de uma cadeia de fornecimento global e tem empresas que inovaram em nichos especializados (aplicações para comboios de alta velocidade, data centers, construção). O desafio é que não gera o tipo de produtividade e rendibilidade que uma sociedade avançada procura.

Em suma, é uma indústria que sustentou o milagre económico de Taiwan, mas que hoje enfrenta a questão existencial que muitas economias maduras enfrentam: manter sectores tradicionais como âncora social e de emprego, ou aceitar o seu declínio em nome da subida na escala de valor. OK, declínio pode não ser a melhor palavra. Talvez, ou aceitar o seu encolhimento em nome da subida na escala de valor.

Por que é que um motorista de autocarro em Oslo ganha muito mais do que no Porto a fazer exactamente o mesmo? Porque se não ganhasse mais, ninguém quereria ser motorista, escolheria outra profissão. 

sexta-feira, outubro 03, 2025

Curiosidade do dia

Tradicionalmente, os fornecedores Tier 1 e Tier 2 de peças auto (componentes como travões, sistemas eléctricos, interiores, etc.) eram até mais rentáveis do que muitos fabricantes automóveis (OEMs), porque:

  • Produziam em escala global para várias marcas (diluindo risco).
  • Tinham especialização técnica que lhes permitia margens elevadas.
  • Os OEMs transferiam custos e riscos de produção para a cadeia de fornecedores.

Mas hoje o cenário mudou e muitos fabricantes de peças estão "a passar um mau bocado". A transição para os veículos eléctricos está a colocar uma pressão enorme sobre empresas que dependem de componentes ligados aos motores de combustão, como caixas de velocidade, sistemas de escape ou bombas, que estão a perder relevância. Para se adaptarem, são necessários investimentos pesados em novas tecnologias, baterias, eletrónica de potência, software, mas muitos destes fornecedores não dispõem do capital suficiente para os suportar.

Ao mesmo tempo, os grandes fabricantes automóveis, como a Volkswagen, a Stellantis ou a Toyota, exigem cortes agressivos de custos para manter a sua própria competitividade. Isso estreita ainda mais as margens dos fornecedores, que veem os custos de inovação subir enquanto o espaço para rentabilidade diminui.

A isto juntam-se os choques económicos e a inflação: os preços da energia, das matérias-primas e da mão de obra dispararam, e muitas vezes não é possível repercutir esses aumentos em contratos já assinados. Além disso, grande parte dos grupos de peças cresceu por fusões e aquisições e com a subida das taxas de juro a dívida tornou-se insustentável.

Ontem no FT, "First Brands leaves trail of woe on Wall Street." O artigo relata o colapso repentino do grupo norte-americano First Brands, fornecedor de peças automóveis, que entrou em Chapter 11 nos EUA. A falência expôs credores, investidores e fundos que haviam apostado na empresa, gerando potenciais perdas de milhares de milhões de dólares.

Na Alemanha a chacina continua: German car suppliers are falling like dominoes - who is next? (Recordar os cortes na Continental e na Bosch)

É o fm de uma era ...

Tratados como Figos (parte II)

Parte I.

Como é que uma empresa têxtil consegue operar no Japão? Olhemos para a imagem do Flying Geese:


O Japão é o país A. Em 1950 era o maior exportador mundial de têxteis.

Nas décadas de 1950 e 1960, o Japão tornou-se o maior exportador mundial de têxteis, empregando mais de 1,3 milhão de trabalhadores em dezenas de milhares de fábricas. A proposta de valor era simples e directa: produção em massa a baixo custo, assente no algodão, na seda e, cada vez mais, em fibras sintéticas como o nylon e o poliéster. O grande objectivo era exportar para os Estados Unidos e para a Europa, ao mesmo tempo que o consumo interno aumentava com a prosperidade do pós-guerra.

Nos anos 1970 e 1980, o sector entrou em fase de maturidade, com cerca de 60 mil empresas e 1,1 milhão de trabalhadores. Perante a concorrência crescente da Coreia do Sul e de Taiwan, o Japão reposicionou-se: deixou de apostar apenas no volume e procurou competir pela qualidade e pela diferenciação. Investiu em fibras químicas e tecidos técnicos, manteve a liderança em inovação, mas começou a sentir o peso das restrições comerciais impostas pelo Ocidente. Uma Nota: O "ataque" às empresas do sector têxtil é feito em duas frentes: a externa com a concorrência de países mais baratos; e a interna com a concorrência de outros sectores para "roubar" trabalhadores. E esse é o significado da evolução horizontal para cada país no esquema dos Flying Geese. A concorrência internacional não permite a um sector acompanhar os outros nos salários porque não consegue aumentos de produtividade que os sustentem. O sector encolhe porque perde mercado com a concorrência internacional e porque perde trabalhadores.

