quarta-feira, maio 14, 2025

Esquizofrenia, alquimia e mortalidade infantil

Lembram-se de 2019?

Na altura escrevi "Mortalidade infantil e esquizofrenia" onde registei:

"E, com base estatística pude concluir que nada mudou, tudo farinha do mesmo saco.

Não se vislumbra nenhum sinal nas cartas de controlo, simples flutuação estatística."

A isto chamo de esquizofrenia, um tema antigo aqui no blogue. Só a título de exemplo em 2023 listei alguns artigos sobre o tema, de 2008 a 2019 em "Fugir da esquizofrenia" 

Ontem, no Twitter vi estes dados associados ao frenesim esquizofrénico do momento:

Desta vez pedi ao ChatGPT:
"Consegues criar as cartas de controlo estatístico para valores individuais e amplitude móvel, como Donald J Wheeler propõe nos seus livros, com base nos dados da imagem anexa (x os anos e y a taxa de mortalidade infantil)"

E obtive:


Ou seja, não há qualquer sinal de que tenha havido alteração no sistema para lá da mera flutuação estatística.

Aos esquizofrénicos de 2025 e de 2019 recomendo a leitura de "Conversa de humano" de 2012 porque estão a dizer que o saco está a criar bolas out-of-thin-air.

BTW, perguntei ao ChatGPT se, com base nas cartas devemos reagir. A resposta foi:
"Não há evidência estatística para intervenção correctiva imediata — não se detectou instabilidade.
Mas há fundamento para análise e vigilância reforçada, sobretudo se 2025 confirmar a tendência de subida."

terça-feira, maio 13, 2025

Curiosidade do dia

Na revista The Economist do passado dia 12 de Maio, encontrei "To grasp Europe’s fragmentations, look to a 31- year treasure hunt". 

Descobri esta "treasure hunt" há anos no canal Travel. No entanto, o que me chamou a atenção no artigo foi o final do artigo:

"But the game’s fans in 1993 offered a foretaste of society in 2025. The owlers were among the first online communities anywhere in the world, connected by Minitel, a French precursor of the internet that ran online discussions on the chouette from 1993. Using pseudonymous handles—there were Gandalf and Argos, Météor and Neo49—the sleuths queried the gamemaster online (for a fee) years before others had ever heard of such forums. Later, internet groups emerged and rival owlers’ associations met in person to share their theories. Once Europeans lived in cohesive societies, with institutions such as churches, trade unions or political parties structuring public life. Owlers were in the vanguard of a trend towards something different: people disappearing into their own little clans, with their own rituals and networks. Jérôme Fourquet, a French political analyst, describes the “archipelagisation” of society, [Moi ici: Aquilo a que chamo de Mongo] a shift in recent decades from a unified national identity bound together by common experience to a collection of distinct and often disconnected groups with their own interests. We live side by side, but not entirely together. From watching the same evening news, we are all consuming our own corner of the web. From all voting for one of two or three political parties, more niche outfits have emerged—including, across Europe, populist ones that have benefited from the fraying of our bonds. We all dwell in bubbles of our own making these days, a wise old owl might conclude."

Este parágrafo final serve como metáfora para a transformação social dos últimos 30 anos. Usando a história dos owlers como alegoria, o autor sugere que a sociedade contemporânea perdeu as grandes estruturas colectivas que antes uniam as pessoas — como os partidos, a igreja, os sindicatos — e entrou numa era de “balkanização” social, onde pequenos grupos fragmentados seguem as suas próprias crenças, interesses e rituais. A caça à coruja foi uma prefiguração do mundo de hoje: conectado digitalmente, mas socialmente disperso.


Conclusão:

A chouette d’or não foi só uma caça ao tesouro — foi também uma premonição da “archipelagização” social de que hoje somos parte: vivemos lado a lado, mas cada vez menos juntos.

Fornecedores e vantagem competitiva


Um artigo útil para reflexão acerca da relação entre compradores e fornecedores, "Supplier experience as antecedent to supplier satisfaction - An explorative study of SMES" publicado na revista Industrial Marketing Management 125 (2025) 226-238.
"Suppliers play a crucial role in creating a competitive advantage. Therefore, firms should pay close attention to the supplier experience and the factors contributing to its formation. The more positive the experience, the more willing suppliers will be to cooperate to secure mutual benefits and to award preferred customer status. Our research shows that the supplier experience is reflected through four dimensions: communication, relational practices, the use of power, and the use of digital technology. The supplier experience is formed along different customer touchpoints, including cognitive and affectual elements. Hence, to develop an excellent supplier experience, a firm should focus on all four dimensions identified in this research and consider the moments of truth in the relationship.

First, communication should be open, transparent, timely, and use the correct tone. Developing the communication skills of each customer-facing employee is important and can be achieved through training and encouraging frequent reflection. Regular updates and meetings are important to discuss ongoing projects, expectations, and any potential issues. Clear roles and contact persons should be agreed on. Using digital technology to aid communication (e.g., collaboration platforms) can enhance openness and transparency, facilitating prompt information sharing. However, face-to-face meetings are important in building trust and closer relationships. Clear rules and policies about polite communication practices could be provided.
Second, cooperation should be enhanced through mutual learning in diverse situations, with clear responsibilities and communicated commitment and trust. Personal relationships should also be fostered through regular meetings and informal communication. Joint training programs could be organized to help both parties understand each other's processes and challenges. Developing skills supports operational efficiency and nurtures the supplier experience. It would be beneficial to establish common goals and performance metrics and jointly review them regularly to ensure alignment and mutual understanding.
Third, the use of power should be acknowledged; non-coercive methods are more effective than demanding compliance. These methods rely on trust and mutual respect rather than duress. Establishing trust by being transparent, reliable, and consistent is important. It is important to demonstrate respect for suppliers' expertise and contributions by listening to their concerns and ideas. Sharing success stories relating to partnerships and best practices could motivate suppliers. Support and resources could be offered to improve suppliers' performance (e.g., training and technical assistance).
Fourth, digital technology can foster transparency, effectiveness, and automation. However, customers must understand the challenges its use can create for suppliers, even if supporting digitalization among its suppliers is not an objective. Further, it is important to ensure that digital meetings do not replace real discussions, which are essential for building personal relationships. The effective use of digital technology requires skilled employees, resources for investment in new technology, and a digital strategy. When implementing new digital technologies in buyer-supplier relationships, assessing and maintaining system compatibility is crucial. Additionally, the transfer of tasks from buyer to supplier, facilitated by digitalization, should be approached with caution.
Finally, since the supplier experience is shaped by touchpoints and moments of truth with the customer, it is wise to analyze these aspects in every relationship. Such analysis can reveal weaknesses in the four elements described above and spur remedial action that improves the supplier experience."

