Em Portugal, como em praticamente todo o mundo ocidental, existe um velho truque de engenharia estatística: manipular a composição dos cabazes de produtos e serviços que medem a inflação.
Cada vez que um produto sobe de preço demasiado depressa, substitui-se por outro considerado "equivalente". Cada vez que uma despesa das famílias se torna demasiado pesada, ajusta-se o peso que essa categoria tem no cabaz. Assim, a inflação “oficial” fica mais baixa e mais controlável.
Mas quem vive a economia não são os cabazes estatísticos, são as pessoas. E as pessoas sabem muito bem o que pagam ao final do mês. A inflação real não é a que vem nos comunicados do INE ou do Eurostat, é a que se sente quando se vai ao supermercado, quando chega a conta da eletricidade, ou quando o jantar de família passa a custar o dobro do que custava há poucos anos.
O Financial Times publicou hoje um artigo fascinante sobre o Japão que ilustra esta diferença entre inflação medida e inflação vivida. O jornalista Leo Lewis em "You can read Japan's runes in the price of its prized curry and rice" conta como, num país onde a estatística oficial pode parecer abstracta, há um índice que chega directamente à pele das pessoas: o Curry Rice Price Index (CRPI).
Este índice acompanha o preço do prato caseiro mais popular do Japão — caril com arroz e carne. Quando o preço desse prato sobe, as famílias não precisam de ler relatórios do banco central: sentem-no de imediato no bolso e na mesa.
Em Julho, o CRPI mostrou que o custo de uma refeição de caril com arroz subiu 25% face ao ano anterior e 45% em dois anos. Mais do que números frios, isto significa menos conforto, menos lazer e menos margem para poupar. Significa que as famílias japonesas têm hoje 4,2% menos poder de compra real do que em 2019.
E aqui entra a parte curiosa: a subida do preço do caril e arroz no Japão tem impacte político e social. Quando a inflação é sentida no prato, cresce a insatisfação popular. Não há estatística oficial que esconda isto.
A lição é simples e universal: não subestimemos a escala da recalibração económica em curso. As estatísticas podem suavizar, mas a vida não mente.
Tal como no Japão, também em Portugal e no Ocidente, o preço das refeições simples, das contas da luz ou do gás, é que marcam a percepção de inflação. São esses indicadores “do quotidiano” que contam a história verdadeira da economia e da confiança social.
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