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sexta-feira, setembro 19, 2025

Perguntas sem resposta

Encontrei a política da qualidade que se segue na internet. É de uma empresa certificada.

"A XXXXX está empenhada em disponibilizar produtos e serviços aos seus clientes, que não se restrinjam à satisfação das necessidades, mas superem as expectativas, enquadrados por uma rápida evolução tecnológica, exigências de mercado cada vez maiores e uma elevada competitividade.

Todos os requisitos legais, regulamentares e a melhoria contínua da eficácia do Sistema de Gestão de Qualidade são assegurados de acordo com a norma NP EN ISO 9001:2015.

Desta forma, destacamos alguns dos princípios da nossa Política da Qualidade:

• Existir uma interação permanente com o cliente e partes interessadas, de forma a antecipar e adequar as suas necessidades e expectativas mas também conhecer a sua opinião sobre a qualidade dos produtos e serviços fornecidos;

Assegurar junto dos nossos parceiros de negócio, relações de benefício mútuo no sentido de proporcionar um crescimento conjunto;

Existirem mecanismos de gestão adequados para garantir o funcionamento de um Sistema de Gestão de Qualidade e a sua contínua melhoria; e procurar sempre novas soluções que possibilitem reforçar a empresa, tanto ao nível organizacional como pessoal, com vista a cumprir os objetivos estratégicos traçados;

• Promover junto dos colaboradores a motivação e participação ativa nos processos, estímulo da capacidade de iniciativa, trabalho em equipa, responsabilização pelo fazer bem, a formação profissional e a elevada competência técnica e humana;

• Fomentar o desenvolvimento de atividades que permitam concretizar a política da qualidade e melhorar continuamente a eficácia do Sistema de Gestão de Qualidade."

Pergunto com sinceridade:

  • Cumpre os requisitos da ISO 9001:2015?
  • Qual a orientação estratégica desta organização?
  • Quais as escolhas difíceis que esta organização faz para servir os seus clientes?

Políticas que são "Mais vale ser risco e com saúde do que pobre e doentio" são o que há mais neste mundo, chamo-lhes políticas-catequese.

A origem da palavra decidir é elucidativa.

sexta-feira, maio 23, 2025

Atrasos? Ou Margens? O que realmente ameaça 400 mil empresas portuguesas

Um artigo recente da Executive Digest com base no European Payment Report 2025 da Intrum alerta: mais de 400 mil empresas portuguesas correm o risco de fechar nos próximos dois anos. A principal razão apontada? Atrasos nos pagamentos e incerteza política e económica.

Mas eis o paradoxo: Portugal apresenta a mais baixa taxa de atrasos de pagamento da Europa — apenas 10,6% das receitas são pagas com atraso. Acho estranho, estava à espera de um valor bem maior. Como é possível que sejamos simultaneamente o país com menor atraso e o que mais empresas em risco declara?

"Entre os fatores mais críticos está o problema persistente dos atrasos nos pagamentos. As PME, com margens mais estreitas e menor resistência financeira, são especialmente afetadas. Os atrasos no pagamento por parte dos clientes comprometem o fluxo de caixa, reduzem a liquidez e limitam a capacidade de investir, pagar salários e cumprir obrigações financeiras.

...

Em Portugal, as empresas estimam que, em média, 10,6% das suas receitas são pagas com atraso – o valor mais baixo entre todos os países analisados no estudo, o que demonstra um desempenho relativamente positivo. No entanto, apesar deste bom resultado, a persistência dos atrasos continua a ser uma preocupação para os decisores, que ponderam adotar uma postura mais firme sobre o tema."

A resposta não está nos atrasos. Está nas margens. 

É fácil culpar os atrasos nos pagamentos: são visíveis, mensuráveis e emocionalmente carregados. Mas os próprios dados citados no estudo mostram que:

  • A situação tem vindo a melhorar nos últimos anos;
  • As empresas implementaram medidas para reforçar a cobrança;
  • As expectativas quanto ao risco de incumprimento estão a cair.

Mesmo assim, fala-se em falência iminente de quase metade do tecido empresarial. O verdadeiro problema é mais estrutural — e menos confortável de admitir.

O tecido económico português, particularmente entre as PMEs, assenta num modelo de:

  • Margens estreitas;
  • Baixa capitalização;
  • Forte dependência de crédito de curto prazo (muitas vezes, dos próprios fornecedores);
  • Pouca diferenciação na cadeia de valor.

Neste contexto, qualquer perturbação - mesmo pequena — pode ser fatal. Não porque o sistema de pagamentos seja desastroso, mas porque as empresas não têm margem de erro.

Só se pode pagar o que a margem liberta. E quando a margem é nula, a tesouraria transforma-se num terreno minado.

Os atrasos nos pagamentos são um sintoma, não a causa. O problema de fundo é que continuamos a ter um modelo económico baseado em competir por preço, onde se vive do volume e se morre na margem. Um modelo onde os negócios se sustentam a crédito, com pouca resiliência para resistir à instabilidade — seja ela económica, fiscal ou política.

Não basta melhorar os prazos médios de pagamento. É preciso:

  • Apostar na diferenciação e na subida na escala de valor;
  • Reduzir a dependência de modelos de volume com margens apertadas;
  • Reforçar a autonomia financeira das empresas; e sim
  • Melhorar práticas de gestão de risco e de planeamento de tesouraria.

Portugal precisa de empresas que sobrevivam não porque os clientes pagam a tempo, mas porque os modelos de negócio são sólidos, sustentáveis e com margem para respirar.

segunda-feira, maio 19, 2025

Está na moda. Mas será que muda? (parte II)



Na revista The Economist do passado dia 12 de Maio encontrei um artigo do obrigatório Bent Flyvbjerg intitulado "Why so many IT projects go so horribly wrong".

Muitos projectos de TI correm tão mal porque combinam complexidade elevada, fraca visibilidade e governação deficiente. Ao contrário dos projectos de infra-estruturas, o software é intangível — é mais difícil de inspeccionar, acompanhar ou estabilizar. Essa abstracção abre caminho ao alargamento descontrolado do âmbito (“scope creep”), onde gestores e intervenientes vão acrescentando novas funcionalidades ao longo do tempo.

Além disso, os projectos de TI ainda não assentam em padrões profissionais maduros: muitos responsáveis de projecto não têm formação formal, e quem decide frequentemente não domina a tecnologia. Estes projectos implicam mudanças profundas na forma de trabalhar das organizações, o que desencadeia resistências internas e conflitos políticos.

O planeamento apressado, a excessiva personalização e a indefinição de responsabilidades agravam ainda mais o risco. Como mostra o estudo de Flyvbjerg, quando um projecto de TI corre mal, tende a correr muito mal — com derrapagens massivas e impacto sistémico.

Qual a implicação disto para os projectos de inteligência artificial (IA)? 

A principal implicação para os projectos de IA é que estes estão expostos aos mesmos riscos estruturais dos projectos de TI tradicionais — mas em grau ainda mais elevado.

Porquê? 