A partir da década de 1990, com o colapso da bolha económica e a aceleração da globalização, o sector entrou em crise profunda. O número de trabalhadores caiu para 600 mil em 1999 e para menos de 250 mil em 2015. A maior parte da produção em massa foi deslocalizada para outros países da Ásia, e o Japão passou a ser importador líquido de vestuário. Para sobreviver, as empresas que resistiram tiveram de apostar em produtos de alto valor acrescentado: fibras especiais, tecidos antirugas, têxteis técnicos para o automóvel e para a medicina, bem como nichos da moda de luxo.

Hoje, o sector representa cerca de 3,5 mil milhões de ienes (dados de 2015), com cerca de 15 mil empresas e aproximadamente 250 mil trabalhadores, (segundo o Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão existem cerca de 9,4 mil empresas fabricantes de vestuário e cerca de 5,2 mil fabricantes de tecidos e fibras). A proposta de valor assenta na inovação tecnológica, mas também na tradição e na sustentabilidade. O Japão é uma referência em fibras de alta performance — poliéster avançado, fibra de carbono, nanofibras, têxteis inteligentes — e, ao mesmo tempo, valoriza a sua herança cultural, com o renascimento de tecidos artesanais e a reinvenção do quimono como peça de design.

Em poucas décadas, o Japão passou de campeão da produção em massa nos anos 1950 para especialista em inovação e tradição no século XXI. Perdeu escala, mas manteve relevância mundial graças à tecnologia, à qualidade e à diferenciação.

Em linha com o que escrevo aqui há anos: anichar, anichar, anichar.

Se recordarmos o que escrevi recentemente sobre a evolução do têxtil em Portugal, Se unirmos os pontos que imagem aparece?

Na parte III vamos ver o que faz a Matsukawa Rapyarn em concreto.

Na parte IV vamos fazer a comparação entre Portugal e o Japão.

 

quinta-feira, outubro 02, 2025

Curiosidade do dia

Em Agosto de 1978, mês em que João Paulo I foi eleito papa, de férias na Figueira da Foz, comprei um livro sobre o tema que o Canal História transmite sob o título de "Alienígenas." Na contracapa trazia uma frase que nunca mais me largou:

"Não há acasos, todas as coincidências são significativas!"

Vejamos uma coincidência: No FT de hoje um artigo sobre o excesso de turismo no Japão, "Why Japan resents its tourism boom", e no NYT International de ontem, mas lido hoje, um outro artigo sobre o excesso de turismo na Islândia, "Iceland grapples with being on tourists' maps".

O Japão tem registado números recorde de visitantes, criando superlotação em pontos turísticos e problemas para residentes.

"Annual foreign visitor arrivals to Japan have surged from just 6.7mn in 2005 to nearly 37mn in 2024. This year is likely to set another record.
...
The government has set a target of 60mn annual visitors by 2030, implying an increase of roughly 50 per cent from current numbers."

O artigo refere os impactes negativos: Trânsito, aumento do custo de vida, barulho, lixo, degradação de sítios culturais e sensação de perda de qualidade de vida para os habitantes.

Os especialistas alertam que, sem regulação e planeamento, os efeitos negativos do turismo de massa podem ultrapassar os benefícios económicos.

"Abe acknowledges that employment and consumption are increasing and that the boom is economically positive. "But in certain parts of Kyoto, the very existence of tourism feels negative," he adds. "The number of hotels has increased so sharply that rents have risen and people cannot live there, and there is no real sense that the lives of Kyoto residents are improving.

"If we just keep pushing forward with tourism for the sake of its economic benefits, the downsides will just become more and more obvious," he concludes."

Acerca da Islândia, o artigo refere a explosão turística recente: a Islândia tornou-se um destino popular em pouco tempo, impulsionada por redes sociais e cruzeiros.