O artigo demonstra que a experiência do fornecedor — isto é, como este vive a relação com o cliente — influencia directamente a sua vontade de colaborar, inovar e priorizar esse cliente. Essa experiência depende de quatro factores: comunicação, práticas relacionais, uso do poder e tecnologia digital. As PME que constroem relações justas, abertas e confiáveis com os seus fornecedores têm mais hipóteses de obter melhor serviço, acesso à inovação e reforçar a sua vantagem competitiva.

Os fornecedores não são todos iguais nem tratam todos os clientes da mesma forma. Fornecedores atribuem prioridade, recursos e até inovação a clientes com quem têm boas experiências de relacionamento, não apenas a quem paga mais ou encomenda mais. Isto significa que não basta negociar preço — é preciso cultivar uma relação de confiança, respeito e cooperação.

O artigo explica como práticas como comunicação clara, responsabilidade partilhada e uso justo do poder negocial aumentam a probabilidade de uma PME ser vista como um parceiro valioso. Isto pode resultar em melhor serviço, prazos prioritários e acesso a inovação, mesmo sem ter o poder de compra de uma empresa grande.

O artigo dá pistas práticas para melhorar o desempenho da cadeia de abastecimento A experiência do fornecedor impacta diretamente a fiabilidade da entrega, a cooperação em momentos críticos e a fluidez do trabalho conjunto.

O artigo permite reflectir sobre como diferentes estratégias podem beneficiar (ou prejudicar) a experiência dos fornecedores (recordo um artigo de Veronica Martinez):

1. Estratégia de custo mais baixo - Pode induzir práticas coercivas, pressão sobre preços e uso instrumental da digitalização para transferir tarefas para o fornecedor. Isso deteriora a experiência e coloca a empresa em risco de perder acesso a recursos em momentos críticos, como mostrado no estudo.

2. Estratégia baseada em serviço à medida (customização) - Requer colaboração intensa, comunicação aberta e confiança — exactamente os factores que o artigo aponta como geradores de experiências positivas e motivação acrescida por parte do fornecedor.

3. Estratégia de inovação - O estudo mostra que fornecedores partilham ideias e investem mais em clientes com os quais mantêm boas relações. Assim, a experiência positiva do fornecedor é pré-condição para co-inovação, acesso prioritário a novos produtos e envolvimento em melhorias.

segunda-feira, maio 12, 2025

Curiosidade do dia


A propósito de "ABB Plans to Spin off Its Robotics Division":
"“The board believes listing ABB Robotics as a separate company will optimize both companies’ ability to create customer value, grow and attract talent. Both companies will benefit from a more focused governance and capital allocation. ABB will continue to focus on its long-term strategy, building on its leading positions in electrification and automation.”

ABB Robotics provides intelligent automation solutions to its global customer base.  Customer value is created through the differentiated offering of the broadest robotics platforms, including Autonomous Mobile Robots, software and AI combined with proven domain expertise to a broad range of traditional and new industry segments. More than 80 percent of the offering is software/AI enabled."
A separação da ABB Robotics é um sinal claro de que a robótica é agora um sector estratégico autónomo, com potencial de crescimento próprio. Esta operação confirma que a robótica e a IA deixaram de ser "apêndices tecnológicos" — são agora sectores estratégicos que justificam empresas autónomas com lógica própria de crescimento, financiamento e talento.

A mudança externa não avisa com antecedência


Mais um interessante artigo no FT, desta feita de 10 de Maio passado, que ilustra como o tema da estratégia e do contexto são uma presença quotidiana, se estivermos atentos. O artigo intitula-se, "WeightWatchers blames diet drugs and social media for Chapter 11 bankruptcy":
"A one-two punch of diet drugs and TikTok undermined one of the most trusted brands in fat loss, lawyers for Weight Watchers told a US bankruptcy judge, as the bankrupt company seeks to reorganise into a slimmer version of itself.

WeightWatchers, officially known as WW International, Inc, filed for Chapter 11 bankruptcy protection this week in a Delaware federal court, with the company having already cut a pre-packaged deal to hand control of the business to secured lenders and bondholders.
As recently as 2018, WeightWatchers, whose core business relied on hosting workshops for people sharing the experience of fighting fat together, had $1.5bn in annual revenue and a market capitalisation of more than $7bn.
Oprah Winfrey owned a tenth of the company and joined its board of directors. But the Coronavirus pandemic gutted the WeightWatchers workshop model and annual revenue fell to under $800mn by 2024.
...
"Consumers are increasingly prioritising holistic health and rejecting traditional weight-loss narratives," WeightWatchers wrote in a court filing submitted this week.
It added: "The rise of free and low-cost do-it-yourself ("DIY") weight-loss apps reflects consumers' growing demand for self-guided, flexible solutions. The DIY trend is further fuelled by influencers sharing personal success stories and guidance via social media, including Instagram, TikTok and YouTube."
In 2023, WeightWatchers bought the telehealth start-up, Sequence, for $106mn. Sequence then became the company's clinical offering that could prescribe GLP-1s such as Ozempic and Wegovy.
Still, the company remained largely wedded to the workshop model, even as its subscriber count fell 12 per cent to 3.3mn in 2024 and its new prescription business failed to make up the difference."
Este caso é um alerta claro para todas as empresas, independentemente do sector. Ignorar alterações no contexto externo - sejam tecnológicas, culturais ou regulatórias - pode destruir até marcas fortes e bem estabelecidas.

Lições para as empresas:
  • A lealdade dos clientes não é eterna. As preferências mudam rapidamente, especialmente quando surgem soluções mais eficazes ou mais convenientes.
  • Novos participantes com modelos digitais e inovadores podem alterar por completo o mercado (ex: apps e influencers que substituem a proposta da WW).
  • Mudanças tecnológicas e científicas (ex: medicamentos GLP-1) podem tornar obsoletos modelos de negócio bem sucedidos.
  • A inovação reactiva pode não ser suficiente. A WeightWatchers tentou adaptar-se tarde demais, e de forma pouco integrada com o novo paradigma.
  • Monitorizar o contexto externo não é opcional. É uma disciplina essencial para a sobrevivência e a relevância.
Quantas empresas continuam a operar como se o seu mercado fosse o mesmo de há 10 anos? Quantas estão a monitorizar seriamente as mudanças tecnológicas, sociais, regulatórias ou demográficas que as podem afectar?

A WeightWatchers é um lembrete brutal: a mudança externa não avisa com antecedência. 

Como é que a sua organização está a ler o contexto?

domingo, maio 11, 2025

Curiosidade do dia

No WSJ do passado dia 8 de Maio podia ler-se "High-School Juniors Attract Job Offers Topping"

O artigo descreve como programas de formação técnica desenvolvidos nas escolas secundárias nos EUA estão a atrair cada vez mais estudantes, oferecendo-lhes oportunidades de carreira bem remuneradas em áreas como soldadura, canalização ou manutenção industrial — muitas vezes antes mesmo de terminarem o ensino secundário. Esta tendência é impulsionada pela escassez de mão-de-obra qualificada, a reforma dos baby boomers e uma nova cultura que se está a impor e que valoriza o ensino técnico como via viável e lucrativa.