Porque a IA é uma tecnologia ainda mais nova e menos compreendida. Muitos dos decisores não têm literacia técnica suficiente para avaliar o que é viável, o que é seguro ou o que faz sentido implementar. Isso favorece decisões precipitadas e expectativas desajustadas. 

Porque os projectos de IA são, por natureza, ainda mais abstractos. Não há um "produto final" claramente visível ou testável até fases tardias. Isto dificulta o controlo, favorece alterações constantes e torna o risco de "falhar em silêncio" mais provável.

Porque a IA altera profundamente a forma como as pessoas trabalham. Ao contrário de um novo software de gestão ou uma nova máquina de produção, a IA mexe com a autonomia, os processos de decisão e até com a identidade profissional das equipas. Isso aumenta o risco de resistência interna, conflitos e sabotagem passiva.

Porque existe um entusiasmo exagerado e pressão para "implementar depressa". As chefias, muitas vezes pouco informadas, querem "usar IA" sem perceber o que implica ou para que serve. Esta pressa compromete o tempo necessário de planeamento, testes e ajustamentos que são essenciais em tecnologias com efeitos imprevisíveis.

Continua.

sexta-feira, abril 11, 2025

No país dos Potemkines

Esta manhã encontrei este tweet:


A propósito de "Preços "inviabilizam" construção das 59 mil casas prometidas pelo Governo".

"Se todos sabíamos que só 7% do PRR da habitação seria construível, colocar no papel 93% a mais foi pura e simplesmente fingir que o problema estava a ser tratado. Não temos emenda."

O caso das 59 mil casas prometidas no âmbito do PRR é um exemplo claro da forma como o poder político continua a demonstrar uma notável criatividade na arte de gerir expectativas. Ao desenhar um plano com metas manifestamente irrealistas, sabendo que a execução possível rondaria uma fracção mínima, o governo criou a ilusão de resposta a um problema estrutural — a habitação acessível — sem nunca enfrentar os seus verdadeiros bloqueios: custos de construção, capacidade instalada, e deficiências crónicas na gestão do território.

Mais preocupante do que o exagero das promessas é a facilidade com que os diversos agentes — administração pública, autarquias, comentadores e até parte da opinião pública — aceitaram esta ficção como se fosse um plano sério e exequível. Parecemos preferir a aparência da acção à dificuldade da acção real.

Aliás, é nestes momentos que percebemos que Grigory Potemkine, o célebre arquitecto de aldeias de fachada para impressionar Catarina, a Grande, devia ter sangue português. A nossa vocação para montar cenários convincentes, mas vazios, está viva e recomenda-se — com a diferença de que hoje nem é preciso montar andaimes ou pintar fachadas, basta um PowerPoint com tabelas redondas e metas reconfortantes.

Há, neste episódio, uma lição sobre o nosso modelo de governação: continua a faltar-nos a coragem de dizer a verdade toda, de enfrentar os limites e de construir políticas com base em diagnósticos realistas. Enquanto isso, aceitamos colectivamente narrativas que nos confortam, mesmo sabendo que não resistem à prova do tempo.

Não é só o plano que falhou. Foi o contrato de confiança com os cidadãos que, mais uma vez, se revelou frágil.

Só falta o ministro ser nomeado primeiro-ministro.

terça-feira, abril 08, 2025

Até me arrepia pensar...

"He says the rivalry helps Virgin Atlantic improve and "hold a mirror up to itself". ". He notes that he reads BA's owners' financial results one minute after they are released. "In aviation, you need to be paranoid. Paranoia, contained and helpful paranoia, is a necessary trade for success in aviation. This is an ultra-competitive market. We make them better, and they absolutely make us better.""
Trechos retirado de "The CEO. Shai Weiss, Virgin Atlantic - 'In aviation, you need to be paranoid'" publicado no FT de 07.04.2025.

No artigo, Shai Weiss – director executivo da Virgin Atlantic – explica por que razão a paranóia é necessária na aviação:

"In aviation, you need to be paranoid. Paranoia, contained and helpful paranoia, is a necessary trade for success in aviation."
Por que é necessária a paranóia na aviação? 

Por causa do ambiente extremamente competitivo. As companhias aéreas operam num mercado altamente volátil e competitivo, sujeito a constante pressão sobre os preços dos bilhetes, margens de lucro apertadas e elevadas expectativas dos clientes.

Por causa da elevada complexidade operacional. Gerir uma companhia aérea implica uma enorme coordenação logística, cumprimento rigoroso de normas regulamentares, padrões de segurança, gestão de pessoal e manutenção da frota — tudo isto sem margem para erro.

Por causa de perturbações inesperadas. Atrasos, flutuações no preço do combustível, conflitos laborais, pandemias e até falhas de energia (como o acontecimento recente em Heathrow) podem subitamente comprometer as operações.

Por causa do risco para a marca e reputação. Um único erro ou uma má experiência do cliente pode abalar a confiança na marca — sobretudo numa era dominada pelas redes sociais e pelas críticas em tempo real.

Por causa da necessidade de melhoria constante. Weiss refere que a Virgin lê os resultados da British Airways "minutos após serem divulgados". Porquê? Porque manter-se competitivo exige estar sempre atento, sempre a aprender, e nunca dar a posição por garantida.

Em suma:
A paranóia — quando canalizada de forma produtiva — mantém os líderes das companhias aéreas atentos, reactivos e permanentemente empenhados em superar os concorrentes e evitar falhas.

Até me arrepia pensar: será que a TAP também vive esta paranóia? Será que a cultura da TAP aceita esta paranóia?



sexta-feira, novembro 29, 2024

Em vez de abraçar a destruição criativa ...

O capítulo 9, "The intellectual crisis of capitalism", do livro de Phil Mullan "Creative Destruction", explora como a mudança na atitude das elites ocidentais contribuiu para aquilo a que o autor chama de "Longa Depressão". Após a Segunda Guerra Mundial, o optimismo em relação ao capitalismo diminuiu à medida que as elites começaram a questionar a sua capacidade de gerar progresso. Esse pessimismo foi agravado pelo colapso da União Soviética, que deixou o capitalismo sem um inimigo claro e exposto às suas próprias falhas.

"The reorientation of state institutions from growth to stabilisation is mostly implicit. Governments continue to pay lip service to the objective of economic growth. Doubtless many establishment politicians would like to have both stability and a bit more growth. However, there is a big gap between this latent attachment to growth and embracing the level of social dislocation needed to bring it about. In practice the policy inclination towards stability is at the expense of sustained growth. Economic dynamism is not restorable except through disruptive destabilisation involving the widespread destruction of old capital values.

The precondition for escaping the Long Depression is to challenge and overturn the conservator activities of the state."

Os governos têm dado prioridade à estabilidade em detrimento do crescimento económico, evitando as políticas disruptivas que seriam necessárias para revitalizar a economia. Este foco conservador limita o progresso e reflecte uma perda de confiança na capacidade humana de liderar transformações significativas.

"Uncertainty is now widely regarded as a constraint on the economy. In fact, the perception of uncertainty is more important for what it says about the intellectual climate than for the economic one.