"Fifteen years have passed since Eyjafjallajokull's seismic eruption - and tourists have flooded in. In 2024, Iceland received about 2.3 million foreign overnight visitors, up from fewer than 500,000 in 2010."

O turismo é hoje uma das principais fontes de receita da economia islandesa.

"Tourism now accounts for nearly 9 per cent of Iceland’s GDP, making it one of the country’s most important industries."

O artigo refere os impactes negativos: aumento do preço da habitação, substituição de casas tradicionais por alojamentos turísticos, pressão sobre serviços e infraestruturas. Vilas pequenas, como Vik, deixam de ser comunidades agrícolas para se tornarem locais turísticos, alterando o modo de vida local.

Os residentes reconhecem a importância do turismo, mas alertam para o risco de perder a essência cultural e a sustentabilidade do país.

Há um trecho que me faz lembrar o Porto:

"The city's main street is lined with colorful storefronts, many of which cater to tourists. Tiny troll dolls, horn-hatted Viking figurines and encased bits of volcanic rock were all for sale. Locals wryly call the seemingly identical stores "puffin shops" for their countless offerings related to the island's famous clown-faced birds."

Aquelas largas dezenas de lojas que vendem treta para turista como se fosse tradição (como aquela cena das sardinhas)

"As herd tourism is exacerbated by social media trends and massive cruise ships, its holistic impact is increasingly under the microscope.

"We have to really stop and think," said Katrin Anna Lund, a professor of geography and tourism, in her office at the University of Iceland. "What do we want to be offering?""

Japão, Islândia e Portugal estão a viver a mesma história em tempos diferentes. O turismo de massas, gostei daquele "herd tourism", começa por parecer uma benção económica, mas se não for gerido com visão de longo prazo, transforma-se em ameaça à identidade cultural e à qualidade de vida.

A questão central é a mesma que tantas vezes abordo noutros sectores: subir na escala de valor.

  • O turismo de volume, baseado em “quanto mais, melhor”, tem um tecto muito baixo e custos sociais elevados.

  • O turismo de valor, baseado em permanência, experiência autêntica, preservação cultural e ambiental, cria sustentabilidade económica e social.

Nem o Japão, nem a Islândia, nem Portugal podem manter o turismo como uma corrida apenas ao número de visitantes. É tempo de repensar o modelo: menos quantidade, mais qualidade. Só assim o turismo continuará a ser fonte de riqueza — sem destruir o tecido social e cultural que o torna atraente em primeiro lugar.

Não é apenas teoria económica, mas prática viva em plena guerra tecnológica


Ontem publiquei "As estratégias são como os iogurtes" onde recordei Beinhocker e a ideia de ver a economia como uma continuação da biologia, daí evolutionary economics.

Também ontem, mas no FT, o artigo "Ukraine drone makers race to outwit Russia" tem tudo a ver com evolutionary economics.

O artigo descreve como a Ucrânia está a desenvolver rapidamente drones interceptores de baixo custo para enfrentar os drones kamikaze russos (como os Shahed). A estratégia é criar soluções baratas, flexíveis e escaláveis, capazes de neutralizar ameaças em grande número, ao contrário dos sistemas ocidentais tradicionais, que são caros e pensados para alvos de maior altitude. Este movimento não só responde à guerra actual, como também serve de lição para os planeadores de defesa europeus, que podem ter de repensar as suas próprias estratégias de defesa aérea.
"Ukraine's multi-layer air defence model uses sophisticated missile systems... However, such systems are unsuited for dealing with the threat from large numbers... of relatively cheap, low-altitude and low-speed kamikaze drones such as the Geran-3 and Shahed-136 drones used by Russia." [Moi ici: Sistemas caros não são adequados contra drones russos baratos em massa, há necessidade de inovação acessível e rápida.]
"The bullet-shaped quadcopter is a drone killer, developed in a matter of months by Ukraine's defence technology sector. Kyiv is racing to produce thousands of such interceptors..." [Moi ici: Protótipos de baixo custo, desenvolvidos em meses, para enfrentar drones russos.]
"Ukrainian companies have been working on air defence drones for barely a year but already many are shifting to mass manufacture after having combat-tested new interceptors..." [Moi ici: Ciclo rápido de experimentação → teste em combate → melhoria → produção em escala.]
"Drone makers said Europe needed to learn lessons from Ukraine's rapid responses. 'The real problem is that you need at least a thousand flowers blooming and then let the best ones weed out, said Luke Snyder of Tytan Technologies."  [Moi ici: Lições para a Europa: incentivar diversidade de soluções e deixar a selecção natural actuar.]
''We are expanding production at a dramatic pace, said Alex Sirok of Wild Hornet... Serhiy Sternenko, an activist whose crowdfunding platform is financing drone output [Moi ici: Startups e crowdfunding aceleram inovação e produção, descentralizando esforços.]
Estas duas últimas citações fazem-me lembrar Baltimore em 1919 e o desenvolvimento do automóvel. Quando se vive no tempo dos pioneiros o que é preciso é variedade.