"Elijah Rios won't graduate from high school until next year, but he already has a job offer - one that pays $68,000 a year.

Rios, 17 years old, is a junior taking welding classes at Father Judge, a Catholic high school in Philadelphia that works closely with companies looking for workers in the skilled trades. Employers are dealing with a shortage of such workers as baby boomers retire. They have increasingly begun courting high-school students like Rios—a strategy they said is likely to become more crucial in the coming years.

...

All 24 graduating seniors in the welding programme have job offers starting at $50,000 and above."

...

Employers ranging from the local transit system to submarine manufacturers make regular visits to Father Judge’s welding classrooms every year, bringing branded swag and pitching students on their workplaces."

Yamaha finds sax appeal as piano sales fall in China

O FT de ontem trazia o artigo "Yamaha finds sax appeal as piano sales fall in China".

O artigo descreve como a Yamaha, o maior fabricante mundial de instrumentos musicais, está a ajustar-se à mudança demográfica da China, onde o envelhecimento da população e a queda da taxa de natalidade estão a reduzir drasticamente as vendas de pianos. A empresa está a apostar agora em instrumentos como o saxofone digital, que está a tornar-se popular entre idosos reformados, especialmente mulheres, que descobrem na música uma nova forma de expressão e lazer.

A Yamaha vê os reformados como um novo segmento promissor e aposta em instrumentos como saxofones, mais acessíveis e digitais. É o que apelidam de "silver economy"), o crescimento do consumo por parte dos maiores de 60 anos, que procuram hobbies para uma nova fase da vida.

Não é só inovação de produto — é leitura de contexto, visão de futuro e realinhamento com intenção.

O contexto muda. Sempre mudou.

Mas hoje muda depressa, em simultâneo, em várias frentes - demografia, clima, tecnologia, valores. Os líderes que se destacam são os que não tratam a mudança como ameaça, mas como bússola.

E a sua organização? Está a resistir ou a realinhar?

sábado, maio 10, 2025

Curiosidade do dia



No FT de hoje em "Welcome to the new age of geoeconomics":
"Fifth and finally, industrial policy is back. This started in America under President Joe Biden. But Trump is doubling down, with tariffs. To understand this, look at a striking new book called Industrial Policy for the United States by Marc Fasteau and Ian Fletcher, two economists beloved by the Maga crowd. They champion tariffs but also stress the need for other industrial policies too, citing South Korea, Japan, China and Germany as examples to emulate. It is unclear if Trump will follow their advice. But what is evident is that there is rising acceptance in the US that government should shape commerce in the national interest. This will invariably prod regions such as Europe to follow suit.
All of which will horrify many observers, particularly those raised in that neoliberal era. But don't expect the intellectual pendulum to swing back soon - even if the US cuts a few trade deals, as Dan Ivascyn of Pimco notes, Trump's love of tariffs runs deep. For better or worse, we all need to learn to navigate geoeconomics. We cannot just wish it away."

É preciso passar da reacção à transformação (parte IV)


Já depois de escrever a Parte III li um artigo que parece retirado deste blogue, desde os seus primeiros anos, "Winning the Right Customers Isn’t Just a Sales Issue" de Scott Edinger (Harvard Business Review, Maio de 2025)"
"If you’re trying to lead growth of any kind, from revenue to margin expansion, it’s critical that your sales organization has a clear understanding of your go-to-market strategy. Here are three areas to focus on to ensure your sales team not...

Does your organization sell what you want, to whom you want, the way you want? Or do you have too many instances of selling whatever you can, to whomever you can, however you can? If your strategy is built on winning in specific target markets with solutions you’ve invested in to drive high-margin growth, the latter approach undermines that focus.

It’s easy to point to the skills (or lack thereof) of your sales team as the cause of the problem. There are always opportunities for sellers to improve the way they interact with customers and prospects. But not winning enough of the right customers, selling what you’ve prioritized and invested most in, at the prices you need, is a leadership and strategy issue, not only a sales issue."
A maioria das equipas de vendas não entende a estratégia. Os executivos avaliam a compreensão da estratégia de entrada no mercado em 6,4 em 10, mas as equipas de vendas avaliam-na em apenas 3,7. Esta discrepância é perigosa, pois cada interacção comercial representa a aplicação (ou falha) da estratégia no mercado.

O autor aponta três áreas-chave para alinhar vendas com estratégia:
  • Evitar os clientes errados. 
"Everyone knows you can’t be everything to everyone. Yet sales teams often pursue suboptimal opportunities. How many times have you wondered why time, money, and energy were being spent on acquiring or serving clients that are not a great fit for your company?
Get clear with your sales leaders and teams about the kinds of business you expect them to pursue, and just as importantly, not pursue, by aligning your strategy with actions your sales teams can execute. Communicate precisely and in detail about your ideal client profile, including industry, size and scale, and circumstances.

  • Identificar os tipos de clientes que não queremos servir para focar os esforços nos que realmente trazem valor.

"For each of your prospect or client types, there are likely a handful of reasons why they will choose you over competing alternatives. Help your sales team understand specifically what advantages you expect them to focus on during their interactions with prospects and customers. Make sure they're clear on your company's points of greatest value and differentiation, including a deep understanding of the kinds of client issues and objectives that lead to your premium offerings and the solutions you've invested most in creating. Absent this level of understanding, sellers will default to talking about what they're most comfortable and familiar with-often a laundry list of features and benefits."
  • Reconhecer que a experiência de venda é parte essencial da experiência do cliente
“The sales experience also accounts for 25% or more of the decision to work with your organization.”
Ou seja, a experiência de compra é determinante e pode pesar mais do que marca ou serviço na decisão do cliente.

Isto reforça uma verdade fundamental: dizer não a alguns tipos de cliente é essencial para dizer sim ao crescimento certo. Focar-se nos clientes certos é uma escolha estratégica, não apenas uma opção comercial.

sexta-feira, maio 09, 2025

Curiosidade do dia

No WSJ do passado dia 5 de Maio encontrei um artigo super-interessante, "Food Industry Wrestles With Shopping App":

"Nothing gets into Dendy Young's supermarket shopping cart unless it first passes the Yuka test.

Yuka is a mobile app. It features an orange carrot icon and lets users scan product bar codes. For food, it generates a score from one to 100 based on nutritional quality, additives and whether it is organic.

Shoppers like Young heed Yuka's advice. The 77-year-old entrepreneur said he has sworn off Hellmann's mayonnaise ever since the app pointed out that it is made with calcium disodium EDTA, a synthetic additive used to preserve foods.

...