Viewing uncertainty as detrimental represents a turnabout in social attitudes. For most of the history of capitalism, uncertainty was regarded neutrally or positively: it was sometimes embraced as an opportunity for gain and advancement. Businesses in the past were not deterred by future uncertainty, but accumulated capital to secure increased means to control the future. The classic financial investment advice to 'buy when there's blood in the streets' revelled in periods of acute political uncertainty.' In contrast, it is now a cliché to say that business and markets 'hate uncertainty'. 

Business leaders, as well as many pundits, attribute uncertainty as the reason for putting off investment decisions. A frequent survey finding is that business is not investing because of its lack of confidence in the face of an uncertain future.

...

As Mazzucato later put it, echoing his sentiments: 'Without uncertainty there would be no point in even trying to form competitive strategies.'& If everything were predictable there would be a limited possibility of gaining competitive advantage. Uncertainty provides the terrain for individual businesses to make superprofits, when they risk their capital to get ahead of competitors by deploying the latest innovations and cutting prices.

Uncertainty was for a long time recognised as the basis for markets to function. This refutes the assertion that markets 'hate uncertainty': they need uncertainty."

A incerteza, que historicamente era vista como uma oportunidade para inovação e lucro, passou a ser percebida como um obstáculo às decisões económicas. Esta mudança espelha um desconforto generalizado da sociedade com o risco e a transformação.

"Today's greater anxieties about uncertainty are driven by a loss of belief in the benefits of progress and of humanity's ability to make a better world

The humanist pursuit of progress is now seen by many across the political spectrum to cause problems and, sometimes, to be downright destructive: socially, environmentally, materially, and morally. 

As a society we have become reluctant to validate and promote the active, positive side of humanity to change things for the better. This represents a turn against a central Enlightenment perspective: seeing man as rationally capable of making a better future. Instead individuals these days are frequently presented as weak, sometimes irrational, and often requiring restraint from above. The humanist essence of Enlightenment thought has lost its appeal. The potential for meaningful, purposeful human intervention is frequently doubted and questioned.

Hence, the disposition for extending regulation, not just of the economy, but of all areas of human life."

A crítica crescente ao empreendedorismo tradicional e à tomada de riscos, frequentemente rotulados como irresponsáveis ou perigosos, reforça a predominância da regulamentação e da gestão de riscos. Estas abordagens sufocam o dinamismo essencial ao crescimento económico.

Culturalmente, há um declínio na crença nos benefícios do progresso, o que reduz as aspirações e alimenta expectativas mais baixas. A sociedade tende a considerar a mudança conduzida por humanos como problemática, incentivando o excesso de regulamentação e uma visão pessimista das capacidades humanas.

Este desconforto com a mudança contradiz a necessidade do capitalismo por "destruição criativa" - o processo de eliminar sistemas obsoletos para abrir espaço à inovação. A resistência das elites e dos decisores políticos às disrupções necessárias perpetua a estagnação económica. Por fim, o receio do desconhecido desincentiva investimentos ousados, reforçando um ciclo de baixo crescimento. O espírito cultural atual privilegia a conservação em vez da transformação, dificultando a revitalização económica.

"The enlightened humanist view of the relationship between the state and the public has become reversed. The state is no longer an institution that needs to be controlled by people. It is now the state's role to judge what is good for people, to raise public awareness, and to socially engineer people to do the right thing'. The earlier emphasis on the importance of human agency has been replaced by an emphasis on human vulnerability and powerlessness. And because people are so powerless and vulnerable this is seen to justify that we need the support of public institutions.

Just as the ascent of Enlightenment ideas informed the economic advances of industrial capitalism, so the reverse applies with today's slow-drift capitalism. Discomfort with change is antithetical to the business dynamism that the market system relies on to move forward. Cultural uneasiness with disruptive change runs counter to the creative destruction that is essential for capitalist growth and economic progress. This discomfiture informs the mainstream political inclination for stability over disorder."

A incapacidade das elites de articular uma visão positiva para o futuro do capitalismo prejudicou a sua capacidade de implementar as reformas necessárias para restaurar o crescimento económico. Em vez de abraçar a destruição criativa como um motor de progresso, as elites tornaram-se mais avessas ao risco e mais focadas na preservação do status quo. 

Em suma, o capítulo 9 argumenta que a crise intelectual do capitalismo é um factor fundamental na perpetuação da Longa Depressão. A falta de fé no capitalismo e o medo da mudança criaram um ambiente onde a estagnação económica se tornou a norma.

quarta-feira, outubro 23, 2024

Duas dúvidas acerca de estratégia e SPC


Há muitos anos que uso e abuso do SPC. Por exemplo:
O SPC é muito bom para evitar a esquizofrenia analítica. Por exemplo:
Na passada segunda-feira Roger Martin publicou "Statistical Process Control & Strategy". Como grande apreciador dos contéudos de Roger Martin assim que pude mergulhei a sua leitura.

Apreciei os insights fornecidos no artigo, particularmente a analogia da aplicação do Controlo Estatístico de Processo (CEP = SPC) à estratégia. No entanto, tenho algumas observações que gostaria de partilhar.
"The WWHTBT can be utilized to set control limits for your strategy.
...
Setting control limits in advance is critically important because human beings have an infinite capacity for ex post rationalization.
...
The only protection against your own ex-post rationalization is to set control limits ex ante."
Primeira, no SPC tradicional, os limites de controlo não são algo que definimos arbitrariamente ou com base em expectativas futuras. Em vez disso, emergem de dados históricos do processo, reflectindo a variação natural inerente a um processo estável. Os limites de controlo revelam o que é típico de um processo ao longo do tempo, ajudando-nos a detectar quando ocorre uma variação invulgar (causa especial). Neste contexto, a definição de limites de controlo com base nas expectativas de resultados futuros parece inconsistente com os princípios fundamentais do SPC.
"É extremamente importante não confundir os limites de controlo com as especificações ou com as metas para o processo. As especificações são a voz do cliente ou do mercado, as metas são a voz ou o desejo da gestão, os limites de controlo são a voz do processo, aquilo que o processo é capaz de fornecer." (Fonte - Dezembro de 2008)
Volto ao texto de Roger Martin:
"If outcomes stay within your preset control limits, then keep your hands off the dials — with confidence."
A carta de controlo permite descortinar entre variação aleatória ou variação causada por causas específicas. O que nós fazemos ao executar uma estratégia é perturbar uma realidade. Vamos então à segunda observação.
O próprio acto de executar uma estratégia envolve frequentemente a introdução de mudanças ou “causas especiais” de variação, porque o objectivo é mudar a organização do seu estado actual para um futuro novo e desejado. No SPC, a variação das causas especiais indica normalmente uma necessidade de correcção, mas na estratégia, a introdução de causas especiais (novas iniciativas, mudanças estruturais, etc.) é intencional. Este contraste entre manter a estabilidade do processo (foco do SPC) e impulsionar a mudança estratégica pode ter de ser mais explorado para evitar confusão. Não percebo como Roger Martin conclui que um processo sob controlo estatístico é um processo em que a estratégia está a resultar.

segunda-feira, fevereiro 26, 2024

"a collection of powerful actors pursuing their agenda"

Há vinte anos que aprendi a trabalhar no desenho de paisagens competitivas, ou de ecossistemas da procura. Por isso, fico triste com o sub-aproveitamento, por parte das empresas, do tema das "partes interessadas" introduzido pela ISO 9001.