Na guerra dos drones na Ucrânia vemos, em tempo real, aquilo que Eric Beinhocker descreve como evolutionary economics:
  • Variedade: “Various technologies have been introduced…” → surgem múltiplos protótipos, cada um com a sua aposta.
  • Selecção: “‘You need at least a thousand flowers blooming and then let the best ones weed out.’” → algumas ideias funcionam, outras morrem.
  • Retenção: “Already many are shifting to mass manufacture after having combat-tested new interceptors…” → o que resulta é escalado e replicado.
  • Pressão selectiva: “Russia is increasingly using its cheap… Shaheds… Ukrainian companies are working on faster models.” → o inimigo força inovação constante.
  • Inovação descentralizada: “Another lesson is the need for constant iteration… that only start-ups can achieve quickly.” → startups lideram a adaptação veloz, outra vez Baltimore.
Um exemplo claro de como variation → selection → retention não é apenas teoria económica, mas prática viva em plena guerra tecnológica.

BTW, o FT tem publicado artigos sobre o tema dos drones e a guerra da Ucrânia com alguma frequência:

quarta-feira, outubro 01, 2025

Curiosidade do dia

Em Portugal, como em praticamente todo o mundo ocidental, existe um velho truque de engenharia estatística: manipular a composição dos cabazes de produtos e serviços que medem a inflação.

Cada vez que um produto sobe de preço demasiado depressa, substitui-se por outro considerado "equivalente". Cada vez que uma despesa das famílias se torna demasiado pesada, ajusta-se o peso que essa categoria tem no cabaz. Assim, a inflação “oficial” fica mais baixa e mais controlável.

Mas quem vive a economia não são os cabazes estatísticos, são as pessoas. E as pessoas sabem muito bem o que pagam ao final do mês. A inflação real não é a que vem nos comunicados do INE ou do Eurostat, é a que se sente quando se vai ao supermercado, quando chega a conta da eletricidade, ou quando o jantar de família passa a custar o dobro do que custava há poucos anos.

O Financial Times publicou hoje um artigo fascinante sobre o Japão que ilustra esta diferença entre inflação medida e inflação vivida. O jornalista Leo Lewis  em "You can read Japan's runes in the price of its prized curry and rice" conta como, num país onde a estatística oficial pode parecer abstracta, há um índice que chega directamente à pele das pessoas: o Curry Rice Price Index (CRPI).

Este índice acompanha o preço do prato caseiro mais popular do Japão — caril com arroz e carne. Quando o preço desse prato sobe, as famílias não precisam de ler relatórios do banco central: sentem-no de imediato no bolso e na mesa.

Em Julho, o CRPI mostrou que o custo de uma refeição de caril com arroz subiu 25% face ao ano anterior e 45% em dois anos. Mais do que números frios, isto significa menos conforto, menos lazer e menos margem para poupar. Significa que as famílias japonesas têm hoje 4,2% menos poder de compra real do que em 2019.

E aqui entra a parte curiosa: a subida do preço do caril e arroz no Japão tem impacte político e social. Quando a inflação é sentida no prato, cresce a insatisfação popular. Não há estatística oficial que esconda isto.

A lição é simples e universal: não subestimemos a escala da recalibração económica em curso. As estatísticas podem suavizar, mas a vida não mente.

Tal como no Japão, também em Portugal e no Ocidente, o preço das refeições simples, das contas da luz ou do gás, é que marcam a percepção de inflação. São esses indicadores “do quotidiano” que contam a história verdadeira da economia e da confiança social.