Already food-scanning apps are changing what grocers sell and consumers buy, and prompting some manufacturers to reformulate their products to boost scores.

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The apps' growing popularity poses a new challenge for food companies. Chicago-based Conagra, maker of Healthy Choice frozen meals, says its products are among the healthiest in the category, low in fat, calories, and sodium, with high-quality protein and no artificial colors. Yuka, however, recently rated 12 out of 16 Healthy Choice products at a Chicago supermarket as "poor," due in part to additives such as sodium phosphate and carrageenan. Products under the brand's Simply Steamers line, which tend to have more protein and fewer additives, received an "excellent" rating. Conagra Chief Executive Sean Connolly said that no one app is the authority over nutrition. "There are a lot of opinions out there," he said, adding that the opinions that matter most to Conagra are those of its consumers.

But Conagra's consumers use Yuka, too. Thousands have complained about additives in the company's products, using a feature on the app that enables shoppers to send a pre-drafted message via email or social media asking food makers to remove additives.

Companies including Campbell's and Chobani have responded to such requests concerning dipotassium phosphate or other additives, according to emails viewed by The Wall Street Journal. They largely defend the use of their ingredients, citing federal approval. Chobani said it appreciates and encourages consumers' feedback. The company said that after two years of work, its oat milk recipe-which had included dipotassium phosphate-now contains only natural ingredients.

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Yuka launched in France in 2017 and in the U.S. three years later. Nearly one-third of Yuka's 68 million users are in the U.S., Chapon said, and an average of 25,000 new U.S. users have joined daily since the start of the year. At the beginning of May, it ranked as the No. 1 health-and-fitness app in Apple's app store.

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She said that in France, the number of additives in food products declined as Yuka grew in popularity. Noting the app's influence, French supermarket chain Intermarché since 2019 has reformulated more than 1,100 products, removing about 140 additives.

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Jack McNamara, CEO of seltzer maker Tru, said he first learned about Yuka while handing out samples at a Los Angeles Costco. Shoppers began pulling out their phones and scanning Tru's bar code. Yuka gives Tru drinks a score of 43 or 48 out of 100"poor"-in part because they contain stevia and erythritol, sweeteners that Yuka says carry risks. McNamara said he doesn't fully agree with Yuka's methodology, which deducts points for drinks that aren't water, but he takes the app's input seriously.

"Platforms like Yuka are going to have massive repercussions," McNamara said.

Tru, which he said rates better than many competitors, is trialing new versions of its drinks that would fetch higher scores, using less or none of the sweeteners."

Vivemos numa época em que os consumidores têm, literalmente na palma da mão, o poder de influenciar a indústria alimentar. A aplicação Yuka é um exemplo de como a tecnologia pode devolver às pessoas o controlo sobre aquilo que consomem. Simples de utilizar, transparente nos critérios e eficaz na mobilização — a Yuka não apenas informa, como transforma.

Milhões de utilizadores já mudaram os seus hábitos graças à aplicação. Produtos que antes passavam despercebidos são agora lidos à lupa: não apenas pelas calorias ou pelo açúcar, mas pelos aditivos, pelo grau de processamento, pela ausência de informação clara. E o impacto é real. Marcas como a Chobani reformularam receitas. Cadeias de supermercados como o Intermarché reformularam mais de mil produtos. Este é o novo normal.

Perante isto, o caminho não é negar ou ridicularizar a mudança, como fizeram a Conagra ou a Consumer Brands Association, que preferem desvalorizar a autoridade da aplicação em nome da “complexidade nutricional”. Essa resistência soa, cada vez mais, a receio de perder o controlo da narrativa.

Aplicações como a Yuka não vêm substituir os reguladores; vêm acelerar a mudança que os consumidores há muito desejam. A mensagem é clara: quem quiser continuar relevante, terá de ser transparente, escutar e estar pronto a melhorar.

Em vez de combater estas ferramentas, as empresas fariam melhor em estudá-las, aprender com elas, e usá-las como bússolas para inovar com sentido. 

O salto que falta dar

Um artigo muito interessante que merece reflexão, "How Spain's Indie Fashion Scene Nailed Global Growth".
"The brand is one of a number of independent, digitally native Spanish labels, including jewellery maker Simuero and womenswear label Gimaguas, expanding into new territories..."
"They've opened pop-ups in locations like Paris and Seoul, but many have also started to plant more permanent roots, opening physical retail locations in Paris, London and New York."
"In March, Spanish womenswear brand Paloma Wool opened its first flagship in SoHo..."
O artigo explora a ascensão de várias marcas espanholas independentes e nascidas no mundo digital, como La Veste, Simuero, Gimaguas, Flabelus e Paloma Wool, que estão a expandir-se para mercados internacionais (como os EUA, Paris, Londres e Seul) com grande sucesso. 
"Spanish labels' unexpected, bright pieces are a welcome alternative to the minimalist wardrobe staples..."
"It's a relaxed atmosphere, being close to the beach, to the sun... That's a big part of Spanish culture..."
"Many of the brands, like Simuero and La Veste, also produce their wares exclusively in Spain..." "They are all digitally native," said La Veste's García-Gallardo.
Estas marcas distinguem-se pelo seu estilo colorido e descontraído, produção local em Espanha, e forte ligação às suas comunidades digitais
"The Spanish market has its limits, and the local audience is often inclined to favour native high street giant Inditex..."
"Despite not having a permanent stateside store, 40 to 45 percent of its sales already come from the US market..."
"...helped it gain traction in the US, now its second-largest market after Spain."
Apesar do mercado doméstico limitado e dominado por gigantes como a Inditex (Zara), estas marcas encontraram um público leal no estrangeiro, especialmente nos EUA.
"Growth has to come with profit," said de los Mozos. "If not, it doesn't make sense because in the end, you just have something very big, but useless."
"We don't want to be overexposed, and we don't aim to be in every corner of every store," said García-Gallardo.
"Hosting pop-ups... and connecting with its community in-person has been Simuero's sweet spot."
"Unlike French digital-native successes Polène or Sézane ... Spanish founders often have extroverted, open presences on social media..."
Uma parte super-interessante e querida a este blogue (recordar "Volume is vanity; profit is sanity" de 2006). Estas marcas apostam em crescimento controlado, em manter a integridade artesanal dos seus produtos e o contacto pessoal com os clientes através de pop-ups e redes sociais. 

O seu sucesso é alimentado por uma combinação de autenticidade, marketing pessoal (fundadores visíveis nas redes), e um estilo que contrasta com o minimalismo nórdico dominante.

É interessante. Muitas empresas portuguesas que trabalham "a feitio" (em regime de subcontratação para marcas estrangeiras) acumulam competências valiosas em produção de qualidade, flexibilidade, rapidez de resposta, know-how técnico e capacidade industrial. No entanto, como estão maioritariamente viradas para o modelo de serviço B2B, com margens reduzidas e pouca ou nenhuma ligação directa ao consumidor final, não desenvolvem marca própria nem identidade distinta. Ficam, por isso, invisíveis no mercado global - apesar de fabricarem para marcas prestigiadas.