Algo do género:

  1. Determinar Partes Interessadas: Identificar as partes relevantes para o sistema de gestão da qualidade (SGQ), que podem incluir clientes, fornecedores, empregados, reguladores e outros que possam afetar ou ser afetados pela qualidade da organização. Traduzido em: Listar um conjunto de partes interessadas consideradas relevantes
  2. Avaliar Necessidades e Expectativas: Avaliar as necessidades e expectativas dessas partes interessadas, particularmente aquelas que são relevantes para o sistema de gestão da qualidade. Traduzido em: Listar os requisitos relevantes dessas partes interessadas relevantes
  3. Obrigações de Conformidade: Determinar as obrigações de conformidade, que podem incluir requisitos legais, normas da indústria e obrigações contratuais relacionadas com a qualidade. Traduzido em: Lista de obrigações de conformidade e dos requisitos que decorrem delas
  4. Monitorização Contínua: Monitorizar e rever as informações sobre as partes interessadas e os seus requisitos relevantes, garantindo que o SGQ permaneça alinhado com estas expectativas.

Criam-se estas listas e está feito. Poucos se interrogam, por que se criam estas listas, o que se faz com elas. Depois, brinca-se com coisas sérias. Ainda esta semana numa auditoria de acompanhamento o auditor sugeria a uma empresa, "Por que não colocam a entidade certificadora como parte interessada?" Porquê? Pergunto eu. Para quê? Qual o valor acrescentado disso para o negócio?

Ao iniciar a leitura do capítulo 6 "The Discipline of Political Savvy" do livro "The Six Disciplines of Strategic Thinking" de Michael D. Watkins encontro o tema das partes interessadas apresentado sob um ponto de vista interessante. O autor enquadra-o no âmbito das movimentações políticas dentro das organizações, mas eu aplico-o facilmente à relação com as partes interessadas.

"The higher you go, the more political organizations become. This is partly because the people at the top are intelligent and ambitious [Moi ici: Uma empresa e as suas partes interessadas são como as pessoas no topo de uma organização]. They have agendas [Moi ici: É preciso considerar os interesses de todas as partes envolvidas. Algo que falta no ponto 2 da lista acima e que considero no link anterior] - both in the business and in terms of recognition and advancement - that they aspire to advance. Further contributing to politicization at the top is the fact that the problems to be solved and decisions to be made at that level are more ambiguous. There seldom are "right" answers, so there is vigorous debate over the best way forward. The combination of ambitious people and ambiguous problems means that politics becomes a primary driver of outcomes at the highest levels of business. To develop and realize your goals, you must think strategically about building and sustaining alliances inside your organization. [Moi ici: Recordo o racional desenvolvido neste exemplo a partir dos jornais]
In addition, you need to be proactive in shaping the external political environment in which your organization operates. This means establishing and managing critical relationships with customers, suppliers and other key players in the value chain, such as joint venture and alliance partners. It also means teaming up to influence the powerful institutions that shape the "rules of the game," including governments at multiple levels, non-governmental organizations, the media and investors.
In seeking to influence the rules of the game, it's helpful to imagine you are a corporate diplomat.
International diplomats seek to protect and advance the interests of their nations by fostering relationships, building alliances and negotiating agreements. As a corporate diplomat, you must learn to do the same to protect and promote the interests of your business.
...
What does it mean to think politically about organizations? The starting point is to visualize your business (and its external environment, too) as a collection of powerful actors pursuing their agenda - combinations of organizational and personal objectives they are trying to achieve. 
...
To achieve your objectives, you need to identify potential winning coalitions - the people who collectively have the power to support your agenda - and think about how you will build those coalitions. 
...
Think too about potential blocking coalitions - those who collectively have the power to say no - and how you can avoid having opposition coalesce. Who might ally themselves to try to block your agenda, and why? How might they seek to oppose you? If you have insight into where opposition might come from, you can work to neutralize it."

segunda-feira, setembro 12, 2022

"Don't think. Just do what I say."

Três momentos:

  • Julho de 2022
  • Almoço com parceiro das conversas oxigenadoras na passada sexta-feira
  • Ontem, fim da tarde
Julho de 2022
Há cerca de 4 anos que realizo todos os meses, pelo menos uma vez por mês, um workshop online que dura 8 horas. Gosto de ir aperfeiçoando os meus slides com base no que vou percebendo serem as dificuldades e expectativas dos formandos. Em Julho de 2022, o workshop foi sobre a implementação de um sistema de gestão. Um dos exercícios desse workshop é sobre como planear uma próxima sessão de trabalho.

Depois de um slide com o tema a desenvolver na próxima sessão de trabalho, apresento um outro só com a imagem do robô abaixo. 
A imagem do robô pretende chamar a atenção que os participantes não são máquinas, são pessoas e precisam de ser compreendidas, ajudadas e motivadas para participarem na sessão de trabalho. Então, depois, mostro as perguntas que se seguem:

Mais à frente, num outro slide, volto a usar a imagem do robô:

Entretanto, 

Passada sexta-feira
Na passada sexta-feira almocei com o meu parceiro das conversas oxigenadoras. Falou-me de dois livros. Entretanto, Sábado comecei a ler um desses livros, “The Empathy Factor - Your Competitive Advantage for Personal, Team, and Business Success” de Marie R. Miyashiro. Um dos sublinhados iniciais foi:
"To some degree, we all work in Flatland. In the two-dimensional world of thinking and doing, the organizational dialogue goes something like this: "If we think hard enough about our problems or goals, we will be able to develop a plan to do all the 'right' things to be successful." The traditional work culture places tremendous value on the intellect, on data; on taking action and staying busy to implement "the plan." This culture measures our worth and success in terms of how much thinking and doing we can get done in a day. In fact, workers and managers who can get more than a day's work done are richly rewarded. The value of people in the two-dimensional workplace comes down to getting the job done, irrespective of a person's quality of character or the demonstration of values. Some organizations are even one dimensional: "Don't think. Just do what I say." In these types of organizations, performance and profit are valued more highly than people all types of stakeholders, from employees to the community at large- sometimes even at the expense of the consumer."
Ontem, ao fim da tarde
Ontem, ao fim da tarde voltei a rever os slides para o workshop da próxima sexta-feira e dou de caras com o robô, já meio esquecido.

Abandonar a postura do robô, é abandonar este "Don't think. Just do what I say." 

