Parte I.
Que estratégia seguimos (relacionado com a cláusula 5.2 da ISO 9001:2015, Política)
Meus caros, conseguem destilar numa frase simples o truque que a empresa segue para fazer sapatos, entregar a tempo e horas e ganhar dinheiro? A ISO 9001 está mais interessada em que a gestão de topo assuma publicamente dois compromissos (o de satisfazer os requisitos aplicáveis - de cientes, legais, ... - e o de melhorar continuamente o sistema de gestão), pessoalmente acho uma treta estes dois compromissos terem de estar escritos. Acredito que o importante é demonstrar que eles são praticados. O que eu gosto de ter no lugar daquilo a que a ISO 9001 chama de política é o que chamo de "Compromissos Estratégicos", um texto que responde de forma simples a duas perguntas:
- quem servimos? (quem são os clientes-alvo?)
- em que é que temos de ser mesmo bons para os conquistar e satisfazer?
Acho importante a primeira pergunta para clarificar que os clientes não são todos iguais e uma empresa não pode ter a veleidade de ser tudo para todos. Há grupos de clientes e outras partes interessadas com os quais podemos fazer a diferença, ser mais competitivos e rentáveis.
A política, os compromissos estratégicos, devem ser do conhecimento de todos os trabalhadores. Toda a gente deve saber como pode contribuir no seu posto de trabalho para o sucesso da empresa.
Já agora, se pesquisarem as políticas da qualidade de empresas certificadas tenham cuidado. A maioria não passa de treta, servem para auditor comer e pouco mais. Costumo propor o uso de um teste a que chamo o teste do corrector. Por exemplo, pesquisei no Google o termo "Política da qualidade" e seleccionei a primeira página com o nome de uma [
NÃO FAÇAM BATOTA! NÃO VEJAM O NOME DA EMPRESA ANTES DE TER TERMINADO O TESTE]
empresa conhecida. Em seguida, apliquei um corrector virtual e apaguei o nome da empresa:
Conseguem descobrir qual é o sector de actividade da empresa? Conseguem perceber qual é a orientação estratégica da organização? Preço? Serviço? Inovação?
Se lerem esta política da qualidade vão ver generalidades com as quais todos concordam, mas não vão encontrar nenhuma pista acerca do propósito e contexto da organização, nem acerca da sua orientação estratégica. E a alínea a) da cláusula 5.2 reza assim: "seja adequada ao propósito e e ao contexto da organização e suporte a sua orientação estratégica". Qual é o problema das generalidades? Generalidades não têm nada a ver com estratégia.
Há anos aprendi um teste super-simples. Pegar na descrição de uma estratégia (ou numa política da qualidade) e negar as afirmações que se fazem. Se as frases que resultarem forem estúpidas, então não se está perante uma estratégia. Estratégia é sobre fazer escolhas difíceis. Estratégia é escolher ser
pobre e com saúde ou, rico e doentio. Percebem a dor? Mais
aqui.
Por que dou importância a isto? Porque se queremos criar um sistema de gestão concentrado no que é importante para o negócio não podemos alicerçá-lo em conversa da treta.
Que objectivos queremos atingir (relacionado com a cláusula 6.2.1 da ISO 9001:2015, Objectivos da qualidade ...)
Por mais relevante que seja uma estratégia, não passa de conversa. Conversa bem intencionada, mas ainda assim conversa. Uma estratégia deve ser traduzida em, deve servir de enquadramento para desafios concretos de desempenho: objectivos do sistema de gestão ao mais alto nível.
Liguem os radares acerca do bullshitismo ao máximo. O que há mais por aí são objectivos da qualidade pueris, infantis mesmo, fáceis de cumprir mas que não aquecem ninguém. O nosso, vosso, sistema de gestão tem de se reger por outros parâmetros ponto. Temos de estabelecer objectivos de desempenho relevantes que façam realmente sentido para empresários de calçado no século XXI. E têm muito por onde escolher, por exemplo:
- Facturação, margens, rentabilidade
- Satisfação de clientes e outras partes interessadas, taxa de recompra, taxa de repetições, reclamações, nº de clientes novos
- Sucesso das feiras, cumprimento de prazos de entrega, nível de defeitos, produtividade física, desempenho de fornecedores e subcontratados
Se os modelos são criados por nós pode fazer sentido ter algo que meça o quão bons somos a criar modelos que caem no goto de quem escolhe e de quem compra.
Num sistema de gestão não é pecado não atingir todas as metas concretas associadas aos objectivos. Por isso, sejam exigentes ao definir as metas. Não digo que estabeleçam metas impossíveis de atingir mas metas que, para serem atingidas, obriguem a melhorar mesmo. Os objectivos não precisam de ser sempre os mesmos todos os anos nem precisamos de os melhorar todos os anos. Num ano podemos optar por melhorar a concepção de novos modelos, os defeitos e os prazos de entrega. E, no ano a seguir optar por melhorar os defeitos, a produtividade e o desempenho dos subcontratados.
O que vamos fazer para os atingir (relacionado com a cláusula 6.2.2 da ISO 9001:2015, ... e planeamento para os atingir)
Ainda ontem de manhã estive numa empresa que quer crescer a sua facturação em 10% em 2018. Olhámos para os resultados de 2016 e 2017 e percebemos uma coisa engraçada: em 2016 cresceu 4,6% e em 2017 cresceu 4,7%.
Escrevi numa folha de papel em cima da mesa:
Se queremos crescer 10% o que é que temos de fazer diferente? O que é que fazemos habitualmente e nos limita crescimento? O que é que ainda não fazemos e nos limita o crescimento?
A empresa de hoje gera os resultados de hoje de uma forma perfeitamente normal. Se queremos ter resultados diferentes num futuro desejado. Então, teremos de ter uma empresa diferente.
Que projectos, que iniciativas teremos de desenvolver e implementar para conseguir transformar a empresa de hoje na empresa do futuro desejado? Aqui, vamos usar uma técnica que uso há anos com bons resultados, usar a teoria das restrições, para desenhar o conteúdo dos planos de trabalho que nos permitirão transformar a empresa.
Numa segunda fase, quando formos para o segundo ciclo de desenvolvimento de objectivos e dos planos respectivos, iremos introduzir aqui mais duas cláusulas da norma a 6.1 sobre os riscos e oportunidades e a 6.3 sobre o planeamento das alterações.
Uma vez definidos os planos, uma vez atribuídos recursos e responsabilidades pela execução de cada um desses planos inicia-se a transformação da empresa.
Amanhã continuamos com a parte III. A minha mãe ainda diz: se queres que aconteça faz, se não queres que aconteça... manda.