O salto que muitas empresas portuguesas não conseguem dar não é técnico, é cultural e estratégico. Continuam a jogar num mercado onde são peças de bastidores e não protagonistas. Para sair disso, é preciso assumir um posicionamento diferenciado, mesmo que não seja para massas, e trabalhar marca, estética, comunidade — e não só produto e preço.

É preciso ter coragem de ser pequeno com identidade, em vez de grande e genérico. Evitar a armadilha do crescimento a qualquer custo. A La Veste não tem lojas físicas nos Estados Unidos e consegue 40 a 45% das suas vendas nesse mercado. o que mostra que uma marca pode internacionalizar-se sem lojas físicas permanentes, através de e-commerce, redes sociais e pop-ups estratégicos.


Marca própria: risco maior, margem maior, e produtividade maior.

quinta-feira, maio 08, 2025

Curiosidade do dia

A revista Bloomberg Businessweek deste mês traz um gráfico impressionante sobre a evolução histórica das tarifas alfandegárias nos Estados Unidos:

O gráfico recordou-me uma passagem de The Visionary Realism of German Economics: From the Thirty Years’ War to the Cold War, de Erik Reinert. O autor apresenta uma leitura histórica que contrasta com o pensamento económico dominante, especialmente em torno da questão do livre comércio.

Uma das razões profundas da Guerra Civil americana residiu nas divergentes perspectivas económicas do Norte e do Sul quanto às tarifas alfandegárias. O Norte, com uma indústria nascente e vulnerável à concorrência britânica, defendia tarifas proteccionistas como instrumento de crescimento e autonomia económica. Já o Sul, agrícola e dependente das exportações, favorecia o livre comércio para aceder livremente aos mercados internacionais.

A tese de Reinert é que o livre comércio só é mutuamente benéfico entre países com níveis de desenvolvimento semelhantes. A abertura prematura de economias menos desenvolvidas pode perpetuar a sua dependência e impedir a consolidação de sectores industriais próprios. É neste contexto que Reinert revisita os argumentos de David Ricardo a favor do livre comércio – lembrando que Ricardo falava a partir de um Reino Unido já industrialmente consolidado.

No final do ano passado ouvi um discurso do presidente argentino (na ONU ou no G7) onde prometia acabar com tarifas alfandegárias. Recordei Reinert e pensei, só vão conseguir criar um sector industrial em torno daquilo em que têm vantagem competitiva: agricultura.

É possível não ter barreiras alfandegárias e criar uma economia sustentável? Julgo que sim, mas é difícil, porque os governos criam barreiras a que isso aconteça. Por exemplo, se a Ucrânia fizer algum dia parte da União Europeia será ainda mais anti-económico produzir cereais-commodity em Portugal. Qual o governo de turno que aceita acabar com essa produção? 

Coisas que não são cool mencionar durante uma campanha eleitoral

 




Que sorte a nossa termos campanhas eleitorais tão profundas, onde ninguém se incomoda a discutir coisas aborrecidas como... produtividade. Enquanto países como a Eslovénia, a Chéquia, a Roménia, ou a Eslováquia sobem a escada do valor acrescentado por hora de trabalho, nós continuamos firmes a debater os verdadeiros pilares do progresso nacional: pensões, salário mínimo, spinuncoisa e promessas vagas embaladas em jingles.

Falar de produtividade? Para quê, se isso não cabe num soundbite de 10 segundos nem anima um comício? Melhor deixar esses assuntos para depois das eleições. Ou para nunca.

Falar de produtividade com percentagens é bom para embalar e esconder, melhor falar em euros:


Gráfico retirado de "Evolução da produtividade por hora de trabalho nos países da UE"

quarta-feira, maio 07, 2025

Curiosidade do dia

 
"Three former senior executives from Rolls-Royce have created a microgrid energy start-up to deliver safe and reliable off-grid power to large energy users, including data centres, electric vehicle supercharging hubs, hospitals and industrial sites.
...
They have recognised the "massive increasing gap between grid capacity and demand" as the power infrastructure struggles under the pressure of rapidly growing energy consumption, driven by AI, cloud computing and electrification.
Data centre developers in the UK are seeking to connect to gas pipelines and build their own gas-fired power plants because of capacity constraints that cause delays of up to a decade in connecting to the grid.
...
Microgrids use a number of distributed energy sources, such as solar panels, battery farms and wind turbines, "all linked together on smart control". Traditional microgrid management systems struggle to process the vast volumes of data generated by grid components but the next-generation technologies used by Floral Energy make them more responsive to fluctuations such as power outages.
Al, digital twinning and machinelearning systems monitor, forecast and automatically balance power from renewables, storage and direct generation to meet demand.
...
He added that Floral Energy "will change the game for distributed energy" and "achieve the very high reliability required for data centres and other high-intensity users today, while having built-in readiness for the technologies of tomorrow, including nuclear".

Trechos retirados de "Off-grid energy start-up will 'change game' for large users" publicado no passado dia 5 de Maio no jornal The Times.

É preciso passar da reacção à transformação (parte III)

Parte I e parte II.

No JN do passado dia 4 de Maio li o artigo "O futuro do têxtil faz-se com robes de aquecimento inteligente":

"Um robe com aquecimento inteligente, equipamentos de proteção individual que medem a temperatura corporal dos trabalhadores e um computador onde a inteligência artifícial permite detetar rasgões nos tecidos.

...

"Estamos a trabalhar em quatro temáticas tecnológicas: a robotização e a automação, a rastreabilidade e a otimização do processo produtivo, os têxteis inteligentes e o produto digital"

...

Numa altura em que são noticiadas dificuldades das empresas têxteis e o consequente fecho de fábricas, Adriana Cunha sublinha haver um "claro atraso" do setor face a outro tipo de indústrias. "O custo inicial de implementação [das tecnologias e dos equipamentos] é um bocadinho grande, mas as empresas estão hoje mais recetivas e percebem a necessidade do investimento", conclui."

Recordo, por exemplo, a série "é meter código nisso".

O título usa o exemplo do robe como metáfora de transformação. Mostra que a inovação e a tecnologia estão a tornar-se o novo "tecido" da indústria têxtil. O futuro do sector será feito de inteligência embutida, sensores, rastreabilidade, conectividade digital e sustentabilidade.

A indústria têxtil que quiser sobreviver e crescer não pode continuar a vender apenas "tecidos". Tem de criar valor com soluções tecnológicas integradas, adaptadas às novas exigências dos mercados — da segurança industrial à personalização do produto, da rastreabilidade ao conforto inteligente.