O slide é um primeiro passo, mas se calhar ainda muito fraco, muito básico. O exercício ajuda a perceber porque é importante para a organização, mas por que é que isso há-de interessar o trabalhador?





terça-feira, janeiro 18, 2022

Não penso que seja a voz do cliente a mudar

Na semana passada realizei um webinar, "Measurement, analysis, and improvement according to ISO 9001:2015". Depois do webinar os participantes podem sugerir temas para outros webinars. 

Uma das sugestões roubou-me um sorriso e fez-me recordar vários projectos transformadores em que estive envolvido. Refiro-me a este tema: 

"How to manage the Quality Objectives of a company if the Voice of the costumer change frequently?"

"the Voice of the costumer change frequently"... quase de certeza que isto não tem a ver com a voz do cliente mudar com frequência. Quase de certeza que isto tem a ver com a falta de definição sobre quem são os clientes-alvo.

Há uns anos (2016) ao trabalhar com uma empresa, percebi que também sofriam deste suposto problema. Perante a gestão de topo apresentei dois slides.

Este:

E este:
A empresa tinha uma unidade de negócio industrial que trabalhava para dois tipos de clientes com requisitos e expectativas muito diferentes, quase opostas. Ser muito bom a servir um tipo de cliente, significava não ser bom a servir o outro tipo de cliente.

Os clientes do mundo 1 são representados pelas bolas azuis na figura que se segue. Os clientes do mundo 2 são representadas pelas bolas pretas na figura.
O meu cliente estava na situação representada pelas bolas vermelhas da figura que se segue:
A clássica situação de stuck-in-the-middle ao tentar ser tudo para todos. 

Hoje em dia sorrio quando passo por uma fábrica nova construída para separar a produção para cada tipo de cliente. Uma versão radical do plant-within-plant de Wickham Skinner.

sábado, março 06, 2021

Lucro? E para quê e para quem?

O amigo João mandou-me este vídeo por Messenger.


Comentar vídeos destes numa rede social é meio caminho andado para equívocos e extremar de posições. Meia dúzia de caracteres de cada vez não chegam. Assim, aqui vai via blog uma tentativa de expressar a minha opinião.

1º O lucro é vital para as empresas. As empresas têm de ter lucro, ponto!!!
Não é só no Portugal socialista que esta ideia tem de ser defendida e proclamada. Até na Alemanha é preciso fazê-lo. Daí que está agora a fazer um ano que um dos meus heróis, Hermann Simon, publicou um livro com o título "Am Gewinn ist noch keine Firma kaputtgegangen". Já li algures Hermann Simon, numa entrevista, referir que o título tem a ver com um ditado alemão. Algo como, nunca ninguém ficou pobre por ganhar dinheiro.

Quantas vezes, desde 30 de Julho de 2006,  já escrevi aqui no blogue aquela expressão?

"Volume is Vanity
Profit is Sanity"

Por exemplo, em Portugal os economistas estão sempre a falar na necessidade imperiosa das empresas crescerem, para serem mais rentáveis, para serem mais produtivas. Hermann Simon diz-nos:
"In Germany people believe that the net profit margin, after all costs and all taxes, is 23%. The real margin over many years is 3.4%. Similar in the US. The believe is 32% net profit margin, the reality is 4.9%. The record holders are the Italians. They think that the margin is 38%, the reality is 5%. There are two messages: Real net margins are 5% or less, typically. Furthermore, people overestimate profit margins by 600%. That’s unbelievable."
E:
"large corporations are not more profitable. The median of the net margin of the Fortune Global 500 is 4.49%. This tells us that half of these giants earn less than 4.5%. Most likely they don’t make an economic profit, meaning that they don’t recover their cost of capital. That’s the case for half of the Fortune Global 500. The public perception is misguided by a few profit stars.
...
profit always depends on the combination of three profit drivers and there are only those three: price, volume and cost." 

Sem lucro as empresas são como Portugal, um país sem autonomia, sempre a passear-se pelos areópagos internacionais como pedinte profissional.

2º Para que servem os lucros?

A maior parte das pessoas pensa que o lucro é importante para remunerar os accionistas. Sim, o lucro serve para remunerar o risco de quem empreende. No entanto, as empresas que se ficam por isso não têm futuro.

Final dos anos 80(?) estava eu em Valongo, numa sala à espera de uma entrevista de emprego na UTA e lia um dos livros de Peter Drucker. Não recordo o título, tenho e li tudo o que encontrei dele, mas nesse livro Drucker apresentou-me a mim, engenheiro com formação básica de gestão, mais um austríaco que eu não conhecia: Joseph Schumpeter.

Com Schumpeter aprendi que o lucro é fundamental para pagar os custos do futuro! Ainda esta semana sorri e recordei esta ideia. A trabalhar numa empresa, estivemos a sistematizar a metodologia de qualificação inicial de subcontratados. A empresa referia-se a eles como fábricas, contudo também recorrem a outros subcontratados que não podem ser apelidados de "fábricas". Então, apostarm no termo "unidade de produção". Gente mais nova não tem essa memória, mas eu tinha mais de 10 anos quando foi o 25 de Abril de 1974, na minha cabeça apareceu logo a expressão "unidade colectiva de produção". Tinham um pecado original, focavam-se na gratificação imediata e nunca acumulavam capital para pagar os custos do futuro. Recordar que este Schumpeter é o mesmo que nos apresentou a destruição criativa. Quem não quer ser destruído tem de investir no seu futuro.

3º Como se obtém o lucro?

Associada a esta pergunta está uma outra: A parte do lucro que se distribui, por quem sem se distribui? Pelos accionistas ou pelos stakeholders (partes interessadas)?

E aqui, no vídeo, refere-se a ideia do Milton Friedman sobre a importância do lucro e da sua maximização. Esta ideia de Milton Friedman expressa em “The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits” está ultrapassada. Ao longo dos anos que escrevo sobre isso, mas sem criticar Friedman. Há muitos anos que uso esta imagem aqui no blogue:

A economia é muito diferente da física ou da química. Acho que Friedman escrevia para um tempo que já passou. Recordo que a Economia não é como a Física newtoniana ou galilaica.

Começo o meu livro:
Com uma explicação sobre a grande revolução ocorrida no mundo ocidental algures na década de 70 do século passado. Por essa altura, a oferta passou a ser maior que a procura. E quando isso aconteceu... foi mesmo uma revolução.

Quando a procura é maior do que a oferta quem manda é quem produz. Quem produz pode concentrar-se em ser eficiente porque tudo o que "vomitar" tem saída garantida.

Quando a procura é menor do que a oferta quem manda é quem compra. Então, não basta produzir! Há que orquestrar um ecossistema de parcerias, de partes interessadas, para que todos ganhem:
"Quanto mais crescer o interesse e vantagem em trabalhar a nível de ecossistema, em que os ecossistemas que ganham são os que maximizam o valor a ser criado pelo conjunto dos actores, e não por um em particular."

Acredito que Friedman hoje pensaria de forma diferente. Hoje, o lucro tem de ser visto como um objectivo obliquo. É tão absurdo, aos meus olhos, eleger o lucro como um objectivo directo como ouvir um político eleger como objectivo directo a redução do desemprego. Dá sempre asneira.