As estratégias são como os iogurtes

No Verão de 2007 li um livro que vai ficar para sempre comigo, "The Origin of Wealth" de Eric Beinhocker.

Num dos capítulos podemos ler sobre os ecossistemas de estratégias que constantemente emergem, desenvolvem-se, triunfam por algum tempo, para depois serem remetidos para um lugar secundário, podendo ou não voltar a emergir mais tarde. Nunca esqueço esta poesia:

“Likewise, we cannot say any single strategy in the Prisioner’s Dilemma ecology was a winner. .

Lindgren’s model showed that once in a while, a particular strategy would rise up, dominate the game for a while, have its day in the sun, and then inevitably be brought down by some innovative competitor. Sometimes, several strategies shared the limelight, battling for “market share” control of the game board, and then an outsider would come in and bring them all down. During other periods, two strategies working as a symbiotic pair would rise up together – but then if one got into trouble, both collapsed.”

“We discovered that there is no one best strategy; rather, the evolutionary process creates an ecosystem of strategies – an ecosystem that changes over time in Schumpeterian gales of creative destruction.”

As estratégias são como os iogurtes, têm um prazo de validade, resultam até deixarem de resultar.

Escrevo isto por causa de um artigo no FT do dia 30 de Setembro, "Drive-through coffee chains make rapid gains with a focus on speed"

Toda a gente conhece a cadeia de cafés Starbucks, o "third place", e os seus baristas. Actualmente, a Starbucks encontra-se numa fase de regressão, ainda que continue a ser o grande player no sector do café nos Estados Unidos. O artigo é sobre outros players, mais pequenos e em crescimento acelerado, mas que optam por estratégias completamente opostas à da Starbucks. Por isso, escrever lá em cima sobre ecossistema de estratégias, ou seja, sobre Mongo.

O modelo drive-thru está em forte expansão, especialmente após a pandemia, respondendo à procura por rapidez e praticidade. Os consumidores preferem não entrar nas lojas, dando prioridade ao serviço ágil directamente no automóvel. Cadeias como a 7 Brew e a Dutch Bros expandem-se rapidamente com recurso a lojas modulares de pequeno porte e foco quase exclusivo no drive-thru, abrindo centenas de pontos por ano e procurando preparar bebidas em menos de 90 segundos.

A Starbucks, ainda o maior operador do sector, aposta no modelo tradicional de loja física e na experiência de consumo no local, mas enfrenta a pressão de concorrentes mais pequenos e ágeis que praticam o drive-thru puro.

Os números mostram que redes como a Dutch Bros e a 7 Brew lideram as aberturas líquidas de lojas em 2024, enquanto a Starbucks apresenta um crescimento mais lento, já que menos de metade das suas lojas dispõe de drive-thru. O formato drive-thru domina a preferência dos consumidores: 59% dos norte-americanos que compram café utilizaram drive-thru em 2024 — o valor mais elevado alguma vez registado nos Estados Unidos.

O apelo dos novos concorrentes está no atendimento rápido, no ambiente animado, na breve interacção pessoal e em espaços com música alta e cultura jovial, o que distingue estas marcas face ao modelo da Starbucks de “terceiro lugar” para socialização.

O artigo conclui que este fenómeno está a transformar a paisagem do sector das cafeterias nos Estados Unidos e a atrair forte atenção de investidores.

O artigo ilustra as ideias de Beinhocker, não existe uma estratégia única e definitiva para “vencer”: as redes prosperam através de adaptações contínuas e de inovação face ao ambiente e à concorrência, o que reflecte o princípio de que sobreviver é, por si só, ser “ganhador” no momento, pois quem não se adapta fica para trás e desaparece.

É esta a lição que muitas empresas tendem a esquecer. As estratégias não são eternas — são como os iogurtes, têm um prazo de validade. Resultam… até deixarem de resultar. Por isso, em momentos de desequilíbrio, é fundamental parar, olhar e repensar. Não há vergonha em mudar de rumo; a vergonha está em ficar agarrado a um modelo gasto, a resmungar contra o mundo e a pedir protecção pública ao governo de plantão para mitigar os males de quem não evolui.

As empresas que prosperam não são as que se encastelam na segurança do passado, mas as que aceitam que a paisagem muda, que os clientes mudam, que o jogo competitivo muda — e que, se não mudarem também, o seu dia ao sol rapidamente se transformará em sombra.