Ler que o futuro do têxtil passa por "meter código nisso" é muito positivo. É sinal de que a inovação está a infiltrar-se no tecido do sector. Mas há uma armadilha perigosa neste caminho, e muitas empresas caem nela.

Acreditar que mudar de produto é suficiente. Não é!

Subir na cadeia de valor implica muito mais do que incorporar tecnologia nos produtos. Exige mudar de modelo de negócio. E essa transição é tudo menos automática.

É comum ver empresas desenvolverem produtos sofisticados, com sensores, rastreabilidade, software, integração digital… e depois tentarem vendê-los com os mesmos comerciais, pelos mesmos canais, com o mesmo discurso de catálogo, a clientes que não sabem o que fazer com aquilo.

O resultado? Frustração, armazéns cheios, regressar ao “tecido base”.

Subir na escala de valor exige:

  • Comerciais que saibam vender soluções, não metros de tecido.
  • Canais que cheguem aos novos decisores — talvez um director de inovação ou um gestor de compras de tecnologia, e não o tradicional comprador têxtil.
  • Comunicação que fale de problemas resolvidos, não apenas de características técnicas.
  • Parcerias com integradores, empresas de software, sectores-alvo.
  • E, sobretudo, uma visão clara de que tipo de valor se está agora a vender.

A transição para soluções integradas não falha por falta de boas ideias. Falha porque não se prepara o resto da organização para vender, entregar e sustentar esse novo valor.

Been there, done that. Recordar este exemplo.

terça-feira, maio 06, 2025

Curiosidade do dia



Parece que o SIRESP continua a não estar à altura das exigências!

Como é possível? Então não foi nacionalizado?
"Having fought an expensive civil war against the barons, Henry III was short of money. Jealous of the lucrative revenues earned by the City of London Corporation, which had from London Bridge sided with the barons in the civil war, Henry seized control of the bridge in 1269 and handed its administration to his wife, Eleanor of Provence.
The money raised from tolls was supposed to pay for maintenance and repair, but instead was squandered. The bridge fell into disrepair and, in the winter of 1281-1282, partially collapsed. Henry's son, Edward I, handed the bridge (then the only one in London) back to the City of London Corporation, which has been responsible for the City's bridges ever since. So successful has this been that the City Bridge Foundation has been able not only to maintain the City's five bridges without tolls, but also donates £30m a year to London charities. Meanwhile, Hammersmith Bridge, the responsibility of the Borough of Hammersmith & Fulham, has been closed to motor traffic for five years as the council can neither afford repairs nor sees the necessity for them, supposedly because they think it benefits those south of the river more than those north of it.
London Bridge's period of nationalisation is immortalised in the humorous song London Bridge is falling down, the full version of which disparages Queen Eleanor. It set a precedent for future nationalisations: cream off the revenue for other purposes, hand management to inexperienced cronies, mismanage the assets and underinvest. Such a strategy has proved perennially popular with governments."

Trecho retirado de "Nationalisation is not the answer

É preciso passar da reacção à transformação (parte II)

Parte I.

O buraco é global. E o vinho também.

Ontem o Financial Times trazia uma manchete que podia ter saído do Douro: “Tipping point — Bordeaux fine wine producers slash prices as wealthy collectors stay away”.

Produtores históricos de Bordéus, como Lafite Rothschild e Angélus, cortaram em mais de 30% os preços dos seus vinhos. A colheita de 2024 está a ser vendida a valores que não se viam há uma década. E o modelo en primeur, outrora símbolo da sofisticação e da antecipação, começa a ser posto em causa.

Os sinais são claros:

  • O consumo global de vinho está a cair.
  • As novas gerações bebem menos — e bebem diferente.
  • Os investidores perderam o apetite.
  • Há concorrência feroz a chegar de todas as direcções.

Lê-se Bordéus, mas podia ler-se Douro.

Há décadas que ouvimos que os produtores de uvas vivem tempos difíceis. Mas 2023, 2024 e agora 2025 acumulam alertas cada vez mais graves: a Casa do Douro pede um plano plurianual, fala de risco sistémico, de incerteza, de abandono. E as empresas compradoras hesitam, retraem-se, protegem-se. Ninguém se compromete com o futuro.

E se, de facto, o futuro não for um regresso ao que era?

É isso que o artigo do FT parece sugerir. Que talvez tenhamos mesmo entrado num novo clima — económico, cultural e simbólico. E nesse novo clima, as regras mudaram. O prestígio já não basta. A tradição já não segura a procura. E os modelos de negócio que funcionaram durante décadas mostram agora fissuras.

O paralelo entre Bordéus e o Douro é mais do que acidental: é um espelho. Mostra-nos que não estamos sozinhos, mas também não estamos imunes. E confirma que não basta esperar por melhores dias. É preciso repensar o que fazemos com o que temos.

Talvez este seja o momento certo para parar de reagir e começar a transformar.

O buraco é global. Mas a saída será sempre local.


segunda-feira, maio 05, 2025

Curiosidade do dia


Eis porque Bento XVI nunca teve o sucesso mediático de Francisco.

No seu primeiro volume da trilogia "Jesus de Nazaré", Joseph Ratzinger / Bento XVI dedica uma reflexão profunda às tentações de Jesus no deserto, e interpreta-as não apenas como episódios isolados, mas como desafios espirituais permanentes para a Igreja e para a humanidade. Eu nunca tinha apanhado ou lido sobre esta perspectiva do permanente.

Jesus é desafiado pelo diabo (o tentador) a usar o seu poder divino para transformar pedras em pão, e assim satisfazer a sua fome. Esta tentação, explica Ratzinger, não é apenas sobre fome física, mas sobre o papel de Deus e da Igreja na sociedade.

Ratzinger argumenta que esta tentação é a proposta de um messianismo puramente social ou político, que vê a missão da Igreja como resolver necessidades materiais, oferecendo “pão” no sentido literal, em vez de alimentar a alma com a verdade e o amor de Deus.

Bento XVI vê nesta tentação o risco constante da Igreja transformar-se numa ONG filantrópica, cuja principal missão seria resolver carências sociais, e de esquecer-se de "nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus".

BTW, aproveito para citar este tweet:


É preciso passar da reacção à transformação

Repito a pergunta desta "Curiosidade do dia":

"E se isto não for apenas a tempestade — e se for o novo clima?"

Recordo alguns postais sobre o vinho:

O que é que coisas como as que se seguem implicam?
  • "Total wine consumption, spanning reds, whites and rosés, is down more than 80 per cent in France since 1945"
  • "The U.S. surgeon general said alcoholic beverages should carry cancer warnings to increase awareness that the drinks are a leading cause of preventable cancers." 
  • "The study, based on an Ipsos survey of 11,842 adults of a range of ages in the UK, US, Spain, Japan and Brazil, found that 68 percent had tried no- or low-alcohol alternatives and 80 per cent believed that drinking them was more acceptable than it was five years ago."  