Como objectivos oblíquos, o lucro ou a redução do desemprego são consequências de outras coisas. O lucro é uma consequência de clientes que se ganham, clientes satisfeitos e de clientes que continuam a trabalhar connosco. 

Ganhar, satisfazer e desenvolver a relação com os clientes é fruto de se trabalhar bem a montante: E quem trabalha?

"Cada vez mais, o sucesso de uma empresa exige que se tenha em consideração as necessidades e expectativas de outras partes interessadas que podem contribuir para a sustentabilidade do desempenho. É claro que os clientes são uma parte interessada, afinal são eles que nos dão o dinheiro com que pagamos as contas, preparamos o futuro e suportamos a impostagem. No entanto, podemos identificar outras partes interessadas:" 


O conceito de ecossistema é-me muito caro, uso-o na consultoria desde 2004, não porque li, mas porque emergiu no meu trabalho.
Primeiro postal sobre o tema em Março de 2007

Afinal sou um arquitecto de paisagens competitivas.

Portanto, concluo que o vídeo acaba por ter uma mensagem demasiado simplificada, talvez mesmo simplista.




terça-feira, dezembro 29, 2020

"todos têm de mudar (porque mudou o campo de possibilidades)"

Interessante traduzir este texto de Joaquim Aguiar no Jornal de Negócios de ontem para o mundo das empresas. 

"E se a política [estratégia] for entendida como a articulação sustentada entre as possibilidades e os interesses, a estabilidade política [de gestão] não poderá ser concebida como a eterna repetição do mesmo. A estabilidade política [de gestão] só existe se houver o permanente ajustamento dos interesses às possibilidades.

E se as possibilidades mudam (estão sempre a mudar), os interesses também terão de mudar (mas resistem sempre à mudança, mesmo quando se trata apenas de mudar o modo de realizar interesses que persistem na sua forma inicial apesar do que já mudou). 

As crises políticas surgem quando todos têm de mudar (porque mudou o campo de possibilidades) mas há muitos que não querem mudar (nem se resignam a reconhecer que a realidade efectiva das coisas já não é o que costumava ser). E a crise é política [de estratégia], porque é a política [estratégia] que tem a função de articular as possibilidades com os interesses, configurando as expectativas e os comportamentos sociais em função do que é a alteração das circunstâncias.

Numa crise política [empresarial] provocada pelo desajustamento dos interesses às possibilidades, a resposta dos políticos [líderes] reformistas consiste na reconfiguração dos interesses para os tornar compatíveis com as possibilidades realmente existentes, mas a resposta dos políticos reversionistas [espertos] insiste na conservação dos interesses mesmo que tenham de impor a redefinição do que são as possibilidades e procurem ocultar quem teve responsabilidades na alteração das circunstâncias que reduziu o campo de possibilidades."


segunda-feira, maio 18, 2020

Subir na escala de valor (parte II)

Parte I.

Como é que uma empresa que quer subir na escala de valor, apresentando-se como especialista, vê o mundo?

No caso de uma empresa que trabalha B2B usei esta figura para ilustrar a sua situação:
Uma empresa que aspira a ser especialista, aspira a deixar de ser vista como um produtor de produtos, e pretende passar a ser vista como um fornecedor de conhecimento. Uma empresa que embebe conhecimento nos produtos que entrega (daí a imagem do camião que leva produto a granel com código binário, metáfora para o conhecimento que carrega).

Um comercial da empresa quando aborda um cliente não vende produtos, vende conhecimento. Quando um comercial da empresa interage com um cliente não começa nem pelos produtos nem pelos preços, começa pelos resultados que o cliente procura para o seu negócio.

Os clientes não são todos iguais. Por causa do tipo de produtos que produzem e vendem, por causa do conhecimento maior ou menor que têm, por causa do tipo de clientes que têm, por causa da forma como encaram a vida e o mundo dos negócios, os clientes não olham para a oferta da empresa da mesma forma. Podemos criar um gráfico onde procuramos localizar a situação em que se encontra cada um dos clientes actuais ou potenciais:
No eixo das abcissas medimos a maior ou menor importância que o cliente dá ao papel da oferta actual da empresa ou da concorrência. 
No eixo das ordenadas medimos a maior ou menor satisfação que o cliente sente com a oferta actual da empresa ou da concorrência.

A título de exemplo consideremos quatro clientes actuais ou potenciais:
O Cliente A está medianamente satisfeito com a oferta que tem, mas não lhe dá muita importância.

O Cliente B está medianamente satisfeito com a oferta que tem, mas também lhe dá uma importância mediana.

O Cliente C está insatisfeito com a oferta que tem, e ao mesmo tempo dá-lhe muita importância.

O Cliente D está satisfeito com a oferta que tem, e ao mesmo tempo dá-lhe muita importância.

Podemos dividir os clientes em três grupos:

 Generalizando:
 Os clientes sobre-servidos são aqueles que estão satisfeitos com o que têm e até estão a receber mais do que precisam. É nestas situações que vulgarmente se fala de disrupção. Por exemplo, os clientes das companhias aéreas low-cost abdicam de toda uma série de mordomias para poderem em contrapartida usufruir de uma viagem rápida e barata. Por exemplo, o Cliente A se pertencesse à concorrência podia ser aliciado com uma oferta mais básica e mais barata.

Os clientes equilibrados são aqueles que recebem em função do que pagam, têm uma situação equilibrada. Por exemplo, os Clientes B e D se pertencessem à concorrência podiam ser aliciados basicamente por uma oferta equivalente, mas mais barata.

Os clientes sub-servidos são aqueles que estão insatisfeitos com o que têm. A oferta actual é insuficiente, não está à altura das expectativas e da importância que lhe dão. O Cliente C se pertencesse à concorrência podia ser aliciado com uma oferta superior tecnicamente, mesmo a um preço superior.

Na primeira figura lá em cima represento o cliente desta maneira:
Aquelas metafóricas rodas dentadas têm um significado.

O cliente recebe os inputs, operand resources, recursos que requerem que acções sobre eles sejam realizadas para que o valor possa emergir na vida do cliente. Essas acções serão tanto ou mais preciosas quanto os operant resources que o cliente dispõe, conhecimentos e habilidades, para actuar sobre os operand resources.
Há uma grande diferença entre os operand resources e os operant resources.
Os operand resources são usados pelo cliente e gastam-se, o cliente tem de os voltar a comprar.
Os operant resources são usados pelo cliente e ficam a ser sua propriedade para poderem voltar a ser usados.

É inevitável que aconteça esta evolução entre cliente e fornecedor sempre que este transmita conhecimento:
Após um período de elevada gratidão inicial, em que o cliente reconhece que o novo conhecimento adquirido lhe permite atingir novos resultados, à medida que esse conhecimento deixa de ser "mistério" e evolui para uma heurística ou algoritmo:
À medida que esse conhecimento passa a ser integrado na vida do cliente, a gratidão vai sofrendo uma erosão:
Consideremos agora a situação de uma empresa com capacidade técnica, capaz de desenvolver novos produtos, realmente superiores. Como é que o conhecimento transmitido ao cliente se conjuga com os resultados obtidos
O conhecimento actual conjugado com o produto actual dá os resultados actuais - ponto de partida, a situação actual.

