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Consideremos, mais uma vez, este esquema da figura que se segue, para simplificar e ajudar a interpretar os acontecimentos:
Consideremos, também, o universo dos fabricantes de calçado localizados em Portugal no final do século passado, à altura do arranque do euro, da adesão da China à OMC e dos países da Europa de Leste à EU. Vamos dividir esse universo em quatro tipos de empresas:
As empresas do tipo A são as mais comuns no país, à altura do início desta narrativa, são empresas que trabalham sobretudo em regime de subcontratadas e basicamente vendem minutos de trabalho.
As empresas do tipo B são pouco comuns, são as que dominam alguns truques do negócio, ou sejam, são capazes de produzir algo que as outras não conseguem, ou dominam canais de comercialização, ou têm marcas próprias pouco desenvolvidas que operam no mercado nacional.
As empresas do tipo C são sobretudo multinacionais ou fábricas subcontratadas, com milhares de trabalhadores. O seu negócio é preço baixo e escala, lidam com encomendas grandes, prazos dilatados e pouca variedade, pelos padrões actuais.
As empresas do tipo D são uma minoria, empresas com marca própria bem desenvolvida e que vendem sobretudo para o mercado externo a preços bem acima da média.
Agora vamos aos factos, primeiro os dados, retirados de uma publicação da APICCAPS de Dezembro de 2009.
Os macro-acontecimentos que influenciam estes números podem ser resumidos desta forma:
- Invasão do mercado mundial pelo calçado asiático a preços de arrasar;
- Aumento dos custos da mão-de-obra portuguesa, pela via do aumentos salários e pela via da adopção de uma moeda forte;
- Explosão da variedade e do factor moda no consumo de calçado, o que determinou a necessidade de encomendas mais pequenas, de prazos de entrega mais curtos, de maior variedade de modelos, de maior variedade de matérias-primas e cores.
O segundo gráfico está em linha com o anterior, como as empresas fecham, e como as encomendas encolhem em tamanho, há cada vez menos gente a trabalhar no sector.
O terceiro gráfico está em linha com os anteriores. Menos empresas, logo, menos trabalhadores, logo, menos pares produzidos.
O quarto gráfico já não é conciliável com os anteriores de uma forma directa. Especulo que depois da pancada sofrida inicialmente, as empresas que resistiram a esse primeiro embate tentaram responder optando pelo combate no mesmo campo dos concorrentes asiáticos, apostando no aumento da eficiência física, produzindo mais sapatos por trabalhador. Depois, numa segunda reacção triunfou um modelo que não assenta na eficiência mas na eficácia. Mas é só uma especulação.
BTW, uma forma de uma marca forte se defender das cópias por concorrentes sem escrúpulos, é conceber modelos pouco eficientes, modelos com muitos componentes.
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- Não tentem competir pelo preço, não têm hipótese! Como podem ser únicos? Como podem fazer a diferença?
- Assim, mais e mais empresas vão abandonar a produção pelo preço (reduzir a quantidade de empresas do tipo A) e, concentrar-se na criação de uma marca própria forte e com projecção internacional (aumentar a quantidade de empresas do tipo D) e, concentrar-se na prestação de serviços subcontratados onde a vertente rapidez, flexibilidade e know-how se sobreponham ao preço (aumentar a quantidade de empresas do tipo C) e, concentrar-se na prestação de serviços fora de comum que poucas empresas dominam (aumentar a quantidade de empresas do tipo B)
- Ou seja, em teoria, estas mudanças deverão levar a um aumento da produtividade, porque mais valor vai ser criado por menos empresas menos trabalhadores e menos pares.
O segundo gráfico mostra como o aumento do Valor Potencial criado se traduziu num aumento da facturação por trabalhador.
O terceiro gráfico mostra como o aumento do Valor Potencial criado se traduziu num aumento da facturação por par produzido.
Agora só nos falta voltar ao artigo de Daniella Magionni para usar o caso português para arranjar uma explicação alternativa à apresentada nas suas conclusões.
Continua.