 Há quantos anos ouvem/lêem que as coisas estão más para os produtores de vinho do Douro? 2023, 2024 e 2025 (no passado Sábado, 3 de Maio, no JN o artigo "Casa do Douro lança "grito de alerta" para nova crise na vindima").

Situação no Douro:

  • Os viticultores estão perante um momento particularmente grave, outra vez, com risco de redução drástica na compra de uvas, após anos seguidos de prejuízo.
  • A Casa do Douro, outra vez, lança um "grito de alerta" e pede medidas estruturais ao Estado, sugerindo um plano plurianual.
  • As empresas que compram as uvas desconfiam do futuro e geram incerteza generalizada sobre o futuro da produção.
Talvez seja tempo de deixar de tratar estas dificuldades como eventos isolados. Talvez o modelo de negócio esteja esgotado. É tempo de discutir novas formas de organização da cadeia de valor, diversificação, reforço da transformação local e diversificação dos canais de escoamento.

É preciso passar da reacção à transformação.


Talvez seja esse o nosso buraco. Anos a reagir, a remendar, à espera que o mercado recupere, que o consumidor mude de ideias, que o Estado resolva. Mas, e se afinal isto não for apenas mais uma descida passageira? E se estivermos já num novo clima, com outras regras, outras exigências, outras oportunidades? 

O buraco não é o fim — é o lugar onde se aprende. Agora que caímos nele mais uma vez, talvez esteja na hora de escavar para cima, com outro mapa na mão. Não para voltar ao que era, mas para construir o que pode vir a ser.

Sair do buraco exige mais do que esforço - exige clareza. Há momentos em que tudo parece ruído: dados soltos, opiniões contraditórias, decisões adiadas. Mas quando alguém ajuda a organizar o pensamento, a ver padrões, a ligar sinais dispersos, o caminho começa a emergir. E com ele, a possibilidade real de voltar a subir - com mais direcção, mais confiança e um plano nas mãos.

domingo, maio 04, 2025

Curiosidade do dia



No passado dia 2 de Maio o FT publicou um artigo interessante, com laivos de Mongo, intitulado "Al to diverge as new generation of specialised agents takes shape".

O artigo faz-me recordar o tema da polarização dos mercados, um tema de 2006.

O artigo do FT explora o rumo que a inteligência artificial está a tomar, dividindo-se entre:
  • grandes agentes generalistas (como ChatGPT, Claude, Grok), capazes de lidar com múltiplas tarefas; e
  • agentes especializados, desenvolvidos com funções bem definidas, que estão a crescer em popularidade e utilidade.
Com base em desenvolvimentos recentes, sobretudo à volta do modelo LLaMA da Meta, o autor sugere que o futuro poderá não pertencer apenas a um modelo "tudo-em-um", mas sim a um ecossistema de agentes personalizados, adaptados a tarefas específicas e mais leves do ponto de vista computacional.

Qual é a direcção?

Seth Godin escreveu em "Every tactic...":

"Has a strategy behind it.

Often unsaid, undiscussed and hidden. It's easier to simply play with the tactic of the moment.

Tell me what your tactic is trying to accomplish and I'll be halfway to understanding what your strategy is.

But it makes a lot more sense to announce your strategy first, and then invite your team to invent tactics that make it work."

Muitas vezes, as PMEs deixam-se arrastar por tácticas — a nova plataforma, o mais recente "lead magnet", a ferramenta da moda - sem pararem para perguntar: "O que é que queremos realmente alcançar?" Pode dar uma sensação de produtividade no momento, mas sem direcção, o movimento transforma-se em agitação sem sentido.

Seth Godin capta algo de essencial: se conseguirmos identificar o que a táctica pretende alcançar, já estamos a meio caminho de descobrir a verdadeira estratégia. Mas quão mais sólido seria se começássemos pela estratégia? Se a equipa compreendesse o objectivo maior, a história de que faz parte, poderia inventar melhores tácticas — mais ajustadas, mais duradouras, mais eficazes, mais percebidas e sentidas.

Há algo de estruturante em trabalhar a partir da estratégia. Poupa tempo, reduz frustrações e permite que cada um alinhe o seu esforço com um propósito. É aí que tudo começa a fazer sentido - não porque a táctica seja brilhante, mas porque a direcção está clara. 

Conhece a sua estratégia?

sábado, maio 03, 2025

Curiosidade do dia

Há perguntas que valem mais do que muitas análises. Uma delas é esta:

"E se isto não for apenas a tempestade — e se for o novo clima?"

Para os líderes de PME esta distinção é vital. Uma tempestade passa. Uma mudança de clima, não. O erro de tratar o estrutural como conjuntural — ou vice-versa — pode custar a sobrevivência.

Nem toda a disrupção é permanente. Algumas crises (como uma quebra pontual na procura, um atraso no fornecimento ou uma variação cambial) justificam respostas tácticas, rápidas, de curto prazo: ajustar o preço, adiar investimentos, renegociar contratos. Outras mudanças, porém, são sinais de uma reconfiguração estrutural: hábitos de consumo que se transformam, tecnologias que se impõem, modelos de negócio que perdem relevância.

Neste segundo caso, não basta resistir até "voltar ao normal". Porque o normal mudou. É preciso repensar o posicionamento da empresa, rever capacidades internas, avaliar se os produtos ou serviços continuarão a ter espaço nos mercados futuros. Isso exige outro horizonte: mais estratégico, mais lento, mais exigente — e mais decisivo.

O verdadeiro desafio está no discernimento. Não reagir por reflexo. Não esperar por certezas que nunca chegam. Agir com lucidez: identificar os sinais, envolver a equipa, testar pequenas hipóteses antes de apostar tudo.

Para as PME, a agilidade é uma vantagem — mas só quando guiada por um olhar lúcido sobre o tempo em que se vive. Numa tempestade, protege-se o essencial. Num novo clima, redesenha-se o futuro.

Em tempos de incerteza, os líderes mais eficazes não são os que têm todas as respostas, mas os que fazem as perguntas certas: isto é uma tempestade passageira ou o sinal de um novo clima? 

Tomar essa decisão pode mudar o rumo de uma empresa. Às vezes, tudo o que é preciso é alguém ao lado que ajude a clarificar o cenário, organizar o pensamento e dar estrutura às escolhas — para que o caminho a seguir seja mais claro, e menos solitário.

O tecelão

 

"Then Klopp walked on stage and the chemistry changed, in the way it sometimes can in a large arena. He smiled - that huge megawatt smile — and started answering questions from John Bishop, the MC, about his nine-year tenure at the club. Yet the German didn't want to talk about the matches, goals or highlights, but rather the moments behind the scenes that had, he believed, proved crucial.

He talked of a moment at the start of his reign when he asked the players to gather in the media room while the staff - gardeners, cooks, fitness coaches etc — walked through one at a time. He asked the players: "Do you know these people? Do you know their names?" Embarrassed, the players realised that they often didn't have a clue. "They are here to help you to perform 100 per cent. They are part of the team," he said.