Muitas empresas lançam novos produtos no mercado, mas não acautelam a transmissão de conhecimento. Os resultados são um ponto de interrogação. Quanto mais o cliente tiver de processar o produto para atingir os resultados que deseja, mais difícil será atingir melhorias. Por vezes, como o conhecimento que dispõe não é compatível com as acções necessárias sobre o novo produto, os resultados até podem piorar.

Algumas empresas oferecem um produto semelhante ao da concorrência, mas apostam na transmissão de conhecimento que permite ao cliente melhorar o precessamento do produto e, consequentemente, a obtenção de resultados para o seu negócio. Isto também ocorre quando um comercial sem formação é substituído por um outro com mais conhecimento e mais capacidade de o transmitir.

Melhorias potencialmente importantes ocorrem quando uma empresa conjuga a transmissão de mais conhecimento com a oferta de um novo produto, com potencialidades superiores.

Onde é que isto nos leva?

Uma empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor:
  • Tem de trabalhar com clientes sub-servidos, e nem todos os potenciais clientes estão neste campeonato. E há muitos bons negócios e clientes que não estão neste campeonato;
  • Assim como tem de continuar a produzir produto: tem de continuamente procurar novo conhecimento que possa transmitir;
  • Assim como tem de continuar a produzir produto: tem de continuamente procurar desenvolver novos produtos realmente inovadores.
A empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor tem de se concentrar no mercado dos clientes tipo-C, os clientes sub-servidos. É com eles que se podem praticar as melhores margens, não porque eles sejam esbanjadores, mas porque são os que fazem contas e reconhecem o papel da oferta na melhoria dos seus resultados. Por isso, vêem o preço a mais que pagam como um investimento para melhorarem os seus resultados.

Acima escrevi:
Uma empresa que aspira a ser especialista, aspira a deixar de ser vista como um produtor de produtos, e pretende passar a ser vista como um fornecedor de conhecimento. 
Se olharmos para o negócio dos clientes sub-servidos a partir do seu ponto de vista acerca do conhecimento podemos sistematizar as coisas desta forma:

No quadrante 1 estão as coisas que o cliente sabe que sabe.
No quadrante 2 estão as coisas que o cliente sabe, mas nem sabe que sabe.

O que nos interessa são os restantes quadrantes:

No quadrante 3 estão as coisas que o cliente sabe que não sabe. Por exemplo, um cliente que sabe que precisa de produzir mais depressa, que precisa de ser mais produtivo, que precisa de começar a produzir um novo produto, ou de operar um novo equipamento que exige diferentes matérias-primas, ou de atingir novos níveids de desempenho. O cliente tem um problema, tem um desafio, tem uma aspiração e precisa de conhecimento para passar para o próximo nível do jogo.

No quadrante 4 estão as coisas que o cliente não sabe que não sabe. Por exemplo, resultados de investigação científica, novos produtos, novos aditivos que permitem alargar, esticar a fronteira do que se julgava possível a nível do desempenho, a nível dos resultados para o negócio desses clientes.

A empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor é a empresa que se concentra no mercado dos clientes tipo-C, os clientes sub-servidos e se concentra a desenvolver a imagem de que a empresa e os seus comerciais e técnicos são os melhores fornecedores para fornecer o conhecimento em falta:

A empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor é a empresa que se oferece para ajudar a colmatar lacunas e a empresa que periodicamente comunica descobertas.

Os comerciais e técnicos da empresa sabem que o que interessa não é o produto, o que interessa é o que o produto pode fazer pelo cliente. O cliente usa o produto nas suas operações, o cliente como que contrata o produto para que este lhe preste um serviço para melhor atingir os seus resultados. Em vez de se concentrarem no output da sua produção e no estrito cumprimento das especificações, as organizações (no caso de B2B) devem focar-se nos resultados do negócio dos seus clientes e na sua perspectiva.

Os comerciais e técnicos da empresa sabem que o que interessa não é o produto, os produtos são copiáveis. Os comerciais e técnicos da empresa sabem que o que interessa é a interacção onde valor é co-criado:
Sempre que a interacção não for necessária é porque é não preciso transmitir conhecimento... e sem transmissão de conhecimento mais tarde ou mais cedo tudo é sugado para o quadrante da competição pelo preço:

A empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor deve fazer uma reflexão, uma espécie de exame de consciência, estará preparada para ser um concorrente de eleição a servir este tipo de clientes sub-servidos?

Há uma frase que uso muitas vezes: os macacos não voam, os macacos trepam às árvores. Uma empresa que não tem algo no seu ADN para ser especialista, não deve enveredar por essa via. Afinal, a figura que se segue:

Típica dos livros de Gestão, não funciona para as PME. As PME têm de começar pelo fim, pelo que têm à mão, pelas suas vantagens competitivas.

Continua.

quarta-feira, janeiro 03, 2018

Explicar a ISO 9001 a um grupo de empresários (parte I)

Um grupo de empresários do calçado com quem trabalho há alguns anos, deu-me o privilégio de trabalhar com a sua empresa como consultor no apoio à implementação de sistema de gestão (da qualidade) e certificação ISO 9001. (De agora em diante escreverei sempre sistema de gestão sem mencionar a palavra qualidade, porque pretendo que seja muito mais do que um sistema de gestão da qualidade ponto).

O tema da certificação ISO 9001 foi abordado várias vezes ao longo dos últimos dois anos mas só agora se chegou a um consenso de que seria útil em termos comerciais.

O projecto arrancará no final deste mês e estes próximos postais fazem parte da minha preparação para o que lhes irei apresentar como equipa de gestão de topo, para ficarem com uma ideia mais concreta sobre em que é que se vão meter, o que se espera deles e como podem ser exigentes.

Sim, a minha preparação. A minha abordagem não é a de ser o consultor mais eficiente. Por isso, não sinto grande interesse em servir de taxista documental. Não tenho um sistema de gestão desenhado e montado à priori em que seja só necessário mudar o logotipo e a data na documentação. Trabalho como um artesão que co-cria o sistema em função da empresa, das suas pessoas, do seu sector e estratégia.

A ISO 9001 trabalha a vários níveis e vamos começar pelo nível mais alto, o da gestão de topo.
Sou um tipo visual que gosta de esquemas e de desenhos,  e este é o primeiro de vários esquemas que irei utilizar.

Sei que os meus amigos empresários, como gente de acção sobretudo, não vão muito à bola com normas, mas para mostrar que não invento e alicerçar o esquema em algo que não a minha opinião, acrescento de seguida as cláusulas da ISO 9001:2015.
Liderança, exemplo, motivação (relacionado com a cláusula 5.1 da ISO 9001:2015, Liderança e compromisso)

Uma empresa com um sistema de gestão não pode ser como uma rolha de cortiça que é levada pelas ondas e pelo vento, boiando sem intenção, sem direcção, sem vontade. Uma empresa com um sistema de gestão age proactivamente, tem vontade própria. Observa, decide, age, monitoriza e volta a actuar. Uma empresa com um sistema de gestão tem uma gestão de topo que é o seu cortex cerebral, e que decide para onde vai, onde quer estar e como se vai diferenciar.