Another moment regarded by Klopp as "seminal" in those early days was a trip he arranged to Tenerife with the whole of the backroom team. "I didn't know these people before I came here, but they became friends," he said. "Friends for life." Bishop couldn't help smiling and the crowd murmured, glimpsing the significance of what Klopp was saying.

And as he talked, I found an image forming in my mind. It wasn't of Klopp the manager, but rather of Klopp the weaver. I couldn't help thinking that, for all his tactical knowledge and formidable competitive instincts, his deeper strength lies in knitting people together, weaving disparate individuals into a shared ethos. "We had to get the culture right," he said. "That's what this club is about." 

E na sua organização, quem é/são o(s) tecelão(ões)?

Trechos publicados no The Times do passado dia 1 de Maio em "Liverpool offer lesson in succession"

sexta-feira, maio 02, 2025

Curiosidade do dia


A Casa Branca agora está a aderir às ideias do Bloco de Esquerda sobre controlo de preços. 

Extraordinário!

No WSJ de hoje, "Republicans for Price Controls":
"Instead, the latest from anonymous White House officials is that they have a better plan, a Kamala plan. Forget Medicaid reform - too hard. Let's duck that fight and let all those welfare programs continue to grow on autopilot. Instead, we will fill any accounting holes by imposing price controls on companies that make cancer treatments.
...
And price controls are price controls, no matter how proponents try to spin them. The White House is floating what it calls a "one favored nation" plan, which Mr. Trump endorsed in his first term but has since gone back and forth on. It would essentially tie federal payments for medications to the lower prices paid in other developed countries."

Para reflexão


O jornal WSJ do passado dia 22 de Abril incluía o artigo, "As AI Changes the Economy, Companies Need to Keep Pace."

O artigo aborda a forma como a inteligência artificial (IA) está a transformar silenciosamente os negócios, permitindo uma "economia sempre ligada" (always-on economy), em que as empresas funcionam de forma contínua, sem dependerem dos ritmos de trabalho humanos tradicionais. Esta tecnologia está a expandir as horas produtivas e a reduzir a necessidade de interrupções nas actividades económicas.
"They don't get tired or hungry, call in sick or go on vacation. [Moi ici: Ao contrário dos seres humanos, os agentes de IA não necessitam de descanso, férias ou equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. Assim, tarefas como a análise de dados ou o atendimento de clientes podem decorrer 24 horas por dia]
...
AI is reshaping the economy by providing automation that transcends traditional time and capacity constraints [Moi ici: O conceito de 'Always-on economy' Konstantine Buhler, da Sequoia Capital, apresenta este conceito para descrever a transformação que possibilita decisões e operações ininterruptas em áreas como vendas ou estratégia]
...
Every minute of delay can diminish a customer's intent. [Moi ici: A capacidade de responder aos pedidos dos clientes a qualquer hora — com a mesma eficácia de um horário comercial - tornou-se um factor competitivo decisivo.]
...
There was never a world where I could send that off to an analyst at midnight and wake up with that...being done. [Moi ici: A IA pode acelerar decisões que antes exigiam reuniões ou a disponibilidade de pessoas específicas, permitindo um ritmo mais célere nos negócios.]
...
Business needs to develop a new cadence, [Moi ici: O modelo "always-on" implica uma mudança cultural significativa, obrigando à reestruturação de processos para tirar partido da automatização contínua e de uma resposta imediata ao cliente.]"

Recuo a uma reunião algures em 1989 ou 1990. Eu, um jovem profissional acompanhei o meu chefe, o director técnico, a uma reunião com um cliente. A certa altura um deles disse para o outro com nostalgia:

"Ah! Lembra-se do tempo em que as encomendas eram por carta?"

Ainda usávamos telex, ainda não usávamos fax e o e-mail ainda não existia.

Only the paranoid survive.

 

quinta-feira, maio 01, 2025

Curiosidade do dia

No FT de 30 de Abril passado reparei neste título "Spotify adds 5mn subscribers as consumers seek to tune out political 'noise'."

Também ontem percebi que o "Canal Now ultrapassa SIC Notícias":

"O NOW registou, ontem, um share médio global de 1,93%, com perto de 49 mil espectadores a cada minuto, naquele que foi o melhor dia de sempre do canal."

 Ainda me lembro do frenesim das rádios e TVs com a ideia de eleições antecipadas e com a antevisão do circo associado: debates, comentariado, comentariado do comentariado.

Vi/ouvi zero debates.

Será que num KPI que medisse "horas de comentário sobre horas de emissão" a SIC Notícias ficaria à frente?

Onde estás tu, Oliveira de Figueira?

O WSJ de 29 de Abril passado traz um artigo, "Chinese Manufacturers Scour the World for New Buyers", sobre o que é que as empresas chinesas estão a fazer para dar a volta ao desaparecimento do mercado norte-americano por causa do impacte negativo das tarifas impostas pelos EUA sobre as importações chinesas.

"With the White House imposing 145% tariffs this year on Chinese goods, Chinese manufacturers are fanning out around the world.

...

The U.S. is by far the largest single-country buyer of China's exported goods, accounting for roughly half a trillion dollars of products, or about 15% of China's goods exports, last year, according to Chinese customs data.

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Many Chinese manufacturers have little choice but to find new overseas markets for their goods, since they face brutal competition and a stagnating economy at home.

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But after an epic property-market collapse and with economic growth slowing, Chinese people are saving more and spending less.

...

Consumer prices have flatlined, factory-gate prices have fallen for more than two years and imports have declined."

As empresas chinesas estão a explorar mercados alternativos como a Europa, Sudeste Asiático, Médio Oriente e África. Nas feiras internacionais, os expositores chineses superam em número os fabricantes locais, oferecendo produtos com excesso de produção devido à queda nas encomendas.

"First-time fairgoer Qian Xichao, a representative of Wujiang City Hongyuan Textile, said factories in China are churning out so many excess goods that price wars have broken out, killing profits.

...

All we can do is go out and look for new opportunities," Qian said.

...

At the Jakarta trade fair, one of the largest for Indonesia's textile and garment industry, Chinese exhibitors outnumbered domestic manufacturers by more than two to one in the directory. About 400 Chinese manufacturers were listed as exhibitors, and many said it was their first time in the country."

Para quem não consegue fugir da competição com as empresas chinesas: mais concorrência, mais pressão sobre preços e margens. Há que reforçar o conhecimento dos mercados internacionais e adaptar produtos às preferências locais. Participar em feiras internacionais e missões empresariais para ganhar visibilidade. Há que investir em certificações, branding e soluções digitais para aumentar a atractividade. Há que antecipar e mitigar o risco de concorrência agressiva nos mercados tradicionais através da inovação contínua.