Qualquer subordinado é o melhor estudioso do comportamento da sua chefia. Não interessa o que o seu chefe diz, ou proclama; interessa o que o seu chefe faz, onde ocupa o tempo da sua agenda. Por isso, sem o exemplo da gestão de topo no respeito pelas regras do sistema de gestão, não esperem respeito por parte do resto dos humanos da empresa.

Um sistema de gestão tem de ser específico da empresa e da sua gestão de topo. Um papel fundamental da gestão de topo é o de acompanhar a fase de implementação do sistema de gestão com uma preocupação permanente: manter em alerta permanente o radar da bullshit. O sistema de gestão será tanto mais útil quanto mais útil for para a gestão de topo. Muitas vezes a gestão de topo das empresas comporta-se como os adultos na estória do rei que ía nu. Dizem:
- Temos um consultor a trabalhar para nós, o gajo é que sabe disto da ISO. E se ele está a dizer que precisamos de fazer isto, é porque temos de fazer isto porque está na norma.
Por favor!

Quando virem algo que vos cheire a bullshit, gritem: BULLSHIT!!!

A ISO 9001 diz, por exemplo: que uma empresa com um sistema de gestão precisa de tratar as reclamações que recebe, diz que uma empresa deve controlar a qualidade das matérias-primas que adquire. A ISO 9001 não prescreve como é que isso tem de ser feito. Há anos trabalhei com uma empresa de confecção de malhas que comprava fio para a sua produção. Faziam, literalmente, quase uma dezena de testes para aprovar um lote de fio na recepção. Aí agi eu como a criança da estória e perguntei:
- Nos últimos cinco anos quantos lotes de fio rejeitaram?
- X - responderam.
- E quais os motivos de rejeição.
- Quantidade e, sobretudo, cor
- Então não fará sentido acabar com os outros testes (número métrico, pilling, ...)

Assim, mantenham o radar alerta, acompanhem os relatórios de ponto da situação e, por favor, sejam exigentes como a potassa!!!

Âmbito do sistema (relacionado com a cláusula 4.3 da ISO 9001:2015, Determinar o âmbito do sistema de gestão da qualidade)

Um sistema de gestão não tem de ser aplicado a tudo o que uma empresa faz. A decisão sobre o que incluir no âmbito de um sistema de gestão é uma decisão de gestão, não uma decisão técnica. Por exemplo, uma empresa pode trabalhar em regime de private label e ter três modelos de negócio a funcionar:

  1. Empresa desenvolve modelos que apresenta em feiras, depois recebe encomendas de amostras de colecção e, depois, recebe encomendas;
  2. Empresa participa em concursos para fornecer organizações grandes em que o calçado faz parte do uniforme de trabalho;
  3. Empresa tem loja online em plataforma onde expõe modelos que são adquiridos e tem de repor stock

A empresa pode decidir implementar o sistema de gestão só para o modelo de negócio 1, ou só para o modelo de negócio 2, ou só para o modelo de negócio 3, ou para os três ou combinações de dois deles. A empresa pode decidir implementar o sistema de gestão nos dois modelos de negócio e só certificar um deles, por exemplo. Diferentes modelos de negócio podem exigir que algumas das actividades sejam realizadas de forma específica, por exemplo a actividade comercial.

Uma vez escolhido o âmbito...

Quem servimos e em que ecossistema (relacionado com a cláusula 4.2 da ISO 9001:2015, Compreender as necessidades e as expectativas das partes interessadas)

Cada vez mais, o sucesso de uma empresa exige que se tenha em consideração as necessidades e expectativas de outras partes interessadas que podem contribuir para a sustentabilidade do desempenho. É claro que os clientes são uma parte interessada, afinal são eles que nos dão o dinheiro com que pagamos as contas, preparamos o futuro e suportamos a impostagem. No entanto, podemos identificar outras partes interessadas:
Um aviso, antes que se assustem, a ISO 9001 sublinha que é a gestão de topo, não o consultor ou um auditor, que decide quais são as partes interessadas relevantes no âmbito do sistema. Há empresas que consideram algumas funções (trabalhadores) como críticas, outras todos, outras ninguém. Há empresas que consideram alguns fornecedores como críticos, por exemplo, aqueles que ajudam a fazer a diferença. Em relação à figura acima, as lojas, por exemplo, há cadeias de lojas e há lojas independentes, há lojas que trabalhem directamente com a empresa e que faça sentido salientar aqui com uma ligação directa? E agentes, têm um papel no ecossistema da empresa?

Vêem o impacte da escolha do âmbito? Se o âmbito escolhido for o associado ao modelo de negócio 2 há logo uma série de partes interessadas na figura que desaparecem.

Depois de determinadas as partes interessadas relevantes, (a palavra "determinar" na ISO 9001 tem um significar importante... importante não, muito importante! Determinar significa um acto de escolha, não uma simples descoberta), a empresa deve determinar quais os requisitos dessas partes que são relevantes para o sistema de gestão. Aqui faço três reparos:

  1. A ISO 9001 num anexo (A.3) tem este trecho "Não há nenhum requisito nesta Norma para que a organização tenha em consideração partes interessadas quando tiver decidido que essas partes não são relevantes para o seu sistema de gestão da qualidade. Compete à organização decidir se um requisito particular de uma parte interessada relevante é relevante para o seu sistema de gestão da qualidade.";
  2. Estas escolhas das partes interessadas relevantes e dos seus requisitos relevantes, estão directamente relacionadas com as opções estratégicas de uma empresa;
  3. Gosto de pensar em setas bidireccionais.

Sobre 1 - a empresa pode determinar que os distribuidores são uma parte interessada e acrescentar a seguir que só lhe interessa trabalhar com determinado tipo de distribuidores, porque têm certas características/exigências que a empresa decidiu esmerar-se em servir. Isto não tem nada a ver com o distribuidor ser honesto ou bom pagador, e tem tudo a ver com escolhas estratégicas. (Ver este exemplo)

Sobre 2 - já foi explicado.

Sobre 3 - gosto de propor que as empresas não só determinem o que é que vão considerar de entre o que as suas partes interessadas relevantes procuram e valorizam, como explicitarem claramente o que esperam delas. Quando pensamos nos clientes-alvo, ou nas partes interessadas de um sistema de gestão, concentramos-nos no que eles procuram e valorizam. No entanto, numa relação económica saudável, a relação é ganhar-ganhar. Assim, porque não equacionar também o que a nossa organização procura e valoriza na relação com o outro? Ao fazê-lo, talvez se saliente que alguns elementos de uma dada parte interessada não nos podem dar o que queremos e, assim, percebermos que não são o nosso alvo.

Amanhã continuamos com a parte II, iniciando pela política do sistema de gestão.